Iemanjá: breve questionamento das qualidades. Observando as anotações de Verger: É o Orixá dos egbá, uma Nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemojá. As guerras entre nações iorubas levaram os egbá a emigrar na direção oeste, para Abeokutá, no início do século XIX. Evidentemente, não lhes foi possível levar o rio, mas, em contrapartida, transportaram consigo os objetos sagrados, suportes do àsé da divindade, e o rio Ògùn, que atravessa a região, tornou-se, a partir de então, a nova morada de Iemanjá. Este rio Ògùn não deve, entretanto, ser confundido com Ògún, o deus do ferro e dos ferreiros, contrariamente à opinião de numerosos autores que escreveram sobre o assunto no fim do século passado. Talvez venha daí um epiteto Yemojá yá gun té, rendeu a ideia de “qualidade” de Iemanjá Ogunté, ligada a Ogun, mas na realidade seria a mãe que estende pelo rio Ogún. Inclusive Verger registra que a Iemanjá Ogunte na Bahia está ligada a Ogun Alagbede (o ferreiro). Outra qualidade que poderia se estender dos epítetos Yorubá seria a Iemanjá soba, cujo termo “soba” poder ter implícito a ideia de Obá (rainha) ou, como na grafia registrada na Bahia por Verger, Assabá poderia ser uma deturpação de algum referencia ao Odú Osá Meji que traz a fala de Iemanjá. Poderíamos traduzir esses indicadores de facetas para Iemanjá como fenômeno da agua doce e outro da família. Ainda interpretando Verger: Iemanjá seria a filha de Olóòkun, deus (em Benim) ou deusa (em Ifé) do mar. Numa história de Ifá, ela aparece casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei, com o qual teve dez filhos, cujos nomes enigmáticos parecem corresponder a outros Orixás. [...] Iemanjá, cansada de sua permanência em Ifé, foge mais tarde em direção ao Oeste. Outrora, Olóòkun lhe havia dado, por medida de precaução, uma garrafa contendo um preparado, pois “não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã”, com a recomendação de quebrá-la no chão em caso de extremo. E assim, Iemanjá foi instalar-se no entardecer da Terra, o Oeste. OlofinOdùduà, rei de Ifé, lançou seu exército à procura da sua mulher. Cercada, Iemanjá, em vez de se deixar prender e ser conduzida de volta a Ifé, quebrou a garrafa, segundo as instruções recebidas. Um rio criou-se na mesma hora, levando-a para Òkun, o oceano, lugar de residência de Olóòkun (Olokum). [...] Esta particularidade de possuir seios mais majestosos – ou somente um deles, segundo outra lenda – foi origem de desentendimentos com seu marido, embora ela já o houvesse honestamente prevenido antes do casamento que não toleraria a mínima alusão desagradável ou irônica a esse respeito. Tudo ia muito bem e o casal feliz. Uma noite, porém, o marido havia se embriagado com vinho de palma e, não mais podendo controlar as suas palavras, fez comentários sobre seu seio volumosos. Tomada de cólera, Iemanjá bateu com o pé no chão e transformou-se num rio a fim de voltar para Olóòkun Este itan revela duas facetas de Iemanjá: a mulher, a mãe, esteio da família que jamais deve ser ultrajada, ofendida, entediada. Sua serenidade materna contrasta com o rigor moral que toma atitudes; o movimento do axé das águas inicia na serenidade do riacho que corre para o mar, que sofrem variações provocadas pela gravidade existente nas alterações do relevo. Estabelecendo profundidades, alterando velocidade, também demonstra uma força objetiva. Iemanjá é uma força incontrolável. Podemos cultuar Iemanjá onde houver água fluvial ou marinha. Atribuir as embarcações a ela é uma herança africana, porém, representações de uma mulher branca com túnica azul, uma mulher vaidosa que mora no fundo do mar e atrai os homens por quem ela se apaixona, a atribuir o infortúnio dos acidentes marítimos, é pura ridicularização mítica em face da ocidentalização.