A QUESTÃO DO JURO Samuel Pessoa Estamos no meio

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A QUESTÃO DO JURO
Samuel Pessoa
Estamos no meio da travessia do deserto. O maior objetivo é a recuperação da capacidade
fiscal do Estado brasileiro.
No entanto também vivemos o problema inflacionário. É necessário recolocar a inflação na
meta. Por este motivo, a taxa básica de juros determinada pelo Comitê de Política Monetária
(COPOM) do Banco Central, a taxa Selic, tem subido.
Retorna à pauta o tema dos juros elevados de nossa economia. Enquanto as economias
desenvolvidas têm vivenciado juros reais (isto é, que descontam a inflação) negativos, e os
emergentes em geral convivem com juros reais na casa de 3% ao ano ou menos, nossa inflação
tem resistido mesmo com juros reais próximos a 6% ao ano.
Qual é a causa de termos juros reais tão elevados? O texto “The Puzzle of Brazil's High Interest
Rates” (“O Quebra-Cabeças das Altas Taxas de Juros do Brasil”), do pesquisador do FMI Alex
Segura-Ubiergo, publicado em fevereiro de 2012, sugere que a baixa taxa de poupança é o
fator mais importante a explicar o enigma dos juros elevados.
Adicionalmente, o estudo documenta que o impacto da baixa taxa de poupança do setor
público é ainda maior do que o impacto da baixa taxa de poupança do setor privado.
Entende-se a maior importância relativa da taxa de poupança do setor público. A maior
poupança pública reduz o risco soberano do país, isto é, o risco que o Brasil dê um calote em
sua dívida externa, o que diminui o custo de capital de todas as empresas brasileiras, e,
portanto, os juros.
Um dos maiores motivos para toda a mudança de rota da política econômica entre Dilma I e II
foi o risco de perda do grau de investimento conferido pelas agências internacionais de rating
à dívida soberana brasileira. A presidente entendeu que o impacto desta perda sobre o custo
de capital do Tesouro e, principalmente, das empresas, seria muito ruim para o desempenho
da economia.
E não é por outro motivo que o principal objetivo da alteração de rota da política econômica é
recuperar a capacidade de poupança do setor público.
No entanto, no debate público brasileiro a vinculação entre baixa taxa de poupança e elevados
juros não é bem compreendida. Há toda uma escola de pensamento heterodoxa que acredita
que vincular juros reais de equilíbrio elevados à baixa poupança é equivalente a considerar que
a decisão de poupar, isto é, de abster-se de consumir, é prévia ao investimento.
Meu colega Marcelo Miterhof, que escreve neste espaço às quintas-feiras, afirmou: “Há uma
controvérsia teórica: a ortodoxia entende que a poupança precisa ser acumulada previamente
ao investimento.”
Esta afirmação de Marcelo está errada. Não há essa controvérsia teórica. Os modelos
macroeconômicos padrão empregados pelos bancos centrais mundo afora, para auxiliar na
tomada de decisão da política monetária, não supõem que seja necessário haver poupança
prévia. Em jargão técnico estes modelos supõem que os preços são rígidos. Portanto, o
princípio da demanda efetiva de Keynes se aplica a esses modelos ortodoxos.
A divergência ocorre na forma como o princípio da demanda efetiva é solucionado. Os
ortodoxos pensam que muitas vezes a elevação dos gastos gera aceleração da inflação e/ ou
aumento do déficit externo, e são, portanto, insustentáveis.
Ou seja, a divergência entre a ortodoxia e setores da heterodoxia que abraçam esta leitura
extremada da contribuição de Keynes não é se, numa economia monetária, o investimento
determina a poupança ou vice-versa. Todos sabemos que, na relação entre poupança e
investimento, este é soberano.
A divergência é a forma como este princípio é solucionado. Se olharmos a experiência
brasileira, em geral ele foi solucionado por meio de aceleração inflacionária e aumento do
déficit externo. Este foi o caso do Plano de Metas de JK, do 2º PND de Geisel e do período Lula.
Não há alternativa para arrumarmos a casa que dispense a recuperação da poupança pública.
Este é o único caminho para conseguirmos baixar os juros.
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