concepções do sujeito-lírico em hilda hilst

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CONCEPÇÕES DO SUJEITO-LÍRICO EM HILDA HILST
Lívia Carolina Alves da Silva
Profa. Dra. Elaine Cristina Cintra (Orientadora)
Resumo: O presente artigo objetiva mostrar alguns aspectos debatidos durante a
comunicação oral apresentada no II Seminário de Pesquisa Literária. Esta discussão
centrou-se em torno de alguns pontos relevantes do projeto de mestrado intitulado
“Concepções do sujeito-lírico em Hilda Hilst”. O projeto, em questão, irá promover um
estudo a respeito de como é estruturada a persona-lírica hilstiana, fundamentada pelas
teorias do texto lírico e do sujeito-lírico de autores, como: Hugo Friedrich, Kate
Hamburger, Michael Hamburger, Michel Collot, entre outros. Para averiguarmos tais
perspectivas, nós analisaremos alguns poemas da obra Cantares da escritora Hilda Hilst.
Palavra-chave: Poesia, Hilda Hilst, Cantares e o Sujeito-lírico.
I-INTRODUÇÃO:
Hilst, ao escrever, recorre , a um exercício de produção poética que sinaliza uma
busca e um conflito constante do ser humano pelo reconhecimento de si mesmo .Deste
modo, Hilda Hilst procura em sua poética responder aos enigmas da vida e da existência
humana e seus poemas vão radicalizando o interrogar no “eu”. Assim, Coelho nos
adverte para estes aspectos:
Escritora da linhagem dos fundadores-Hilda Hilst (tal como Guimarães Rosa,
Clarice Lispector, João Cabral, e outros fundadores) vem construindo uma
obra, cuja matéria-prima é retirada deste nosso mundo em caos, descentrado
(desde que perdeu seu centro sagrado), mundo em acelerado processo de
mutação e incapaz de responder às interrogações limites da existência
humana: “Quem somos?”; “ O que fazemos aqui? ... Vislumbrando , afinal, o
eu obscuro/luminoso que é ela a própria mulher-poeta, sente que a resposta
para os demais enigmas da vida virá a partir da resposta que esse eu radical
lhe der, desde que atento ao mundo em que lhe coube viver e reconstruir.
(COELHO, 2002, p.265).
Para Nelly Novaes Coelho (1999, p.67), como toda poesia contemporânea, a
poética hilstiana centra o seu fazer literário em interrogações básicas do pensamento
contemporâneo, a resposta para tais questões virá a partir do que o seu “eu” radical lhe
der. Por isso, grande parte da produção poética de Hilda Hilst quer, muito mais do que
praticar a evocação, tocar na questão do sujeito.
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A proposta de investigação do nosso projeto de mestrado centra-se, então, em
um estudo sistemático da composição do sujeito lírico hilstiano. O presente trabalho
tem, como objetivo, averiguar as perspectivas teóricas do conceito de subjetividade
lírica nas poesias hilstianas. Neste sentido, questionamo-nos: Qual é a subjetividade
expressa nestes poemas? Ou ainda: Como é, então, construído o sujeito-lírico por meio
desta subjetividade?
A pesquisa é de natureza bibliográfica e apóia-se no método investigativo.
Assim, buscou-se partir da leitura de obras teorias críticas que perpassam a teoria
literária e a filosofia, fundamentar as reflexões e análises acerca da concepção de
sujeito-lírico desenvolvido nas poesias de Hilda Hilst.
Como corpus literário, nós selecionamos duas obras da escritora contemporânea
Hilda Hilst, são elas: Cantares de perda e predileção , publicado pela primeira vez no
ano de 1983 e Cantares do Sem Nome de Partida, originalmente publicado no ano de
1995.
II - O SUJEITO-LÍRICO EM CANTARES DE HILDA HILST:
A obra Cantares que será analisada, foi publicada no ano de 2004, pela editora
Globo e reúne dois livros da autora Cantares de perda e predileção (1983) e Cantares
do sem nome de partida (1995).
Cantares de perda e predileção, foi publicada pela primeira vez no ano de 1983,
pela editora Massao Ohno, é composto por 70 poemas, dispostos em versos e tamanhos
distintos e esquemas estróficos livres. Tal obra retoma o tema da paixão, que aparece
com um tom mais pessimista e estralhaçador. Ocorre, então, como nos adverte Pécora
(2003, p.7) um jogo de batalhas e lutas entre o amante e o seu amado, no qual o amante
sacrifica-se, destitui-se, dilui-se e descentraliza-se para só assim poder salvar o amado.
Já Cantares do sem nome de partida, último livro de poemas inéditos escritos
por Hilda Hilst, foi inicialmente publicado no ano de 1995, também pela editora Massao
Ohno. Esta obra reúne 10 poemas que se inter-relacionam entre si formando uma cadeia
semântica complexa em que se percebe uma quase autonomia, mas cujo significado
total do livro é construído na relação que eles mantêm entre si. Segundo Duarte (2006)
em Cantares do sem nome de partida a nostalgia do amor sonhado mostra uma cena
poética em que o sonho e a realidade se mesclam no momento de perdas, de partidas e
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na dissolvência do sujeito na intensidade do instante, no qual tem se um sujeito
consciente seu estado de um ser que é uma matéria movente de sentimentos.
Estas obras foram desenvolvidas no período considerado pelos críticos como o
aflorar da maturidade literária da autora, que se inicia no ano de 1974 com a escrita de
Júbilo, Memória e Noviciado da paixão. Esses são cantos amorosos em que se percebe
uma influência literária da tradição do amor camoniano, ou seja, este traz mágoas,
dores, penas ao eu-lírico, neste cenário amoroso há sempre uma não realização total,
plena e feliz do amor causando desta forma um retrato sonhado, nostálgico, ilusório do
amor desejado. Daí tais livros são reconhecidos como obras que retomam um tom
pesaroso e pessimista da paixão, nelas nós vemos importantes mecanismos estruturais
que nos faz reconhecer um “eu” que se sente inteiro preso ao desejo pelo outro,
sabendo-se, entretanto, como alguém não merecedora de amor.
O eu-lírico descobre a ausência do merecimento do amor, por isso ele prefere
despedir-se de si mesmo. A renúncia de sua vida própria e do seu “eu” ocorre, uma vez
que Hilda pretende alcançar por meio de sua poesia um amor absoluto com uma grande
intensidade. Em vários poemas, há uma voz lírica que consolida a experiência da
“despedida” e da dissolvência do sujeito. É, então, neste contexto, que há a falta e a
perda. Há um progressivo tornar-se ruínas de um “eu” que ama, essa renúncia de si
mesmo aparece por meio de máscaras . Este recurso é um meio pelo qual o “eu” alça
uma outra identidade, com o objetivo de disfarçar a sua verdadeira aparência;
transfigurando-se para poder conquistar o amado que é indiferente ao “eu” ou seja,
como um índice de desentificação e alteridade.
Esta diluição de si é revelada também por meio da consciência da persona-lírica que
fala e desdobra-se em imagens de si mesma, há então a figuração de duplos “eu”, pois
ao amar o sujeito ao mesmo tempo se reconhece e se estranha, vemos aí um “eu” que é
excêntrico, descentralizado. “O recurso mais insistente utilizado pela autora será uma
intensa dialogação com um interlocutor que às vezes é humana, mas que na maioria das
vezes é uma espécie de duplo que paira da própria consciência da escritora” (DUARTE,
2006, p.15). Assim quando o sujeito se depara com esses outros “eus” ele está tentando
descobrir quem realmente ele é? Estranho e paradoxal o “eu” percebe o seu
inconfortável ser. A poesia nasce, então, da perda da unidade do sujeito que se estilhaça.
Assim, o sujeito ao incorporar a alteridade radical e desejar o Outro está se destruindo
(fragmentando-se) para preservar a unidade do ser. Por isso, há uma impossibilidade de
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conhecimento total do ser, a poesia se alimenta de lacunas e de indeterminações, sob um
sujeito que é instável e por isso móvel.
A mobilidade e a indeterminação da identidade do “eu” mostra-nos uma das
características da persona lírica hilstiana, pois este não possui um carácter de substância
e fixidez, já que ele é um sujeito oscilante que se constrói e reconstrói ao longo dos
poemas.
A composição do sujeito-lírico acontece, então, em meio a uma linguagem que
se estrutura em fragmentos, redemoinhos, descentramentos que se acumulam, se
expandem e se aproximam ao longo de seus versos, sob o signo da mobilidade e da
instabilidade. Os poemas são feitos de imagens em movimento, de corte sob corte. “Ao
lidar com complexidades cada vez maiores, com novas formas de apresentação dos
temas, a poeta empurra a linguagem para significados cada vez mais movediços, de uma
linguagem que busca significados e depois os desmonta” (DUARTE, 2006, p.15).
Para entendermos melhor estas características da persona-lírica hilstiana,
apresentadas acima, nós iremos analisar o poema XLIV da obra Cantares de perda e
predileção.
XLVI
Talvez eu seja
O sonho de mim mesma
Criatura-ninguém
Espelhismo de outra
Tão em sigilo e extrema
Tão sem medida
Densa e clandestina
Que a bem da vida
A carne se fez sombra
Talvez eu seja tu mesmo
Tua soberba e afronta.
E o retrato
De muitas inalcançáveis
Coisas mortas.
Talvez não seja
E ínfima , tangente
Aspire indefinida
Um infinito de sonhos
E de vidas. (HILST, 2004, p.82).
O poema XLVI da obra Cantares de perda e predileção, desenrola-se sob o
signo da aflição de um sujeito que se vê como alguém inacabado e indeterminado. Em
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uma primeira leitura nós verificamos que o texto compõe-se de 19 versos estruturados
em quatro estrofes heterométricas. Há nos versos, uma espécie de paralelismo na
elaboração do texto que reforçarão a construção semântica e estrutural do mesmo.
Ao lermos estes versos nota-se que eles são compostos por estruturas paralelas
formadas pelo vocábulo “talvez” conjugados ao verbo “ser” na primeira pessoa do
presente do subjuntivo. A palavra “talvez” é classificado segundo Cunha (2001) em sua
Nova Gramática do português Contemporâneo pela categoria dos advérbios de dúvida,
expressando uma circunstância duvidosa, imprecisa e indeterminada e os verbos do
presente do subjuntivo reforçam tal perspectiva já que este modo verbal é empregado,
em sua maioria, para expressar uma ação duvidosa e incerta. Tais paralelismos atestam
para a conjugação de imagens circulares que mostram um caráter de imprecisão nos
conceitos empregados ao longo do poema.
As estruturas paralelas vão sendo reelaboradas ao longo das estrofes já que a
autora deixa de seguir a risca a estrutura do verso que serve de paradigma “Talvez eu
seja” criando outros versos através da colocação de novos elementos formais “Talvez eu
seja tu mesmo”; “Talvez não seja”. Estas estruturas servem, então, como um elemento
auxiliar de divisão das estrofes em três partes distintas com uma estrofe intermediária
formada por apenas dois versos que promove a relação entre a primeira e a terceira
estrofes.
A primeira parte é formada pelos versos da primeira estrofe, nestes o “eu”
mergulha em si mesmo em um movimento de auto-conhecimento, tentando procurar
uma definição para o seu ser por meio de imagens e símbolos literários. Ao debruçar-se
sobre si mesmo, o sujeito-lírico percebe que ele pode ser uma ilusão criada por ele
próprio “Talvez eu seja/ O sonho de mim mesma”, já que ele é uma “Criatura” alguém
criado por outrem e por isso sem nenhum valor ou importância “ninguém”, como se ele
fosse um “Espelho” que reflete a imagem de “outrem”. Dentro desta perspectiva a
persona-lírica sente-se com intensidade “Tão” como alguém contraditória “Tão em
sigilo e extrema”, indefinível “Tão sem medida” e complexa “Densa e Clandestina”.
Na estrofe de transição formada pelos dois versos da segunda estrofe, é
interessante observar que Hilda Hilst utiliza-se de uma passagem bíblica mostrando uma
ambigüidade e contradição a medida que nestes versos nós não sabemos se o sujeito
está falando de si mesmo ou de Deus. Ao descrever este versículo, Hilda modifica-o.
Assim, o versículo original é “No princípio era o verbo e o verbo era deus e o verbo
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estava com deus ( joão 1:1) e o verbo se fez carne e habitou entre nós”.(joão 1:14)
(BÍBLIA, 1984,1333 ), mostrando que Jesus desceu a terra ocupando um corpo humano
para mostrar que o homem pode ser salvo pela bondade divina. Nestes versos Deus é
humanizado “Carne” porém ele não é claro ele é apenas uma “Sombra” algo indefinível,
pois o vocábulo sombra nos indica algo que é penumbra, nebuloso, sem determinação
precisa.
A persona-lírica também é “obscura” e por isso ela se assemelha a esta criatura
divina “Talvez eu seja tu mesmo”. O sentido desta segunda estrofe será reiterado, então,
na terceira estrofe que constitui a última parte. Como Deus que é “soberbo” e, portanto
é indiferente , esquivo aos sofrimentos humanos , assim também é o eu-lírico hilstiano o
que o torna um ser “ altivo” e “ presunçoso” que consegue transpor as barreiras da
infinitude e da morte. “E o retrato/ De muitas inalcançáveis/ Coisas mortas”.
Na última parte, formada pela última parte do poema, o “eu” utiliza-se do
advérbio de negação “não” para contradizer as idéias expostas nestes versos, retornando
a idéia inicial de que o “eu” é apenas um ser pequeno “ínfimo”, que se traduz por uma
intensa fugacidade “ tangente” e por isso ele não é capaz de se igualar a onipotência ou
eternidade divina, mas que aspira a sonhos, desejos e grandes realizações e
principalmente a sua perpetuação “Aspire indefinida/ Um infinito de sonhos / E de
vidas”.
O poema analisado mostra-nos uma persona-lírica que é inventada, reinventada
no poema em um movimento constante de devir, sem nunca chegar-se a uma pintura
acabada e unitária de si.
III-CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Buscamos ressaltar a obra poética de Hilda Hilst como uma das grandes vozes
da literatura brasileira que nos apresenta uma poesia de tamanha complexidade,
pluralidade de procedimentos estilísticos e questões temáticas. A nossa pesquisa não
pretende esgotar o desenho do imenso perfil do eu-poético hilstiano, mas apresentar
uma leitura possível a respeito da temática proposta por nós, já que como pudemos ver
ao longo deste artigo o sentido, a configuração e a determinação da persona-lírica
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hilstiana se deflagra em um constante movimento, cujo objetivo não está em se obter
respostas e conceitos prontos ou definidos, mas se imbuir em uma busca de responder a
uma interrogação básica do ser humano “Quem sou eu?”.
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