Relatório da Anistia Internacional 2007_p1

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Publicado em 2007 originalmente em inglês por:
© Amnesty Internationtional Publications
©
Secretariado Internacional
Peter Benenson House
1 Easton Street
Londres WC1X 0DW
Reino Unido
www.amnesty.org
Edição e tradução para o português:
Programa de Língua Portuguesa
da Anistia Internacional
2007
www.br.amnesty.org
Índice AI: POL 10/001/2007
ISBN: 978-0-86210-427-6
Impresso no Brasil por: Algo Mais – Artes Gráficas e Editora
A599a
Anistia Internacional Informe 2007 – o estado dos direitos
no mundo / Programa de Língua Portuguesa da
Anistia Internacional. – Porto Alegre: Algo Mais,
2007.
228 p.; 16 x 22,5 cm.
1. Anistia Internacional – relatório. 2. Direitos
humanos. I. Programa de Língua Portuguesa da Anistia
Internacional.
CDU 341.231.14(047)
CIP - Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima CRB 10/1229
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em sistema
de recuperação ou transmitida, em qualquer formato ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia,
gravação e/ou outros, sem a prévia autorização da editora.
Abreviaturas usadas neste informe:
ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
AI – Anistia Internacional
ASEAN – Associação das Nações do Sudeste Asiático
CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
CERD – Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU
ONG – organização não-governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
TPI – Tribunal Penal Internacional
UA – União Africana
UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/Aids
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S U M Á R I O
PARTE I
PREFÁCIO
LIBERDADE E MEDO 07
por Irene Khan
Secretária-geral da
Anistia Internacional
ANÁLISES REGIONAIS
ÁFRICA 23
AMÉRICAS 30
ÁSIA-PACÍFICO 36
EUROPA E ÁSIA CENTRAL 41
ORIENTE MÉDIO
E NORTE DA ÁFRICA 48
PARTE II
PAÍSES
AFEGANISTÃO 57
ÁFRICA DO SUL 61
ALEMANHA 67
ANGOLA 70
ARÁBIA SAUDITA 73
ARGENTINA 79
BRASIL 80
CANADÁ 87
CHINA 88
COLÔMBIA 94
EGITO
102
ESPANHA
108
ESTADOS
UNIDOS
DA AMÉRICA 112
FRANÇA 121
GUINÉ-BISSAU 125
ÍNDIA 126
INDONÉSIA 133
IRÃ 138
IRAQUE 144
ISRAEL
E TERRITÓRIOS
OCUPADOS 151
ITÁLIA 158
JAPÃO 162
MÉXICO 165
MOÇAMBIQUE 171
PAQUISTÃO 173
PORTUGAL 177
REINO UNIDO 179
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO CONGO 185
RÚSSIA 190
SÍRIA 198
SRI LANKA 203
SUDÃO 208
TIMOR LESTE 215
UCRÂNIA 217
VENEZUELA 220
ZIMBÁBUE 223
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P A R T E
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P R E F Á C I O
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LIBERDADE
E MEDO
IRENE KHAN
SECRETÁRIA-GERAL
No dia 10 de dezembro de 2006,
enquanto o mundo celebrava o Dia
Internacional dos Direitos Humanos, eu
estava em Jayyus, na Cisjordânia. O
vilarejo está agora dividido pelo Muro,
ou, mais precisamente, por uma cerca de
ferro bastante alta. Erguido em desafio
às leis internacionais e ostensivamente
para tornar Israel mais seguro, seu efeito
principal foi apartar a população
palestina que ali vive de seus pomares de
cítricos e de seus bosques de oliveiras.
Uma comunidade agrícola que era
próspera está agora empobrecida.
“Todos os dias tenho de passar por
humilhações nos postos de controle, por
impedimentos mesquinhos e por novos
entraves que me impedem de chegar ao
meu pomar do outro lado. Se não puder
cultivar minhas oliveiras, como vou
sobreviver?” protestava um bravo
agricultor palestino.
Enquanto escutava, eu podia ver, à
distância, os esmerados telhados
vermelhos e as paredes brancas de um
grande e próspero assentamento
israelense. Fiquei pensando se os
moradores daquela região acreditavam
que um muro que ameaça o futuro de seus
vizinhos poderia, realmente, melhorar
sua segurança.
No início daquela semana, eu estivera em
Sderot, uma cidadezinha no sul de Israel,
que havia sido atacada por foguetes
lançados por grupos palestinos em Gaza.
“Estamos assustados”, disse-me uma
jovem moradora. “Mas sabemos que do
outro lado há mulheres como nós, que
também estão sofrendo, que também
têm medo e que estão numa situação
pior do que a nossa. Sabemos o que estão
passando e queremos viver em paz com
eles. Mas, em vez disso, nossos líderes
instigam nossas diferenças e provocam
ainda mais desconfiança. Então,
vivemos inseguros e com medo.”
Esta corajosa jovem israelense entendeu
o que muitos líderes mundiais não
compreendem: que o medo destrói
nossos sentimentos e nossa humanidade
comuns. Quando vemos os outros como
uma ameaça e aceitamos trocar seus
direitos humanos por nossa segurança,
entramos num jogo sem vencedores.
Sua mensagem é sensata, em uma época
em que nosso mundo está tão polarizado
quanto no auge da Guerra Fria e, em
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diversos aspectos, muito mais perigoso.
Os direitos humanos – aqueles valores
globais, princípios universais e critérios
comuns que servem para nos unir –
estão hoje sendo negociados em nome
da segurança, da mesma forma como já
foram antes. Como no tempo da Guerra
Fria, as políticas são ditadas pelo medo –
que é instigado, fomentado e sustentado
por líderes inescrupulosos.
O medo pode gerar uma força positiva
para a mudança, como no caso do meioambiente, em que o alarme do
aquecimento global está forçando os
políticos, já atrasados, a agirem. Porém,
o medo também pode ser perigoso e
desagregador, gerando intolerância,
ameaçando a diversidade e justificando a
erosão dos direitos humanos.
“O medo destrói nossos
sentimentos e nossa
humanidade comuns”
Em 1941, o presidente dos Estados
Unidos, Franklin Roosevelt, expôs sua
visão de uma nova ordem mundial,
fundamentada sobre “quatro
liberdades”: liberdade de opinião, de
religião, do medo e da necessidade. Sua
liderança inspiradora permitiu superar
as incertezas e unir as pessoas. Hoje,
muitos líderes passam por cima da
liberdade e proclamam um repertório
cada vez mais extenso de medos: medo
de uma invasão de imigrantes; medo do
“outro” e da perda de identidade; medo
de ser explodido por terroristas; e medo
dos “países do mal”, com suas armas de
destruição em massa.
O medo prospera sob lideranças míopes
e covardes. Há, de fato, muitos motivos
reais para se sentir medo, mas a forma
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como muitos líderes mundiais estão
lidando com isso é distorcida. Eles
promovem políticas e estratégias que
corrompem o Estado de direito e os
direitos humanos, aumentam as
desigualdades, alimentam o racismo e
a xenofobia, dividem e prejudicam as
comunidades e semeiam mais violência
e mais conflitos.
As políticas do medo têm-se tornado
mais complexas com a emergência de
grupos armados e de grandes empresas
que cometem ou aceitam abusos contra
os direitos humanos. Ambos, cada um a
seu modo, desafiam o poder dos governos
num mundo cada vez mais sem fronteiras.
Governos fracos e instituições
internacionais ineficazes não conseguem
fazer com que essas organizações prestem
contas de seus atos, deixando as pessoas
vulneráveis e com medo.
A história ensina que não é com medo,
mas com esperança e com otimismo que
se avança. Por que, então, alguns líderes
promovem o medo? Porque isso permite
que consolidem seu próprio poder,
criando falsas certezas e fugindo de
responsabilidades.
O governo Howard retratou pessoas que
buscavam asilo navegando em barcos
furados como uma ameaça à segurança
nacional da Austrália e disparou o
alarme falso de uma invasão de
refugiados. Isso contribuiu para sua
vitória nas eleições de 2001. Após os
ataques de 11 de setembro, o presidente
dos EUA, George W. Bush, invocou o
medo do terrorismo a fim de aumentar
seu poder Executivo, sem a supervisão
do Congresso nem o exame do
Judiciário. O presidente Omar al Bashir,
do Sudão, infundiu, entre seus
apoiadores e entre o mundo árabe, o
medo de que o envio de tropas de paz da
ONU para Darfur seria um pretexto para
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uma invasão dos EUA, nos moldes do
que foi feito no Iraque. Enquanto isso,
suas Forças Armadas e milícias aliadas
continuaram a matar, a estuprar e a
saquear impunemente. O presidente
Robert Mugabe, do Zimbábue,
manipulou os medos raciais para impor
seu objetivo político de se apossar de
terras para seus partidários.
Somente um compromisso conjunto,
baseado em valores comuns, pode levar
a soluções sustentáveis. Em um mundo
cada vez mais interdependente, os
desafios globais, sejam eles a pobreza ou
a segurança, a imigração ou a
marginalização, exigem respostas
baseadas em valores globais de direitos
humanos que unam as pessoas e que
promovam nosso bem-estar comum. Os
direitos humanos oferecem as fundações
para um futuro sustentável. Ao que
parece, porém, proteger a segurança dos
Estados, em vez da sustentabilidade da
vida e dos meios de subsistência das
pessoas, é, hoje, o interesse maior.
MEDO DA IMIGRAÇÃO E DA
MARGINALIZAÇÃO
Nos países desenvolvidos, e também nas
economias emergentes, o medo de ser
invadido por hordas de pobres está sendo
usado para justificar medidas cada vez
mais rigorosas contra os imigrantes, os
refugiados e os requerentes de asilo,
desrespeitando as normas internacionais
de direitos humanos e tratamento
humanitário.
Devido a imposições políticas e de
segurança no controle das fronteiras, os
procedimentos de asilo têm-se tornado
instrumentos de exclusão, ao invés de
proteção. Em toda a Europa, os índices de
reconhecimento de refugiados vêm
diminuindo drasticamente nos últimos
anos, embora os motivos para que se
busque asilo – violência e perseguição –
continuem mais presentes do que nunca.
A hipocrisia das políticas do medo é
tamanha que os governos denunciam
certos regimes, enquanto se recusam a
proteger aqueles que fogem deles. As
políticas opressoras do governo da
Coréia do Norte são condenadas por
governos ocidentais. Ao mesmo tempo,
esses mesmos governos praticamente se
calam diante da sorte de cerca de 100
mil norte-coreanos que estariam
escondidos na China, centenas dos
quais são deportados à força todas as
semanas pelas autoridades chinesas.
Os trabalhadores imigrantes alimentam
a máquina da economia global. Mesmo
assim, são rejeitados com força bruta, são
explorados, são discriminados e são
deixados sem proteção pelos governos
de todo o mundo – desde os Estados do
Golfo, até a Coréia do Sul e a República
Dominicana.
Seis mil africanos afogaram-se ou
sumiram no mar em 2006, na sua
tentativa desesperada de chegar à
Europa. Outros 31 mil, seis vezes mais
que em 2005, conseguiram chegar às
Ilhas Canárias. Assim como o muro de
Berlim não podia impedir quem quisesse
fugir da opressão comunista, o
policiamento rigoroso das fronteiras da
Europa não está conseguindo deter
quem tenta fugir da miséria.
Em longo prazo, a resposta não está na
construção de muros para deixar as
pessoas de fora, mas na promoção de
sistemas que protejam os direitos dos
mais vulneráveis, ao mesmo tempo que
respeitam a prerrogativa dos Estados de
controlar a imigração. Os instrumentos
internacionais oferecem esse equilíbrio.
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As tentativas de enfraquecer a
Convenção dos Refugiados e a
Convenção sobre os Trabalhadores
Migrantes, ambas da ONU e não
ratificadas pelos países do hemisfério
norte, são contraproducentes.
Se a imigração desregulada é o medo dos
ricos, o capitalismo desenfreado,
impulsionado pela globalização, é o
medo dos pobres. Mercados em plena
expansão estão criando enormes
oportunidades para alguns, enquanto
aumentam o abismo entre “os que
possuem” e “os despossuídos”. Os
benefícios da globalização são
profundamente assimétricos, tanto no
plano mundial quanto dentro dos países.
A América Latina é um dos lugares do
mundo com maior desigualdade. Na
Índia, a economia tem crescido a uma
taxa maior do que sete por cento ao ano
na última década. Entretanto, mais de
um quarto de sua população ainda vive
abaixo da linha da pobreza.
“O medo prospera sob
lideranças míopes e
covardes”
Essas estatísticas revelam o lado sombrio
da globalização. A marginalização de
amplas parcelas da humanidade não
deveria ser tratada como o preço
inevitável da prosperidade global. Não há
nada de inevitável nas políticas e nas
decisões que negam aos indivíduos seus
direitos econômicos e sociais.
O crescente conjunto de pesquisas da
Anistia Internacional sobre direitos
econômicos e sociais está revelando o
que está por trás do medo das pessoas:
de que, em muitas partes do mundo,
elas estão sendo guiadas rumo à pobreza,
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onde são confinadas por governos
corruptos e empresas gananciosas.
As demandas por exploração de minérios,
por empreendimentos imobiliários e por
turismo avançam sobre as terras da
África, da Ásia e da América Latina,
onde comunidades inteiras, milhões de
pessoas, estão sendo expulsas à força de
suas casas sem quaisquer direitos, sem
compensações e sem outro lugar para
onde ir. Muitas vezes, para arrancá-los da
terra, é preciso excesso de força. Os
deslocamentos provocados por estes
empreendimentos não são um problema
novo; no entanto, parece que quase nada
se aprendeu com as experiências
anteriores. Somente na África, desde
2000, mais de três milhões de pessoas
foram afetadas, o que faz das expulsões
forçadas uma das violações de direitos
humanos mais difundidas e menos
reconhecidas do continente. Executadas
em nome do progresso econômico, essas
ações, na realidade, deixam desabrigados
os mais pobres entre os pobres, que
geralmente ficam sem acesso a água
potável, a saneamento, a saúde, a
trabalho ou a educação.
Faz muito que a África vem sendo vítima
da ganância de governos e de empresas
ocidentais. Agora, o novo desafio vem da
China. Tanto o governo quanto as
empresas chinesas têm demonstrado
pouca consideração pelo “rastro de
direitos humanos” que deixam no
continente. A deferência à soberania
nacional, a antipatia por direitos
humanos na política exterior e uma
disposição para se engajar com regimes
abusivos são fatores que valorizam a
China aos olhos de governos africanos.
Porém, pelos mesmos motivos, a
sociedade civil africana não tem sido tão
acolhedora. Os padrões de segurança, de
saúde e o tratamento que as empresas
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chinesas dispensam aos trabalhadores
estão muito abaixo das normas
internacionais. Na condição de maior
consumidor de petróleo do Sudão e como
um de seus maiores fornecedores de
armas, a China tem resguardado o
governo sudanês contra as pressões da
comunidade internacional, apesar de
haver alguns sinais indicando que este
posicionamento possa mudar.
Estados fracos, empobrecidos e, muitas
vezes, profundamente corruptos criaram
um vazio de poder em que se
movimentam corporações e outros
agentes econômicos. Em alguns dos
países com as populações mais pobres e
mais ricos em recursos, as grandes
empresas empregam seu poder
descomedido para obter dos governos
concessões que privam as populações
locais dos benefícios desses recursos, que
destroem seus meios de subsistência, que
expulsam as pessoas de suas casas e que
as expõem à degradação ambiental. A
revolta contra as injustiças e a negação
dos direitos humanos acaba por motivar
protestos que são brutalmente
reprimidos. A região do Delta do Níger,
no sul da Nigéria, rica em petróleo e
assolada pela violência nas duas últimas
décadas é um exemplo típico.
As corporações têm, há muito tempo,
resistido vincularem-se aos padrões
internacionais. As Nações Unidas
devem confrontar esse desafio,
desenvolvendo normas e promovendo
mecanismos para que as grandes
empresas assumam a responsabilidade
pelo impacto que têm sobre os direitos
humanos. A necessidade de haver
preceitos globais e cobrança de
responsabilidade efetiva torna-se ainda
mais urgente na medida em que
corporações multinacionais de sistemas
culturais e jurídicos diversos emergem
em um mercado global.
A pressão por terra, madeira e recursos
minerais por parte dos grandes
conglomerados está ameaçando a
identidade cultural e a sobrevivência
diária de muitas comunidades indígenas
na América Latina. Submetidos à
discriminação racial e forçados a uma
vida de miséria e de doença, alguns desses
grupos estão à beira do colapso. Em meio
a este cenário, o fracasso da Assembléia
Geral da ONU, em 2006, em adotar a
Declaração sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, é mais uma demonstração
lamentável do quanto os interesses dos
poderosos prevalecem frente à
sobrevivência dos mais vulneráveis.
“Os direitos humanos
oferecem as fundações
para um futuro
sustentável”
Apesar de os ricos ficarem cada dia mais
ricos, eles não se sentem,
necessariamente, mais seguros. O
aumento da criminalidade e a violência
armada são uma fonte constante de
medo, o que leva muitos governos a
adotarem políticas que pretendem ser
rigorosas com o crime, mas que, na
verdade, só criminalizam os pobres,
deixando-os expostos a uma dupla
ameaça: a da violência das gangues e
a da brutalidade policial. Níveis de
criminalidade cada vez mais elevados,
a violência da polícia em São Paulo e a
presença do Exército nas ruas do Rio de
Janeiro demonstraram a falência das
políticas de segurança pública do Brasil.
Oferecer segurança a um grupo de pessoas
à custa dos direitos de outros é algo que
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não funciona. A experiência comprova
que a segurança pública se fortalece por
meio de enfoques abrangentes que
combinem um melhor policiamento com
a disponibilização de serviços básicos,
como saúde, educação e habitação para as
comunidades carentes. Desse modo, elas
sentirão que também podem ter lugar
numa sociedade segura e estável.
Em muitas nações do hemisfério norte,
a discriminação se originou dos
temores da imigração descontrolada e,
depois de 11 de setembro, foi agravada
pelas estratégias de combate ao
terrorismo que visavam árabes, asiáticos
e muçulmanos. O medo e a hostilidade
de um lado provocaram o antagonismo e
a revolta do outro.
No final das contas, promover direitos
econômicos e sociais para todos é a
melhor maneira de se resolver os temores
tanto dos ricos quanto dos pobres.
Uma crescente polarização fortaleceu as
posições extremistas de ambos os lados,
reduzindo o espaço para a tolerância e
para as diferenças. Incidentes de
islamofobia e antisemitismo são cada
vez mais evidentes. Em diversas partes
do mundo, os sentimentos antiocidentais e anti-EUA estão mais
acentuados do que nunca. Isso ficou
demonstrado pela desenvoltura com que
alguns grupos fomentaram episódios de
violência após a publicação na
Dinamarca de charges que muitos
muçulmanos consideraram ofensivas.
DISCRIMINAÇÃO E
DIFERENÇAS DE OPINIÃO
O medo alimenta a insatisfação, o que
leva à discriminação, ao racismo, à
perseguição das minorias étnicas e
religiosas e aos ataques xenofóbicos
contra os cidadãos estrangeiros ou de
origem estrangeira.
Quando os governos fecham um olho
para a violência racista, ela pode se
tornar endêmica. Na Rússia, são comuns
os crimes de ódio contra estrangeiros e
contra minorias, sendo que, até
recentemente, esses crimes quase nunca
eram processados, pois favoreciam a
propaganda nacionalista das
autoridades.
Na medida em que a União Européia se
expande para o leste, a prova de fogo de
seu compromisso com a igualdade e a nãodiscriminação será o tratamento
dispensado a sua própria população cigana.
De Dublin a Bratislava, subsistem
atitudes obstinadas contra os ciganos,
que são segregados e discriminados no
sistema educacional, no sistema de
saúde e no de habitação, sendo,
persistentemente, excluídos da vida
pública em alguns países.
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O governo dinamarquês acertadamente
defendeu a liberdade de expressão, mas
não declarou, de modo firme e imediato,
seu compromisso de proteger da
discriminação e da exclusão social os
muçulmanos que vivem na Dinamarca.
O presidente iraniano convocou um
debate para promover a negação do fato
histórico do Holocausto. O Parlamento
francês adotou uma legislação que torna
crime negar que os armênios tenham
sido vítimas de genocídio nas mãos dos
otomanos.
Até onde vai o limite entre proteger a
liberdade de expressão e impedir o
incitamento ao ódio racial?
O Estado tem a obrigação de promover a
não-discriminação e de impedir os
crimes raciais; isso, porém, pode ser feito
sem que se limite a liberdade de
expressão. Esta não deveria ser sequer
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levemente restringida. Sim, ela pode ser
usada para propagar mentiras bem
como verdades. Entretanto, sem ela
não há como argumentar contra as
mentiras, nem como buscar a verdade e
a justiça. É por isso que só deveria
haver limitações de expressão quando
houvesse uma intenção clara de incitar
o ódio racial ou religioso, e não quando
o objetivo fosse expressar opiniões, por
mais desagradáveis que sejam.
No caso Albert-Engelman-Gesellschaft
MBH v. Áustria (janeiro de 2006), a
Corte Européia de Direitos Humanos
descreveu a liberdade de expressão como
“um dos fundamentos mais essenciais de
uma sociedade democrática e uma das
condições básicas para seu progresso e
para a realização pessoal de cada
indivíduo... a liberdade não se aplica
apenas a ‘informações’ ou a ‘idéias’ que
são recebidas favoravelmente ou
consideradas inofensivas ou que não
fazem diferença, mas também àquelas
que ofendem, indignam ou perturbam;
pois são estas as exigências do
pluralismo, da tolerância e do
liberalismo, sem as quais não há
‘sociedade democrática’.”
A liberdade de expressão é essencial
para o direito de ter opiniões
divergentes. Onde não há diferença de
opinião, o direito à liberdade de
expressão fica ameaçado. Onde não há
diferença de opinião, a democracia é
sufocada. Onde não há diferença de
opinião, a tirania é que ergue sua voz.
Apesar disso, as liberdades de expressão
e de opinião continuaram a ser
suprimidas de diversas maneiras, por
meio de processos contra escritores,
jornalistas e defensores dos direitos
humanos na Turquia, e por meio de
assassinatos políticos de ativistas de
esquerda nas Filipinas.
Na prisão que os EUA mantêm na baía
de Guantánamo, a única forma de
protesto que poderia ter restado aos
detentos foi a greve de fome. Em 2006,
cerca de 200 presos que recorreram a ela
foram alimentados à força através de
tubos inseridos pelas narinas – um
método especialmente doloroso e
humilhante. Quando se divulgou que
três homens teriam cometido suicídio,
o comandante da força-tarefa
estadunidense em Guantánamo
descreveu o que aconteceu como uma
“guerra assimétrica”.
“Onde não há diferença
de opinião, a tirania é
que ergue sua voz”
A segurança nacional tem sido usada
muitas vezes como desculpa pelos
governos para suprimir as diferenças
de opinião. Nos últimos anos, a
amplificação dos temores com o
terrorismo e com a insegurança
intensificou a repressão, ou sua
iminência, de diversas maneiras.
Abusos “ultrapassados” das liberdades
de expressão, de reunião e de associação
ganharam novo sopro de vida nos países
do norte da África e do Oriente Médio.
Nas democracias liberais, a crescente
malha de leis e de políticas
antiterrorismo constitui-se em uma
ameaça potencial à liberdade de
expressão. Em 2006, por exemplo, o
Reino Unido adotou leis que criavam
o vagamente definido crime de
“incentivar o terrorismo”, incorporando
a noção ainda mais confusa de
“glorificar o terrorismo”.
Nos Estados Unidos, as autoridades
mostraram mais interesse em ir à caça de
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quem estivesse por trás do vazamento da
história publicada no Washington Post
sobre os “locais negros” da CIA, do que
em investigar as políticas que, em
primeiro lugar, levaram à criação dessas
prisões secretas, em contravenção às leis
internacionais e dos EUA.
A tendência autoritária na Rússia vem
tendo um efeito devastador para os
jornalistas e defensores dos direitos
humanos. Após ter intimidado ou
assumido o controle de grande parte da
imprensa russa, o presidente Vladimir
Putin, em 2006, voltou sua atenção às
organizações não-governamentais
(ONGs) russas e estrangeiras, propondo
uma controvertida lei para regular seu
financiamento e suas atividades. Num
exercício de relações públicas praticado
logo antes do encontro do G8, ele se
reuniu com um grupo de ONGs
internacionais, entre as quais estava a
Anistia Internacional. Informado a
respeito do impacto negativo de sua lei
das ONGs sobre a sociedade civil russa e
instado a suspendê-la até que se fizessem
novas consultas e emendas, ele
respondeu: “Ainda nem aprovamos esta
lei para revogá-la”. Três meses depois, a
Sociedade de Amizade Russa-Chechena,
uma ONG de direitos humanos que
atuava para denunciar as violações
ocorridas na Chechênia, foi fechada
com base nesta lei.
Infelizmente, a Rússia não é o único país
tentando silenciar as vozes
independentes que falam em direitos
humanos. Da Colômbia ao Camboja, de
Cuba ao Uzbequistão, os governos
introduziram leis que impõem restrições
às organizações não-governamentais e
ao trabalho dos ativistas, rotulando-os
como desleais ou subversivos,
processando os que ousam expor
violações de direitos humanos e
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lançando campanhas difamatórias com
a ajuda de meios de comunicação
inescrupulosos, num esforço para
instilar o medo e para deslegitimizar o
trabalho dos ativistas.
Numa era de tecnologias, a Internet
tornou-se a nova fronteira na luta pelo
direito à liberdade de opinião. Com o
auxílio das maiores empresas mundiais de
Tecnologia da Informação, governos
como os da Arábia Saudita, Belarus,
China, Egito, Irã e Tunísia estão
monitorando salas de bate-papo,
deletando blogs, restringindo os
mecanismos de busca e bloqueando sítios
na Internet. Pessoas estão sendo presas
na China, no Egito, na Síria, no
Uzbequistão e Vietnã por colocarem e
por compartilharem informações na rede.
Todos têm o direito de buscar e receber
informações e de expressar
pacificamente suas idéias sem medo de
interferência. A Anistia Internacional,
com apoio do jornal britânico The Observer
(que publicou o primeiro apelo da AI, em
1961), lançou uma campanha, em 2006,
para mostrar que os ativistas que lutam
pelos direitos humanos não podem ser
silenciados, na rede ou fora dela, por
governos ou por grandes empresas.
MEDO E LIBERDADE PARA AS
MULHERES
A relação perniciosa que há entre
discriminação e diferença de opinião
fica muito mais evidente na arena das
questões de gênero. Mulheres ativistas
estão sendo presas por exigirem
igualdade no Irã, estão sendo
assassinadas por promoverem a
educação de meninas no Afeganistão e
estão sendo submetidas à violência
sexual e ao aviltamento em todo o
mundo. As que atuam sobre questões de
orientação sexual e de direitos
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LIBERDADE E MEDO
reprodutivos têm sido ainda mais
visadas, marginalizadas e atacadas.
As mulheres defensoras dos direitos
humanos enfrentam riscos em dobro:
como ativistas e como mulheres – por
seu trabalho e por sua identidade. São
atacadas tanto pelo Estado quanto pela
sociedade não somente porque expõem
abusos de direitos humanos, mas
também porque desafiam as estruturas
patriarcais de poder e as convenções
sociais e culturais que subjugam as
mulheres, que aprovam a discriminação
e que facilitam a violência de gênero.
Os direitos humanos das mulheres vêm
sofrendo, nos últimos anos, com uma
dupla oposição: reações hostis e
retrocessos. As reações contrárias aos
direitos humanos num contexto de
combate ao terrorismo têm afetado
tanto às mulheres quanto aos homens.
E, em um ambiente de medo e de
fundamentalismo, os governos têm
retrocedido nas suas promessas de
promover a igualdade de gêneros.
A violência contra a mulher – em todas as
sociedades, por todo o mundo – continua
sendo hoje um dos abusos mais graves e
mais comuns dos direitos humanos.
Se é tão forte, é por causa da
impunidade, da apatia e da desigualdade.
Um dos exemplos mais acintosos de
impunidade é o conflito em Darfur,
onde os incidentes de estupro
aumentaram em 2006 com a
intensificação do conflito e se
espalharam às áreas vizinhas no Chade.
Um dos exemplos insidiosos de apatia
está na Guatemala, onde, apesar de mais
de 2.200 mulheres e meninas terem sido
mortas desde 2001, pouquíssimos casos
foram investigados e menos ainda
processados. Há muitos exemplos de
desigualdade, mas um dos mais tristes é,
provavelmente, os altos índices de
mortalidade materna e infantil
motivados por discriminação nos
serviços de saúde, como é o caso, entre
outros, do Peru.
Bilhões de dólares estão sendo gastos
para fazer uma “guerra ao terror” – mas,
onde está a vontade política e os
recursos para combater o terror sexual
contra as mulheres? Houve indignação
mundial contra o apartheid na África do
Sul – e, onde está a indignação contra o
apartheid de gênero que acontece hoje
em alguns países?
Seja o perpetrador um soldado ou um
líder comunitário, seja a violência
oficialmente aprovada pelas autoridades
ou aceita pela cultura e pelos costumes, o
Estado não pode fugir à sua
responsabilidade de proteger as mulheres.
“Onde está a indignação
contra o apartheid de
gênero que acontece hoje
em alguns países?”
O Estado tem obrigação de garantir a
liberdade de escolha da mulher; não de
restringi-la. Um exemplo disso é que o
véu e o lenço usados na cabeça pelas
mulheres muçulmanas viraram motivo de
disputa entre culturas diferentes: o
símbolo visível da opressão, de acordo
com um lado; e um atributo essencial da
liberdade religiosa, segundo o outro. É
errado que as mulheres na Arábia Saudita
ou no Irã sejam forçadas a usar o véu. Do
mesmo modo que é errado que as
meninas e as mulheres, na Turquia ou na
França, sejam proibidas por lei de usá-lo.
É uma tolice da parte dos líderes
ocidentais alegar que um pedaço de pano
possa ser uma barreira à harmonia social.
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LIBERDADE E MEDO
No exercício de seu direito à liberdade de
expressão e de religião, uma mulher
deveria ser livre para escolher o que quer
usar. Os governos e os líderes religiosos
têm o dever de criar ambientes seguros, em
que cada mulher possa fazer essa escolha
sem ameaças de violência ou coação.
A universalidade dos direitos humanos
significa que eles se aplicam igualmente
às mulheres e aos homens. Essa
universalidade dos direitos, tanto de
entendimento quanto de aplicação, é o
mais poderoso instrumento contra a
violência de gênero, a intolerância, o
racismo, a xenofobia e o terrorismo.
MEDO DO TERRORISMO
É no campo do terrorismo e do
contraterrorismo que florescem as mais
danosas manifestações do medo. Estejam
em Mumbai ou em Manhattan, as
pessoas têm o direito de se sentirem
seguras, e os governos têm o dever de
prover essa segurança. Estratégias mal
concebidas de combate ao terrorismo
têm feito pouco para reduzir a ameaça de
violência ou para assegurar justiça às
vítimas dos ataques, mas têm feito
muito para prejudicar os direitos
humanos e o Estado de direito.
Impedido pelos tribunais, em 2004, de
levar adiante sua política de deter as
pessoas indefinidamente, sem acusação
ou julgamento, o governo do Reino
Unido vem recorrendo cada vez mais a
deportações ou a “ordens de controle”
que permitem ao ministro do Interior,
efetivamente, colocar indivíduos em
prisão domiciliar sem que haja um
processo criminal. Assim, suspeitos são
condenados sem jamais terem sido
considerados culpados. A essência do
Estado de direito é subvertida enquanto
sua forma é preservada.
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Em 2006, o Japão introduziu uma lei para
acelerar a deportação de qualquer pessoa
que seja considerada um “possível
terrorista” pelo ministro da Justiça. O
destino das pessoas não será mais
determinado com base no que elas fizeram,
mas na capacidade onisciente dos governos
de prever o que elas poderão fazer!
Poderes executivos arbitrários e
irrestritos estão sendo buscados
incansavelmente pelo governo dos
EUA, que trata o mundo como se fosse
um grande campo de batalha para sua
“guerra ao terror”: seqüestrando,
prendendo, detendo ou torturando
pessoas suspeitas, seja diretamente ou
com a ajuda de países tão diversos
quanto Paquistão e Gâmbia,
Afeganistão e Jordânia. Em setembro de
2006, o presidente Bush admitiu o que a
Anistia Internacional já sabia há muito
tempo – que a CIA administrava
centros de detenção secretos em
circunstâncias que correspondem a
crimes internacionais.
Nada representa tão bem a globalização
das violações de direitos humanos
quanto o programa de “rendições
extraordinárias” do governo dos EUA.
Investigações do Conselho da Europa,
do Parlamento Europeu e um Inquérito
Público no Canadá oferecem provas
contundentes, que confirmam as
constatações feitas anteriormente pela
Anistia Internacional, de cumplicidade,
de conivência ou de condescendência
por diversos governos europeus e de
outros lugares – sejam eles democráticos,
como o Canadá, ou autocráticos, como o
Paquistão. Nestes últimos anos,
centenas de pessoas foram transferidas
ilegalmente pelos Estados Unidos e seus
aliados para países como a Síria, a
Jordânia e o Egito, onde correm risco de
serem torturadas ou de sofrerem outros
maus-tratos. Algumas acabaram em
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LIBERDADE E MEDO
Guantánamo, em prisões dos EUA no
Afeganistão ou nos ditos “locais negros”
da CIA.
As pessoas mantidas nesse sistema
obscuro estão em risco de serem
torturadas ou de desaparecerem à força.
Os advogados não podem peticionar as
autoridades, nem buscar recursos
jurídicos ou demandar julgamentos
justos para quem está mantido em
detenção secreta, pelo simples fato de
que ninguém sabe onde, nem por quem
estão sendo mantidos presos. Pelos
mesmos motivos, é impossível um
monitoramento internacional.
A duplicidade do discurso do governo
dos EUA impressiona pela falta de
vergonha. Eles condenaram a Síria como
parte de um “eixo do mal”, mas
transferiram um cidadão canadense,
Maher Arar, a fim de ser interrogado
pelas forças de segurança sírias, sabendo
muito bem que ele corria o risco de ser
torturado. O Paquistão é outro país que
o governo dos EUA tem cortejado e com
o qual conta como aliado na sua “guerra
ao terror” – sem qualquer preocupação
com a maneira como lidam com os
direitos humanos.
Felizmente, muitos países parecem estar
percebendo que segurança a qualquer
custo é uma estratégia perigosa e
prejudicial. As instituições européias
estão se tornando mais rigorosas na hora
de cobrar responsabilidades, e os
tribunais estão menos dispostos a
sucumbir aos argumentos dos governos.
O Inquérito Público do Canadá
requereu um pedido de desculpas e de
compensação, por parte das autoridades
dos EUA, a Maher Arar, e um pedido de
investigações a respeito de outros casos
semelhantes. Relatórios produzidos pelo
Conselho da Europa e pelo Parlamento
Europeu estão mostrando a necessidade
de haver um maior escrutínio dos
serviços de segurança. Mandados de
prisão foram expedidos na Itália e na
Alemanha contra agentes da CIA.
Criou-se um momento claramente
propício para se pensar em
transparência, prestação de contas e
num fim à impunidade.
Falta que os Estados Unidos enxerguem
isso. No calor pré-eleitoral, o presidente
Bush convenceu o Congresso a adotar a
Lei das Comissões Militares, negando o
efeito do julgamento feito em 2006, pela
Suprema Corte, no caso Hamdam v.
Rumsfeld , e tornando legal o que a
opinião mundial considerou imoral.
O jornal The New York Times
descreveu-a como uma “lei tirânica
que terá seu lugar entre os momentos
mais baixos da democracia americana”.
“Segurança a qualquer
custo é uma estratégia
perigosa e prejudicial”
O governo dos Estados Unidos
permanece surdo diante dos clamores
mundiais para que Guantánamo seja
fechado. Não demonstra qualquer
constrangimento com relação à rede
global de abusos que vem engendrando
em nome do combate ao terrorismo. É
indiferente ao infortúnio de milhares de
detentos e de suas famílias, aos danos
causados ao Estado de direito
internacional, aos direitos humanos e
à destruição de sua própria autoridade
moral, que jamais esteve tão baixa em
todo o mundo, enquanto os níveis de
insegurança continuam mais elevados do
que nunca.
O juiz Brennan, da Suprema Corte dos
EUA, escreveu em 1987: “Ao final de cada
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LIBERDADE E MEDO
crise na percepção da segurança, os
Estados Unidos dão-se conta com remorso
de que a revogação das liberdades civis fora
desnecessária. Mesmo assim, mostram-se
incapazes de impedir a si mesmos de cair
novamente no mesmo erro quando uma
nova crise aparece.”
Um novo Congresso nos EUA traz
esperanças de que as coisas ainda possam
mudar; de que Democratas e
Republicanos percebam um interesse
suprapartidário em restaurar o respeito
pelos direitos humanos, no país e no
exterior, exigindo prestação de contas,
estabelecendo uma comissão de
inquérito e anulando ou alterando
substancialmente a Lei das Comissões
Militares, conforme o direito
internacional.
LIVRES DA VIOLÊNCIA
Quando os valores globais dos direitos
humanos são descartados com
impunidade, interesses mais estreitos
entram em cena, geralmente levados por
grupos sectários étnicos e religiosos, às
vezes com violência. Apesar de suas
práticas com freqüência serem
contrárias aos direitos humanos, em
diversos países elas ganham apoio
popular, pois são vistas como uma
maneira de lidar com as injustiças que
estão sendo ignoradas por seus governos
e pela comunidade internacional.
Enquanto isso, os governos não estão
tendo a liderança necessária para fazer
esses grupos prestarem contas de seus
abusos e parecem, em vez disso, estar
justamente alimentando os fatores que
os fortalecem.
No Afeganistão, o governo e a
comunidade internacional
desperdiçaram a oportunidade de
construir um Estado efetivo e operante
com base nos direitos humanos e no
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Estado de direito. A extrema
insegurança, a impunidade e as
instituições governamentais
ineficientes e corruptas, combinadas
com pobreza e altos índices de
desemprego, arruinaram a confiança
pública, enquanto as milhares de mortes
civis resultantes das operações militares
comandadas pelos EUA vêm
fomentando ressentimentos. O Talibã
tem-se aproveitado do vácuo político,
econômico e de segurança para ganhar o
controle de grandes áreas no sul e no
leste do país.
Uma aventura militar mal conduzida no
Iraque causou sérios prejuízos aos
direitos humanos e ao direito
humanitário, provocando rancor na
população, aumentando o poder dos
grupos armados e fazendo do mundo um
lugar muito menos seguro. A
insurgência transformou-se num
conflito sectário brutal e sanguinário.
O governo mostrou não estar
comprometido com a proteção dos
direitos humanos de todos os
iraquianos. As forças policiais do Iraque,
profundamente infiltradas por milícias
sectárias, estão alimentando as violações
ao invés de contê-las. O sistema judicial
iraquiano é, calamitosamente,
inadequado, como confirmou o
julgamento fracassado de Saddam
Hussein e sua execução grotesca.
Para haver qualquer esperança de
mudança nas previsões apocalípticas
para o Iraque, o governo do país e
aqueles que o apóiam militarmente
devem estabelecer alguns parâmetros
claros de direitos humanos: desarmar as
milícias, reformar a polícia, revisar o
sistema judicial, acabar com a
discriminação sectária e garantir
direitos iguais às mulheres.
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LIBERDADE E MEDO
Nos Territórios Ocupados da Palestina,
o impacto cumulativo de medidas
tomadas pelas autoridades israelenses,
como as crescentes restrições à liberdade
de circulação, a expansão dos
assentamentos e a construção do muro
na Cisjordânia, sufocaram a economia
local. Os palestinos comuns estão presos
em meio à luta de facções entre Hamas e
Fatah de um lado, e o bombardeamento
incansável do Exército israelense de
outro. Na ausência de justiça e sem
vislumbrar um fim à ocupação, uma
população palestina
predominantemente jovem caminha
para a radicalização. Nenhuma trégua
resistirá e nenhum processo político
será bem-sucedido no Oriente Médio se
não se tratar da questão da impunidade e
sem que os direitos humanos e a
segurança das pessoas sejam priorizados.
No Líbano, as divisões sectárias se
aprofundaram ainda mais após a guerra
entre Israel e o Hizbollah. O fato de não
se cobrar responsabilidade por abusos
atuais e passados — incluindo os da
guerra recente, e os assassinatos e
desaparecimentos forçados ocorridos
durante a guerra civil de 1975-1990 –
é uma fonte de ressentimento que vem
sendo explorada por todos os lados.
O governo está sendo pressionado a
conceder mais espaço ao Hizbollah. Há
um risco real de que o país possa, mais
uma vez, afundar na violência sectária.
Há um comentarista prevendo um
cenário de pesadelo, com Estados falidos
estendendo-se do Hindu Kush à região
do Chifre da África; tendo o
Afeganistão e a Somália em cada ponta,
e Iraque, Líbano e Territórios Ocupados
no centro dessa faixa de instabilidade.
Outros falam no ressurgimento de uma
mentalidade “eles e nós” da Guerra Fria,
em que Estados poderosos buscam
combater seus inimigos através de
terceiros em territórios que não os seus.
São sombrias as previsões para os
direitos humanos.
OLHANDO À FRENTE
Podemos ser seduzidos pela síndrome do
medo ou tomar uma atitude
radicalmente diferente: que se baseie na
sustentabilidade em vez da segurança.
O termo sustentabilidade pode ser mais
usado por ambientalistas e economistas
da área de desenvolvimento, mas é
também crucial para os ativistas de
direitos humanos. Uma estratégia
sustentável promove a esperança, os
direitos humanos e a democracia, ao
passo que uma estratégia de segurança
lida com os medos e os perigos. Do
mesmo modo que a segurança energética
é mais garantida através do
desenvolvimento sustentável, a
segurança humana é melhor alcançada
por meio de instituições que promovam
o respeito aos direitos humanos.
A sustentabilidade exige que se
renuncie à tradição da Guerra Fria de
cada superpotência patrocinar seu
círculo de ditaduras e de regimes
abusivos. Significa promover lideranças
íntegras e políticas esclarecidas.
A sustentabilidade requer o
fortalecimento do Estado de direito e
dos direitos humanos – em nível
nacional e internacional. As eleições
têm atraído bastante atenção, sejam na
Bolívia ou em Bangladesh, no Chile ou
na Libéria. Todavia, como demonstram
a República Democrática do Congo e o
Iraque, não basta apenas criar as
condições para que as pessoas depositem
seus votos. Desafio maior é promover a
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boa governança, que inclua uma
estrutura legal e jurídica eficiente, um
Estado de direito baseado nos direitos
humanos, uma imprensa livre e uma
sociedade civil vibrante.
Um sistema democrático de direito que
funcione adequadamente em nível
nacional é a maior garantia de respeito
aos direitos humanos. Porém, para que
seja realmente justo, esse sistema deve
compreender as mulheres e os pobres. A
maioria da população carente vive hoje
fora da proteção da lei. Incluí-los de um
modo significativo requer efetivar seus
direitos econômicos e sociais em
programas e em políticas públicas. Em
muitos países, continua-se negando às
mulheres igualdade perante a lei. Que
elas tenham acesso a todos os direitos
humanos não é somente uma
precondição para que se sustentem estes
direitos, mas também a prosperidade
econômica e a estabilidade social.
“A sustentabilidade
requer o fortalecimento
do Estado de direito e
dos direitos humanos”
A sustentabilidade requer um novo
ímpeto para a reforma dos direitos
humanos no âmbito das Nações Unidas.
Humilhada e deixada de lado por seus
membros mais poderosos, ao mesmo
tempo ignorada por governos como os
do Sudão e do Irã, a ONU viu a
credibilidade de seu Conselho de
Segurança ser seriamente abalada.
Porém, quando as Nações Unidas
falham, a autoridade dos seus Estadosmembros mais poderosos também sai
enfraquecida. Deve ser do interesse dos
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Estados Unidos abandonarem essa
atitude de aceitar somente o que lhes
agrada na ONU, reconhecendo o valor
do multilateralismo como um meio
crucial de promover maior estabilidade e
segurança através dos direitos humanos.
O Conselho de Direitos Humanos da
ONU parece estar apresentando alguns
sintomas preocupantes de facciosidade
que lembram os de sua instituição
precedente. Mas ainda não é tarde para
mudar. Os países-membros podem
desempenhar um papel construtivo – o
que alguns, inclusive, como a Índia e o
México, já estão, de fato, fazendo – para
que o Conselho tenha mais disposição
de enfrentar as crises de direitos
humanos e seja menos propenso a
seletividade e manipulação política.
O novo secretário-geral da ONU
também deve afirmar-se mostrando
liderança como um defensor dos direitos
humanos. Esta responsabilidade das
Nações Unidas é única e não há outra
entidade que possa usurpá-la. Todos os
órgãos e funcionários da ONU devem
estar a altura disso.
Sustentabilidade, em termos de direitos
humanos, significa nutrir esperança. Dos
diversos exemplos que 2006 ofereceu,
podemos aprender as lições para o futuro.
O fim de uma década de conflito no
Nepal, e dos conseqüentes abusos dos
direitos humanos, foi um exemplo claro
do que se pode conseguir por meio de
um esforço coletivo. A ONU e outros
governos interessados, trabalhando com
líderes políticos nacionais e ativistas de
direitos humanos, do país e do exterior,
responderam ao forte chamado do povo
do Nepal.
A justiça internacional é fundamental
para sustentar o respeito pelos direitos
humanos e, em 2006, a Nigéria,
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finalmente, entregou o ex-presidente da
Libéria, Charles Taylor, ao Tribunal
Especial para Serra Leoa, a fim de ser
julgado por crimes de guerra e crimes
contra a humanidade. O Tribunal Penal
Internacional (TPI) iniciou seu primeiro
processo contra um líder militar da
República Democrática do Congo por
recrutar crianças soldados. O Exército
de Resistência do Senhor, um grupo
rebelde de Uganda, é o próximo na lista
do TPI, como também o são os
perpetradores das atrocidades em
Darfur. Ao fazer pressão para cobrar
responsabilidade tanto de grupos
armados quanto de agentes dos
governos, o TPI estabelece um
importante precedente, num momento
em que os grupos armados dão
crescentes demonstrações de força, com
conseqüências brutais para os direitos
humanos.
Uma enorme campanha de organizações
da sociedade civil levou a Assembléia
Geral da ONU a adotar, em 2006, uma
resolução que dá início aos trabalhos
para um Tratado sobre o Comércio de
Armas. A proliferação de armamentos é
uma imensa ameaça para os direitos
humanos, e a disposição dos governos
em controlar esta situação é um passo
importante para que as pessoas vivam
“livres do medo”.
Passeatas, abaixo-assinados, envio de
mensagens eletrônicas, blogs, camisetas e
acessórios de campanha podem não
representar muito em si mesmos. Porém,
ao promover a união das pessoas, liberam
uma energia de mudança que não deve ser
subestimada. Darfur tornou-se uma
palavra comum à solidariedade
internacional graças aos esforços da
sociedade civil. A matança, infelizmente,
não cessou, mas este conjunto de
indivíduos e de organizações interessados
não permitirá que os líderes mundiais
esqueçam de Darfur enquanto sua
população estiver correndo perigo. Nas
questões de gênero, a justiça ainda tem
uma longa jornada pela frente, mas a
campanha da ativista iraniana de direitos
humanos e ganhadora do Prêmio Nobel
da Paz, Shirin Ebadi, pela igualdade da
mulher no Irã, ascende uma chama que
não vai se apagar até que a batalha esteja
vencida. É graças também à sociedade
civil que a campanha pela abolição da
pena de morte segue em frente, somando
vitórias.
O poder das pessoas vai mudar o
panorama dos direitos humanos no
século XXI. A esperança está bem viva.
Estes desenvolvimentos positivos como muitos outros – aconteceram
devido à coragem e ao
comprometimento da sociedade civil.
De fato, o principal sinal da esperança
em transformar a paisagem dos direitos
humanos é o próprio movimento que os
promove – são milhões de defensores, de
ativistas e de pessoas comuns, inclusive
membros da Anistia Internacional, que
estão a exigir mudanças.
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A N Á L I S E S
R E G I O N A I S
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Á F R I C A
Em 2006, a situação dos direitos
humanos em muitas partes da África
continuou precária. Os conflitos
armados, o subdesenvolvimento, a
extrema pobreza, a corrupção
amplamente difundida, a distribuição
injusta dos recursos, a repressão política,
a marginalização, a violência étnica e
civil, e a pandemia do HIV/Aids
continuaram a degradar os direitos
humanos em toda a região.
Embora, de um modo geral, os conflitos
armados estivessem diminuindo, muitos
países ainda eram afetados por eles. Em
conseqüência, milhões de refugiados e
de pessoas deslocadas internamente,
inclusive crianças e idosos, continuaram
sem abrigo, sem proteção e sem cuidados
básicos.
A maioria dos Estados suprimiu as
diferenças e a livre expressão de
opiniões. Alguns governos autorizaram
ou fecharam os olhos diante de
execuções extrajudiciais, detenções
arbitrárias, tortura e outros maus-tratos,
bem como da hostilização de ativistas
políticos de oposição, defensores dos
direitos humanos e jornalistas. Em toda
a região, os suspeitos em investigações
criminais continuavam correndo grave
risco de tortura, tanto por causa da
insuficiência de treinamento e
supervisão policial, quanto pela pressão
pública sobre a polícia para combater os
altos níveis de criminalidade.
Desfrutar de direitos econômicos,
sociais e culturais, tais como o direito à
alimentação, abrigo, saúde e educação,
continuou sendo mera ilusão para a
grande maioria das pessoas na África.
A corrupção e a falta de investimentos
em serviços sociais contribuíram para
aprofundar a pobreza.
CONFLITOS ARMADOS
Pelo menos uma dúzia de países na
África foi afetada por conflitos armados.
A marginalização de certas
comunidades, a proliferação das armas
de pequeno porte, as lutas pelo poder
geopolítico e o controle dos recursos
naturais foram algumas das razões por
trás dos conflitos.
Apesar dos numerosos processos de paz
e de mediação internacional, Burundi,
República Centro-Africana (RCA),
Chade, Costa do Marfim, República
Democrática do Congo (RDC), Eritréia,
Etiópia, República do Congo, Senegal,
Sudão e Somália figuravam entre os
países ainda em guerra ou afetados pelo
conflito. Em todos eles, os civis
continuaram a sofrer abusos dos direitos
humanos, e as pessoas mais afetadas
foram as mulheres, as crianças e os
idosos. Os conflitos na RCA, no Chade,
no Sudão e na Somália (com o
envolvimento da Etiópia)
representaram uma escalada dos
conflitos na África central e do leste.
Mesmo nos países onde havia processos
de paz em andamento como, por
exemplo, a Costa do Marfim, a RDC e
o Sudão, os civis continuaram a sofrer
ataques e não recebiam proteção
suficiente dos seus governos.
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ANÁLISES REGIONAIS
O conflito continuou na região de
Darfur, no Sudão, apesar do Acordo de
Paz de Darfur. O governo sudanês não
desarmou as milícias armadas,
conhecidas como Janjawid, que atacaram
civis no Sudão e no leste do Chade.
Dezenas de milhares de darfurenses que
escaparam das matanças, de estupros e
de pilhagem, estavam vivendo em
campos de refugiados na RCA e no
Chade, sem poder retornar aos seus
povoados. Até o final de 2006, ao menos
200 mil pessoas haviam morrido e 2,5
milhões foram deslocadas internamente.
Grupos armados de oposição no Chade,
na Costa do Marfim e no Sudão
cometeram abusos dos direitos
humanos; enquanto na RCA, no Chade
e no Sudão eles continuaram a lançar
ataques contra as forças dos seus
respectivos governos, usando como
bases outros países.
Apesar das eleições presidenciais e
legislativas na RDC, em julho e outubro,
o processo de paz e a futura estabilidade
do país continuaram seriamente
ameaçados, em particular porque o
Exército nacional não foi reformado
para torná-lo uma força profissional e
apolítica que respeite os direitos
humanos. O novo Exército cometeu
muitas violações dos direitos humanos,
porém, o governo não expulsou os
responsáveis de suas fileiras. Grupos
armados congoleses - assim como
estrangeiros, do Burundi, de Ruanda e de
Uganda - presentes na RDC, também
ameaçaram a paz e cometeram abusos
dos direitos humanos. A falta de
segurança limitou o acesso de assistência
humanitária a muitas áreas no leste.
A proliferação das armas de pequeno
porte continuou a ser um problema
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sério, especialmente no Burundi, na
RDC, na Somália e no Sudão,
contribuindo para um ciclo vicioso de
violência, de instabilidade, de péssimas
situações de direitos humanos e de crises
humanitárias.
Em Angola, o Memorando de
Entendimento para a Paz e
Reconciliação em Cabinda foi assinado
pelo governo e pelo o Fórum Cabindês
para o Diálogo, terminando,
formalmente, com o conflito armado em
Cabinda. Mesmo assim, ainda
persistiram os ataques esporádicos
contra civis de ambos os lados.
Apesar dos intensos esforços
diplomáticos, notavelmente da ONU e
da União Africana (UA), continuaram a
ser noticiados abusos dos direitos
humanos na Costa do Marfim. As forças
de segurança do governo e as Forces
Nouvelles (Forças Novas), uma coalizão
de grupos armados que controla o norte
do país desde setembro de 2002, estavam
implicadas. Ambos os protagonistas
adiaram várias vezes o desarmamento e
a desmobilização, e o programa de
reintegração continuou num impasse
devido a desacordos sobre o cronograma.
Na Somália, as milícias da União das
Cortes Islâmicas, que haviam
conquistado Mogadício em junho, foram
vencidas, em dezembro, por uma força
etíope que apoiava o Governo Federal de
Transição, reconhecido
internacionalmente. Continuaram as
incertezas sobre a vinda de uma força de
apoio à paz da UA para proteger este
governo, conforme autorizado pelo
Conselho de Segurança da ONU.
A disputa de fronteira entre a Etiópia e
a Eritréia continuou sendo uma fonte de
tensões.
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ÁFRICA
DIREITOS ECONÔMICOS,
SOCIAIS E CULTURAIS
A realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais continuou ilusória em
praticamente todos os países na África.
Economias em dificuldade,
subdesenvolvimento, falta de
investimentos em serviços sociais
básicos, corrupção e marginalização de
certas comunidades foram alguns dos
fatores que impediram a realização
destes direitos humanos básicos. Em
países como Angola, Chade, RDC,
Guiné Equatorial, República do Congo,
Nigéria e Sudão, a presença de petróleo e
de outros minérios continuaram
arruinando, ao invés de melhorar, a vida
das pessoas, devido aos conflitos, à
corrupção e às lutas pelo poder.
Centenas de milhares de pessoas em
muitos países africanos ficaram sem teto
devido a ações propositadas. Ao efetuar
despejos forçados sem o devido processo
legal, nem indenização adequada ou
alternativas de alojamento, os governos
violaram o direito humano,
internacionalmente reconhecido, ao
abrigo e à moradia adequada.
Sabe-se que estes despejos, muitas vezes
executados com força desproporcional e
outros abusos, ocorreram em Angola,
Guiné Equatorial, Quênia, Nigéria e
Sudão. Num destes incidentes, em agosto,
máquinas escavadoras chegaram sem
aviso prévio a Dar al Salam, um
assentamento para deslocados, 43 km ao
sul de Cartum, no Sudão, e começaram a
demolir as casas de cerca de 12 mil
pessoas, muitas das quais haviam fugido
da seca, da fome, da guerra civil entre o
norte e o sul do país e, mais
recentemente, do conflito em Darfur.
Cerca de outras 50 mil pessoas no Sudão
continuaram sob ameaça de expulsão
devido à construção da represa de Meroe;
em 2006, 2.723 famílias na região de
Amri tiveram seis dias para evacuar suas
casas, segundo informações, sem receber
abrigo, alimentos ou remédios.
A pandemia de HIV/Aids continuou a
ameaçar milhões de africanos. De acordo
com o UNAIDS (Programa Conjunto
das Nações Unidas para HIV/Aids), o
vírus causou 2,1 milhões de mortes em
2006, com 2,8 milhões de novas
infecções, elevando para 24,7 milhões o
total de pessoas que vivem com HIV/
Aids no continente.
A probabilidade de mulheres e meninas
na África serem infetadas com o vírus
continuou sendo 40% maior do que para
os homens, sendo que, muitas vezes, elas
eram as principais responsáveis pelos
cuidados dos doentes. A violência
contra mulheres e meninas em alguns
países também aumentou o risco de
infecção com o HIV.
Iniciativas nacionais de combate ao
HIV/Aids continuaram a crescer em
todo o continente. A difusão do
tratamento anti-retroviral continuou,
embora de forma desigual. Em junho, a
UNAIDS estimou que mais de um
milhão de pessoas no continente
estavam recebendo terapia antiretroviral para salvar vidas – 23% dos
que precisavam do tratamento.
Na África do Sul, o país com o maior
número de pessoas vivendo com HIV/
Aids, o governo mostrou sinais de maior
abertura à participação das organizações
da sociedade civil para que se consiga
responder melhor à pandemia.
Em maio, durante a Cúpula Especial da
UA sobre HIV/Aids, Tuberculose e
Malária, realizada em Abuja, na Nigéria,
os governos africanos se
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ANÁLISES REGIONAIS
comprometeram a oferecer “acesso
universal a tratamento, cuidados e
serviços de prevenção para todas as
pessoas até 2010”. Este apelo foi
reiterado, embora com poucos
compromissos tangíveis, durante a
Reunião de Alto Nível para Revisão
sobre HIV/Aids da Assembléia Geral da
ONU (Revisão UNGASS), que
aconteceu em seguida. Os Estadosmembros da ONU se comprometeram a
trabalhar em prol do acesso universal a
tratamentos, cuidados e prevenção até
2010. Em toda a região, os países
estavam desenvolvendo metas e
indicadores nacionais para alcançar este
objetivo.
em países como Burundi, RDC, Etiópia,
Ruanda, Somália, Sudão e Zimbábue.
A tuberculose e a malária também
constituíram uma séria ameaça em
muitos lugares. Em 2006, a tuberculose
matou mais de 500 mil pessoas em toda
a região, enquanto cerca de 900 mil
pessoas na África, a maioria crianças
pequenas, morreram de crises agudas de
malária.
A pena de morte continuou a ser
aplicada de forma ampla. Havia presos
condenados à morte em vários países da
região, incluindo cerca de 600 pessoas
em Ruanda. Entretanto, as autoridades
da Tanzânia comutaram todas as
sentenças de morte em 2006, e o partido
no poder em Ruanda recomendou a
abolição da pena capital.
REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS
DE OPINIÃO
Muitos países continuaram reprimindo
as opiniões diferentes. As autoridades da
Eritréia, da Etiópia, de Ruanda, do
Sudão, de Uganda e do Zimbábue
estavam entre as que recorreram a um
sistema de licenciamento/
credenciamento para restringir o
trabalho de jornalistas e,
conseqüentemente, infringir a liberdade
de expressão. A promulgação e a
aplicação de leis antiterroristas e de
ordem pública, para limitar as diferenças
de opinião e o trabalho dos defensores
dos direitos humanos, continuaram em
alguns Estados, deixando estes
defensores especialmente vulneráveis
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Na Etiópia, por exemplo, líderes dos
partidos de oposição, jornalistas e
defensores dos direitos humanos, que
eram prisioneiros de consciência, foram
julgados por crimes capitais tais como
traição, tentativa de genocídio e
conspiração armada. Na Eritréia, os
membros de igrejas evangélicas
minoritárias foram presos por causa de
sua fé, enquanto ex-líderes de governo,
parlamentares e jornalistas continuaram
detidos sem julgamento. Receava-se que
muitos estivessem mortos.
PENA DE MORTE
Na RDC, os tribunais militares
continuaram a pronunciar sentenças de
morte após julgamentos injustos.
No entanto, não houve notícias de
execuções pelo Estado. Na Guiné
Equatorial, uma pessoa foi executada em
público por homicídio.
IMPUNIDADE
Em muitos lugares, a polícia e outras
forças públicas continuaram a cometer
violações dos direitos humanos
impunemente; inclusive homicídios
ilegais, tortura ou outros maus-tratos.
Apesar disso, alguns passos importantes
foram dados para acabar com a
impunidade para os crimes de guerra e
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ÁFRICA
outros crimes graves segundo o direito
internacional.
Depois que a situação de Darfur foi
levada ao Conselho de Segurança da
ONU, em março de 2005, o promotor do
Tribunal Penal Internacional (TPI)
visitou Cartum em 2006.
Os mandados de prisão expedidos em
2005 contra integrantes graduados do
grupo político armado de Uganda, o
Exército de Resistência do Senhor –
entre os quais Joseph Kony, Vincent
Otti, Okot Odhiambo e Dominic
Ongwen – continuaram em vigor.
Porém, os acusados não foram presos.
Os líderes do grupo argumentaram que
os mandados de prisão deveriam ser
anulados antes de eles se
comprometerem com um acordo de paz.
Contudo, os mandados ainda vigoravam
no final do ano.
Na RDC, Thomas Lubanga Dyilo, chefe
de um grupo armado de Ituri, a União de
Patriotas Congoleses, foi preso e
acusado de crimes de guerra –
especificamente, o recrutamento e a
utilização de crianças menores de 15
anos nas hostilidades. Ele foi transferido
posteriormente para o TPI, em Haia, nos
Países Baixos.
Em março, o ex-presidente da Libéria,
Charles Taylor, foi entregue a esse país
pela Nigéria, onde estivera vivendo. Ele
foi então transferido ao Tribunal
Especial para Serra Leoa, a fim de que
fosse julgado por crimes de guerra e por
crimes contra a humanidade cometidos
durante o conflito armado neste país.
Além disso, três processos ainda
tramitavam no Tribunal Especial
envolvendo as pessoas com maior carga
de responsabilidade nos crimes contra a
humanidade, nos crimes de guerra e em
outras sérias violações do direito
internacional cometidas na guerra civil em
Serra Leoa, após 30 de novembro de 1996.
Na Etiópia, o julgamento do expresidente Mengistu Hailemariam, que
durou 12 anos, foi concluído em
dezembro, com sua condenação por
genocídio, por assassinatos em massa e
por outros crimes. Junto com outros 24
membros do governo militar Dergue
(1974-1991), ele foi julgado à revelia
enquanto esteve exilado no Zimbábue,
cujo presidente, Robert Mugabe, se
recusara a extraditá-lo para esse fim.
Em julho de 2006, a Assembléia de
Chefes de Estado e de Governo da UA
pediu ao Senegal que julgasse Hissène
Habré, ex-presidente do Chade, por
crimes contra a humanidade, cometidos
enquanto ele esteve no poder (19821990). Ele estava vivendo no Senegal
desde que foi afastado do cargo. Em 2005,
um juiz belga expediu um mandado de
prisão internacional por tortura e por
outros crimes cometidos durante sua
presidência. Em novembro de 2006, o
Conselho de Ministros do Senegal
adotou um projeto de lei permitindo que
Hissène Habré fosse julgado.
Continuaram os julgamentos de
proeminentes suspeitos de genocídio no
Tribunal Penal Internacional para
Ruanda (TPIR), que mantinha 57
pessoas detidas no final de 2006. Dez
julgamentos estavam em andamento.
O Conselho de Segurança da ONU pediu
ao TPIR que todos fossem concluídos até
o final de 2008. O Tribunal, porém, não
indiciou ou processou os líderes da exFrente Patriótica Ruandesa, embora seja
amplamente aceito que eles autorizaram,
toleraram ou executaram crimes de
guerra e crimes contra a humanidade em
1994.
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ANÁLISES REGIONAIS
Em Ruanda, continuam havendo
preocupações com a imparcialidade e
com a justiça dos tribunais gacaca (um
sistema de tribunais comunitários
criados em Ruanda, em 2002, para julgar
as pessoas suspeitas de crimes durante o
genocídio de 1994).
VIOLÊNCIA CONTRA
MULHERES E MENINAS
A violência contra mulheres e meninas
continuou amplamente difundida. No
entanto, somente alguns poucos países
estavam considerando a adoção de leis
para combater o problema. Os
parlamentos do Quênia, da Nigéria, da
África do Sul e de Zimbábue
continuaram a debater projetos de lei
sobre violência doméstica e delitos
sexuais.
Na África do Sul e na Suazilândia, em
particular, a grande ocorrência de
violência baseada em gênero continuou
a colocar mulheres e meninas em perigo
de contaminação por HIV/Aids. Isso
ocorria diretamente ou através de
obstáculos ao acesso à informação,
prevenção e tratamento. A violência de
gênero, assim como o estigma e a
discriminação, também dificultaram
acesso ao tratamento para aqueles que já
vivem com HIV/Aids.
A prática da mutilação genital feminina
continuou amplamente difundida em
alguns países, principalmente em Serra
Leoa, na Somália e no Sudão.
Na RDC, mulheres e meninas foram
estupradas por forças de segurança do
governo e por grupos armados, tendo
pouco ou nenhum acesso a tratamentos
médicos adequados. Em Darfur, o
estupro de mulheres pelas milícias
Janjawid continuou sendo sistemático.
O número de mulheres atacadas e
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estupradas enquanto procuravam lenha
perto do acampamento de Kalma,
próximo a Nyala, no sul de Darfur,
passou, entre junho e agosto, de três ou
quatro para cerca de 200 por mês.
Na Nigéria, foram noticiados casos
freqüentes de violência sexual, inclusive
estupro, por funcionários do governo,
que os cometeram com impunidade. Na
Costa do Marfim, casos de violência
sexual contra mulheres foram
noticiados de forma rotineira nas áreas
sob controle do governo e na região
dominada pelas Forces Nouvelles.
INSTITUIÇÕES REGIONAIS E
DIREITOS HUMANOS
Apesar de o Ato de Constituição da
União Africana sublinhar a importância
primordial da promoção e da proteção
dos direitos humanos em todo o
continente, esse organismo, geralmente,
não cumpriu este compromisso. A UA
continuou a demonstrar uma profunda
relutância para criticar publicamente os
governantes africanos que deixaram de
proteger os direitos humanos,
especialmente no Sudão e no Zimbábue.
Uma combinação entre falta de vontade
política e de capacidade da UA para pôr
fim aos contínuos conflitos em lugares
como Darfur, junto com a apatia da
comunidade internacional, que tinha a
capacidade, mas não a vontade para agir,
deixou milhões de civis à mercê de
governos beligerantes e senhores da
guerra sem escrúpulos.
Embora muitas das instituições a que se
refere o Ato Constitutivo da UA se
tenham tornado plenamente
operacionais em 2006, tiveram pouco ou
nenhum impacto sobre a vida das
pessoas. Entretanto, a eleição de 11
juízes para o recém-criado Tribunal
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ÁFRICA
Africano dos Direitos do Homem e dos
Povos melhorou as perspectivas de
desenvolvimento de uma cultura de
respeito ao Estado de direito e aos
direitos humanos em nível regional. O
Tribunal realizou seu primeiro encontro
em julho, e os juízes começaram a redigir
as regras de procedimentos do órgão.
Um projeto de instrumento legal
relativo à criação de um tribunal que
integrasse o Tribunal Africano dos
Direitos do Homem e dos Povos e o
Tribunal Africano de Justiça estava
sendo negociado no final do ano.
O Mecanismo Africano de Revisão de
Pares concluiu sua revisão sobre Gana,
Ruanda e África do Sul, embora não
tenha publicado seus relatórios. A
Comissão Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos, que permaneceu
sendo a única entidade regional de
direitos humanos que funcionava,
continuou sem receber os recursos
humanos, materiais e financeiros
indispensáveis para responder aos
muitos problemas de direitos humanos
na região.
De modo geral, a corrupção intensa e
amplamente difundida na África
continuou a contribuir para o ciclo
vicioso de miséria, que se manifesta nas
violações dos direitos humanos
internacionalmente reconhecidos –
sobretudo dos direitos econômicos e
sociais – em instituições e em liderança
fracas, e na marginalização dos setores
mais vulneráveis da população, como as
mulheres e as crianças.
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A M É R I C A S
As Américas continuaram sendo uma
região de extraordinária diversidade,
abrigando, em seu território, algumas
das populações economicamente mais
privilegiadas do mundo, como ocorre na
América do Norte, e alguns dos países
mais pobres do mundo, como no Caribe
e na América Latina. Comum, porém, a
toda a região, foram os desafios políticos,
sociais e econômicos, complexos e
urgentes, que afetam a realização de
direitos humanos fundamentais.
Os Estados Unidos, inigualáveis na
região e no mundo em termos militares
e econômicos, continuaram a manter
um discurso duplo com relação aos
direitos humanos, para se empenhar na
sua “guerra ao terror”. Pretendem ser
líderes na promoção dos direitos
humanos e do Estado de direito, ao
mesmo tempo em que promovem
políticas e práticas que zombam de
alguns dos princípios mais básicos do
direito internacional. Assim,
comprometem não apenas a
possibilidade de segurança a longo prazo,
que tem no Estado de direito um de seus
pilares básicos, mas também sua própria
credibilidade na cena internacional.
Em nenhum outro lugar a erosão da
credibilidade e da influência dos Estados
Unidos foi tão marcada quanto na
América Latina. Um número crescente
de países, sobretudo na América do Sul,
vem buscando se dissociar dos
princípios políticos, econômicos e de
segurança promovidos pelos EUA, ao
passo que as relações entre o país e
diversos governos latino-americanos
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têm-se tornado cada vez mais ásperas.
As tensões políticas e as críticas
recíprocas foram mais acentuadas entre
os Estados Unidos e a Venezuela.
Um aspecto distintivo de 2006 foi o
contínuo fortalecimento dos processos
democráticos e a consolidação das
instituições democráticas. Onze países
realizaram eleições presidenciais,
combinadas, em alguns deles, com
eleições estaduais e legislativas. As
transições de poder ocorreram de forma
pacífica, apesar dos questionamentos
legais de candidatos vencidos, como no
caso do México. De modo geral, porém,
os observadores consideraram que as
eleições foram justas.
Cuba, o único Estado com partido único
na região, também experimentou uma
transição de poder, quando o irmão de
Fidel Castro, Raúl, foi empossado
presidente temporariamente.
A transferência pacífica de poder
político em tantos países foi uma
conquista importante numa região há
tanto tempo perturbada por
instabilidade política e por campanhas
eleitorais violentas. Muitos dos novos
governos se elegeram com base em
propostas de acabar com a pobreza,
impostas por um eleitorado cada vez
mais frustrado com o fracasso das
políticas econômicas predominantes
que pretendiam reduzi-la. A
consolidação dos processos
democráticos ofereceu uma
oportunidade inédita para que os
governos da região pudessem enfrentar
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AMÉRICAS
as violações persistentes dos direitos
humanos e a pobreza generalizada.
Após décadas de negligência dos
profundos problemas econômicos e
sociais, surgiram sinais alentadores de
que alguns governos, especialmente
latino-americanos, estavam deixando o
plano dos compromissos retóricos com
os direitos humanos para, de fato, adotar
e implementar políticas econômicas e
sociais que pudessem dar início ao
enfrentamento das desigualdades que há
muito caracterizam a região.
Entre as promessas feitas por alguns dos
novos governos estavam reformas para
corrigir falhas estruturais, tais como a
posse injusta das terras, a discriminação
arraigada no sistema de justiça e a falta
de acesso a serviços básicos, que estão
por trás das violações de direitos
humanos.
Apesar disso, os avanços foram lentos e a
América Latina permanece sendo um dos
locais economicamente mais injustos do
planeta. A pobreza continuou endêmica e
o acesso a serviços básicos, como saúde e
educação, continuou a ser negado ou
limitado para a maioria das pessoas. As
populações pobres, sobretudo nas zonas
rurais, não tiveram acesso à Justiça ou a
serviços essenciais; extensas áreas rurais
foram esquecidas pelo Estado, deixando
um grande número de pessoas isoladas e
inseguras.
As grandes expectativas criadas correm
o risco de serem frustradas, pois a
democracia e a boa governança foram
ameaçadas pela debilidade crônica das
instituições, e prejudicadas pela falta de
independência do Judiciário, pela
impunidade e pela corrupção endêmica.
A sociedade civil das Américas
continuou a desempenhar um papel
cada vez mais importante de cobrar dos
governos uma prestação de contas de
seus atos, desafiando-os a enfrentar a
falta de acesso aos serviços públicos e ao
sistema de justiça que atinge os mais
carentes. Na busca por direitos políticos,
econômicos e sociais, os defensores dos
direitos humanos foram um
componente essencial. Seu trabalho
contribuiu para evidenciar as injustiças
econômicas e sociais da região, e sua
atuação foi fundamental para legitimar
as lutas dos setores mais vulneráveis da
sociedade, como as populações
indígenas, as mulheres e os gays,
lésbicas, bissexuais e transgêneros
(GLBT).
A oposição pública aos governos
resultou muitas vezes em protestos
prolongados e em massa, os quais foram,
com freqüência, respondidos de forma
repressiva pelas forças de segurança. A
crise política em Oaxaca, no México,
por exemplo, provocada por uma greve
generalizada de professores, resultou em
enormes manifestações contrárias ao
governo estadual, que se estenderam por
vários meses. Apesar de somente alguns
poucos manifestantes terem sido
violentos, a reação das autoridades
estaduais e de seus simpatizantes teria
atingido a todos os indivíduos e
organizações que se acreditava serem
favoráveis ao movimento oposicionista.
INSEGURANÇA E CONFLITO
Os níveis elevados de crimes violentos e
a falta de segurança pública
continuaram a ser causa de grande
preocupação. A pobreza, a violência e a
proliferação das armas de pequeno porte,
uma realidade diária para milhões de
pessoas nas Américas, criaram e
fomentaram ambientes em que os
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ANÁLISES REGIONAIS
abusos dos direitos humanos prosperam.
Para lidar com as conseqüências da
negligência do Estado, da discriminação
e da exclusão social, os governos têm,
tradicionalmente, recorrido a estratégias
repressivas de imposição da lei. Como
conseqüência, as comunidades pobres
têm se afundado, cada vez mais, em
violência e insegurança, principalmente
nos grandes centros. Nas cidades de
países como Brasil, El Salvador,
Guatemala, Haiti, Honduras e Jamaica,
grupos criminosos armados e gangues
juvenis representaram uma séria ameaça.
Diversos Estados recorreram mais
intensamente à “contenção” militar de
alguns bairros, deixando muitos de seus
habitantes expostos tanto à violência
das gangues que dominam estas
comunidades, quanto à violência das
forças de repressão do Estado.
Uma das conseqüências mais visíveis da
aplicação de medidas de segurança
repressivas pelos Estados foi a violência
desenfreada nas prisões superlotadas e
fora de controle da região. O fenômeno
das prisões que se tornaram zonas de
acesso proibido às forças de segurança se
difundiu nas Américas Central e do Sul.
No Brasil, por exemplo, um grupo
criminoso que atua no sistema prisional
de São Paulo orquestrou rebeliões
simultâneas em cerca de 70 prisões do
estado. Ao mesmo tempo, os líderes
destes grupos, de dentro do sistema de
detenção, ordenaram ataques
criminosos por todo o estado,
resultando na morte de mais de 40
agentes de aplicação da lei e em prejuízos
generalizados. A polícia matou mais de
100 suspeitos nos confrontos, enquanto
muitos outros morreram no que se
acredita serem ações de represália típicas
de grupos de extermínio.
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Na Colômbia, que enfrenta um dos
conflitos mais intratáveis do mundo, a
crise humanitária prosseguiu. As forças
de segurança, os paramilitares apoiados
pelo Exército e os grupos guerrilheiros,
foram responsáveis por vários abusos
dos direitos humanos, inclusive crimes
de guerra e crimes contra a humanidade.
Defensores dos direitos humanos,
líderes sindicais, lideranças indígenas e
comunitárias estiveram entre os mais
vulneráveis.
“GUERRA AO TERROR”
Surgiram novas evidências de um padrão
sistemático de abusos praticados pelos
Estados Unidos e seus aliados no
contexto da “guerra ao terror”, como
detenções secretas, desaparecimentos
forçados, detenções arbitrárias e
prolongadas em regime de
incomunicabilidade, tortura e outras
formas de punição cruéis, desumanas e
degradantes. No final de 2006, milhares
de detentos continuavam sendo
mantidos sob custódia dos EUA, sem
acusação nem julgamento, no Iraque, no
Afeganistão e na baía de Guantánamo,
em Cuba.
Apesar das diversas decisões judiciais
contrárias, o governo estadunidense
insistiu em promover políticas e práticas
incompatíveis com as normas de
direitos humanos. O Congresso dos
Estados Unidos, embora tivesse algumas
iniciativas positivas, deu sua aprovação
às violações de direitos humanos
cometidas pelo país na “guerra ao
terror” e transformou as péssimas
políticas do Executivo em péssimas leis
nacionais.
Num contraste marcante com os
acontecimentos positivos na América
Latina, os Estados Unidos fracassaram,
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AMÉRICAS
continuamente, em fazer com que as
autoridades de alto escalão de seu
governo respondessem pela tortura e
pelos maus-tratos praticados na “guerra
ao terror”, apesar das provas de esses
abusos serem sistemáticos.
Uma mudança no equilíbrio de poder
dentro do Congresso dos EUA,
resultado das eleições de novembro,
aumentou as chances de haver uma
maior supervisão e investigação das
ações do Executivo, bem como de
melhoras na legislação.
DISCRIMINAÇÃO: AVANÇOS E
RETROCESSOS
A violência contra as mulheres
continuou disseminada por todo o
continente. Os governos não
defenderam leis que criminalizam a
violência praticada contra a mulher, no
lar e na comunidade, nem deram seu
apoio e proteção às vítimas da violência.
A falta de juízes e de promotores
especializados na violência de gênero, a
falta de unidades policiais sensíveis a
esta questão e a falta de abrigos
adequados e suficientes demonstraram
uma profunda falta de vontade política
para acabar com a violência endêmica
contra a mulher.
Embora houvesse indignação
internacional, se mantiveram os padrões
recorrentes de assassinatos de mulheres
em países como Colômbia, El Salvador,
Guatemala, Honduras, México, entre
outros.
Contudo, os direitos das mulheres,
inclusive seus direitos sexuais e
reprodutivos, entraram na ordem do dia
de políticos e da sociedade civil. No
Chile, por exemplo, as autoridades
conseguiram permissão da Justiça para
distribuir a “pílula do dia seguinte” a
meninas maiores de 14 anos, sem o
consentimento dos pais. No Peru, o
Tribunal Constitucional decidiu que
esta pílula deveria ser disponibilizada a
todas as mulheres. Na Colômbia, o
aborto foi descriminalizado em casos de
estupro e em certas situações.
Em contraste, a Corte Constitucional
do Equador decidiu que a contracepção
de emergência não deveria ser
disponibilizada; enquanto as
autoridades da Nicarágua rejeitaram
uma lei que havia permitido o aborto em
certos casos de estupro.
Violações dos direitos de povos
indígenas, inclusive violência contra
mulheres e meninas, foram observadas
em toda a região. Os povos indígenas
continuaram a enfrentar tratamento
discriminatório e um racismo arraigado.
Tendo-lhes sido negada a devida
proteção de seu direito a viver e a
usufruir das terras e territórios vitais tanto à sua sobrevivência diária, quanto
à sua identidade cultural - as
comunidades indígenas acabaram,
muitas vezes, numa situação de miséria e
de doença.
Em 2006, a tendência de reafirmação da
identidade indígena continuou a crescer.
Nos países dos Andes, em particular, isso
se refletiu na emergência de povos
indígenas como uma força política, tanto
no plano nacional, como foi o caso da
Bolívia, quanto a nível local.
Paralelamente, divisões étnicas
crescentes tornaram-se mais aparentes
nos países andinos, que possuem uma
maior proporção de populações
indígenas. Na Bolívia, divisões étnicas
agravaram-se com as demandas por maior
autonomia regional dos departamentos
majoritariamente não-indígenas de Santa
Cruz, Tarija, Beni e Pando.
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ANÁLISES REGIONAIS
A comunidade GLBT continuou a ser
estigmatizada, discriminada e a sofrer
abusos em muitos países das Américas,
embora também tenham conquistado
visibilidade e alguma aceitação,
principalmente nas maiores cidades.
Na Nicarágua, os relacionamentos
homoafetivos continuaram a ser
criminalizados, ao passo que nos países
do Caribe várias “leis de sodomia” ainda
estavam em vigor. Em alguns lugares,
porém, houve fatos positivos para
garantir a igualdade de direitos perante a
lei. A Cidade do México, numa decisão
que foi um marco, reconheceu as uniões
entre pessoas do mesmo sexo. O
Congresso colombiano debateu um
projeto de lei que, se aprovado, daria aos
casais de mesmo sexo os mesmos
direitos previdenciários oferecidos aos
casais de sexos opostos.
IMPUNIDADE RECUA
Diversos países latino-americanos
enfrentaram o legado doloroso de
violações passadas dos direitos
humanos. Questões referentes à
verdade, à justiça e à reparação
ganharam prioridade nas agendas da
sociedade, do Judiciário e de alguns
governos, o que fez com que várias
autoridades tivessem de assumir
responsabilidade pelos seus atos.
Na Argentina, Miguel Etchecolatz,
ex-diretor de investigações da Polícia
da Província de Buenos Aires, foi
condenado por homicídio, tortura e
seqüestros durante o período do regime
militar (1976-1983) e foi sentenciado à
prisão perpétua em setembro. Os três
juízes do caso decidiram que ele era
responsável por crimes contra a
humanidade cometidos num contexto
de genocídio.
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O ex-presidente peruano Alberto
Fujimori ganhou a liberdade provisória
no Chile, em maio, enquanto aguardava
uma decisão da Suprema Corte de Justiça
chilena sobre extraditá-lo para o Peru,
onde responderia por acusações de
corrupção e de violações de direitos
humanos. A Suprema Corte determinou
que Fujimori estava proibido de deixar o
Chile e colocou-o em prisão domiciliar
até que se chegasse a uma decisão.
Os processos em andamento no México,
de ex-autoridades acusadas de crimes
contra a humanidade, cometidos nas
décadas de 60, 70 e 80, continuaram a
ser frustrados. Em novembro, porém, um
tribunal federal ordenou nova prisão do
ex-presidente Luis Echeverría, a fim de
que ele fosse julgado pelo crime de
genocídio, em conexão com o
assassinato de estudantes na Praça
Tlatelolco, em 1968.
Em novembro, um juiz uruguaio
ordenou a detenção e o julgamento do
ex-presidente Juan María Bordaberry
(1971-1976) e do ex-ministro de
Relações Exteriores, Juan Carlos Blanco.
Eles foram acusados em conexão com as
mortes de Rosario Barredo e William
Whitelaw, integrantes do grupo
guerrilheiro Movimento de Libertação
Nacional - Tupamaro, ocorridas na
Argenina, em 1976. A decisão judicial
teve recurso.
A necessidade de uma Justiça mais
célere foi posta em evidência com a
morte do ex-presidente chileno
Augusto Pinochet, no dia 10 de
dezembro, sem que ele tivesse sido
julgado pelas atrocidades cometidas nos
17 anos de seu governo. Poucas
semanas antes de seu falecimento,
novas acusações foram feitas contra ele
- referentes a 35 seqüestros, um
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AMÉRICAS
homicídio e 25 casos de tortura. O expresidente paraguaio Alfredo
Stroessner morreu no exílio, no Brasil,
sem jamais ter ido a julgamento pelas
violações generalizadas de direitos
humanos cometidas durante seu
governo, entre 1954 e 1989.
era visto com ceticismo ou rejeição.
Todavia, houve progresso com relação
ao fortalecimento das parcerias
comerciais dentro da América Latina.
A jurisdição universal continuou a ter
um papel fundamental para se lidar com
o legado das violações passadas de
direitos humanos cometidas na América
Latina. Um juiz na Espanha expediu
mandados de prisão para o ex-presidente
da Guatemala, o general Efraín Ríos
Montt, e vários outros ex-oficiais
graduados do Exército, que foram
acusados de genocídio, de tortura, de
terrorismo e de detenção ilegal.
Contudo, o general Efraín Ríos Montt
permaneceu em liberdade depois que as
autoridades guatemaltecas consideraram
somente parte do caso apresentado pela
Audiência Nacional da Espanha. Outros
dois ex-oficiais estavam sob custódia e
um terceiro era considerado fugitivo da
Justiça.
ACONTECIMENTOS
REGIONAIS
A Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, os mecanismos de
direitos humanos da Organização dos
Estados Americanos (OEA), emitiram
diversas decisões significativas. Caso
sejam implementadas pelos Estadospartes, elas não apenas serviriam para
casos particulares de negações ou de
violações dos direitos humanos de
indivíduos, como também
estabeleceriam precedentes importantes
para que houvesse uma mudança
sistemática em toda a região.
Não houve avanços nas negociações
sobre um tratado de livre comércio para
as Américas, o qual, em muitos países,
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Á S I A - PAC Í F I C O
O ano de 2006 foi um ano de eventos
dramáticos e de muitas mudanças na
Ásia e na região do Pacífico.
Perturbações políticas criaram um
ambiente de medo, de carência e de
discriminação. Houve instabilidade
política no Timor Leste, em Tonga e
nas Ilhas Salomão; nas Filipinas, a
declaração de estado de emergência
provocou temores de que
aumentassem os assassinatos políticos.
Em Bangladesh, a violência política
marcou negativamente o período préeleitoral e as eleições foram atrasadas;
em Mianmar, as autoridades
continuaram sua política de repressão
e de encarceramento da oposição
política. As negociações de paz no Sri
Lanka fracassaram, e o cessar-fogo mal
se manteve; milhares de assassinatos e
de deslocamentos em massa ocorreram
ao longo do ano e, em novembro, o
cessar-fogo foi declarado extinto pelo
grupo de oposição armado Tigres de
Libertação da Pátria Tâmil. Houve
golpes de Estado na Tailândia e em
Fuji. Em meio a ansiedade, sofrimento
e desespero, também surgiu esperança
e oportunidade no Nepal, onde, após
anos de conflito e de impasse político,
as pessoas se reuniram para exigir paz,
direitos humanos e uma transição
democrática. Suas vozes foram ouvidas
e a oportunidade para se fazer uma
transição pacífica parece ter sido
aproveitada quando o rei e os partidos
políticos chegaram a um consenso que
culminou com um inclusivo acordo de
paz assinado em novembro.
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Na região da Ásia e do Pacífico, estão
seis dos 10 Estados mais populosos do
mundo que, sozinhos, abrigam a
metade da população mundial. Em
2006, vários acontecimentos
refletiram a crescente importância da
região na cena global. A influência
comercial e política da China
aumentaram. Ao mesmo tempo, os
preparativos para as Olimpíadas de
2008 despertaram um sentimento de
orgulho e algum debate. Em janeiro de
2007, o Vietnã estava prestes a se
tornar o 150º membro da Organização
Mundial do Comércio (OMC), depois
de seu ingresso ter sido aprovado pelo
Conselho Geral da organização, no
final de 2006. Um sul-coreano, Ban
Ki-Moon, foi escolhido para ser o
próximo secretário-geral da ONU.
Com relação aos acontecimentos na
área dos direitos humanos, o discurso
dos governos nem sempre
correspondeu às suas ações. Dez países
da região ingressaram no novo
Conselho de Direitos Humanos da
ONU e fizeram pronunciamentos
louváveis sobre direitos humanos.
A Associação das Nações do Sudeste
Asiático (ASEAN) deu passos em
direção ao fortalecimento da
importância dos direitos humanos no
seu trabalho. Contudo, a região da
Ásia e do Pacífico continua sendo a
única que não possui um mecanismo
regional de direitos humanos,
enquanto as melhoras concretas na
proteção destes direitos foram poucas
e irregulares.
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ÁSIA - PACÍFICO
GLOBALIZAÇÃO:
PROSPERIDADE, POBREZA E
IMIGRAÇÃO
A globalização continuou a ter um
profundo impacto sobre a região. A
China e a Índia, em particular, ao
mesmo tempo em que atingiram índices
invejáveis de crescimento, fortaleciam
seus laços econômicos comuns. Isso,
porém, não trouxe benefícios para todos.
Alguns projetos de industrialização e de
desenvolvimento provocaram
deslocamentos e abusos dos direitos
humanos; milhões, entre os mais
carentes, permaneceram na pobreza,
pois os benefícios do desenvolvimento
foram usufruídos,
desproporcionalmente, pelos mais bem
educados, capacitados e que moram
melhor. Segundo as Nações Unidas,
mais de 28 por cento das pessoas na
Índia permaneceram abaixo da linha de
pobreza do país. Em Bangladesh, foram
50 por cento; na Mongólia, 40 por cento
e no Paquistão, 33 por cento.
A desigualdade entre as áreas rurais e
urbanas significa, sobretudo, que o
desenvolvimento econômico ainda não
teve um efeito positivo na vida de
muitas populações rurais. Na Índia, por
exemplo, houve aumento generalizado
do desemprego, apesar de um próspero
setor de serviços. E o desespero sentido
nas áreas rurais refletiu-se no número
perturbadoramente alto de suicídio
entre os agricultores. De acordo com o
governo, entre 2003 e 2006, foram 16
mil suicídios por ano, e nos 10 anos
anteriores, 100 mil.
Na China, ao passo que um grande
número de pessoas conseguiu sair da
pobreza, a disparidade entre o padrão de
vida das comunidades urbanas e rurais
era brutal. Relatórios publicados em
2006 estimavam que as remunerações
nas cidades eram quase quatro vezes
mais altas que nas áreas rurais. A
expectativa de vida dos chineses nas
áreas urbanas seria entre 10 e 15 anos
maior que a de um agricultor, apesar das
condições deploráveis de saúde e de
segurança enfrentadas por muitos
trabalhadores da indústria, nos mais
diversos setores.
O desenvolvimento econômico, tão
promissor, não trouxe melhora para a vida
dos muitos que são marginalizados ou que
sofrem discriminação, como as mulheres e
as minorias étnicas, pois as estruturas que
sustentam a desigualdade permaneceram
profundamente enraizadas. O processo de
criação de riquezas beneficiou um número
limitado de pessoas, enquanto grandes
parcelas da população da região
continuavam na pobreza, com pouco ou
nenhum acesso à moradia e a serviços de
saúde e de educação.
Apesar de a globalização e o livre fluxo
de mercadorias, serviços e finanças entre
as fronteiras terem sido muito bemvindos na região, a imigração foi, muitas
vezes, a única maneira que as pessoas
encontraram para se beneficiar de
oportunidades de trabalho e de
rendimentos. Este movimento, porém,
continuou sendo limitado e perigoso.
Em muitos países da região, os
imigrantes foram maltratados, sem que
os governos protegessem seus direitos.
Outros fatores que influenciaram os
movimentos de pessoas foram os
conflitos e certas formas difundidas de
discriminação. Em 2006, os conflitos
armados deslocaram ao menos 213 mil
pessoas no Sri Lanka e 16 mil no estado
de Karen, em Mianmar.
Aproximadamente 150 mil refugiados
permaneciam na fronteira entre a
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ANÁLISES REGIONAIS
Tailândia e Mianmar; 100 mil nortecoreanos teriam entrado na China para
escapar da fome; e cerca de 7 mil
refugiados da etnia hmong, do Laos,
continuaram em um campo na
Tailândia.
PREOCUPAÇÕES COM A
SEGURANÇA
A “guerra ao terror” prosseguiu fazendo
vítimas e tendo conexões com casos de
desaparecimentos forçados,
especialmente no Afeganistão e no
Paquistão.
No Afeganistão, a situação da
segurança no sul e no sudeste
deteriorou-se rapidamente. A expansão
da insurgência pelo país, associada à
ausência de lei, levou a uma crescente
insatisfação social. A escalada do
conflito resultou em mortes e em
ferimentos de milhares de civis.
Infrações graves do direito
internacional humanitário foram
cometidas por todas as partes no
conflito, inclusive pelas forças de
segurança internacionais e afegãs, bem
como pelo Talibã. A contínua
incapacidade da comunidade
internacional e do governo afegão de
assegurarem a boa governança e o
Estado de direito reforçou a cultura de
impunidade, alimentando ainda mais
os ressentimentos locais. Funcionários
do governo, professores e defensores
dos direitos humanos, muitos dos quais
mulheres, enfrentaram ameaças e
ataques violentos da parte do Talibã e
dos detentores do poder local que, por
vezes, levaram essas pessoas à morte.
A pobreza disseminada, a escassez de
comida e a falta de água potável,
exacerbadas pela seca, agravaram os
deslocamentos internos e
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intensificaram o sofrimento das
pessoas.
Na Tailândia, a violência prosseguiu
nas províncias de maioria muçulmana
no sul do país. Grupos armados
bombardearam, decapitaram e atiraram
em civis muçulmanos e budistas, entre
os quais estavam monjes, professores e
membros das forças de segurança. Os
que tentaram intervir para conter esses
abusos foram agredidos violentamente,
ameaçados de morte e, por vezes,
mortos. Com base num Decreto de
Emergência, várias pessoas foram
detidas arbitrariamente, sem acusação
ou julgamento, e não tiveram acesso a
advogados. Alguns foram torturados ou
sofreram maus-tratos durante os
interrogatórios.
Na Austrália, as leis antiterroristas
suscitaram diversos temores com
relação à proteção dos direitos
humanos. Enquanto isso, na Índia,
prosseguiu o debate sobre a introdução
de uma legislação de “guerra ao terror”.
Um teste nuclear realizado pela Coréia
do Norte, em outubro, aumentou o
clima de tensão no nordeste asiático e
em outros lugares, provocando temores
de uma corrida armamentista na região.
Ao mesmo tempo, a fome continuava a
afligir as vidas de uma quantidade
desconhecida de pessoas no país.
Houve pedidos de mudança nas
disposições constitucionais anti-bélicas
do Japão, ao mesmo tempo em que, por
toda a Ásia e em outros lugares,
sobreviventes do sistema militar
japonês de escravidão sexual, antes e
durante a II Guerra Mundial, seguiram,
dignamente, pedindo justiça, apesar de
seu número reduzido e da falta de
reparações plenas.
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ÁSIA - PACÍFICO
DIREITOS HUMANOS:
DISCURSO E REALIDADE
Dez Estados da região da Ásia e do
Pacífico tornaram-se membros do novo
Conselho de Direitos Humanos da
ONU: Bangladesh, China, Coréia do
Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão,
Malásia, Paquistão, e Sri Lanka. Todos
eles prometeram respeitar os direitos
humanos, cooperar com os mecanismos
e com os procedimentos especiais da
ONU, criar ou manter estruturas
nacionais de direitos humanos
consistentes e ratificar ou observar as
normas internacionais de direitos
humanos. Estes compromissos, porém,
ainda não haviam se concretizado no
final de 2006. Relativamente poucos
Estados da região, e somente um dos
novos membros do Conselho de
Direitos Humanos, haviam ratificado o
Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional. Os requerimentos feitos
pelos relatores especiais da ONU para
visitar diversos países da região
continuaram sem resposta; em alguns
casos, essa espera já dura mais de uma
década, como é o caso da Índia, cuja
solicitação do relator especial sobre a
tortura para visitar o país foi feita em
1993.
A trágica situação dos direitos humanos
em Mianmar entrou na pauta do
Conselho de Segurança da ONU pela
primeira vez em 2006 e, em maio, o
subsecretário-geral de Assuntos
Políticos da ONU, Ibrahim Gambari,
visitou o país. Enquanto isso, a
ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e
líder oposicionista Aung San Suu Kyi
permanecia em prisão domiciliar.
Prosseguiram os conflitos, a perseguição
aos ativistas políticos e a utilização de
trabalho forçado, ao mesmo tempo em
que as autoridades desafiavam o
criticismo internacional, inclusive o
proveniente da ASEAN (Associação das
Nações do Sudeste Asiático).
Apesar de alguns progressos, a região da
Ásia e do Pacífico também ficou atrás na
marcha global rumo à abolição da pena
de morte, sendo palco de uma
quantidade assombrosa de execuções.
A China, a Coréia do Norte, a Índia, o
Japão, a Malásia, o Paquistão, Singapura,
a Tailândia e o Vietnã faziam parte de
uma perturbadora lista de países da
região que mantêm a pena de morte,
apesar das incessantes campanhas para
sua abolição, feitas dentro e fora de suas
fronteiras. As Filipinas, entretanto,
aboliram a pena capital em 2006, e a
Coréia do Sul passou mais um ano
considerando a adoção de uma legislação
para abolir esta pena, enquanto manteve
uma moratória não oficial sobre sua
aplicação.
Em várias partes da região, o espaço para
as diferenças de opinião diminuiu em
2006, e a proteção dos ativistas de
direitos humanos fez-se cada vez mais
necessária. Nas Filipinas, por exemplo,
os assassinatos políticos disseminaram o
medo entre ativistas políticos e entre
defensores dos direitos humanos que
queriam denunciar a ocorrência de
homicídios ilegais e o fato de eles não
serem investigados.
Práticas culturais arraigadas que
restringem os direitos das mulheres e
que resultam, muitas vezes, em violência
contra elas, ou mesmo na sua morte,
persistiram de modo generalizado por
toda a região, sem, porém, que isso
provocasse o necessário debate no seio
da sociedade ou que fizesse parte de
políticas públicas relevantes.
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ANÁLISES REGIONAIS
Prosseguiram os estupros, os casamentos
forçados, os crimes “em nome da honra”
e os abusos praticados contra mulheres e
meninas em situações de conflitos. Em
Papua Nova Guiné, a violência sexual
seguiu sendo uma experiência diária
para muitas delas, enquanto acusações
de bruxaria resultaram em seqüestros e
em assassinatos de mulheres. Apesar
disso, as autoridades pouco fizeram para
impedir esses crimes. No Afeganistão, os
casamentos prematuros ou forçados e as
práticas tradicionais, tais como oferecer
adolescentes em troca da resolução de
disputas, continuaram sendo uma
ameaça permanente ao bem-estar de
meninas e mulheres.
Contudo, o trabalho desenvolvido na
região pelas mulheres ativistas
conseguiu resultados positivos. No
Paquistão, houve emendas na legislação
sobre os crimes de estupro e de violência
sexual, a fim de impedir que as
denúncias destes crimes não pudessem
mais ser transformadas em acusações de
adultério ou de fornicação. Na Índia,
finalmente foi introduzida uma lei que
trata da violência contra a mulher.
Os direitos humanos de gays, lésbicas,
bissexuais e transgêneros (GLBT)
continuaram a ser considerados um
assunto sensível em muitas partes da
região. O ativismo em favor destes
direitos, no entanto, aumentou em
diversos países, como na China, na Índia
e nas Filipinas. Na Índia, uma centena
de personalidades públicas, dentre as
quais escritores, acadêmicos e
celebridades, assinaram uma carta
aberta, pedindo a retirada do Código
Penal do artigo 337, que criminalizava a
homossexualidade; em Hong Kong, um
jovem ativista gay desafiou com sucesso
uma lei que determinava uma idade de
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consentimento para as relações sexuais
entre pessoas do mesmo sexo maior do
que a exigida para os parceiros
heterossexuais; e, nas Filipinas, os
ativistas tiveram de lutar para que fosse
adotado um projeto de lei que visava a
impedir a discriminação contra as
pessoas GLBT.
Lideranças em questões de direitos
humanos emergiram em diversos países
e em diferentes níveis por toda a região.
No âmbito estatal, as Filipinas
atenderam aos pedidos de abolição da
pena de morte. No campo popular, os
nepaleses deram uma demonstração
inspiradora de sua força ao optarem pela
paz e pelo fim dos abusos relacionados
aos conflitos. Defensores dos direitos
humanos, inclusive mulheres,
ambientalistas, indígenas e diversos
outros ativistas, continuaram a desafiar
interesses poderosos para defender
direitos básicos. Coletivamente, as
forças em favor dos direitos humanos
demonstraram coragem e determinação,
confrontando tanto o reacionarismo no
interior de suas próprias sociedades
quanto as múltiplas formas de repressão
do Estado. A região da Ásia e do
Pacífico, enfim, mostrou ter uma grande
demanda e um forte potencial para
avançar em todo o conjunto dos direitos
humanos, tendo como um de seus
principais desafios a vontade política
dos governos. A dinâmica que levou
alguns Estados a apresentarem suas
credenciais em matéria de direitos
humanos na hora de disputar o ingresso
no Conselho de Direitos Humanos da
ONU, em 2006, deveria servir para
impulsionar a promoção e o respeito a
todo o elenco dos direitos econômicos,
sociais e culturais, bem como dos
direitos civis e políticos.
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E U R O PA E
ÁSIA CENTRAL
As questões que mais preocuparam em
toda a região continuaram sendo a
segurança, a imigração e a condição dos
Estados.
O Estado mais novo da Europa,
Montenegro, surgiu em junho, a partir
da contínua dissolução da ex-Iugoslávia.
Porém, uma decisão sobre a condição
final de Kosovo, que formalmente ainda
faz parte da Sérvia, foi adiada até o início
de 2007. Não houve progresso
significativo na resolução da situação
das entidades regionais não
reconhecidas internacionalmente,
situadas dentro das fronteiras do
Azerbaijão, Geórgia e Moldova, mas que
continuam fora do controle de fato
desses Estados. O Chipre ainda é uma
ilha dividida. Na Espanha, o grupo
armado basco Euskadi Ta Askatasuna
(ETA) declarou um “cessar-fogo
permanente” em março, mas o diálogo
com o governo foi suspenso em
dezembro, depois que uma bomba num
aeroporto matou duas pessoas. Na
Turquia, em 2006, as lutas entre as
forças de segurança e os integrantes do
grupo armado Partido dos
Trabalhadores do Curdistão (PKK)
intensificaram-se e houve um número
maior de ataques a bomba contra civis
por parte de outros grupos armados. A
impunidade resultante dos conflitos
persistiu em toda a região.
Muitos países continuaram a exercer
atração sobre as pessoas que tentavam
fugir da pobreza, da violência ou da
perseguição. Mudanças nos padrões
imigratórios da África fizeram com que
mais de 30 mil pessoas aportassem nas
Ilhas Canárias; com um número
desconhecido de outras que podem ter
morrido quando tentavam a travessia
em barcos inseguros. Mesmo assim, os
Estados europeus continuaram fazendo
pouco caso dos direitos de refugiados e
de imigrantes, adotando posições
repressivas contra a imigração irregular,
como a detenção e a expulsão forçada,
sem oferecer procedimentos justos e
individualizados de asilo. No contexto
da “guerra ao terror”, os governos
também desrespeitaram suas obrigações
internacionais ao mandar os imigrantes
de volta a seus países, apesar do risco de
sofrerem graves violações de seus
direitos humanos, inclusive tortura.
Mais dois países, Bulgária e Romênia,
estavam prestes a se integrar à União
Européia (UE) no início de 2007.
Enquanto sua expansão continuou a
considerar os direitos humanos como o
principal teste de qualificação dos
candidatos à integração, a UE como um
modelo de “união de valores” parecia
cada vez mais ambivalente. O Conselho
da União Européia demonstrou
relutância em confrontar os EUA sobre
a forma como conduzem a “guerra ao
terror” e mostrou não “praticar o que
prega” com relação à imigração. A
adoção de uma posição institucional
minimalista para os direitos humanos
dentro das fronteiras do bloco, com a
criação de uma Agência dos Direitos
Fundamentais praticamente impedida
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ANÁLISES REGIONAIS
de tratar de abusos dos direitos humanos
nos Estados-membros, corroeu ainda
mais sua credibilidade nacional e
mundial em questões de direitos
humanos.
O racismo e a discriminação
continuaram em toda a região. Em
muitos países, o governo não rechaçou
de forma convincente as idéias e as
ideologias racistas e xenofóbicas por
meio da implantação de programas
abrangentes para combatê-las e de ações
eficazes para prevenir, investigar e
processar os ataques por motivos de
raça. Em alguns países, foram as próprias
autoridades que discriminaram as
minorias ao não defenderem seus
direitos. A discriminação foi muitas
vezes justificada com base nas questões
de identidade e de situação legal (ou da
falta de uma), criando barreiras ao
acesso a uma série de direitos humanos,
inclusive econômicos, sociais e
culturais.
SEGURANÇA E DIREITOS
HUMANOS
Surgiram mais indícios da cumplicidade
dos governos europeus no programa
estadunidense de rendições, uma prática
ilegal por meio da qual muitos
indivíduos foram detidos ilegalmente e
levados em vôos secretos para países em
que sofreram crimes adicionais, como
tortura e desaparecimento forçado.
Ficou cada vez mais evidente, inclusive
através das investigações do Conselho
da Europa e do Parlamento Europeu, que
muitos governos europeus adotaram
uma atitude de dizer que “não viram
nem ouviram nada de mais” com relação
aos vôos de rendição no seu território.
Alguns foram parceiros intencionais da
CIA (Agência Central de Inteligência
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dos EUA) e facilitaram os abusos. A
cumplicidade de Estados como Bósnia e
Herzegóvina, Alemanha, Itália,
Macedônia, Suécia e Reino Unido foi
variada: desde a aceitação e ocultação
das rendições, das detenções secretas, da
tortura ou de outros maus-tratos (e o
uso das informações obtidas desta
forma), até o envolvimento direto em
seqüestros e em transferências ilegais.
Além do mais, havia indícios de que as
forças de segurança da Alemanha, da
Turquia e do Reino Unido haviam se
aproveitado da situação para interrogar
indivíduos que haviam sido rendidos.
Em outras áreas, também, a segurança
tomou precedência sobre os direitos
humanos fundamentais, em detrimento
de ambos. Receava-se que os governos
do Cazaquistão, do Quirguistão, da
Rússia e da Ucrânia, ao cooperarem com
o Uzbequistão em nome da segurança
regional e da “guerra ao terror”,
estivessem desrespeitando suas
obrigações, segundo o direito dos
refugiados e dos direitos humanos, ao
mandar pessoas de volta ao Uzbequistão
apesar do risco de sofrerem graves
violações, como tortura.
O governo britânico continuou a
enfraquecer a proibição universal da
tortura ao tentar deportar pessoas
consideradas suspeitas de atividades
ligadas ao terrorismo para países com
antecedentes na prática de tortura ou
outros maus-tratos. As autoridades
britânicas procuraram confiar em
“garantias diplomáticas” inerentemente
indignas de confiança e ineficazes,
contidas em memorandos de
entendimento com Estados que possuíam
históricos bem documentados de tortura.
Na Turquia, a nova Lei de Combate ao
Terrorismo continha disposições amplas
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EUROPA E ÁSIA CENTRAL
e draconianas que, na prática, podiam
infringir as leis internacionais de
direitos humanos e facilitar as violações.
Pessoas indiciadas com base na atual
legislação antiterrorista da Turquia
continuavam a enfrentar julgamentos
intermináveis, algumas delas estando
detidas há mais de uma década enquanto
aguardam um veredicto final para os
seus casos.
Contudo, além das investigações sobre as
rendições, houve outros sinais de recusa à
tolerância destes abusos. Em julho, num
caso bastante significativo na Espanha, o
Supremo Tribunal anulou uma sentença
de seis anos de prisão e ordenou a
libertação imediata de um homem que
fora detido pelos EUA na base de
Guantánamo, em Cuba. A base para essa
decisão foi de que as provas obtidas
durante sua estadia naquele local eram
inadmissíveis. O tribunal concluiu que a
base de Guantánamo constituía um
limbo legal sem garantias ou controle e
que, portanto, toda evidência lá originada
deveria ser declarada completamente
nula e sem validade legal.
Em novembro, um órgão de direitos
humanos da ONU confirmou que as
autoridades suecas haviam sido
responsáveis por múltiplas violações dos
direitos humanos com referência a uma
expulsão sumária para o Egito. O
governo sueco reagiu, reiterando que
pareceres deste tipo não tinham valor
legal e continuou se recusando a
oferecer reparação, tais como
compensações para as vítimas. Em
dezembro, promotores italianos pediram
a um juiz que indiciasse 26 agentes da
CIA acusados de seqüestro de um clérigo
egípcio na cidade de Milão e de
participação na sua rendição ao Egito,
onde ele teria sido torturado.
REFUGIADOS, REQUERENTES
DE ASILO E IMIGRANTES
Continuou a haver um padrão consistente
de violações dos direitos humanos ligadas
à interceptação, detenção e expulsão de
estrangeiros pelos Estados, inclusive de
pessoas que buscavam proteção
internacional. Passado um ano, não
haviam sido concluídas as investigações
sobre a morte, em 2005, de 13 imigrantes,
vindos do Marrocos, que foram mortos ao
tentar entrar nos enclaves espanhóis de
Ceuta e Melilla. Três outras pessoas
morreram em incidentes semelhantes em
julho de 2006.
Homens, mulheres e crianças
continuaram a enfrentar obstáculos para
ter acesso a procedimentos de asilo. Na
Grécia, na Itália, em Malta e no Reino
Unido, pessoas foram detidas
ilegalmente, enquanto outras não
receberam as orientações ou o apoio
legal necessários. Muitos foram expulsos
ilegalmente antes de seus casos
receberem a devida consideração em
países como Grécia, Itália, Malta e
Espanha. Alguns foram enviados a
lugares onde corriam o risco de sofrer
violações de direitos humanos.
Em resposta aos novos padrões
imigratórios, foram criadas missões
conjuntas de patrulha marítima por
vários países da UE, coordenadas pela
agência de controle das fronteiras
externas do bloco, Frontex. O objetivo
dessas missões era interceptar os barcos
de imigrantes no mar e mandá-los de
volta a seus países de origem. Isso
levantou sérias preocupações sobre o
respeito por direitos fundamentais,
como o direito de pedir asilo, de deixar
seu próprio país e de não ser forçado a
retornar para um lugar onde seus
direitos humanos podem ser violados.
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ANÁLISES REGIONAIS
Novas legislações adotadas por alguns
países restringiram ainda mais os
direitos de requerentes de asilo e
imigrantes. Na Suíça, proibiu-se o acesso
a procedimentos de asilo para pessoas
sem documentos de identidade
nacionais. Na França, uma nova lei
passou a permitir somente a emissão de
vistos de residência para imigrantes que
já tivessem contratos de trabalho,
aumentando o risco de exploração de
seus serviços.
RACISMO E DISCRIMINAÇÃO
Em toda a região, foi comum a
discriminação por identidade contra os
ciganos, que, de modo geral,
continuaram excluídos da vida pública
sem poder desfrutar plenamente de
direitos como habitação, trabalho e
serviços de saúde. Em alguns países, as
autoridades não integraram totalmente
as crianças ciganas ao sistema
educacional, tolerando ou promovendo
a criação de classes ou de escolas
especiais, incluindo algumas em que o
currículo era reduzido. Os ciganos, assim
como os judeus e os muçulmanos,
também foram vítimas de crimes de ódio
cometidos por outros indivíduos. Na
Rússia, um violento racismo continuou
amplamente difundido.
Muitas pessoas sofreram discriminação
devido a sua situação legal. No
Azerbaijão, as pessoas deslocadas
internamente pelo conflito de NagornoKarabakh tiveram oportunidades
limitadas de exercer seus direitos
econômicos e sociais, por causa de um
complicado processo de registro interno
que vincula a permissão de trabalho e de
uso dos serviços sociais à residência fixa.
Em Montenegro, mais de 16 mil ciganos
e sérvios deslocados de Kosovo
continuaram sem poder usufruir de seus
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direitos civis, políticos, econômicos e
sociais, porque não podiam fazer seu
registro civil. Problemas semelhantes
foram enfrentados por milhares de
pessoas na Eslovênia, todas
provenientes de outras antigas
repúblicas da Iugoslávia, que foram
ilegalmente “apagadas” dos registros de
residentes permanentes. Na Estônia,
integrantes da minoria de fala russa
tiveram acesso limitado ao mercado de
trabalho devido à restrição dos direitos
lingüísticos e das minorias.
As autoridades na Letônia, na Polônia e
na Rússia continuaram a fomentar um
clima de intolerância contra as
comunidades de gays, lésbicas, bissexuais
e transgêneros (GLBT), obstruindo
eventos públicos organizados por estes
grupos, com o uso de linguagem
manifestamente homofóbica por alguns
políticos com posições importantes.
IMPUNIDADE E
RESPONSABILIDADE
Embora tenha havido algum progresso
no combate à impunidade para os crimes
cometidos no território da ex-Iugoslávia
durante as guerras dos anos 90, a falta de
cooperação plena com o Tribunal Penal
Internacional para a ex-Iugoslávia, assim
como os esforços insuficientes dos
tribunais nacionais, significou que
muitos dos que cometeram crimes de
guerra e crimes contra a humanidade
continuaram a evadir à Justiça.
A tortura e outros maus-tratos,
geralmente relacionados à raça e
freqüentemente usados para extrair
confissões, continuaram a ser relatados
por toda a região, sendo que, em alguns
países, eram rotina. As vítimas
descreveram uma série de abusos, entre
os quais execuções simuladas,
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espancamentos com socos, garrafas
plásticas cheias de água, livros,
cassetetes e bastões, sufocamento,
privação de alimentos, água e sono,
ameaças de estupro e choques elétricos
em diversas partes do corpo. Entre os
obstáculos que impedem que se combata
a impunidade por esses abusos, se
incluem as ações da polícia para burlar
salvaguardas, a falta de acesso imediato a
um advogado, o medo de represálias por
parte das vítimas e a ausência de um
sistema independente e dotado de
recursos adequados para controlar e para
investigar as denúncias. Especialmente
em países como Rússia, Turquia e
Uzbequistão, o fato de não se realizar
investigações imediatas, completas e
imparciais perpetuou uma cultura
enraizada de impunidade. Essas falhas no
âmbito nacional em alguns países fizeram
com que as pessoas seguissem buscando
reparação perante o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, aumentando a
sobrecarga de casos deste órgão.
PENA DE MORTE
Houve um avanço considerável em
direção à abolição da pena de morte em
toda a região. Em junho, a Moldova
aboliu por lei esta pena e, em novembro,
o Quirguistão adotou uma nova
Constituição que anulou as disposições
anteriores sobre a aplicação da pena
capital.
Quando a União Soviética caiu, todos os
15 novos Estados independentes
conservaram a pena de morte. Ao final
de 2006, apenas dois deles ainda a
aplicavam na lei e na prática. Eram
Belarus e Uzbequistão, ambos ainda
guardando segredo sobre o número
exato de pessoas condenadas e
executadas anualmente. O Uzbequistão
até insistiu em que nos últimos dois
anos ninguém havia sido sentenciado à
morte. Entretanto, organizações nãogovernamentais confiáveis do país
relataram que ao menos oito sentenças
deste tipo haviam sido pronunciadas.
Enquanto a Europa em geral seguia a
tendência mundial de abolição, o
presidente da Polônia tentou contrariar
essa tendência, pedindo, em julho, que a
pena de morte fosse reintroduzida em
seu país e em toda a Europa. Outro
aspecto pouco positivo foram as
condições de detenção para os que
aguardavam sua execução; acredita-se
que alguns prisioneiros tenham
suportado condições extremamente
severas durante muitos anos. Além
disso, os presos condenados à morte em
países (e entidades territoriais não
reconhecidas) onde houve suspensão
das execuções continuaram a sofrer com
a incerteza de seu destino.
VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
A violência doméstica contra mulheres
e meninas continuou sendo amplamente
difundida em toda a região em todas as
idades e grupos sociais. Manifestava-se
através de uma série de abusos verbais e
psicológicos, violência física e sexual,
controle econômico e assassinatos.
Geralmente, apenas uma pequena
proporção das mulheres apresentava
queixa contra estes abusos, pois, além de
se culparem, entre outras coisas,
receavam as represálias de seus parceiros
abusivos; os processos por outras
infrações; a “vergonha” que suas
famílias passariam; a insegurança
financeira; a não existência de refúgios
suficientes ou de outras providências
eficazes, como medidas cautelares para
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garantir sua proteção e a de seus filhos; e
a impunidade generalizada dos que
cometem esses crimes. Com freqüência,
também, as mulheres não acreditavam
que as autoridades considerassem os
abusos como crimes, mas, sim, como um
assunto privado e que, como tais, os
tratassem. A incapacidade de se ganhar
essa confiança não só impediu que
houvesse justiça em casos individuais,
como também prejudicou os esforços
para combater esses abusos em toda a
sociedade, ocultando a verdadeira
extensão e a natureza do problema.
Apesar de ter havido algumas melhoras
em termos de proteção legislativa neste
sentido, ainda havia muitas lacunas
importantes. Entre essas, a inexistência,
em alguns países, de leis que criminalizam
a violência doméstica de forma específica,
e o fato de não se fazer uma coleta de
dados estatísticos completos. Apesar de a
nova lei sobre violência doméstica na
Geórgia ser muito bem-vinda, o fato de
não se ter conseguido aprovar um plano
de ação nacional para combatê-la, como
estipulado por lei, levantou dúvidas sobre
o comprometimento das autoridades em
realmente erradicarem esse mal. Na
Suíça, uma nova lei permitiu que os
agressores fossem expulsos de uma
moradia compartilhada, caso isso fosse
solicitado por uma vítima de violência
doméstica. No entanto, as mulheres
imigrantes que vivem na Suíça há menos
de cinco anos continuaram sujeitas a
serem expulsas do país se deixassem de
coabitar com o parceiro nomeado no seu
visto de residência.
O tráfico humano, inclusive de
mulheres e de meninas para prostituição
forçada, continuou a prosperar onde
existia pobreza, corrupção, falta de
educação e de coesão social. O tráfico de
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seres humanos para dentro da Europa e
entre suas fronteiras ocorreu em
profusão. Muitos Estados não fizeram
com que o foco das políticas e ações
nesta área incidisse sobre o respeito e
a proteção aos direitos das pessoas
traficadas. Porém, um fato positivo
ocorrido neste sentido foi a ratificação
por três países, em 2006, da Convenção
do Conselho da Europa relativa à ação
contra o tráfico de seres humanos, que
entrará em vigor quando 10 países se
tornarem parte.
REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS
DE OPINIÃO
Em muitos lugares por toda a região,
diminuiu o espaço para as vozes
independentes e para a sociedade civil,
pois as liberdades de expressão e de
associação continuaram sendo atacadas.
Uma restritiva lei na Turquia sobre
“difamação do que é turco” amordaçou a
expressão pacífica de opiniões
divergentes, com um fluxo constante de
ações judiciais contra indivíduos das
mais variadas tendências políticas.
No Uzbequistão, após os confrontos de
Andijan, em 2005, em que centenas de
pessoas morreram, cada vez menos vozes
independentes ou divergentes
conseguiram encontrar um meio de
expressar sua opinião sem medo de
represálias, que se davam por meio de
assédio, intimidação e detenção. No
Azerbaijão, as autoridades incitaram um
clima de impunidade para os ataques
físicos aos jornalistas independentes,
prenderam outros por acusações
questionáveis e assediaram os meios de
comunicação independentes através de
uma série de medidas administrativas.
A repressão à sociedade civil continuou
em Belarus, com um aumento no
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EUROPA E ÁSIA CENTRAL
número de ativistas condenados, à
medida que entravam em vigor as
mudanças legais que limitavam a
liberdade de associação. O ataque
inequívoco contra qualquer forma de
divergência pacífica intensificou-se no
Turcomenistão, onde as pessoas perdiam
seus empregos ou eram proibidas de
viajar para o exterior simplesmente por
terem algum tipo de ligação com um
dissidente. As autoridades atacavam os
defensores dos direitos humanos,
chamando suas atividades de “traição” e
“espionagem”.
Uma nova e controversa legislação na
Rússia prejudicou a sociedade civil ao
invés de ajudá-la, por dar às autoridades
maiores poderes de controle sobre o
financiamento e as atividades de
organizações não-governamentais russas
e estrangeiras. A legislação introduziu
regulamentos que poderiam ser
aplicados arbitrariamente, continha
disposições cruciais sem uma definição
legal exata e impunha sanções
desproporcionais. Na Chechênia e na
região do norte do Cáucaso, na Rússia,
pessoas que buscavam justiça sofriam
intimidação e ameaças de morte. O
assassinato da proeminente ativista e
jornalista de direitos humanos Anna
Politkovskaya, em outubro, lembrou, de
forma arrepiante, os perigos enfrentados
por aqueles que, como ela, ousam fazer
denúncias.
Contudo, apesar das ameaças, das
intimidações e das detenções, os
defensores dos direitos humanos em
toda a região continuaram decididos a
levar adiante seu trabalho, inspirando
outras pessoas a juntarem-se a eles para
realizar mudanças duradouras e obter
respeito pelos direitos humanos de
todos.
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ANÁLISES REGIONAIS
ORIENTE MÉDIO E
NORTE DA ÁFRICA
Os conflitos armados e o legado de
conflitos anteriores eclipsaram outros
acontecimentos na região do Oriente
Médio e no norte da África em 2006.
Durante todo o ano, o Iraque seguiu sua
marcha inexorável rumo à guerra civil,
expondo, cada vez mais, suas antigas
divisões políticas, étnicas e religiosas,
em meio a uma violência sectária sem
trégua. No fim do ano, o país se
encontrava num emaranhado de
matanças e de outros tipos de violência,
provocadas, sobretudo, por grupos
sunitas e xiitas, que ameaçavam a
estabilidade de toda a região.
A longa luta entre israelenses e
palestinos nos Territórios Ocupados
continuou a causar a morte de muitos
civis, apesar do amplo reconhecimento
internacional de que o conflito era uma
das causas principais de instabilidade
política tanto na região, quanto em
outros lugares. Essa briga, que há 40
anos não se resolve, entrou em nova fase
depois que o partido Hamas, ao ganhar
as eleições palestinas em janeiro, venceu
o Fatah, partido liderado pelo presidente
palestino, Mahmoud Abbas. Os
freqüentes ataques aéreos e de artilharia
de Israel resultaram, principalmente no
segundo semestre do ano, na morte de
mais de 650 palestinos, a maioria na
faixa de Gaza. Mais palestinos
morreram, quase todos também em
Gaza, devido às brigas mutuamente
destrutivas entre os membros de grupos
armados ligados aos partidos rivais
Hamas e Fatah. Enquanto isso, as
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condições sociais e econômicas dos
palestinos que vivem sob ocupação
israelense continuaram de mal a pior, pois
Israel levou adiante a construção de
assentamentos e de um muro/cerca de 700
km na Cisjordânia. Além disso, aumentou
ou intensificou os bloqueios e as restrições
à circulação dos palestinos, e reteve o
pagamento de taxas alfandegárias devidas
à Autoridade Palestina.
O relacionamento conturbado entre
Israel e os países árabes descambou para
um conflito aberto, no mês de julho,
quando um ataque contra soldados
israelenses integrantes do braço armado
do Hizbollah provocou uma guerra no
Líbano que durou 34 dias.
Aproximadamente, 1.300 pessoas foram
mortas antes que o cessar-fogo,
negociado internacionalmente, tivesse
efeito em 14 de agosto. Civis de ambos
os lados sofreram o maior impacto do
conflito, especialmente no Líbano, onde
cerca de 1.200 pessoas, incluindo mais
de 300 crianças, foram mortas em
ataques aéreos e em bombardeios de
artilharia israelense. Grande parte da
infra-estrutura do Líbano foi destruída
ou avariada. Depois que os combates
cessaram, os civis, no sul do Líbano,
continuaram a ser mortos e mutilados
por bombas de fragmentação, pois cerca
de quatro milhões desses artefatos
haviam sido lançados na área pelas
forças de Israel nos últimos dias da
guerra. Tanto as forças israelenses como
os combatentes do Hizbollah
demonstraram um descaso cruel com os
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ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA
civis e cometeram graves violações dos
direitos humanos e do direito
humanitário internacional, inclusive
crimes de guerra.
As tensões entre o Irã e a comunidade
internacional intensificaram-se devido à
determinação do governo iraniano de ir
adiante com seu programa de
enriquecimento nuclear. Em dezembro, o
Conselho de Segurança da ONU acordou
um programa de sanções contra o Irã.
IMPUNIDADE E
RESPONSABILIDADE
A guerra entre o Hizbollah e Israel foi
travada sem que ninguém tivesse que
prestar contas do que fez. Quando veio a
paz, nenhum dos lados tomou qualquer
medida para cobrar responsabilidade
daqueles que haviam cometido crimes
de guerra e outros graves abusos durante
o conflito. Praticamente, não houve
pressão da comunidade internacional
para que o fizessem. Mas, nada disso
surpreendeu, pois, simplesmente,
refletia um padrão generalizado de
impunidade que continua
profundamente arraigado em toda a
região do Oriente Médio e do norte da
África.
Em muitos países, as forças de segurança
praticamente tiveram carta-branca para
deter, intimidar e torturar adversários
políticos e suspeitos criminais. Ao não
fazê-las prestar contas, os governos para
quem estas forças trabalhavam
revelaram sua própria vontade de tolerar
ou de consentir com os abusos. Em
países como Egito, Jordânia, Síria,
Tunísia e Iêmen, os suspeitos políticos e
de terrorismo eram julgados em
tribunais especiais e militares. Em
muitos casos, eram condenados com
base em confissões controversas, por
juízes que, raramente, mostravam
interesse em investigar as alegações de
que os réus haviam sido torturados
durante a detenção provisória. Estes
tribunais tinham a intenção de passar
uma aparência de legitimidade, mas os
sistemas abusivos dos quais eram parte –
baseados na detenção prolongada em
regime de incomunicabilidade, na
tortura ou em outros maus-tratos e na
obtenção de confissões – estavam,
fundamentalmente, podres.
Condenavam, impunham sentenças
longas, inclusive a pena de morte, mas
não faziam justiça.
A impunidade também foi o lema na
Argélia, que, nos anos 90, passou por um
conflito interno em que se estima terem
morrido 200 mil pessoas. Muitas foram
mortas por grupos armados ou pelas
forças de segurança do governo,
enquanto milhares de outras foram
torturadas em custódia ou se tornaram
vítimas de desaparecimentos forçados
depois de serem detidas. Na maioria dos
casos, os indivíduos que cometeram os
crimes permaneceram desconhecidos e,
em 2006, surgiram mais evidências de
que as autoridades argelinas pretendiam
que isso continuasse assim mesmo. O
governo do presidente Bouteflika
decretou medidas de anistia que
conferiam imunidade legal aos membros
dos grupos armados e às forças de
segurança responsáveis por graves
abusos, bem como aos seus mentores
políticos. Ao mesmo tempo, tornou-se
um crime acusar as forças de segurança
de violar os direitos humanos, o que
significa que as vítimas e sobreviventes
dessas violações poderiam ser presas por
exigirem justiça.
No vizinho Marrocos, o governo
continuou a tratar diretamente de
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ANÁLISES REGIONAIS
algumas das injustiças do passado. O
Conselho de Direitos Humanos foi
encarregado, pelo rei Mohamed VI, de
continuar acompanhando o trabalho
inovador realizado anteriormente pela
Comissão de Igualdade e Reconciliação,
que havia investigado os
desaparecimentos forçados e outras
graves violações dos direitos humanos
cometidos entre 1956 e 1999. O
Conselho começou a informar a algumas
famílias os resultados de suas
investigações. Porém, este progresso foi
demasiadamente lento, mesmo em se
tratando de um processo que visasse
apenas obter e divulgar a verdade e não
responsabilizar ou fazer justiça.
No Iraque, o ex-presidente Saddam
Hussein e sete outros indivíduos foram
julgados por violações dos direitos
humanos referentes à matança de 148
pessoas, na cidade de Al Dujail, após uma
tentativa de assassinato contra Saddam
Hussein, em 1982. O julgamento foi
anunciado como um exercício de
responsabilização e, assim, deveria ter
sido. Na prática, porém, foi injusto e
prejudicado por interferências políticas.
Seu resultado foi uma conclusão
predeterminada, e a câmara de apelações
do tribunal não passou de um órgão de
endosso. Saddam Hussein foi condenado
à morte e executado em dezembro. O
julgamento havia sido uma oportunidade
para começar vida nova no Iraque e para
passar a determinar responsabilidades
através da Justiça, sem recurso à pena de
morte. Foi uma oportunidade
espetacularmente desperdiçada.
TERROR E TORTURA
A tortura e outros maus-tratos
continuaram a ser amplamente
difundidos em vários países da região,
entre os quais Argélia, Egito, Iraque, Irã
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e Jordânia. Esses abusos também foram
relatados no Kuait, na Líbia, no
Marrocos, na Arábia Saudita, na Síria,
na Tunísia e no Iêmen.
Os EUA e alguns de seus aliados
europeus ainda se mostravam bem
dispostos a colaborar com as autoridades
argelinas na “guerra ao terror”, apesar
das medidas de anistia vergonhosas da
Argélia e de seus péssimos antecedentes
em matéria de direitos humanos. O
governo britânico fez uma tentativa
mal-sucedida de obter um “memorando
de entendimento”, como os que havia
assinado com o Líbano, a Líbia e a
Jordânia, que possibilitava enviar de
volta à força, do Reino Unido a estes
países, pessoas suspeitas de terrorismo
que não haviam sido julgadas, mesmo
com o risco de serem torturadas. Estes
acordos, baseados não em lei, mas
apenas em “garantias diplomáticas” de
que as pessoas repatriadas não seriam
torturadas ou executadas, eram
sintomáticos da vontade dos EUA e de
alguns países europeus de participar,
ativamente, na erosão de salvaguardas
essenciais dos direitos humanos que,
anteriormente, eles próprios haviam
ajudado a desenvolver e às quais
proclamavam aderir há muito tempo.
Os principais símbolos desta tendência
corrosiva foram o campo de detenção
dos EUA na baía de Guantánamo, em
Cuba, onde a maioria dos internos
provinha da região do Oriente Médio e
do norte da África, e as rendições
secretas de supostos terroristas pelo
governo estadunidense, nas quais foram
cúmplices vários governos destas
regiões. Pouco a pouco, foram
emergindo informações sobre esta
tenebrosa conspiração multilateral de
detenções e interrogatórios secretos de
supostos terroristas e suas transferências
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ilegais de um país para outro, indicando
o envolvimento íntimo de órgãos de
segurança e serviços secretos egípcios,
jordanianos e sírios, entre outros, com a
CIA (Agência Central de Inteligência
dos EUA). Três iemenitas, libertados
mais de um ano depois de serem
devolvidos da custódia dos EUA de
volta ao Iêmen, contaram que ficaram
presos por muito tempo em locais
desconhecidos, como suspeitos na
“guerra” que os Estados Unidos fazem
contra o “terror”. Outros suspeitos
semelhantes foram repatriados para o
Kuait, a Líbia, o Marrocos, a Arábia
Saudita, o Iêmen e outros países, depois
de passarem anos na base de
Guantánamo. Alguns foram libertados
posteriormente. Entretanto, outros
foram acusados de delitos relacionados
ao terrorismo nos seus países de origem.
No Iraque, a força multinacional
comandada pelos EUA continuou a
deter milhares de pessoas sem
acusação ou julgamento, embora
grupos de detentos tenham sido soltos,
periodicamente, no decorrer do ano.
Após o escândalo da tortura e de
outros abusos em Abu Ghraib, em
2004, a maior preocupação era com a
situação arriscada das pessoas detidas
pela polícia iraquiana e por outras
forças de segurança, pois algumas de
suas unidades eram constituídas, na
sua maioria, por partidários dos grupos
armados xiitas. Houve relatos
constantes de tortura e de outros
maus-tratos aos detentos mantidos
por algumas dessas forças; e as
autoridades iraquianas não
demonstraram muita vontade de
investigar ou de tomar providências
contra aqueles que abusavam dos
prisioneiros.
DIREITOS DA MULHER
As mulheres continuaram em posição
subordinada em toda a região, tanto no
aspecto legal e político quanto na
prática, pois uma cultura arraigada de
discriminação sexual continuou a
prevalecer. Contudo, ocorreram alguns
avanços que foram encorajadores para o
crescente movimento pelos direitos da
mulher.
No Kuait, as mulheres participaram,
pela primeira vez, das eleições nacionais;
e, em Bahrein, 18 mulheres se
candidataram às eleições para a Câmara
dos Representantes, embora só uma
tenha sido eleita. O governo
marroquino anunciou que retiraria suas
reservas à Convenção da ONU sobre a
Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher
(CEDAW) e tomou medidas para
reforçar a legislação sobre violência
doméstica; e Omã acedeu à CEDAW.
Na Arábia Saudita, houve certa
movimentação em prol da criação de um
tribunal especializado para tratar de
casos de violência doméstica, apesar de
as mulheres continuarem a ter de
enfrentar formas de discriminação
bastante difundidas, como as severas
restrições à sua liberdade de circulação.
Estes e outros avanços representaram
um passo à frente, embora curto e
hesitante, que mostra o quanto ainda
precisa ser feito para dar um significado
real à noção de direitos da mulher. Os
assassinatos “em nome da honra”
persistiram na Jordânia, na Autoridade
Palestina, no Iraque, na Síria e em
outros Estados onde os que cometem
estes atos se beneficiam de leis que
atenuam seus crimes. Em toda a região,
as mulheres não recebiam proteção
suficiente contra outros tipos de
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ANÁLISES REGIONAIS
violência na família. Houve ainda
relatos preocupantes sobre o tráfico de
mulheres em Omã, Qatar e outros
Estados.
No Irã, o Conselho dos Guardiães,
composto exclusivamente por homens,
considerou inelegíveis ao menos 12
mulheres que desejavam se candidatar
nas eleições para a importante
Assembléia de Peritos. Os
manifestantes que pediam o fim da
discriminação legal contra as mulheres
foram dispersados com violência pelas
forças de segurança. Apesar disso, as
corajosas ativistas dos direitos da
mulher neste país não ficaram nem um
pouco desanimadas. Elas lançaram uma
campanha para coletar um milhão de
assinaturas em apoio à sua exigência de
acabar com a discriminação legal.
DISCRIMINAÇÃO
A discriminação com base na religião,
na etnia, na orientação sexual e em
outros motivos foi intensa em vários
países da região, enquanto o sectarismo
religioso no conflito iraquiano fez
recrudescer as tensões entre sunitas e
xiitas. No Irã, membros das minorias
árabe, azerbaijana, curda e baluchi
estavam ficando cada vez mais inquietos
com a discriminação e com a repressão
constantes que tinham de enfrentar,
enquanto membros das minorias
religiosas baha’í, sufi nimatullah e cristã
foram detidos ou hostilizados por causa
de sua fé. Os baha’is também sofreram
discriminação no Egito, onde se exigia
que declarassem ter outra religião a fim
de que pudessem obter documentos
oficiais, como carteiras de identidade e
certidões de nascimento. Na Síria,
prosseguiu a discriminação contra a
minoria curda, deixando milhares de
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curdos sírios efetivamente sem Estado e,
portanto, sem acesso igual aos direitos
sociais e econômicos básicos; enquanto
que no Qatar, os casos de cerca de duas
mil pessoas privadas de sua
nacionalidade nos anos anteriores
continuavam sem solução.
As autoridades israelenses impuseram
ainda mais medidas discriminatórias
contra os palestinos que vivem sob a
ocupação militar de Israel, inclusive com
o reforço do sistema de estradas
segregadas e postos de controle, criados
em nome dos colonos israelenses
residentes nos Territórios Ocupados.
REFUGIADOS, SOLICITANTES
DE ASILO E IMIGRANTES
Não foi surpresa que o conflito no
Iraque e a guerra entre o Hizbollah e as
forças israelenses tenha causado o
deslocamento interno de grandes fluxos
de refugiados para os países vizinhos.
Tanto em Israel quanto no Líbano, a
maioria dos deslocados voltou aos seus
vilarejos e seus bairros quando os
combates cessaram, embora muitos
libaneses que voltaram tenham
encontrado suas casas destruídas e seus
campos e pomares infestados por
bombas de fragmentação não detonadas.
No fim do ano, ainda havia cerca de 200
mil libaneses deslocados. A Síria, e
também a Jordânia, absorveram a
maioria dos refugiados que escaparam da
violência no Iraque; há estimativas de
que mais de meio milhão de iraquianos
tenham se refugiado na Síria até o fim de
2006. No Líbano, cerca de 300 mil
refugiados palestinos que, em sua
maioria, escaparam dos eventos que
envolveram a criação do Estado de Israel
e a guerra árabe-israelense de 1948,
continuaram a levar uma existência
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ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA
precária, sendo tolerados, mas longe de
serem plenamente aceitos pelas
autoridades libanesas que continuaram a
lhes negar certos direitos básicos.
No norte da África, refugiados e
imigrantes dos países do sul, muitos dos
quais buscavam entrar nos países da
União Européia, podiam ser detidos e
expulsos sumariamente pelas forças de
segurança no Marrocos, na Argélia e na
Líbia. Houve mais três mortes de
imigrantes pelas forças de segurança na
cerca fortificada da fronteira entre o
Marrocos e o enclave espanhol de
Melilla. Até mesmo os refugiados cuja
condição era reconhecida foram levados
e expulsos pela polícia do Marrocos,
quando teriam sido abusados e roubados.
Na Líbia, as autoridades anunciaram que
as expulsões de imigrantes aumentaram
dez vezes em comparação a 2004.
No Golfo, e em outros lugares, os
trabalhadores imigrantes tiveram seus
direitos desrespeitados em situações que
combinavam proteção legal inadequada,
empregadores exploradores e
complacência dos governos. Entretanto,
no Kuait, onde houve reclamações sobre o
tratamento de cidadãos do sudeste asiático
e das Filipinas, uma nova legislação foi
introduzida para oferecer certo nível de
proteção aos trabalhadores domésticos
imigrantes; e, nos Emirados Árabes
Unidos, o governo anunciou novas
medidas para melhorar as condições de
vida e de trabalho destes trabalhadores.
Em Omã, o direito dos trabalhadores de
formar sindicatos foi estabelecido em lei
pela primeira vez, embora os trabalhadores
domésticos tenham sido excluídos.
PENA DE MORTE
Esta forma máxima de pena cruel,
desumana e degradante foi aplicada,
extensivamente, por quase toda a região,
apesar de a Argélia, o Marrocos e a
Tunísia terem se abstido de realizar
execuções. No Irã, ao menos 177 pessoas
foram executadas, incluindo um menor
de idade e três outros cujos crimes foram
cometidos quando tinham menos de 18
anos. Houve pelo menos 39 execuções
na Arábia Saudita, a maioria de
estrangeiros. O Bahrein levou a cabo
três execuções, as primeiras desde 1996.
Neste caso também, os executados eram
estrangeiros. A execução de Saddam
Hussein, bem no fim do ano, foi
especialmente significativa e
controversa, devido ao momento
escolhido e à maneira grotesca e
degradante como foi executado. O
sentimento que se difundiu por esta e
outras regiões foi de que isso
representou apenas a “justiça do
vencedor” e um ato de vingança, em vez
de determinar responsabilidades e fazer
justiça de verdade.
DIFERENÇA DE OPINIÃO
Os limites para as diferenças de opinião
continuaram a ser bastante restritos, na
maior parte da região, por governos que
não toleram oposição e por outras forças
ansiosas para controlar os debates. Na
maioria dos países, os meios de
comunicação operaram dentro de
limites rígidos e sob ameaça de ações
criminais, caso insultassem ou
ofendessem autoridades ou funcionários
do governo. Jornalistas foram
processados com base em leis de
difamação na Argélia, no Egito e no
Marrocos, enquanto no Irã, os jornais
continuavam a ser fechados e os
jornalistas detidos e agredidos. O Estado
também passou a controlar o uso da
Internet. Em Bahrein, o governo proibiu
diversos sítios; na Síria, as autoridades
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