Espiritismo, Política e Cidadania

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Espiritismo, Política e Cidadania
Leopoldo Daré
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Tanto o conceito de cidadania quanto o de política nos remete a Grécia clássica, e
nos remete ao conceito de direito do indivíduo (cidadania) e ao conceito de habilidade no
trato das relações humanas com vista a obtenção de resultados específicos (política).
Muitos texto percebo que os dois conceitos se misturam. Ambos os termos inidicam uma
intervenção programada do indivíduo dentro da sociedade a que pertence. Esta atitude
pode ser para manter a estrutura social dominante ou para propôr nova organização,
demonstrando a existência de uma ideologia motivadora.
Aqui utilizo a definição de ideologia de Berger e Luckman, para os quais a ideologia
estará presente quando “uma particular definição da realidade se liga a um interesse
concreto de poder”. A ideia de poder esta presente em toda ação cidadã, desde que
associada a propostas políticas, mas sempre estará vinculada a uma visão particular de
realidade. Consideramos realidade quando reconhecemos a existência de um ser
independente de nossa vontade. Concordo com a proposta sociológica de Berger e
Luckmann de que esta realidade é construída socialmente. Este processo está ligado a
divisão do trabalho, o qual produz a definição de papéis sociais. Quando temos diferentes
papéis sociais que se organizam socialmente, teremos uma Instituição, fisicamente
definido ou apenas mentalmente-socialmente. Para esta instituição perdurar é necessário
sua defesa através de uma doutrina que a justifique. Os legitimadores desenvolvem a
explicação dos motivos da instituições possuir esta forma, como também desenvolverão
medidas terapêuticas para evitar que outras visões de realidade destruam a instituição.
Este jogo é político, e a atuação de cada membro desta sociedade será o responsável
pela transmissão às próximas gerações (socialização deste determinada realidade
institucional).
Posso definir o movimento espírita como uma instituição social. Parece-me
evidente que desenvolve-se um jogo dialético, onde os conceitos que definem o que é
Espiritismo e o que é ser espírita, influenciam e são influenciados pela própria
organização política-institucional do próprio movimento. E esta organização política irá
definir os papéis que cada individúo participante deve desenvolver, determinando o que
dever ser feito e exigido pelo cidadão.
A comunidade espírita não está isolada na sociedade. Estamos constantemente
sofrende influência da ideais de pessoas significativas para cada um de nós. No
Espiritismo nascente o Socialismo Romântico, crente na vida após a morte e na
reencarnação e valorização da educação, da igualdade através da fraternidade, são
evidentes nas estrutura de perguntas e nos conteúdos das respostas d'O Livro dos
Espíritos. Também está presente a proposta do Secularismo, desejoso de enfraquecer o
poder de influência da Religião no Estado, acompanhando ideias modernistas típicas do
século XIX.
Do mesmo modo, atualmente também sofremos influências das ideias
contemporâneas. A memória social, a qual recebemos através da socialização a que
somos submetidos ao adentrarmos no movimento espírita, divide seu espaço com as
informações produzidas pelo cotidiano. Se desejamos intervir na dinâmica da comunidade
espírita e da sociedade, precisamos compreender a influência histórica (memória social),
e também respeitar a força do cotidiano atual para produzir realidades sociais.
Analisando a realidade contemporânea de nosso movimento espírita, identifico 3
grupos principais de problemas:
Primeiro Problema: Diversidade. Todos os espíritas construíram sua realidade
social através de conhecimentos espíritas e não-espíritas. Por termos origens distintas,
apesar de nos identificarmos como espíritas, discordamos de diferentes escolhas políticas
e organização de ações cidadãs e políticas. Como exemplo temos as diferentes escolhas
de candidatos em épocas eleitorais, e outros temas como descriminalização do aborto.
Dificultando a união dos espíritas em torno de um projeto social nacional.
Segundo problema: O Poder da Informação. A facilidade da informação tem
aumentado rapidamente, com o crescimento da internet e do barateamento de veículos
de comunicação como celulares, televisões a cabo e revistas. Este processo torna mais
evidente como o simbolismo presente na linguagem do comunicador, é capaz de nos
encaminhar para um julgamento muito mais emocional do que racional. Habitualmente
não percebemos que nossa conclusão foi definida pela carga emotiva e histórica que as
palavras nos revivem, muito mais do que discriminamos racionalmente. A abundância da
informação produz a cilada da “verdade”. Determinada informação se repete tantas vezes,
e muitas vezes ditas por pessoas de grande significado em nossas vidas, que passamos a
aceitar como verdade, mesmo sem termos tido contato presencialmente a qualquer fato
que colabore em confirmar a veracidade.
As diferentes realidades sociais que cada espírita participa dificulta o diálogo entre
os espíritas, e entre estes e os não-espíritas, minando a atitude alteritária de convivência
e trabalho conjunto, com diferentes. Segundo Lévinas, “no preciso momento em que meu
poder de matar se realiza, o outro se me escapou”. Conseguir conviver com as diferenças
sem negar o rosto do outro, exige uma organização política de tolerância do movimento
espírito.
Terceiro problema: transição social do movimento espírita. Esta transição
acompanha a própria mudança da sociedade brasileira em geral. O trabalho cidadão das
instituições espíritas, fortemente assentadas no assistencialismo, começam a repensar
seu papel social, já que o Estado tem, cada vez mais, apropriado-se desta atividade.
Decorrente desta nova busca de caminhos de auxílio ao próximo, começam a surgir ONG
(organizações não-governamentais) espíritas, em substituição a figura do Centro Espírita.
Esta mudança administrativa da instituição espírita realizadora da caridade, tem a
possibilidade potencial de modificar a forma com que o espírita se auto-define espírita e
como define o que é o Espiritismo. O aumento das possibilidades de comunicação,
facilitando a construção de redes de trabalho, associado ao processo de globalização das
mais corriqueiras atividades do cotidiano, podem tornar impossível a manutenção do
isolamento em auto-suficiência com que os Centros Espíritas se posicionaram durante
tantas décadas. A facilidade se produzir notícias e organizar grupos de trabalho, tem
possibilitado dois movimentos políticos antagônicos: a pulverização das iniciativas e a
persistência na centralização doutrinária e administrativa.
Proponho que aceitemos algumas características da pós-modernidade, como
características enriquecedoras e inevitáveis para o sistema político do movimento espírita
e para para a relação das instituições espíritas com a sociedade e do espírita com seus
pares:
1) Propiciar oportunidades para se compartilhar as diferentes ideias é mais
importante do que buscar o proselitismo. Abandonando-se, assim, a utopia
do discurso espírita único. A facilidade em produzir e difundir ideias e
atitudes, na atuaidade, sugerem que para se implantar qualquer unificação,
será necessário implantar medidas autoritárias, as quais terá como
consequência apenas o isolamento dos grupos espíritas. Isto exigisse-se
abandonar a utopia, tanto da uniformização quanto da unificação.
2) Os espaços e atividades de intervenção na sociedade (atividades cidadãs)
podem ser aceitos como oportunidades pedagógicas de interiorização de
novas realidades (socialização secundária). Desta forma, todo trabalho
assistencial ou de promoção social não tem condições de ser separado do
contexto social em que a instituição espírita vive. Os conceitos espíritas
precisam ser testados com a intervenção social.
3) Ao aceitar que a utopia da uniformização e da unificação precisam ser
abanados, o espírita enfrentará a perda do poder de intervenção nas grande
políticas de Estado. Não acho que isto seja problema, pois o respeito a
diversidade do outro trará frutos muito mais importantes. A alternativa é
aceitar e reconhecer o poder transformador das atitudes periféricas ao poder
central de uma sociedade, exigindo aprofundar o diálogo com diferentes
setores da sociedade.
4) Esta liberdade de organização do movimento espírita e as ações cidadãs
das instituições espíritas e dos próprios espíritas, facilita a perda da
inocência presente na defesa da “pureza doutrinária”. O processo de
adaptação das teorias espíritas as condições de cada grupo, estão em
constante reconstrução, e são naturais em qualquer instituição socialmente
viva. Resultam em uma atualização do Espiritismo, que adapta sua
linguagem e teorias ao hoje e agora, temperado com a herança dos grupos
espíritas anteriores.
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