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Direitos fundamentais e políticas públicas
As Constituições do início do século XX, como a mexicana de 1917 e a
de Weimar, de 1919, a brasileira de 1934, a Lei Fundamental alemã, de
1949, a portuguesa de 1976 e a espanhola de 1978, a brasileira de 1988,
entre outras, alteraram o conteúdo e o modelo dos tradicionais diplomas
constitucionais, uma vez que estes além de organizarem estrutural e
politicamente o Estado, trazem em seu bojo direitos fundamentais que
devem ser tutelados pelo Estado, pelos particulares e pela sociedade civil,
como se infere, por exemplo, dos arts. 5º-12 e 170-203 da Constituição
Federal de 1988 (CF/88).
Essa
alteração
de
forma
e
de
conteúdo
nos
documentos
constitucionais ocorre paralelamente a fatores históricos como as duas
grandes guerras, crises econômicas, como a de 1929 nos Estados Unidos,
bem como pelo término de regimes autoritários em diversos países. Esse
contexto altera, copernicamente, o modo pelo qual o Direito e o Estado são
compreendidos pela sociedade de intérpretes.
Essa é a fase de passagem dos Estados de Direito Liberais, para os
Estados Sociais de Direito e, atualmente, ao menos formalmente no Brasil, o
Estado Democrático de Direito, que se lastreia em uma maior intervenção
econômica e social estatal na sociedade civil e na vida privada, com o
objetivo de efetivação de justiça social, como se extrai, por exemplo, do art.
170 da CF/88. Esse Estado Democrático de Direito, segundo Canotilho, está
fincado
em
quatro
pilares:
socialidade,
juridicidade,
democracia
e
sustentabilidade ambiental, que devem ser observados no momento em que
particulares e Estado produzem comportamentos ensejadores de direitos e
de deveres para si e para outem na coexistência diária.
A socialidade e a sustentabilidade ambiental apontam para a
perspectiva dialógica entre os direitos individuais, individuais homogêneos,
coletivos e difusos (ex.: Código de Defesa do Consumidor, art. 81), isto é, de
transcensão entre o individual e o social e não de transição entre eles, na
qual um poderia oprimir o outro. Exemplo disso é a tutela constitucional
relacionada à possibilidade de o particular ser titular proprietário de um
bem móvel ou imóvel (perspectiva liberal do Estado – art. 5º, XXII, da
1
CF/88), mas ao mesmo tempo possuir o dever de funcionalizar o bem socioambientalmente (CF/88, arts. 5º, XXIII, e 225; Código Civil, art. 1.228, caput
e § 1º – perspectiva de Estado Social e Democrático de Direito). Desse modo,
há um condicionamento socioambiental para o exercício de direitos
fundamentais individuais àquele que pretende ser titular proprietário de
bens de produção e de consumo na sociedade contemporânea.
A democracia (CF/88, art. 1º) é o pilar do Estado Democrático de
Direito que viabiliza a participação política do cidadão nas decisões públicas
que o atingirão direta ou indiretamente, destacando-se que esta participação
pode ocorrer de várias maneiras, por representação, por deliberação ou por
participação direta, por exemplo, por meio de Conselhos Comunitários ou
instituídos pelo Poder Público que envolva a sociedade civil, por plebiscito
por referendo, entre outras formas de atuação democrática. Além da
democracia
política,
pode-se
constatar
a
existência
de
democracia
socioambiental e econômica, no que toca ao acesso (ex.: regularização
agrária e fundiária), à aquisição e à utilização dos bens e dos serviços postos
à sociedade, como se infere, por exemplo, com programas de incentivo e de
desoneração tributária e de crédito aos fornecedores e usuários ou
adquirentes.
Ao lado da democracia e com ela tencionando sempre de maneira
necessária e complementar se insere a figura do constitucionalismo, fator
contramajoritário, normalmente, concretizado pelo Poder Judiciário para o
resguardo e a tutela dos direitos fundamentais de grupos minoritários (ou
não) que possam estar sendo oprimidos, como se viu com a decisão do STF
que, ao decidir sobre a constitucionalidade do art. 1.723 do CC, afirmou que
tal dispositivo não poderia vedar o reconhecimento da união homoafetiva
como uma espécie de entidade familiar, sem olvidar os contornos próprios de
cada entidade.
O constitucionalismo exemplifica e explicita a juridicidade, último pilar
do Estado Democrático de Direito, pois traduz a impossibilidade, ao menos
no
campo
do
dever-ser,
de
prolação
de
decisões
arbitrárias
e
desfundamentadas pelos Poderes da República, podendo o Poder Judiciário,
sempre de maneira séria e fundada nas formas de expressão do Direito
2
adequadas a cada caso concreto, fazer o controle de atos decisórios dos
demais poderes e dos particulares (CF, art. 5º, XXXV).
Esses quatro pilares são informados e enformados pelos denominados
direitos fundamentais tidos, por alguns, como a positivação no plano interno
constitucional dos direitos humanos, presentes no plano internacional, a
saber, Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de
1948. A rigor, embora se respeite este entendimento, defende-se a ideia de
que os direitos fundamentais podem (ou não) estar positivados em diplomas
nacionais ou internacionais, mas devem, independentemente de positivação,
serem tutelados e respeitados pelo Estado, pelos particulares e pela
sociedade. Nem todo direito fundamental é humano (ex.: meio-ambiente
equilibrado – direito da humanidade), mas todo direito humano é
fundamental. Por isso acolhe-se a acepção mais abrangente e não
necessariamente positivada de direitos fundamentais.
Isso porque tais direitos emergem de uma construção histórico-social,
muitas vezes banhadas com suor e sangue, estando, normalmente,
presentes nas Constituições do século XX, e servem ao direcionamento, à
fundamentação
e
à
vinculação
legislativa
e
decisória,
no
campo
administrativo, judicial e entre os particulares, bem como à atividade de
interpretação jurídica. Esses direitos são qualificados como fundamentais,
justamente pelo fato de fundarem concreta e diuturnamente a práxis
constitucional e infraconstitucional de uma determinada comunidade seja
nas relações entre os particulares e o Estado, seja no governo jurídico das
relações interprivadas, como aponta o art. 5º, § 1º, da CF/88.
Por isso é que Menelick de Carvalho Netto e Guilherme Scott, na obra
Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito, indagam: O que uma
Constituição constitui? A resposta que se pode conferir é que a Constituição
constitui
uma
comunidade
de
pessoas
livres
e
iguais,
formal
e
materialmente, em determinado espaço e tempo histórico, mesmo que isso
pareça utópico para alguns, principalmente pela emergência que estes
direitos fundamentais apontam, talvez como compensação histórica do
Estado pelas barbaridades (ex.: nazismo, fascismo regimes autoritários) por
ele perpetradas em específicos períodos históricos, por exemplo, no século
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XX, a acolher a postulação teórica de Arnaldo Godoy em artigo ainda inédito,
mas explicitado pelo autor em palestra ocorrida no UNICEUB, em 5 de maio
de 2014.
Nesse diapasão, os direitos fundamentais servem para desnaturalizar
os usos costumes e tradições que no pretérito eram normalizados, ex.: a
desigualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres presentes, por
exemplo, no Código Civil de 1916, e, ao menos desde o século XX, são
considerados abusos.
Os direitos fundamentais estão modulados por uma ética reflexiva,
que, permanentemente, põe em xeque as nossas premissas, as nossas
conclusões e os nossos modos de coexistência. Noutros termos, passa-se de
uma ética da liberdade (“a minha liberdade começa quando a do outro
termina”, caracterizadora do personalismo ético), para uma ética de
alteridade (“a minha liberdade começa no momento em que a do outro se
inicia”, lastreada em uma liberdade ética na coexistência, ou seja, ética
responsável, p. ex.: ao respeitar o outro contratante nos contratos, a partir
da observância da função socioambiental do contrato público ou privado),
não obstante a prática e construções da literatura jurídica e dos tribunais
possam tentar desmentir essa premissa. Diante disso, é a passagem
paradigmática do eu para o nós e para eles, em que os eus, o nós e eles se
irmanam na construção diária, provisória, porosa e plural de uma
comunidade de livres e iguais, com o mesmo respeito e consideração.
Esse esclarecimento ético permite dividir não em caráter estanque,
mas sempre dinâmico, coordenado e, necessariamente, complementar, os
direitos fundamentais em: (i) individuais (direitos políticos civis, de voto, de
liberdade e de igualdade – CF/88, art. 5º, caput); (ii) sociais, econômicos e
culturais (CF/88, arts. 6º-11 e 170-203); (iii) transindividuais, como o meioambiente equilibrado, a biodiversidade, entre outros; (iv) globais, à
cidadania, à democracia, à informação e à paz, como defende Paulo
Bonavides em seu Curso de Direito Constitucional.
Feita essa introdução, onde se inserem as políticas públicas nesse
cenário histórico-político-social-constitucional? Diretamente na consecução
de direitos fundamentais sociais, que atingem, no mínimo indiretamente, os
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demais direitos fundamentais, sempre no intuito de construção de uma
sociedade mais justa, solidária e ambientalmente responsável (CF, art. 3º, I).
Destaca-se que a ideia de política pública foi, inicialmente, bastante
desenvolvida no âmbito da Ciência Política e da Administração nas décadas
de 1960 e 1970 do século XX. No Direito, o debate foi intensificado e
aprofundado a partir da década de 1980 do século XX, embora essa
discussão seja antiga e pode remontar à Aristóteles, quando este pensador
grego preocupava-se com os destinos dos bens públicos e da sua deliberação
política pelos cidadãos gregos.
No presente trabalho apresentar-se-á um sentido jurídico para o termo
políticas públicas, sem olvidar da importância que o instituto detém nas
demais áreas do saber, sendo imprescindível um diálogo do Direito com
estas áreas do conhecimento.
Principia-se a análise com a distinção terminológica entre politic e
policy. O termo politic está a significar política, que pode ser entendida como
ações direcionadas ao atingimento, exercício e condução do poder e (ou) para
as deliberações públicas sobre as coisas públicas. O termo policy pode
significar a ação governamental programada e direcionada a um objetivo
específico, por meio de um processo, no qual se afere o problema social
enfrentado mensurando-se o tempo, os recursos, os métodos e as finalidades
a serem atingidas com tal ação programada, a partir dos três planos macro,
micro e mesoinstitucional, desenvolvidos por Maria Paula Dallari Bucci em
seus trabalhos sobre o tema. O termo policy, portanto, estaria ligado à ideia
de política pública, cuja feição jurídica, a nosso ver, é de uma atividade
normativa estatal, dialogada com a sociedade civil, com o intuito de
concretização dos direitos fundamentais, mormente os sociais.
Uma primeira discussão que se põe é sobre quem pode ser o ator
protagonista para a formação (verificação da agenda de problemas, das
possibilidades, do método, do tempo de das metas a serem atingidas), a
implementação/execução (concretização do conteúdo formulado na fase de
formação), a avaliação (realizada durante a execução para correção,
manutenção, extinção ou reforma) da política pública empreendida.
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Duas concepções são postas: (i) estatista, na qual o foco é no agente
formulador da política pública, exclusivamente o Estado Executivo que
segue os ditames postos na legislação pelo Estado Legislativo, cujo controle
cabe ao Estado Judiciário, salvo as exceções em que o Estado Judiciário
acaba tendo uma postura protagonista quando há inadequabilidade ou vazio
do Estado Executivo ou do Legislativo, tema para outro trabalho. A postura
estatista não impede o diálogo do Estado com a sociedade civil, como se
comprova com o Decreto n.º 8.243/14, em que foi instituído o Plano
Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social,
porém a iniciativa para as políticas públicas continua sendo do Estado, que
tem conhecimento dos recursos e da latitude e longitude dos problemas
sociais, ao menos em tese;
(ii) a segunda concepção é a abordagem multicêntrica que se volta não
para o agente formatador da política pública, mas para se o problema a ser
enfrentado é público ou privado. Desse modo, sendo um problema público, a
política a ser construída é pública, sendo privado, a política será privada,
pouco importando quem a formule, sendo relevante que a formulação seja
apta a resolver o problema a ser enfrentado. Essa concepção, embora
possibilite uma cidadania mais ativa aos membros da sociedade civil, pode
ensejar uma visão parcial e desconectada sistematicamente do problema,
podendo agravá-lo ao invés de solucioná-lo. Por isso é que se acolhe a
concepção estatista nos molde relatados acima.
Exemplifica-se a política pública derivada da legislação com a Política
Nacional do Meio-Ambiente posts na legislação de regência ou quando a Lei
Geral de Telecomunicações visa a construção de balizas para o setor no
Brasil. No âmbito do Poder Judiciário, decisões que concedem ou negam
remédios a cidadãos ou determinam que o Estado Executivo matricule uma
criança na creche pública também atua ativamente na consecução das
politicas públicas. O Bolsa Família é um exemplo de política pública com
suporte no Poder Executivo, com o intuito de combate a miséria, a fome e o
analfabetismo no país.
Nesse diapasão, pode-se pensar juridicamente a política pública a
partir a tríade ação-programa, processo e avaliação. A ação-programa
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significa a fase de formatação da política pública que, por meio da cognição
da relação processual administrativa, legislativa, judicial e eleitoral, se
mensura objetivos, tempo e custos, para que a política pública possa ser
avaliada constantemente.
Essa tríade é o instrumental derivado dos planos macroinstitucional
(análise do que seja política, política pública, dos sistemas de governo, das
formas de democracia e de como o Estado está organizado para atender as
demandas
sociais);
microinstitucional
relacionado
à
ideia
de
relação
processual fundada no contraditório, na qual se inserem, com as
peculiaridades de forma e de conteúdo que cada um possui, a verificação de
como as políticas públicas são construídas no seio dos processos
administrativos, legislativos, judiciais e eleitorais; mesoinstitucional, que se
preocupa com a construção e o desenvolvimento dos institutos e das
instituições, podendo-se conjugar os ensinamentos de Santi Romano, de
Hauriou e de Neil MacCormick, na construção da ideia de institucionalismo
jurídico, que serve como condição de possibilidade para coligar os demais
planos.
Feitos esses esclarecimentos acerca do que se entende por direitos
fundamentais e por políticas públicas, parte-se no tópico a seguir para a
análise da recíproca influência das políticas públicas do e no processo
eleitoral.
Influência recíproca do e no processo eleitoral nas e das políticas
públicas
O tema das políticas públicas envolve diversas dimensões de sentido,
de modelos de formação da agenda e de elaboração no âmbito dos Poderes
da república (Executivo, Legislativo e Judiciário) e da sociedade civil
democrática, inclusive no que tange ao processo eleitoral.
Dessa maneira, repisa-se a necessidade de se solidificar a democracia
política, por meio do voto (direito fundamental individual), reconquistada nas
eleições presidências de 1989, bem como da sua conjugação com as
democracias econômica e social.
Esses três tipos de democracia demandam papéis claros e cooperativos
das instituições jurídicas, políticas e sociais, com o fito e efetivar os direitos
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fundamentais individuais e sociais, devendo-se levar em conta, de maneira
articulada, as variáveis jurídicas das organizações políticas de cada
sociedade, inclusive no que toca ao corpo técnico de funcionários públicos
ou de particulares que possam realizá-las. É necessário, portanto, que as
visões desses titulares do exercício das políticas públicas sejam rentes à
concreta realidade dos problemas que se apresentam, devendo também ser
atuais os arranjos político-jurídico-institucionais, a revelar a importância da
inter-relação das várias áreas do saber relacionadas à temática das políticas
públicas.
De início, cabe ressaltar que uma sociedade democrática não pode se
limitar a um viés de democracia representativa como único meio de
participação do cidadão na vida política do país. A democracia participativa,
inclusive com maior intervenção do Poder Judiciário, conjuga o pacto
federativo entre os poderes da República e a sociedade civil, como se pode
inferir do Decreto n.º 8.243/14, que institui a Política Nacional de
Participação Social – PNS e o Sistema Nacional de Participação Social-SNPS,
como mais um canal dialógico da Administração Pública Federal com a
sociedade civil.
No referido programa, a perspectiva dialógica ocorre na formulação, na
execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas
públicas e no aprimoramento da gestão institucional, de acordo com as
diretrizes, os objetivos e os fins dispostos nos arts. 1-3º do mencionado
Decreto. Não obstante as críticas que pode sofrer, o Decreto traz importantes
mecanismos para a concretização do referido diálogo, com a construção de
conselhos, fóruns, audiências públicas nas quais haverá participação de
membros da sociedade civil e da administração pública federal, com o intuito
de articular as instâncias para que as políticas públicas possam concretizar
os direitos fundamentais sociais, que significam o norte normativo-axiológico
das mencionadas políticas.
A conjugação das democracias políticas, econômica e social é um fator
que pode explicitar viés federalista de nossa República, já que este é um
princípio estruturante do Estado brasileiro (CF/88, preâmbulo, arts. 1º e 60,
§ 4º, I). Desse modo, a ideia de Federação – unidade na diversidade de cada
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Estado-membro – no caso brasileiro, volta-se para a diminuição das
desigualdades regionais (CF/88, art. 3º, III), bem como para o fomento da
diversidade cultural, econômica e social, sem admitir direito de secessão
(CF/88, art. 1º).
Nesse passo, as políticas públicas e o modo como o processo eleitoral é
conduzido servem para que o federalismo e a Federação sejam explicitados a
partir da ideia de pacto federativo, em um sentido de cooperação e
coordenação das competências de cada ente, afim de que as políticas sociais
sejam concretizadas, a tornar recíproca a relação política pública e processo
eleitoral.
A teoria federalista separa a competência dos poderes executivo,
legislativo e judiciário, a fim de que não haja sobreposição de ações, a partir
da ideia de freios e contrapesos dos entes federativos e destes com a
população com o objetivo de se obter uma proximidade com as instâncias
decisórias e um maior controle do poder político e participação política.
Esse controle pode ser visualizado pela atuação de duas instituições
típicas do federalismo, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, uma vez que
são elementos importantes para assegurar o equilíbrio federativo, mormente
em relação ao controle da atividade do Executivo na promoção das políticas
públicas e nos anseios majoritários nas deliberações parlamentares.
Nessa linha, há no sistema federativo pátrio uma distribuição espacial
do poder, com a proteção contramajoritária cabendo ao Poder Judiciário,
sempre preservando as particularidades dos demais poderes, mas em
respeito
aos
mandamentos
constitucionais,
bem
como
a
integração
promotora verticalizada da União com os Estados-Membros nas questões
atinentes as deliberações econômicas, políticas e sócias no que toca as ações
governamentais
com
objetivo
específico,
caracterizador
das
políticas
públicas.
Certo é que a CF/88 concentrou na União o planejamento das
políticas públicas, com os entes subnacionais. Muitas vezes, executando tal
deliberação, pois estes podem com maior eficiência sanar ou minorar as
desigualdades regionais, a partir da construção da política pensada pela
União. Um federalismo de coordenação com traços de cooperação pode-se
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assim afirmar. Ocorre que muitas vezes esse modelo cooperativo não se
concretizou, também pelo fato de como o processo eleitoral no Brasil é
organizado.
Isso porque o processo eleitoral influência e é influenciado pelas
políticas públicas, a fim de que se compreenda as relações da base política
de um governo e a dependência da configuração técnico-jurídica em que o
sucesso das iniciativas governamentais estão vinculadas, mediante o
processo eleitoral.
Nessa senda, é indiscutível que o processo eleitoral reflete sobre a
formação e a implementação as políticas públicas, a unir, novamente, o
jurídico e o político. A esta relação também será aplicada a cognição da
relação jurídica processual, lastreada no contraditório, com o fito de que se
compreendam as tensões entre os interesses que permeiam as decisões
governamentais sobe as políticas públicas.
Traz-se à colação a distinta sistemática referente ao contraditório e as
tensões sociais que o processo eleitoral abarca, pois não visam à obtenção de
uma decisão governamental. Expressam sim a busca de
popular
que
legitime
as
ações
governamentais
uma decisão
vindouras,
com
o
contraditório político se configurando pelo confronto de posições da
“situação” e da “oposição”, sendo possível o processo eleitoral plasmar a
composição de blocos e de forças de apoio nesses polos opostos.
Esse processo eleitoral é regido por uma legislação específica que
disciplina o procedimento e processo para que as eleições ocorram de
maneira a gerar pequenas rupturas institucionalizadas da relação de poder
expressa na política vigente. Isso leva a um reacomodamento periódico e
programado as bases que sustentam o Poder Público, considerando-se os
agrupamentos e partidos, bem como as ideias nas quais eles se baseiam
para construir uma organização para o enfrentamento eleitoral.
Ocorre que se o programa de governo não possui vinculatividade no
sistema eleitoral, como acontece no sistema político presidencialista, as
eleições pouco contribuem para a racionalidade do processo governamental.
Essa situação se torna diferente no sistema político parlamentarista, já que
o governo está atado ao programa apresentado na época eleitoral, a
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configurar uma maior responsabilidade política, que não se verifica no
presidencialismo.
Dessa maneira, o poder pode ser criado pela base política instalada e
pelos resultados da gestão governamental, com o governo sendo um foro de
consumo de poder político, com os seus ônus e bônus, e um local de
“produção” de poder, com a modificação de estruturas e a geração de bemestar que não existiriam sem a ação governamental.
Essa dinâmica de busca e de manutenção do poder, com o auxílio das
politicas públicas, no presidencialismo, é apreendida da seguinte maneira:
como existe mandato governamental com prazo curto de duração, as
medidas de maior impacto, normalmente, são realizadas no primeiro ano de
governo, porque a legitimação das urnas ainda consegue sustentar as
medidas tidas por “impopulares”, como as de austeridade financeira, social e
institucional. Passada essa fase, inicia-se a legitimação do governo pelo
próprio processo governamental caso, nas democracias maduras dos
Estados pós-modernos de Chavallier, soberania compartilhada entre as
nações, como o caso da União Europeia, o resultado dos programas
produzam justiça social inclusão, condição de criação de novas situações,
com melhorias produtivas para as instituições e para a sociedade, com a
modernização institucional e o financiamento das políticas públicas
estruturais. A ação governamental exitosa, portanto, retroalimenta o poder
governamental
criando
condições
para
uma
gestão
técnica
e
não
tecnocrática.
Nos países, como o Brasil, de soberania jurídica exclusiva do Estado, a
conclusão não é diversa pelo fato dessas políticas públicas deflagradoras de
direitos fundamentais sociais terão repercussão no exercício do poder pela
situação, na construção da plataforma política da oposição e na análise dos
cidadãos acerca das melhorias sociais que estes programas trazem ou
deveriam trazer.
Esse processo pode ocorrer de maneira contrária se o processo político
e
a
gestão
governamental
se
dividirem
por
fatores
fisiológicos,
antropológicos, cujos instrumentos de governo sejam cooptados pelo grupo
dos vencedores no certame eleitoral. A versão moderada dessa situação é o
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menor desgaste possível auferido ao final do mandato presidencial com as
escolhas realizadas ao longo dele.
Após o processo eleitoral pátrio admitir a reeleição par o Poder
Executivo, a valorização da gestão é um dos artifícios utilizados pelos
concorrentes ao Poder, tendo em vista a ideia de gestão competente que
tanto a “oposição” quanto a “situação” tentam passar aos eleitores, sem
olvidar da proximidade do político ao governo federal e as fontes
repassadoras de verbas públicas.
Além disso, as circunstâncias econômicas, as condições nas quais as
políticas públicas foram projetadas servem de esteio para a formulação da
campanha eleitoral para a angariação de votos. Importante destacar como as
políticas públicas são um fator de agregamento das plataformas políticas dos
dois partidos que comandam o Poder Executivo brasileiro nos últimos 16
(dezesseis) anos – o partido dos trabalhadores – PT e o Partido Social
Democrata Brasileiro - PSDB.
Principia-se a análise lembrando que o Partido dos Trabalhadores (PT)
apresenta-se como um partido com tendências de esquerda e que o Partido
Social Democrata Brasileiro – PSDB, apesar de ter a sua gênese em uma
tendência mais à esquerda, principalmente após a morte de Mário Covas, se
configura como um partido mais ao centro e à direita. O que isso influencia
nas políticas públicas? Incrivelmente nada, pois ambos os governos nos
quais esses partidos possuem a chefia do Poder Executivo, de 1990-2014,
tem havido um constante investimento e incremento nas políticas públicas.
A título de exemplo, o FUNDEF e a Bolsa Escola ciados no Governo
Fernando Henrique foram mantidos e intensificados no Governo Lula. Neste
governo foram criados outros programas como o Bolsa Família, que
juntamente com o FUNDEF angariaram prêmios internacionais. Além disso,
pesquisas empíricas indicam que o comportamento do eleitorado desses dois
partidos é o mesmo quando eles se encontram na oposição e na situação.
Em regra, quando um dos dois partidos estão na oposição, os eleitores mais
abastados, mais conservadores politicamente e menos suscetíveis aos
benefícios imediatos e diretos das políticas públicas votam na oposição,
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enquanto que aqueles beneficiados imediata e diretamente por tais políticas
votam na situação.
As
regiões
brasileiras
menos
abastadas
(Norte
e
Nordeste)
tendencialmente votam no partido da situação porque os eleitores percebem
concretamente a efetividade das políticas públicas desenvolvidas no âmbito
federal e executadas diretamente pela União ou com o auxílio do EstadoMembro ou do Município. O Bolsa Família é um exemplo de execução direta
da União da política pública contra a miséria e o analfabetismo, já que as
verbas são direcionadas diretamente dos cofres públicos para a conta
vinculada ao programa dos beneficiários.
Disso
podemos
extrair
que
independentemente
da
plataforma
programático-ideológica que PT e que PSDB enunciem publicamente, no
atual cenário brasileiro, é praticamente pouco provável que haja um
retrocesso em relação ao fomento das políticas públicas no país. Isso porque
ambos os partidos disputam a mesma base eleitoral, as classes de baixa e de
média renda, o que intensifica a manutenção da agenda de fomento ao
instituto.
O que pode ser alterado é o foco problema público (ex.: educação,
saúde, assistência social, meio-ambiente, segurança alimentar, entre
outros,) a ser objeto da política pública, mas não se acredita em retrocesso
quanto ao tema. Dessa forma, um discurso político-eleitoral de arrefecimento
na consecução de tais políticas não parece muito inteligente na atual quadra
histórica no país.
Essa constatação empírica serve também para afastar críticas ao
sistema federalista brasileiro, baseadas nas ideias do federalismo predatório
e das instituições públicas ineficientes. O federalismo predatório derivaria do
fato de as competências institucionais serem exclusivas da União e outras
concorrentes, o que acirraria a disputa entre os Estados da Federação.
Esse argumento, diante das assertivas sobreditas, cai por terra, uma
vez que se torna cada vez mais necessário uma coalizão partidária para que
se governe o país, o que enseja maior habilidade política de quem está no
poder. Tanto o é que partidos conservadores em relação ao aspecto social da
base governista, como o PMDB, tem apoiado as políticas públicas instituídas
13
pelo Poder Executivo, inclusive referendando o polêmico Decreto n.º
8.243/14.
Mesmo que seja uma postura utilitarista, o resultado é o de
fortificação de políticas públicas nos governos do PT e do PSDB nos Estados
e nos Municípios da Federação. Até candidatos que advieram da FIESP, em
seus discursos políticos, afirmam categoricamente a manutenção de tais
políticas e isso, de certo modo, ratifica a pouca probabilidade de retrocesso.
A ineficiência das instituições derivada do multipartidarismo, do
clientelismo e da disputa pelas pastas ministeriais também não é um
discurso que tenha servido para enfraquecer o federalismo e o fomento das
políticas públicas. Afora os casos de corrupção e de outros ilícitos, há um
discurso de todas as alas partidárias relacionadas à modernização da gestão
administrativa e de redução das desigualdades sociais, a desaguar na
manutenção da importância que as políticas públicas possuem antes,
durante e após as eleições.
Uma das críticas que podem ser feitas a essa relação processo eleitoral
e politicas públicas é justamente a ausência ou o direcionamento das
informações relacionadas ao tema seja pela situação, seja pela oposição, seja
pela mídia. Outra crítica decorre do fato de a situação, em ano eleitoral,
muitas vezes, conceder a majoração dos benefícios econômicos derivados de
determinada política em patamares percentuais altíssimos (ex.: 70% em um
ano), que, comparativamente, com aqueles concedidos em anos não
eleitorais (aumento igual ou acima da inflação). Outro problema, talvez a ser
sanado se adequadamente aplicado o Decreto 8.243/14, é o do pouco ou
formal diálogo entre o Poder Público, a sociedade civil e os atingidos por tal
política, com a imposição pelo Poder Público de determinada diretriz.
Isso ocorreu, por exemplo, no Distrito Federal quando o governo
vigente cessou o diálogo com os catadores e as catadoras de resíduos sólidos
e tentou impor um modelo de parceria público-privada, com o fechamento do
“lixão” da Estrutural, em favor de sociedades empresárias estrangeiras que
fariam o trabalho de incineração dos resíduos sólidos deixando à margem
diversos trabalhadores ou colocando-os em situação degradante. Felizmente,
a parceria público-privada foi deixada de lado, diante das construções
14
dialógicas que a comunidade catadores e de catadoras realizaram com
grupos de extensão do UNICEUB e da UNB, bem como com o apoio do
Governo Federal, para que a situação fosse discutida em outras bases, como
estava ocorrendo há mais de dois anos em comissões mistas que envolviam a
sociedade civil, a comunidade e membros dos três poderes da República.
Em conclusão, em qualquer fase ou plano pelo pela qual passa a
construção de uma política pública, deve-se concretizar o quadripé de
conteúdo que Neil MacCormick alude em seu Estado e Retórica do Direito:
coerência, consistência, princípios e consequência. Noutros termos, deve-se
procurar dialogar e cooperar para que os direitos fundamentais sejam
efetivamente concretizados no país, fator que evoluiu nesses mais de vinte
anos da CF/88, mas que ainda clama por uma construção sólida e
direcionada à justiça social.
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