SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA PROAMI PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA ORGANIZADO PELA ASSOCIAÇÃO DE MEDICINA INTENSIVA BRASILEIRA Diretores acadêmicos Cleovaldo T. S. Pinheiro Werther Brunow de Carvalho Artmed/Panamericana Editora Ltda. PROAMI SEMCAD 3 2 Os autores têm realizado todos os esforços para localizar e indicar os detentores dos direitos de autor das fontes do material utilizado. No entanto, se alguma omissão ocorreu, terão a maior satisfação de na primeira oportunidade reparar as falhas ocorridas. A medicina é uma ciência em permanente atualização científica. Na medida em que as novas pesquisas e a experiência clínica ampliam nosso conhecimento, modificações são necessárias nas modalidades terapêuticas e nos tratamentos farmacológicos. Os autores desta obra verificaram toda a informação com fontes confiáveis para assegurar-se de que esta é completa e de acordo com os padrões aceitos no momento da publicação. No entanto, em vista da possibilidade de um erro humano ou de mudanças nas ciências médicas, nem os autores, nem a editora ou qualquer outra pessoa envolvida na preparação da publicação deste trabalho garantem que a totalidade da informação aqui contida seja exata ou completa e não se responsabilizam por erros ou omissões ou por resultados obtidos do uso da informação. Aconselha-se aos leitores confirmá-la com outras fontes. Por exemplo, e em particular, recomenda-se aos leitores revisar o prospecto de cada fármaco que planejam administrar para certificar-se de que a informação contida neste livro seja correta e não tenha produzido mudanças nas doses sugeridas ou nas contra-indicações da sua administração. Esta recomendação tem especial importância em relação a fármacos novos ou de pouco uso. Estimado leitor É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. E quem não estiver inscrito no Programa de Atualização em Medicina Intensiva (PROAMI) não poderá realizar as avaliações, obter certificação e créditos. Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Domingos de Moraes, 814. Bloco 2. Conjunto 23 04010-100 – Vila Mariana - São Paulo, SP Fone/fax (11) 5575-3832 E-mail: [email protected] http://www.amib.com.br SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA (SEMCAD®) PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA (PROAMI) Artmed/Panamericana Editora Ltda. Avenida Jerônimo de Ornelas, 670. Bairro Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS – Brasil Fone (51) 3321-3321 – Fax (51) 3333-6339 E-mail: [email protected] http://www.semcad.com.br INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO CLEOVALDO T. S. PINHEIRO Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Medicina pela UFRGS. Especialista em Terapia Intensiva, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Chefe do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Coordenador do Programa de Residência em Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. INTRODUÇÃO Os pulmões são órgãos vitais para a manutenção da homeostase. Desempenham inúme­ ras funções, tais como trocas de gases (oxigenam o sangue num processo denominado de hematose, e eliminam o CO2), desempenham um papel de protagonista no controle do equilí­ brio ácido-básico, eliminando ácidos voláteis e também são verdadeiros filtros orgânicos colo­ cados a meio caminho entre a circulação venosa e a circulação arterial sistêmicas, eliminando elementos indesejáveis. Além disso, se considerarmos o fato de que o mesmo volume de sangue presente na circulação sistêmica se encontra circulando nos pulmões ao mesmo tempo, en­ tenderemos porque a circulação pulmonar (quando comparada à circulação sistêmica) é um sistema de mais baixa resistência e de maior capacitância. Sendo assim, os pulmões servem de reservatório de sangue em situações agudas de hipovolemia, através de uma diminuição da capacitância de seus vasos, injetando substan­ cial volume na circulação sistêmica. Uma outra função dos pulmões, freqüentemente es­ quecida, é a função secretora, principalmente de elementos pró-inflamatórios nos pro­ cessos sépticos. LEMBRAR Quando falamos de insuficiência respiratória, estamos querendo abordar a disfunção pulmonar relacionada às trocas gasosas, mas, como já mencio­ nado, as funções pulmonares vão além disso. Compreenderemos, nos parágrafos que se seguem, que a insuficiência respiratória lato sensu é mais abrangente do que a insuficiência pulmonar. PROAMI SEMCAD 37 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 38 OBJETIVOS Ao final da leitura deste capítulo, o leitor deverá: Entender a definição de insuficiência respiratória em seus diversos componentes fisiopatológicos. Ser capaz de realizar o diagnóstico diferencial das insuficiências respiratórias pulmonares pe­ los dados gasométricos. ■ ■ Compreender os mecanismos básicos de produção das insuficiências respiratórias pulmona­ res. ■ ■ Ter uma noção geral do manejo clínico dessas situações. ■ ■ ■ ■ ESQUEMA CONCEITUAL Insuficiências respiratórias lato sensu Insuficiência respiratória pulmonar Classificação fisiopatológica das IRs pulmonares IR pulmonar ventilatória Equação dos gases alveolares IR pulmonar alvéolo-capilar IR pulmonar mista Manifestações clínicas das IR pulmonares Insuficiência respiratória (IR) Gases sanguíneos Insuficiência respiratória aguda Avaliação do paciente com IR Tratamento Oxigenação Medicamentos Terapia de suporte Fisioterapia Outras terapias Conclusão INSUFICIÊNCIAS RESPIRATÓRIAS LATO SENSU A respiração, como um processo global, ocorre em quatro sistemas distintos (Figura 1). CICLOS RESPIRATÓRIOS Fotossíntese Ventilação Perfusão Hematose Fluxo Transporte Respiração celular Figura 1 - Ciclos respiratórios. A respiração, lato sensu, desenvolve-se em quatro ciclos, cada qual com seus processos básicos, como pode ser visto no esquema acima. Quando tratamos de insuficiência respi­ ratória, via de regra, estamos falando de insuficiência respiratória pulmonar em suas diferentes formas de apresentação. O primeiro é o sistema ambiental, no qual a fotossíntese desempenha o papel de processo básico. Nesse sistema, duas variáveis são determinantes do bom de­ sempenho da respiração, a saber: a pressão barométrica e a fração de oxigênio na atmosfera (ou ar inspirado) conhecida como FIO2. Na clínica médica, podemos nos deparar com situações em que o paciente apresenta insufici­ ência respiratória por problemas ambientais. Todos conhecemos a situação de pessoas, que, em altas altitudes, apresentam problemas graves. Nessas ocasiões, a diminuição da pressão barométrica ocasiona uma queda na pressão parcial alveolar de oxigênio (PAO2), veja mais adian­ te o cálculo dessa variável. LEMBRAR A pressão parcial de O2 na atmosfera (PBO2) corresponde ao produto da pressão barométrica pela fração de oxigênio no ar atmosférico (PBO2 = PB X FIO2). A queda de pressão barométrica ocasionará uma queda da PBO2. Por outro lado, mineiros soterrados podem padecer de insuficiência respiratória por uma queda na fração de oxigênio no ar respirado. Nessa circunstância, o que cairá será a FIO2 sem que se altere a pressão barométrica. O segundo sistema é o pulmonar. Nele, o ar deve alcançar os alvéolos por um processo conhecido como ventilação, que renova o ar alveolar, mantendo tanto a PAO2 em níveis adequados, como, através de um segundo processo, a circulação pela qual o sangue deve perfundir os capilares que entram em íntimo contato com os alvéolos. PROAMI SEMCAD 39 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 40 No sistema pulmonar, é de fundamental . . importância a manutenção de uma relação adequada de ventilação/perfusão (relação V/Q). Em outras palavras: alvéolos ventilados devem ser perfundidos. Em situações clínicas diversas, essa relação pode ser quebrada. Se tivermos alvéolos ventilados, mas não-perfundidos, teremos aumento de espaçomorto; se tivermos alvéolos não-ventilados, mas perfundidos, teremos o conhecido mismatch e, em situações mais extremas, o shunt, que discutiremos mais a seguir. LEMBRAR Uma vez realizada a hematose e a liberação do gás carbônico, o transporte deve ser feito: esse é o terceiro sistema da respiração, o circulatório. Bons exemplos de falha no sistema circulatório são as alterações de hemoglobina, como na intoxicação por monóxido de carbono, deslocamentos anormais da curva de dissociação da hemoglobina e os estados de choque, nos quais, ou a hematose não ocorre adequadamente, ou o transporte está com problemas. A resultante é a mesma: hipoxia tecidual. Finalmente, o quarto sistema: o mitocondrial, através do qual ocorre a real respi­ ração. A intoxicação por cianetos é o exemplo mais típico de perturbação desse sistema. O presente capítulo tratará das insuficiências respiratórias pulmonares. 1. Que fatores são mais comumente causadores de alterações no sistema respiratório? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ . 2.. Considere um caso de insuficiência respiratória causada por alterações na relação V/ Q. Que fatores poderiam ter provocado essa alteração? Quais as implicações clínicas dessas alterações? Que tratamento pode ser dado ao paciente nesse caso? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PULMONAR Embora a respiração seja um fenômeno conhecido desde épocas antigas, e a dificuldade de respirar seja conhecida há muito tempo, o termo insuficiência respiratória (IR) não era empre­ gado na literatura médica até os anos 1960. Entendemos agora que a insuficiência respiratória é uma condição grave que pode ser causada por uma grande variedade de circunstâncias que podem ou não ter início no pulmão. Tanto pesso­ as sadias quanto pacientes de doenças pulmonares podem desenvolver insuficiência respiratória, e esta pode ser uma condição catastrófica. Podemos definir a IR pulmonar como uma condição em que os pulmões são incapazes de realizar as trocas gasosas de forma adequada. Como vimos ante­ riormente, dois mecanismos estão envolvidos nesse processo, fundamentalmente: a ventilação e a adequação entre a ventilação e a perfusão. Portanto, teremos IR pulmonar quando um desses dois mecanismos ou ambos estiverem comprometidos. LEMBRAR Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese da IR pulmonar podem se instalar num período de meses ou anos (forma crônica) ou em dias ou horas (forma aguda). CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOLÓGICA DAS INSUFICIÊNCIAS RESPIRATÓRIAS PULMONARES Dois mecanismos polares de IRs pulmonares podem ser identificados: os mecanismos ventilatórios e os mecanismos de distúrbios da relação ventilação/perfusão. As IRs decorrentes de hipoventilação têm como mecanismo básico a hipoventilação alveolar, como o próprio nome indica, e são conhecidas como IR ventilatórias. As IRs pulmonares decorrentes de alteração na relação ventilação/perfusão têm como me­ canismos o mismatch e o shunt, que definiremos mais adiante. Este segundo grupo tem sido denominado de IR alvéolo-capilar, ou IR por falha de oxigenação, ou ainda IR hipóxica. Prefiro o primeiro termo, uma vez que em ambos os grupos, IR ventilatória e IR hipóxica, a hipoxemia se encontra presente e a hipóxia tecidual é uma conseqüência (Figura 2). PROAMI SEMCAD 41 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA Falha da ventilação Sistema nervoso Caixa torácica Músculos respiratórios HIPERCAPNIA Falha da oxigenação Alteração da V/Q Shunt Difusão HIPOXEMIA Figura 2 - Classificação fisiopatológica das insuficiências respiratórias pulmonares. Dois grupos maiores englobam todos os subtipos de IR. Os quadros ventilatórios e os hipoxêmicos, que neste texto chamaremos de alvéolo-capilares. Em ambos os tipos, existe hipoxemia, embora no caso das IR ventilatórias isso ocorra com um gradiente alvéolo-arterial normal. Não está contemplado no esquema o tipo misto, no qual ocorrem os dois mecanismos associados. Complete a tabela. Características fisiopatológicas INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 42 Mecanismos polares de IR Mecanismos ventilatórios Mecanismos de distúrbios da relação ventilação/perfusão Insuficiência respiratória pulmonar ventilatória Como já mencionado, a insuficiência respiratória pulmonar ventilatória é decorrente da hipoventilação alveolar. Sua marca registrada é a hipercapnia (elevação de PaCO2). LEMBRAR Pode-se afirmar que não existe hipoventilação sem que ocorra hipercapnia. Hipercapnia ocorre quando a relação entre o volume do espaço morto e o volume corrente (VD/VT) está anormalmente aumentada. Está implícito que durante um processo de hipoventilação ocorrerá hipoxemia também, mas a hipoxemia da IR pulmonar ventilatória pura ocorre sem aumento do gradiente alvéoloarterial de O2 (veja a seguir). Três mecanismos básicos podem levar à hipoventilação alveolar: distúrbios neuro-musculares, distúrbios restritivos, distúrbios obstrutivos. ■ ■ ■ ■ ■ ■ Inúmeras situações podem ser citadas dentre os distúrbios neuro-musculares, a saber: ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ doenças do sistema nervoso central que afetem o bulbo e os centros respiratórios, incluindo doenças degenerativas, vasculares ou traumáticas, como traumas raque-medulares; doenças do sistema nervoso periférico, como neuropatias; doenças da placa neuro-muscular, incluindo curarização e efeitos de drogas com efeito curarizante; doenças musculares, como miodistrofias e outras (Tabela 1). Tabela 1 CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PULMONAR VENTILATÓRIA Neuro-muscular Overdose de drogas Acidentes vasculares encefálicos Trauma de crânio Trauma de medula Miatenia gravis Guillain-Barré Pólio Bloqueadores neuro-musculares Polimiosite Polineuropatias Tétano Restritivos Cifoescoliose Cicatrizes extensas de queimaduras Tórax instável Aumento da pressão intra-abdominal Obstrutivos Estenose glótica Disfunção de corda vocal Espasmo de laringe Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) PROAMI SEMCAD 43 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 44 Dentre os distúrbios restritivos, podemos mencionar as doenças que envolvem o próprio pulmão, como fibrose; doenças que envolvem a pleura, como paquipleuris e derrames pleurais; doenças que envolvem a parede torácica, como trauma torácico, esclerodermia e até procedi­ mentos terapêuticos, como uma bandagem torácica; e alterações extratorácicas como gravi­ dez e ascite. Os distúrbios obstrutivos decorrem mais de corpos estranhos na via aérea e de doenças que, por ocupação do espaço aéreo ou por compressão extrínseca, obstruem a via aérea de alguma forma comprometedora. Estenose traqueal, distúrbios de glote são exemplos clássicos. Uma causa extrapulmonar de hipercapnia relativamente freqüente em tratamento intensivo é resultante de regimes nutricionais hipercalóricos em pacientes sub­ metidos à ventilação mecânica, sem a possibilidade de adequar o volume minuto de acordo com as necessidades impostas pelo aumento da produção de CO2. Explicando melhor: a nutrição hipercalórica desencadeia um processo de lipogênese, esse processo causa um aumento da produção de CO2, com conseqüente aumento do quociente respiratório, conhecido pela letra R (relação entre o consumo de O2 e a produção de CO2). Esse efeito metabólico naturalmente demanda um aumento do drive respiratório; todavia, esse mecanismo compensatório para eliminar uma carga extra de CO2 não é possível em paci­ entes em ventilação mecânica em modos que não permitam ao paciente adequar seu volume minuto ventilatório e em pacientes retentores crônicos de CO2, como portadores de doença pul­ monar obstrutiva crônica (DPOC) avançada. Assim, um aumento de produção de CO2 sem um correspondente aumento da ventila­ ção resulta em hipercapnia ou aumento de uma hipercapnia já existente. Um último comentário sobre hipercapnia faz-se necessário. É conhecido que nos distúrbios ácidobásicos, a uma acidose metabólica corresponde uma alcalose respiratória (hiperventilação, por­ tanto, com queda da PaCO2) compensatória. LEMBRAR Presume-se que para uma alcalose metabólica corresponderia uma acidose res­ piratória, também compensadora. Para que esse fenômeno se torne possível, seria necessária uma hipoventilação. Para exemplificar, vamos considerar um paciente com uma acidose metabólica que se encontre com um bicarbonato de 45mEq/L. Para haver compensação desse quadro, a ponto de alcançar um pH de 7,45 (que corresponde a uma concentração de prótons H+ igual a 35ng), necessitaría­ mos de uma PaCO2 de 65,6mmHg, baseados na seguinte fórmula: [H+] = PaCO2 x 24 / HCO3 Substituindo-se na fórmula: 35 = PaCO2 x 24 / 45 onde: PaCO2 = 35 x 45 / 24 PaCO2 = 65,6mmHg Se utilizarmos a equação dos gases alveolares (veja logo a seguir), chegaríamos a conclusão que a ventilação alveolar nesse paciente levaria a uma pressão alveolar de O2 em torno de 67mmHg. Em outras palavras, o paciente teria que se tornar hipoxêmico. Entretanto, a hipoxemia por si só é um forte estímulo para levar a uma hiperventilação, tornando a compensação da alcalose improvável. Por esse motivo, a alcalose meta­ bólica é um dos distúrbios ácido-básicos com o pior mecanismo de compensação, além de ter seus efeitos deletérios sobre a oxigenação tecidual, por deslocar a curva de dissociação da hemoglobina no sentido de torná-la mais ávida pelo oxigênio, dificultan­ do sua liberação dessa molécula de transporte (Figura 3). 1. Qual a marca registrada na gsometria arterial da hipoventilação? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2. Que razões podem ser apontadas para uma queda da oxigenação do sangue arterial? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Figura 3 - Curva de dissociação da hemoglobina. A curva central (A) representa as relações entre a PO2 e a saturação da hemoglobina (Hb) pelo O2. Observe-se que acima de 60mmHg de PaO2, a saturação atinge uma forma de platô. Acréscimos na PaO2 têm pouco efeito sobre a saturação. Desvios da curva para a esquerda (B) ocasionam um aumento da afinidade da Hb, dificultando a liberação do O2 e dificultando a oxigenação tecidual. Observe que em B, uma PaO2 de 30mmHg que em A corresponde a uma saturação um pouco menor do que 60%, atinge uma saturação maior do que 80%. Já em C, ocorre um desvio da curva para a direita, signifi­ cando uma diminuição de afinidade. Para os mesmos 30mmHg de PaO2 corresponde a uma saturação de apenas 30%. Os fatores que desviam a curva para a esquerda são o aumento do pH, diminuição da PCO2 (efeito Bohr), hipotermia e diminuição de 2,3-difosfoglicerato (2,3­ DPG), que ocorre no sangue estocado. Já a diminuição do pH, a elevação da PCO2, e o au­ mento do 2,3-DPG, facilitando a liberação do O2 . PROAMI SEMCAD 45 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 46 Equação dos gases alveolares É sempre interessante relembrar alguns princípios de fisiologia respiratória para a melhor compreensão da IR pulmonar. A pressão parcial de O2 no alvéolo (PAO2) é dada pela equação dos gases alveolares: PAO2 = PB - PAH2O x FIO2 - PACO2 / R Onde: PB = pressão barométrica. PAH2O = pressão parcial alveolar do vapor de água. FIO2 = fração inspirada de O2 em fração decimal. PACO2 = pressão parcial alveolar do CO2. R = quociente respiratório (produção de CO2 / consumo de O2). Em locais ao nível do mar, pode-se estimar a PB como sendo igual a 760mmHg. A PAH2O é estimada em 47mmHg. A FIO2, com o paciente respirando em ar ambiente, é de 0,21 (21%). Para a PACO2, pode-se usar o valor da PaCO2 devido à alta difusibilidade do CO2 nos tecidos orgânicos. Finalmente, para R utiliza-se o valor de 0,8 (veja considerações sobre essa variável mais adiante). Assim, podemos reescrever a equação novamente, considerando-se o paciente ven­ tilando em ar ambiente sem oxigênio suplementar: Ou Ou ainda: PAO2 = 760 - 47 x 0,21 - PaCO2 / 0,8 PAO2 = 713 x 0,21 - PaCO2 / 0,8 PAO2 = 150 - PaCO2 / 0,8 Um paciente normal, com uma PaCO2 de 42mmHg teria uma PAO2 expressa como se segue: PAO2 = 150 - 42 / 0,8 = 97,5mmHg Considerando-se um gradiente normal de 5mmHg, teríamos: Logo: Assim: PAO2 – PaO2 = 5 PaO2 = PAO2 – 5 PaO2 = 97,5 – 5 = 92,5mmHg O paciente em questão apresentaria então uma PaO2 prevista de 92,5mmHg. Vamos considerar agora que esse paciente, por uma obstrução da via aérea, mas sem dano pulmonar, aumentasse a PaCO2 para 65mmHg. Como ficaria a PaO2? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Refazendo os cálculos com o novo valor de PaCO2, teremos: PAO2 = 150 - 65 / 0,8 = 68,8mmHg. Se o gradiente for o mesmo de 5mmHg, a PaO2 será de 63,8mmHg. O que quero demonstrar é que a simples elevação da PaCO2 é razão para uma que­ da da oxigenação do sangue arterial. Complete a tabela abaixo com os dados de referência. Nível do mar Pressão barométrica PAH2O Pressão barométrica Fração inspirada de O2 em fração decima 47mmHg 21% (ar ambiente) PACO2 Quociente respiratório (produção de CO2/ consumo de O2) 0,8 Insuficiência respiratória pulmonar alvéolo-capilar O segundo tipo de IR pulmonar, a alvéolo-capilar, decorre de um mecanismo básico, mas que possui duas definições distintas: mismatch e shunt. LEMBRAR Como já explicamos anteriormente, para cada alvéolo ventilado deve haver uma rede de capilares que ofereça sangue para ser hematosado. Esse encontro . . (match) decorre de uma relação ventilação/perfusão (V/Q) adequada. Quando essa relação é quebrada, ou seja, alvéolos são perfundidos, mas não são ventila­ dos, . . ou são ventilados, mas não são perfundidos, teremos problemas na relação V/Q. Quando os alvéolos são perfundidos, mas não são ventilados, poderemos ter uma relação inadequada, mas não absoluta (que pode ser corrigida com o paciente recebendo O2 a uma concentração de 100%, FIO2 = 1,0), essa situação é conhecida como mismatch. Outro caso seria quando a relação é totalmente quebrada, é absoluta, quando nem a adminis­ tração de oxigênio puro a corrige: essa condição é conhecida como shunt. É óbvio que estamos falando de um shunt funcional e não anatômico, como ocorre em cardiopatias congênitas (Figu­ ra 4). PROAMI SEMCAD 47 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 48 Via aérea Alvéolo Sec Atelecsia Obstrução Líquido Capilar V/Q normal Diminuição da V/Q Shunt Shunt anatômico Diminuição da V/Q Figura 4 - A relação ventilação/perfusão e suas diferentes possíveis alterações. Em A, observa-se que a cada alvéolo adequadamente ventilado corresponde uma rede de capilares perfundidos. Nesse . . caso, existe uma relação V/Q normal. Em B, existem dois alvéolos, o primeiro está cheio de líquido e o segundo apresenta uma obstrução da via aérea responsável por sua aeração. Em ambas as circunstânci­ as, . .ocorre uma diminuição da ventilação com a manutenção da perfusão, logo, existe queda da relação V/ Q, o que é conhecido como mismatching. Em C, temos três situações extremas. No primeiro caso, há atelectasia completa do alvéolo, no segundo, o espaço aéreo está totalmente obstruído e no terceiro caso ocorre um “curto-circuito” anatômico entre a circulação venosa e a arterial, como ocorre em cardiopatias congênitas cianóticas. Esse fenômeno é conhecido como shuntting. Não foi contemplado na figura o efeito espaço morto, no qual ocorre obstrução do leito vascular (como ocorre na embolia pulmonar) e a via aérea permanece permeável. A característica desse grupo de IRs é a hipoxemia sem hipercapnia (na realidade, na maioria das vezes elas se acompanham de hipocapnia devido à hiperventilação decorrente do estímulo que a hipoxemia causa nos centros respiratórios bulbares para aumentar a ventilação). A hipoxemia decorre, nesses casos, de um aumento do gradiente alvéolo-arterial. Como já explicamos anteri­ ormente, o gradiente alvéolo-arterial, P(A-a)O2 é dado pela fórmula: P(A-a)O2 = P AO2 – PaO2 Onde a PAO2 é dada pela equação dos gases alveolares, já explicada. Como se calcularia o gradiente alvéolo-arterial em um paciente com uma PaO2 de 64mmHg e uma PaCO2 de 38mmHg, respirando em ar ambiente? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Para esse paciente, o gradiente seria calculado como se segue: Ou Assim, o gradiente seria: PAO2 = 713 x 0,21 - 38 / 0,8 PAO2 = 713 x 0,21 - 47,5 = 102,2 mmHg P(A-a)O2 = 102,2 – 64 = 38,2 Quando um gradiente normal situa-se em 5 -10mmHg, níveis de 10 a 20 ainda são aceitáveis. No paciente hipotético apresentado, temos um quadro típico de IR pulmonar avéolo-capilar pura. Nesse subgrupo (o das IR alvéolo-capilares), podemos ter dois tipos de distúrbios causadores, a saber: ■ ■ distúrbios distributivos, distúrbios difusionais. Na realidade, aos clínicos importa apenas os distúrbios distributivos, pois os difusionais sempre são mistos e se comportam como distributivos. LEMBRAR A IR pulmonar difusional, na realidade é uma entidade avaliada pelo fisiologista res­ piratório e necessita, para sua identificação, de métodos especiais (estudos de difu­ são) não-acessíveis na prática clínica comum. Para fins práticos, as IRs, portanto, são consideradas como distributivas. Tabela 2 CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PULMONAR ALVÉOLO-CAPILAR Distributiva Asma DPOC Pneumonias Embolia pulmonar SARA Hemorragia alveolar Edema pulmonar Nas alterações distributivas, . os . mecanismos envolvidos na sua geração, como já exposto, são do tipo alteração na relação V/Q, mais precisamente mismatching. Esses quadros (mismatching), quando presentes, costumam ser corrigidos com a administração de altas concentrações de O2 (FIO2 de 100%, por exemplo). Existem, entretanto, situações extremas, nas quais, mesmo administrando-se 100% de oxigênio, não se obtém correção. A essa situação dá-se o nome de shunt. Existem shunts anatômicos que ocorrem quando um “curto-circuito” circulatório leva san­ gue venoso diretamente para a circulação arterial sistêmica, sem passá-lo pelos pulmões, como ocorre na tetralogia de Fallot e outras cardiopatias congênitas cianóticas. Porém, estamos falando de shunt fisiológico, e não anatômico (Figura 2). Um exemplo clássico de uma condição em que o shunt é a alteração predominante é a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Por isso, nesses casos, a hipoxemia costuma ser refratá­ ria à administração de O2 sem a utilização artifícios de recrutamento alveolar (Figura 4). PROAMI SEMCAD 49 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 50 LEMBRAR Outra observação pertinente é a de que, mesmo uma alteração obstrutiva da via aérea, como acontece numa crise de asma, (quando a via aérea apresenta uma obstrução aguda), a IR advinda desse quadro pode ser do tipo alvéolo-capilar distributiva e não ventilatória (Figura 4B). Essa diferenciação se faz pela avaliação dos níveis de PaCO2: se houver hipocapnia, não existe hipoventilação alveolar e, portanto, não pode haver IR ventilatória. Esses quadros costu­ mam ocorrer nos estágios menos graves de asma, quando a obstrução da via aérea e uma hipoxemia dela resultante estimulam os centros respiratórios causando aumento da ventilação com maior eliminação de CO2. O fato se dá por ser o gás carbônico treze vezes mais difusível nos tecidos orgânicos do que o oxigênio. O mesmo ocorre em pacientes com qualquer forma de DPOC sem hipercapnia. Pacientes com IR do tipo alvéolo-capilar são encontrados em diversas situações clínicas (Tabela 2), edemas pulmonares cardiogênicos e não-cardiogênicos (SARA e lesão pulmonar aguda), pro­ cessos pneumônicos, e nas fases iniciais da asma, quando na gasometria encontramos hipocapnia e hipoxemia, mostrando um padrão tipicamente alvéolo-capilar distributivo (Figura 4). Defina mismatch e shunt, apontando suas implicações na clínica médica. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Insuficiência respiratória pulmonar mista Dentro dessa categoria, observamos quadros em se encontram presentes a hipoventilação alveolar, traduzida pela hipercapnia, e a hipoxemia, resultante dos dois mecanismos: ventilatório e alvéolo-capilar. A insuficiência respiratória pulmonar mista é uma IR com hipercapnia, hipoxemia e aumento do gradiente alvéolo-arterial. O exemplo mais corriqueiro é a DPOC hipercápnica e as fases mais severas da asma. A partir de sua experiência clínica, aponte as causas bem como as manifestações mais freqüentes das IRs. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DAS INSUFICIÊNCIAS RESPIRATÓRIAS PULMONARES As manifestações clínicas de IR dependem: 1. da causa desencadeante; 2. da presença de hipoxemia e de hipercapnia; 3. da velocidade de instalação das alterações. Na Tabela 3, podem ser vistas as manifestações decorrentes de hipercapnia e de hipoxemia. Tabela 3 MANIFESTAÇÕES DA HIPECAPNIA E DA HIPOXEMIA Hipercapnia Sonolência Letargia Cefaléia Asterixis Inquietação Tremor Fala arrastada Coma Edema de papila Hipoxemia Ansiedade Taquicardia Taquipnéia Diaforese Arritmias Alterações do estado mental Confusão Cianose Hipertensão Hipotensão Convulsões Acidose lática GASES SANGUÍNEOS A pedra fundamental da avaliação do paciente em insuficiência respiratória é a análise dos gases sanguíneos, realizada através da gasometria arterial. Os valores tidos como normais para os gases sanguíneos podem ser vistos na Tabela 3 e Tabela 4. Considera-se hipoxêmico todo o paciente com PaO2 menor do que 80mmHg, respirando ar ambiente. Tabela 4 VALORES DA PAO2 Normal Hipoxemia leve Hipoxemia moderada Hipoxemia severa > 97mmHg* 60-80mmHg 40-60mmHg < 40mmHg * Para idosos com idade superior a sessenta anos subtraia 1mmHg por ano de vida até um mínimo de 80 de PaO2. PROAMI SEMCAD 51 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 52 Tabela 5 VALORES DA PACO2 Média Um desvio padrão Dois desvios padrões 40mmHg 38-42mmHg 35-45mmHg A classificação de gravidade da hipoxemia é justificada pelas características da curva de dissociação da hemoglobina e pelo tipo de intervenção necessária. Pressões parciais de O2 superiores a 60mmHg costumam resultar em saturações da hemoglobina arterial iguais ou maiores do que 90%. Acréscimos acima deste valor de PaO2 não aumentam muito a saturação. O fenômeno deve-se ao platô da cura de dissociação de hemoglobina nas suas porções superiores (Figura 3). As hipoxemias com PaO2 entre 60-80mmHg são consideradas leves porque, a rigor, não ne­ cessitariam de oxigenioterapia complementar já que a saturação da hemoglobina arterial deve­ rá estar acima de 90%, não ocorrendo, por isso, hipóxia tecidual. As hipoxemias com PaO 2 entre os valores de 60-40mmHg costumam corrigir com oxigenioterapia não-invasiva (cateter nasal, máscaras venturi, etc.) e por isso são considera­ das como moderadas. Já as hipoxemias com PaO2 iguais ou menores do que 40mmHg cos­ tumam requerer suporte ventilatório mecânico. Por isso, são ditas severas. LEMBRAR Todas as considerações feitas até aqui sobre os valores de PaO2 referem-se a paci­ entes respirando em ar ambiente (FIO2 = 0,21). Para se ter uma noção da PaO2 esperada em um paciente ventilando uma mistura enriquecida de O2 (FIO2 > 0,21) deve-se multiplicar a FIO2 no seu valor percentual por cinco. Assim, a uma FIO2 de 0,30, ou seja 30%, deve corresponder uma PaO2 de 150mmHg, uma FIO2 de 4%, a uma PaO2 200 mmHg e assim por diante. Valores menores sugerem que o paciente tenha um mecanismo gerador de hipoxemia. 1. Defina hipoxia e hipoxemia. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2. Qual a importância da avaliação dos gases sanguíneos na definição da presença de hipoxemia nos casos de pacientes com insuficiência respiratória? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Insuficiência respiratória aguda Do ponto de vista estritamente gasométrico, tem-se definido insuficiência respira­ tória aguda quando a PaO2 estiver menor do que 60mmHg ou a PaCO2 estiver mai­ or do que 50mmHg, na ausência de mecanismos compensadores. Tão importante quanto os valores gasométricos é a história (principalmente o tempo) da instala­ ção do quadro para indicar ou não a agudicidade da situação. Outro lembrete que deve ser consi­ derado é que pacientes cronicamente hipoxêmicos costumam apresentar hiperglobulia (me­ canismo compensador) ao contrário dos pacientes agudos que podem estar até anemiados, dependendo da causa da IR. Nas IRs ventilatórias agudas, o mecanismo compensador é o desenvolvimento de uma alcalose metabólica (elevação da concentração de bicarbonato) patrocinada pelos rins. Esse mecanismo é desencadeado pela acidemia (queda do pH), que, para ser totalmente compensa­ da, levaria alguns dias (de quatro a sete dias). Portanto, se uma hipercapnia estiver presente sem a devida compensação renal (de­ tectada pela presença de acidemia), ela indica um processo agudo, instalado nos últi­ mos dias de evolução da doença (Tabela 6). Tabela 6 CLASSIFICAÇÃO DAS INSUFICIÊNCIAS RESPIRATÓRIAS PULMONARES EM AGUDAS OU CRÔNICAS Tipo predominante Agudo Tempo de evolução Mecanismos compensadores Crônico Tempo de evolução Mecanismos compensadores Ventilatório Alvéolo-capilar Minutos ou horas Nenhum Minutos ou horas Nenhum Dias HCO3 Dias Da hemoglobina e do hematócrito pH PROAMI SEMCAD 53 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 54 AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA PULMONAR Todo o paciente com suspeita de IR deve passar por um exame clínico completo depois de tomadas as devidas medidas para evitar que ele persista hipoxêmico. Nenhuma atitude é justificável para demandar uma demora em resgatar níveis adequados de oxigenação tecidual. Uma oximetria de pulso no atendimento de emergência é mandatória. Uma história completa e detalhada é o melhor instrumento para o diagnóstico etiológico da IR. O exame físico estratifica a gravidade do paciente e completa o diagnóstico diferencial. Os exames complementares indispensáveis são: análise dos gases sanguíneos (sendo esse o exame inicial mais importante), os exames de imagem do tórax, testes espirométricos e os exames laboratoriais de rotina. Na análise dos gases sanguíneos, deve-se avaliar: o estado ventilatório do paciente, pela observação dos valores da PaCO2 e do pH; o estado da oxigenação, pela observação da PaO2 e da saturação da hemoglobina; o estado metabólico, pela avaliação da concentração de bicarbonato e do valor do excesso (ou déficit) de base. ■ ■ ■ Dentre os exames de imagem, o radiograma de tórax pode ser de valor em demonstrar a severidade do envolvimento pulmonar e o nível de comprometimento da parede do tórax. A tomografia computadorizada é mais sensível e mais específica para demonstrar as anormalidades de parênquima e de pleura, mas é, todavia , um exame difícil de ser realizado em paciente crítico com suporte ventilatório mecânico na maioria dos serviços. A capacidade vital (CV), o volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1), e a taxa de fluxo expiratório de pico (peak expiratory flow rate = PEFR) ou peak flow são as medidas expirométricas mais usadas neste cenário. LEMBRAR Os valores mínimos aceitáveis de CV são de 10-15mL/kg. Valores menores sinalizam a necessidade de ventilação mecânica. Por seu turno, valores de VEF1 inferiores a 25% do previsto associam-se à presença de hipercapnia. O PEFR, e o VEF1 são excelentes parâmetros para acompanhar o efeito da terapia broncodilatadora. A rotina laboratorial é usada para uma melhor avaliação do paciente e de suas circunstâncias. O exemplo clássico é a indicação de flebotomia em pacientes com IR por DPOC com hematócrito superior a 50%. Cabe um pequeno comentário sobre o cateterismo da artéria pulmonar com cateter de Swan-Ganz. Esse é um procedimento advogado por muitos naquelas situações em que ocorrer uma instabilidade hemodinâmica em pacientes com IR aguda, fundamentalmente com SARA, ou apresentando quadros sépticos graves. O assunto é controvertido e não existem elementos suficientes para se estabelecer uma rotina. 1. Sintetize, em um parágrafo, as informações contidas na Tabela 6. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2. Complete o quadro com considerações relevantes a cada um dos exames complementares à avaliação do paciente com IR. Tipo de exame complementar Informações relevantes Exames de tórax Testes espirométricos Exames laboratoriais de rotina TRATAMENTO OXIGENAÇÃO Independentemente da causa da IR, a pedra fundamental do tratamento da IR é a oxigenioterapia. A arte consiste na forma de sua administração. LEMBRAR A maioria das situações de morbidez apresentadas por esses pacientes decorre de uma hipoxemia não-tratada e conseqüente hipoxia tecidual. Existem vários tipos de técnicas de administração de O2. A escolha do equipamento depende: da magnitude de oxigênio suplementar necessário; da necessidade do controle rígido da quantidade de O2 administrado para evitar a oxigenação excessiva e uma conseqüente hipercapnia; ■ ■ se o paciente requer aspiração freqüente da via aérea devido a um excesso de secreção; ■ ■ e outras técnicas, além do enriquecimento da mistura, são necessárias para uma melhor oxigenação do paciente, tais como pressão expiratória final positiva (PEEP), pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), etc. ■ ■ ■ ■ PROAMI SEMCAD 55 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 56 LEMBRAR A administração de O2 por cateteres nasais é a forma mais simples e econômi­ ca de administração de O2. É, contudo, uma forma em que a quantidade de O2 administrado (FIO2) é aleatória, imprecisa e pequena. De modo geral, não se alcan­ çam FIO2 muito maiores do que 30%. As máscaras são instrumentos que podem apresentar vantagens, por serem mais previsí­ veis, mais ajustáveis na composição da mistura de gases administrados e por poderem oferecer concentrações mais elevadas de O2 (até 80-95%). Apresentam o inconveniente de necessitar uma adequação do paciente ao instrumento, nem sempre possível. As máquinas de ventilação mecânica invasivas e não-invasivas são os recursos mais adequados nas situações mais extremas. O uso das máquinas de ventilação mecânica já foi motivo de um capítulo em fascículo anterior do PROAMI e não voltaremos, nesta ocasião, a discutir o assunto. Um alerta deve ser dado no manejo da oxigenioterapia em pacientes retentores de CO2. Essa é uma categoria especial de pacientes. Via de regra, trata-se de pacientes que se apresentam cronicamente hipoxêmicos e, portanto, com todos os mecanismos compensatórios já devidamente mobilizados. Os quadros desencadeantes de uma consulta de emergência costumam ser exacerbações de uma situação crônica. O problema reside no fato de que pacientes retentores de CO2 são, por definição, portadores de hipoventilação alveolar, do contrário não seriam hipercápnicos. O pouco que lhes resta de ventilação é estimulado pela hipoxemia. Ao se administrar uma dose grande de O2 suplementar, haverá correção da hipoxemia e o paciente perderá o estímulo de ventilação. A seguir, o volume minuto cairá, a PaCO2 subirá mais e a resultante será um quadro de narcose carbônica com para­ da respiratória. Portanto, a administração de O2 a pacientes retentores de CO2 deve ser rigorosamente monitorada, não apenas pela saturação da hemoglobina arterial, mas fundamentalmen­ te pelo seu nível de consciência, pela PaCO2 e pela sua ventilação. Medicamentos O principal tratamento da IR destina-se ao manejo da condição desencadeante. São poucos os medicamentos utilizáveis no manejo da IR: broncodilatadores, antiinflamatórios, antibió­ ticos e outros. Dentre os broncodilatadores, destacam-se os beta-agonistas, os anticolinérgicos (brometo de ipratróprio) e teofilina. Os broncodilatadores estão indicados na asma e nas exacerbações de DPOC bem como sempre em que ocorrer broncoespasmo. Os corticoesteróides são os antiinflamatórios úteis nos quadros em que a inflamação exerça uma participação no quadro da IR, tais como na asma, na exacerbação da DPOC, em vasculites, etc. Nos quadros de IR, a administração sistêmica deve ser a preferida. Os antibióticos podem ser usados quando da detecção de um quadro infeccioso bacteriano, mas nunca como agentes preventivos. Dentre as outras medicações úteis, os diuréticos estão indicados nas situações de edema pulmonar com elevação da pressão venocapilar pulmonar, nas congestões circulatórias sistêmicas, como no cor pulmonale crônico (cuidados devem ser tomados com a hipocalemia e com um aumento do hematócrito ainda maior em pacientes hiperglobúlicos com esses agentes). Os cardiotônicos estão indicados quando da presença de falha de bomba cardíaca, aminas vasoativas na presença de instabilidade hemodinâmica. 1. Complete a tabela abaixo: Medicamento Indicação Quadros em que a inflamação exerça uma participação no quadro da IR. Antibiótico Falha de bomba cardíaca, aminas vasoativas na presença de instabilidade hemodinâmica. Broncodilatador Diurético 2. Que outras terapias podem ser associadas a terapia medicamentosa para tratar a insuficiência respiratória? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Terapia de suporte Distúrbios ácido-básicos devem ser prontamente corrigidos, pois comprometem a bomba res­ piratória, contribuindo para um aumento do trabalho respiratório. PROAMI SEMCAD 57 INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA: FISIOPATOLOGIA E DIAGNÓSTICO 58 Distúrbios eletrolíticos devem também ser corrigidos: hipocalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia são identificadas como condições que diminuem a força mus­ cular, contribuindo para fraqueza da musculatura respiratória. Acidose metabólica aumenta a demanda ventilatória (na tentativa de compensação) e com­ promete a situação de um paciente já abalado nesse setor da economia orgânica. Terapia de suporte nutricional deve ser atentamente ajustada. Pacientes interna­ dos apresentam taxas de desnutrição superiores a 40%. Uma nutrição adequada para restabelecer um estado nutricional adequado sem aumentar o risco de uma de­ manda ventilatória maior pela maior produção de CO2 deve ser a meta. Fisioterapia Fisioterapia motora e respiratória deve ser enfocada desde as primeiras horas. Trabalho de manejo de secreções e de endurance estão indicados. Outras terapias Existem situações especiais que demandam tratamentos especiais. Trauma pode requerer cirur­ gia, pacientes terminais podem requerer transplantes, e assim por diante. LEMBRAR O manejo multidisciplinar destes pacientes em situações especiais é uma boa nor­ ma. Represente esquematicamente as considerações mais importantes sobre a fisiopatologia, sintomatologia e tratamento das insuficiências respiratórias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Criner GJ. Respiratory Failure. In: Criner GJ, D’Alonzo GE. Critical Care Study Guide. Text and Guide. 2002. New York: Springer – Verlag. P. 200-221. 2. Sue DS, Lewis DA. Respiratory Failure. In: Bongard FS, Sue DY. Current Critical Care, Diagnosis and Treatment. 2nd Edition. 2002. New York: The McGraw-Hill. P. 268-341. 3. Barreto SSM, Fonseca JM. Insuficiência respiratória aguda. In: Barreto SSM, Vieira SRR, Pi­ nheiro CTS (editores). Rotinas em Terapia Intensiva. 3ª edição. 2001. Porto Alegre: ArtMed. P.104-113. 4. 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PROAMI SEMCAD 59 4 Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED/PANAMERICANA EDITORA LTDA. Avenida Jerônimo de Ornelas, 670 – Bairro Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS Fone (51) 3321-3321. Fax (51) 3333-6339 E-mail: [email protected] http://www.semcad.com.br Capa e projeto: Tatiana Sperhacke Diagramação: Ethel Kawa Editoração eletrônica: João Batysta N. Almeida e Barbosa Coordenação pedagógica: Claudia Lázaro Processamento pedagógico: Evandro Alves, Luciane Ines Ely e Michelle Freimüller Revisões: Israel Pedroso Coordenação-geral: Geraldo F. Huff Diretores acadêmicos: Cleovaldo T. S. Pinheiro Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Medicina pela UFRGS. Especialista em Terapia Intensiva, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Chefe do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Coordenador do Programa de Residência em Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Werther Brunow de Carvalho Professor livre-docente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Especialista em Medicina Intensiva Pediátrica, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Chefe das Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricas do Hospital São Paulo, Hospital Santa Catarina e Beneficência Portuguesa de São Paulo. P964 Programa de Atualização em Medicina Intensiva (PROAMI) / organizado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. – Porto Alegre : Artmed/Panamericana Editora, 2004. 17,5 x 25cm. (Sistema de Educação Médica Continuada a Distância (SEMCAD) 1. Medicina intensiva – Educação a distância. I. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. II. Título. CDU 616-084/-089:37.018.43 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023 PROAMI. Programa de Atualização em Medicina Intensiva ISSN 1679-6616 PROAMI SEMCAD 5 Associação de Medicina Intensiva Brasileira Diretoria 2001/2003 Presidente Jairo Constante Bitencourt Othero Vice-Presidente Jefferson Pedro Piva 1º Secretário Luiz Alexandre Alegrretti Borges 2º Secretário José Maria da Costa Orlando 1º Tesoureiro Marcelo Moock 2º Tesoureiro Odin Barbosa da Silva Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Domingos de Moraes, 814. Bloco 2. Conjunto 23 04010-100 – Vila Mariana - São Paulo, SP Fone/fax (11) 5575-3832 [email protected] www.amib.com.br