162 Short Note Hematoma Epidural Agudo. Um Problema Médico-legal Acute Epidural Hematoma. A Medico-legal Case Carlos Umberto Pereira1 Debora Moura da Paixão Oliveira2 RESUMO O hematoma epidural agudo é considerado uma emergência neurocirúrgica por ameaçar a vida e tem ocasionado problemas em Conselhos de Medicina e na justiça comum quando causa sequelas ou óbito por negligência médica. Os autores chamam atenção para o diagnóstico precoce e tratamento adequado, para evitar complicações ao paciente e transtornos médico-legais para a equipe assistente. Palavras-chave: Hematoma epidural agudo; Traumatismo cranioencefálico; Medicina legal. ABSTRACT The acute epidural hematoma is considered a life-threatening emergence of neurosurgery. HE has caused problems in medical advice and legal issues, when they provoke sequels or death due to medical malpractice. The authors advise to the early diagnosis and appropriate treatment to avoid complications to the patient. Key words: Acute epidural hematoma; Head injury; Legal medicine. O traumatismo cranioencefálico (TCE) é considerado um problema de saúde pública que causa incapacidade física e até óbito em adultos jovens. O hematoma epidural (HE) é o acúmulo de sangue que ocorre entre a tábua óssea interna do crânio e a dura-máter cerebral4,22. A mortalidade associada com HE varia entre 5% a 10% dos casos5,9. O óbito geralmente é decorrente de parada respiratória pela hérnia uncal que comprime o mesencéfalo4. O tratamento cirúrgico permanece a conduta ideal na redução da morbidade e mortalidade13. Têm sido relatados na literatura casos de HE devido a TCE leve1,3,13,17,22. Sua associação com TCE leve é mais rara em relação ao moderado e grave13,22. O TCE leve pode ser devido a acidente de trânsito, queda acidental da própria altura, agressão física, maus tratos e práticas esportivas1,3,5,22. O HE apresenta evolução aguda, subaguda e crônica16,23. O HE agudo e subagudo ocorre em 24% a 65% dos casos e podem associarse com contusão cerebral, lesão axonal difusa, hematoma subdural e intracerebral4,6,9,19. A principal localização do HE é temporal, seguida de temporoparietal (zona despregável de Marchand), onde existe uma menor espessura da escama do osso temporal e íntima relação anatômica com a artéria meningéia média, favorecendo seu rompimento após um trauma2,4,6. 1 2 O exame de radiografia simples de crânio evidencia traço de fratura entre 60% a 90% dos casos, mas sua ausência não exclui a presença de um HE4,7,14. A tomografia computadorizada (TC) é o exame de eleição demonstrando uma lesão hiperdensa biconvexa21,23. A janela óssea confirma a presença de fratura observada na radiografia simples de crânio. Segundo Frankhauser e Kiener8, nas primeiras horas do trauma a TC pode ser negativa. A maioria dos pacientes com HE apresenta alteração do nível de consciência na admissão hospitalar. A incidência de pacientes com HE em estado de coma na emergência varia entre 22% a 56% dos casos3,4,10,11. Doze a 44% dos pacientes permanecem conscientes no lapso de tempo entre o trauma e o procedimento cirúrgico e anormalidades pupilares são observadas entre 18% a 44% dos casos4,6. A manifestação clinica clássica, descrita na literatura de perda da consciência após o trauma, seguida do intervalo lúcido por minutos ou horas e, em seguida, torpor com hemiparesia contralateral e midríase homolateral à lesão ocorre entre 10% a 27% dos casos. A perda da consciência ocorre com frequência no momento da injúria, sendo recuperada em seguida (minutos ou horas) e depois piora de maneira progressiva até chegar ao coma. O tempo decorrido entre a perda da consciência inicial e sua recidiva após um período breve de vigília denomina-se intervalo lúcido, sendo a média MD, Neurosurgeon, Neurosurgery Service, Hospital de Urgência de Sergipe, HUSE, Aracaju, Sergipe PhD, Ciências da Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, Aracaju, Sergipe Received Jun 14, 2016. Corrected Jul 30, 2016. Accepted Aug 3, 2016 Pereira CU, Oliveira DMP. - Hematoma Epidural Agudo. Um Problema Médico-legal. J Bras Neurocirurg 26 (2): 162 - 164, 2015 163 Short Note de duração entre 4 e 8 horas. Durante o período de intervalo lúcido o paciente pode queixar-se de cefaleia e vômitos ou apresentar sinais neurológicos focais, a depender da gravidade do caso. Durante a piora secundária, pode apresentar déficit motor contralateral ao hematoma e anisocoria homolateral à lesão12. Segundo Rilley et al.18 a preservação do nível de consciência após um traumatismo ou sua recuperação por um tempo (intervalo lúcido) em minutos ou horas que se segue ao traumatismo, não é rara em casos letais. Su et al.19 relataram que em casos de HE localizado na fossa posterior, clinicamente o diagnóstico fica mais difícil devido à raridade de HE nesta localização, associados com escassos sintomas precoces específicos, onde a progressão clínica pode ser silenciosa e lenta, mas sua deterioração pode ocorrer de forma súbita devido à compressão das estruturas vitais localizadas no tronco cerebral sem sinais de alarmes significativos. O HE pode causar consequências graves se não for prontamente diagnosticado e tratado adequadamente. Rico et al.15, em sua série de 70 crianças com HE, observaram um caso ocorrido após um TCE leve e que inicialmente não apresentava sinais neurológicos, sendo diagnosticado 12 horas após a injúria, desenvolvendo um quadro de hipertensão intracraniana aguda e formação de hérnia cerebral, evoluindo ao óbito. Quando o paciente não apresenta o quadro clássico de HE, isto é, sem perda da consciência após o trauma e ausência de sinais neurológicos focais, induz muitos profissionais a decidir fazer um exame de TC apenas quando apresenta alteração significativa do nível de consciência ou o aparecimento de um déficit neurológico focal. Com isto retardam o diagnóstico e a conduta, e, em alguns casos evolui para coma e óbito. Segundo Sullivan et al.20 o aumento do volume do HE acontece em 23% dos casos e o tempo médio para que ocorra é de 8 horas após o trauma. O HE é considerado uma emergência neurocirúrgica13,21. A cirurgia permanece sendo o tratamento de escolha na maioria dos casos de HE para prevenção de sequelas e até mesmo óbito21. A literatura tem enfatizado cada vez mais a indicação de tratamento conservador em HE de volume pequeno2,4,7, mas ainda permanecem controvérsias sobre sua indicação5,16. O tratamento conservador necessita de vigilância clínica e de imagem seriada, tornando um gasto elevado nos serviços de saúde21. A literatura tem demonstrado que pacientes com Pereira CU, Oliveira DMP. - Hematoma Epidural Agudo. Um Problema Médico-legal. HE estável têm apresentado deterioração clínica rápida indo a óbito. O HE menor que 15 mm de diâmetro, menos de 5 mm de desvio das estruturas da linha média, menos de 25 ml de volume e ausência de sinal neurológico focal tem sido tratado de maneira conservadora2,7,21. Em caso de aumento de volume do hematoma, aumento do desvio das estruturas da linha média, escore na escala de coma de Glasgow abaixo de 9 e alteração pupilar, deve ser submetido a tratamento cirúrgico imediato. O estado neurológico, nível de consciência e volume do hematoma, têm sido descritos como fatores que influenciam o prognóstico. O HE quando diagnosticado precocemente e tratado de maneira adequada cursa com bom prognóstico3, 13. Serviços de emergência que não dispõem de especialistas habilitados e nem infraestrutura (sala operatória disponível 24 horas, equipe de plantão fixa 24 horas na instituição e tomografia computadorizada funcionando em tempo integral) para o diagnóstico e tratamento desta emergência, têm levado profissionais a negligenciar um HE devido a TCE leve, levando a sérias consequências para o médico, instituição e principalmente aos familiares do paciente. Nossa opinião é que pacientes com história de TCE leve, apresentando quadro clínico pouco específico, com sintomas variáveis e diferentes dos descritos na literatura para os casos de HE agudo e estudo de radiografia simples de crânio e sem demonstração de traço de fratura, devem ficar sempre em observação clínica hospitalar por 24 horas. Em caso de piora neurológica indicar TC de crânio. Sempre que receberem alta médica devem ser comunicados verbalmente e por escrito das possíveis complicações e orientação para retorno hospitalar, assim, poderemos diminuir problemas no Conselho de Medicina e na justiça comum, bem como, reduzir a morbidade e mortalidade desta lesão, que nos serviços públicos do país são altos. Assim um trauma trivial não deve ser negligenciado, uma vez que até mesmo no paciente desperto e sem queixas pode existir a presença de um HE. Portanto, o diagnóstico de HE deve ser considerado nos serviços de emergência em todos pacientes com história de TCE, mesmo que leve. Quando diagnosticado, o HE deve receber tratamento adequado. A indicação do tratamento segue condutas clínicas e de imagem preconizadas na literatura científica, da experiência do profissional e da infraestrutura da instituição para o tratamento desta lesão. J Bras Neurocirurg 26 (2): 162 - 164, 2015 164 Short Note Referências 1. 2. Araujo JLV, Aguiar UP, Todeschini AB, Saade N, Veiga JCE. Análise epidemiológica de 210 casos de hematoma extradural traumático tratados cirurgicamente. Rev Col Bras Cir. 2012; 39(4): 268-271. Bezircioğlu H, Ersahin Y, Demircivi F, Yurt I, Dönertas K, Tektas S. Nonoperative treatment of acute extradural hematomas: analysis of 80 cases. J Trauma. 1996; 41(4): 696-698. 3. Bricolo AP, Pasut LM. Extradural hematoma: toward zero mortality. A prospective study. Neurosurgery. 1984; 14(1): 8-12. 16. Pang D, Horton JA, Herron JM, Wilberger JE Jr, Vries JK. Nonsurgical management of extradural hematomas in children. J Neurosurg. 1983; 59(6): 958-971. 17. 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