PSICOPATOLOGIA Raça e risco de Alzheimer 42 A apoliproteína E (APOE) fo i inte nsivamente investigada em razão do seu papel no metabolismo lipídico e na doença cárdio-vascular isquémica mas, mais recentemente, o seu interesse redobrou devido à sua ligação com a doença de Alzheimer (DA). Das 3 formas mais comuns desta lipoproteína (?2, ?3 e ?4), sem dúvida que a variante mais frequente é a ? 3, a qual ocorre em 60% a 80% dos seres humanos. A variante ?4, considerada como o ale lo mais antigo, apres enta uma distribuição na população europeia de cerca de 30% nos lapões, suecos e finlandeses e de cerca de 10% nos gregos e italianos. Nos EUA a sua distribuição entre os americanos não hispânicos de origem europeia é de cerca de 10-12%. Os asiáticos parecem ser os povos com menor distribuição deste alelo, enquanto que os sudaneses, os nigerianos e americanos de origem africana apres entam uma distribuição intermédia de 22-29%. No continente africano a frequência deste alelo varia de 41% entre os pigmeus e 9% entre os marroquinos. Um dado curioso prende-se com o facto de a frequência deste alelo diminuir com a idade em cerca de 8-9% entre os descendentes de europeus, provavelmente devido à mortalidade resultante das doenças cárdio-vasculares e outras. Mas, contrariamente, a frequência VOLUME V Nº2 MARÇO/ABRIL 2003 deste alelo mantém-se alta, mesmo na i dade avançada, e ntre os indivíduo s de origem africana. Em estudos americanos e europeus a frequência do alelo 4 da apolipoproteína entre os doentes com DA é de cerca de 40% comparada com 15-20% entre as pessoas da mesma idade mas não afectadas pela doença. Para além disso a configuração heterozigótica da APOE ? 4 aumenta em duas vezes o risco da doença, enquanto que a configuração homozigótica aumenta esse risco de cerca de 5 vezes. Parece haver consenso, pelo menos em cerca de 100 laboratórios de investigação em todo o mundo, de que este alelo constitui o factor único de risco mais importante para esta doença. A associação entre este alelo e a DA na população africana é ainda pouco clara. Contudo, Evans e col. (2003) ve ri fi car am um ri sco ausente ou pouco aumentado entre a população Africana com este alelo, confirmando os dados de outros estudos efectuados em populações de Nova Iorque (Tang e col., 1996) e de Indiana, nos EUA (Sahota e col., 1997), mas contrariando os dados de outro estudo ante rior em populações ame ricanas de ascendência africana (Graff-Radford e col., 2002). Este dado é, no mínimo, curioso. Segundo Evans e col. a presença de uma configuração heterozigótica do alelo ?4 aumenta o risco para a população branca americana mas não aumenta para a população africana. Uma das possíveis ex- plicações para esta situação é a seguinte: algum factor ambiental ou genético desconhecido está distribuído diferencialmente entre a população branca e a negra, o que poder ia for necer alguma protecção à população africana. Muito embora não se recomende, ainda, a determinação da presença deste alelo como um indicador clínico do diagnóstico de DA, pelo menos constitui na actualidade uma das melhores medidas do risco para esta doença. Torna-se necessário, no entanto, perceber como e porquê o risco genotípico difere entre os afro-americanos e outros grupos populacionais. Eichner et al. (1993). Am J Cardiol,V71 Schachter et al. (1994). Nat Genet. V6 Maestre et al. (1995). Ann Neurol.V37 Tang et al.(1996). Am J Hum Genet.V58 Zekraoui et al. (1977). Hum Biol.V69 Sahota et al. (1997). Ann Neurol.V42 Corbo & Scacchi (1999). Ann Hum Genet.V63 Srinivasan et al. (2001). Metabolism.V50 Barzilai & Shuldiner (2001).J Ger.Biol Sci Med Sci.V56 Frisoni et al. (2001).J Gerontol A Biol Sci Med Sci. V56 Graff-Radford et al. (2002). Arch Neurol.V59 Evans et al. (2003). Arch Neurol.V60 Depressão materna e risco depressivo para os filhos Uma das velhas questões sobre a i mpor tância da infl uê nci a da psicopatologia materna no risco de os seus filhos virem a ter um risco aumentado para essa mesma patol ogi a, fo i re cente mente i nve s ti gada por Ham men e Escolhas do Director 44 Brennan (2003) relativamente à depressão. Os autores entrevistaram e analisaram dados relativos a 816 filhos adolescentes de 15 anos e respectivas mães (representando 82% de famílias alvo seleccionadas para um estudo mais alargado de tipo longitudinal de uma amostra australiana). Foram analisados dados sobre depressão materna durante os 10 primeiros anos de idade dos seus filhos relativamente aos seguintes itens: idade do filho quando a mãe teve um episódio depressivo, cronicidade, gravidade e tipo da depressão (moderada ou grave versus ligeira).Foram excluídas as famílias com perturbações bipolares ou com filhos que tinham desenvolvido depressão antes da depressão materna. Os resultados mostraram que os filhos de mães deprimidas tinham uma probabilidade duas vezes superior para desenvolverem depressão comparativamente com os filhos de mães que nunca tiveram depressões. Para além disso, o risco de uma criança vir a desenvolver uma depressão aumentava com a exposição a 1 ou 2 meses de depressão major e, pelo menos, 12 meses de exposição a depressão minor da mãe (a gravidade da depressão contribuía mais para o risco do que a cronicidade da mesma). Um dado curioso prende-se com o facto de a idade da criança quando a mãe aprese ntava um episódio de press ivo não afectava o risco dessa criança vir a sofrer de depressão. Estes dados vêm dar alguma consistência aos trabalhos que sugeriram que a prescrição de antidepressivos durante a gravidez e depois do parto tinha efeitos benéficos quer no desenvolvimento cognitivo quer no desenvolvimento do temperamento (Nulman et al., 2002). Estes investigadores seguiram 46 mães que tomavam tricíclicos, 40 mães que tomavam fluoxe tina e 36 mães não deprimidas e não medicadas não tendo encontrado diferenças no QI, na linguagem ou no temperamento entre os filhos das mães incluídas em cada um dos grupos. Muito embora ainda sejam precisos mais trabalhos para avaliar, sobretudo, os efeitos tardios deste tipo de prescrições e do VOLUME V Nº2 MARÇO/ABRIL 2003 contacto prolongado com mães deprimidas, estes dados servem, para já, para afirmar a importância do tratamento intensivo das depressões das mães, incluindo no período da gravidez e aleitamento. Nulman et al. (2002).Am J Psychiatry V159 Hammen & Brennan (2003).Arch Gen Psychiatry V60 TERAPÊUTICA Um olhar sobre o electro-choque O Unite d Kingdom Ele ctroconvulsive Therapy Review Group procedeu a uma meta-análise relativa aos resultados clínicos da terapêutica por electro-choque (EC) em 73 estudos em doentes deprimidos, no que respeita aos efeitos precoces. Os autores sugeriram que o EC era mais eficaz do que o EC simulado (6 estudos, 256 doentes) ou do que a fármaco-terapia (22 estudos, 1137 doentes). Para além disso, o EC bilateral era mais eficaz do que o unilateral (22 ensaios, 1137 doentes), bem como as intensidades eléctricas superiores se mostraram mais eficazes do que as mais baixas. Quanto à frequência dos tratamentos não houve diferenças relativamente aos regimes de 2 e 3 vezes por semana. Muito embora a mortalidade dos doentes fosse menor nos que foram tratados com EC, não houve evidência directa de que o EC prevenia o suicídio. As taxas de descontinuição da fármacoterapia eram menores nos doentes tratados com EC relativamente aos que apenas eram tratados com fármacos. Apesar de se tratar de um estudo muito importante que vem reconfirmar a eficácia do EC, os resultados não foram suficientemente elucidativos quanto ao grau de atingimento cognitivo (por razões metodológicas), assim como não conseguiram assinalar quais são as estratégias terapêuticas adequadas após um tratamento eficaz com EC. Por isso, esperamos que este estudo seja estimulante para se avançar para outros que nos elucidem quanto a estas áreas de investigação que ficaram por esclarecer. UK ECT Review Group(2003). Lancet V361 A pouca eficácia dos antidepressivos na depressão bipolar Ainda sabemos muito pouco quanto à eficácia dos antidepressivos nos episódios depressivos em doentes com perturbação bipolar. Frankle et al (2002) analisaram re trospe ctivamente os dados de 165 doentes com perturbação bipolar com vista a identificarem quais os que apresentaram episódios depressivos. Conseguiram identificar 50 doentes, dos quais 33 tinham sido tratados com antidepressivos (SSRIs, buproprion, venlafaxina, mirtazapina, estimulantes ou IMAO) e 17 não tinham sido tratados com antidepressivos. A maior parte deles tinha tomado estabilizadores do humor e um número significativo tinha feito psicoterapia. As análises de séries temporais demonstraram não existirem diferenças significativas, entre os grupos de doentes tratados ou não com antidepressivos, no que respeita à duração do episódio depressivo (duração média 72 dias vs 56 dias) e da taxa de viragem para episódios maníacos (16% nos dois grupos). Para além disso, nenhum tipo de antidepressivo se mostrou mais favorável do que outro. Mesmo que se considere que o grupo de doentes não tratados pudesse apresentar diferenças em relação aos tratados (p. ex., melhor resposta aos estabilizadores do humor), diferenças essas que justificassem o s dados apres entados por aque les investigadores, estes dados acabam por confirmar os de outros estudos que sugerem que mesmo os antidepressivos mais modernos pouca influência têm no encurtamento dos episódios depressivos nos doentes com perturbações bipolares. Por isso, em termos clínicos, a melhor estratégia a adoptar será a de discutir com os doentes o facto de estes episódios depressivos, tratados ou não, poderão durar 2 a 3 meses. Frankle et al. (2002). Psychol Med V32 Sintomas negativos – um pesadelo Na tentativa de resolver os sintomas Escolhas do Director negativos da esquizofrenia, os quais se mantêm resistentes mesmo às terapêuticas antipsicóticas modernas (nomeadamente a anedonia e a falta de motivação), Strous et al. (2003) avaliaram o efeito da combinação de 100 mg/dia do neuro-esteróide desidroepiandosterona (DHEA) com doses estáveis de antipsicóticos em 30 doentes esquizofrénicos crónicos com sintomas negativos proeminentes. Os resultados sugeriram que dos 27 doentes que completaram o estudo, os que constituíam o grupo do DHEA aprese ntar am reduções signi ficativas dos sintomas negativos relativamente à linha basal (cerca de 40%), dos sintomas depressivos (cerca de 55%) e da ansiedade (cerca de 65%). A melhoria dos sintomas negativos foi independente da melhoria dos sintomas depre ssivos e da ansie dade . Que r os sintomas positivos, quer os níveis de cor tisol não sofreram alterações significativas em ambos os grupos. Pensa-se que estes efeitos se possam dever ao facto de o DHEA alterar a excitabilidade neuronal e afectar a actividade do ácido gama-amino-butírico e dos receptores NMDA. As sua propriedades antidepressivas poderão estar ligadas, como ficou demonstrado para outros agentes antidepressivos, à melhoria dos sintomas negativos da esquizofrenia, independente dos seus efeitos na depressão. Muito embora os níveis de cortisol tenhamse mantido estáveis ao longo deste pequeno estudo, os clínicos devem-se manter cautelosos na utilização de esteróides supra-renais enquanto os se us efeitos endócrinos não forem completamente esclarecidos. 45 Strous RD et al. (2003).Arch Gen Psychiatry V60 VOLUME V Nº2 MARÇO/ABRIL 2003