o adolescente infrator no sistema capitalista de produção

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O ADOLESCENTE INFRATOR NO SISTEMA CAPITALISTA DE PRODUÇÃO: um
olhar a partir da doutrina de proteção integral
Paula Suellen Frota de Melo1
Carole Cordeiro Baraúna2
Márcia Perales Mendes Silva3
Resumo: Este artigo versa a respeito da situação do adolescente infrator nos
marcos do sistema capitalista de produção, tendo por base a atuação da Doutrina
de Proteção Integral (Estado, família e sociedade), preconizada pela Constituição
Federal e especificada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na defesa
intransigente dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.
Palavras-chave: Capitalismo, proteção integral, adolescente infrator.
Abstract: This article explain about the infractor adolescent situation in the mark
of capitalism production system, it’s have the Integral Protection Doctrine (State,
Family and Society) like a base of study, suitable for the Federal Constitution and
specified for the Children and Adolescent Statute, at the obstinate defense of
Brazilian children and adolescent rights.
Key words: Capitalism, integral protection doctrine, infractor adolescent.
1
Mestre. Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]
Mestre. Universidade Federal do Amazonas. E-mail [email protected]
3
Docente. Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]
2
INTRODUÇÃO
Inúmeros são os problemas sociais que permeiam a vida de milhões de crianças e adolescentes
em todo país. Esta problemática origina-se desde a falta de condições ambientais favoráveis até a
carência de infra-estrutura, equipamentos urbanos, transportes regulares, ausência de
oportunidades a eles próprios e a seus pais, dentre outros.
A Revolução Industrial instituiu um novo modelo de economia, a economia capitalista. Se no
modo de produção feudal o objetivo era obter as mercadorias necessárias para a sobrevivência
(valor de uso), no capitalismo, o fim da circulação é o dinheiro, onde a mercadoria passa a ter
valor de troca e a sociedade é estimulada a consumir desenfreadamente. Assim, percebemos
claramente a presença marcante do sistema capitalista de produção permeando a vida de milhares
de adolescentes, e influenciado direta e indiretamente a entrada destes no mundo da
criminalidade.
Este sistema contribui para o que conhecemos de múltiplas expressões da questão social4:
desemprego estrutural, trabalho informal, precarização das relações de trabalho e tantas outras
mudanças que tiveram como conseqüência o aumento da pobreza, surgimento da exploração
sexual, a prática de atos infracionais por adolescentes etc.
A luta pela “sobrevivência”, que caracteriza o sentimento de insegurança e vulnerabilidade, faz
com que a infração seja cometida, no entanto,
(...) temidos e ameaçados, eles [adolescentes infratores] buscam um lugar que lhes é negado. A
escola já não sabe acolhê-los. A família representa um controle muito menor do que em outras
épocas. (...) Na nossa sociedade, as comunidades ou relações de vizinhança já não aparecem
como os fatores mais decisivos das relações (CRAIDY E GONÇALVES, 2005, p. 20).
4
De acordo com Iamamoto (2008) a questão social condensa um conjunto de desigualdades e
lutas sociais produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais e que
alcança plenitude a partir das expressões e matizes em tempos de capital fetiche. Ela expressa,
portanto, uma “arena de lutas políticas e culturais na disputa entre projetos societários” de
diferentes interesses de classe na condução das políticas econômicas e sociais.
No Mais, o que se vivencia é um sistema de produção que busca acima de tudo e de todos: o
lucro, e que opera profundas transformações no modo de vida em sociedade.
2. Capital & Estado: partes integradas e integrantes do desenvolvimento econômico, político e
social de países capitalistas
A Revolução Industrial introduz uma série de inovações tecnológicas que substituem a potência
mecânica e pressupõe a existência de certos níveis de acumulação capitalista, nasce, então, o
sistema capitalista de produção. À medida que o capitalismo evolui consolida-se, no fim do
século XIX, as bases do chamado capitalismo tardio: “o surgimento de oligopólios e monopólios
como formas concentradas que unificam o esforço empresarial e abrandam o caráter competitivo
próprio do estágio em que o capital ainda se encontrava atomizado e disperso”( CATANI,1995,
p.48).
Segundo Catani (1995) o monopólio, forma de concentração de poder dentro do sistema
capitalista, resulta num forte controle político sobre a sociedade e a política de governo, onde o
Estado acaba por absorver os interesses do capital, principalmente dos grupos monopolistas
dominantes, como interesses seus. Ou, nas palavras de Montaño (1999, p.49) “O Estado moderno
tem, portanto, uma lógica fundante e essencial à sua natureza : ele é o Estado de uma sociedade
regida pelo capitalismo, e participa, então da ‘lógica do capital’”.
Está implícito que a coordenação do sistema econômico no capitalismo contemporâneo é de fato,
realizada não apenas pelo mercado, como quer o neoliberalismo conservador de alguns notáveis
economistas neoclássicos, mas também pelo Estado: o primeiro coordena a economia através de
trocas de equivalentes, o segundo, através de transferências para os setores que o mercado não
logra remunerar adequadamente segundo o julgamento político da sociedade. Assim, quando há
uma crise importante no sistema, sua origem deverá ser encontrada ou no mercado, ou no Estado.
A Grande Depressão dos anos 30 decorreu do mau funcionamento do mercado, a Grande Crise
dos anos 80, do colapso do Estado Social do século 20 (Bresser Pereira apud Batista 1999, p.7172).
Não obstante, a partir da década de 70 o mundo vivencia uma forte crise econômica e seus efeitos
desdobram-se no Brasil, a partir da década de 90, por meio de incentivo à Reforma do Estado. No
campo político, o Estado arma-se para fortalecer o mercado, criando o que conhecemos como
movimento mini-max, onde os investimentos são mínimos para o trabalho e máximo para o
capital. Assim, as políticas sociais tornam-se despolitizadas e os direitos sociais mercantilizados.
Em síntese, esse novo modelo de acumulação implica que: os direitos sociais perdem identidade e
a concepção de cidadania se restringe; aprofunda-se a separação público-privado e a reprodução
é inteiramente devolvida para este último âmbito; a legislação trabalhista evolui para uma
mercantilização (e, portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação do Estado se reduz
à ampliação do assistencialismo (Soares apud Couto 2004, p. 70)
Por esse prisma, destacamos como elemento central de nossa análise a política social de proteção
integral, preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente como forma de garantia aos
direitos da criança e do adolescente e, em especial, daqueles em conflito com a lei.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Doutrina de (Des) Proteção Integral
Promulgado em 13 de julho de 1990, através da lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, popularmente conhecido como ECA, é uma doutrina que reconhece a criança e o
adolescente como cidadãos, sujeitos de direitos e que, como pessoas em desenvolvimento, não
têm condições de suprir por si mesmas as suas necessidades básicas, necessitando de medidas que
venham garantir-lhes o usufruto de seus direitos.
Sua promulgação é caudatária da Constituição brasileira de 1988, a qual preceitua, em seu artigo
227, que os direitos de crianças e adolescentes devem ser garantidos, através de ações integradas
pelo Estado, Família e Sociedade Civil, via políticas públicas universais e programas específicos
aos diferentes segmentos.
3.1. A Família
Com o advento do capitalismo, o interesse no mercado e o individualismo predominam sobre a
cultura e o coletivo. Com a família não ocorreu de forma diferente, pois, segundo Carvalho
(2003, p. 43), “no mundo contemporâneo, as mudanças ocorridas na família relacionam-se com a
perda do sentido da tradição”, situações antes valorizadas, como o casamento, o amor, a família,
a sexualidade, o trabalho, perdem espaço para “individualidade que conta decisivamente e
adquire cada vez maior importância social”.
Oliveira e Gueiros (2005) afirmam que as inúmeras desigualdades sociais e a crescente exclusão
do mercado formal de trabalho refletem diretamente na situação econômica das famílias, fatos
estes que inviabilizam o provimento de condições mínimas necessárias à sobrevivência individual
e familiar.
Segundo Carvalho (2003), é preciso olhar a família no seu movimento de organizaçãoreorganização. Ser filho de pais separados tornou-se comum na sociedade “moderna” em que
vivemos, no entanto, percebe-se que o apoio do Estado a essas mães ou pais, que têm que criar e
educar sozinhos seus filhos, não vem se modernizando.
Oliveira e Gueiros (2005) chamam atenção para este assunto afirmando que a família é
considerada um lócus de desenvolvimento de seus membros, especialmente da “infantoadolescência”, no entanto, não se consegue implementar ações que, além de favorecer a proteção
da infância, também promovam a proteção de sua família.
Desta forma, as famílias necessitam buscar “alternativas viáveis” à sua sobrevivência, visto que
faltam melhores “alternativas” por parte do Estado.
3.2 A Sociedade
Vivemos em uma sociedade que classifica os padrões de conduta, “etiqueta” o grau da
delinqüência e da marginalidade, estabelece regras e normas que devem ser cumpridas e,
juridicamente, cria leis que condenam os infratores e os colocam às margens. Esta mesma
sociedade parte do pressuposto de que o inimigo deve ser um não-cidadão e, para garantir um
meio isento de conflitos, torna-se uma sociedade punitiva, que encontra nas prisões, presídios e
centros de recuperação, solução para que os “desviados” sejam recuperados e reintegrados ao
contexto social.
A sociedade não consegue enxergar que a criminalidade tem raízes na própria formação
do Estado Brasileiro e nas suas bases capitalistas, racistas, machistas e homofóbicas. O
indivíduo é penalizado por causa da apropriação indevida de bens que deveria ter acesso e que
lhes foi negado por injustiça da própria sociedade. Superar a criminalidade é superar as suas
causas e não ampliar punições.
Volpi (2006, p.09) diz que a sociedade vê na segurança uma forma de se proteger contra os
“desajustados sociais”. Segundo este autor “é difícil, para o senso comum, juntar a idéia de
segurança e cidadania. Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil e, para
alguns, inapropriado”.
Cheniaux (1982, p. 78) resume esta questão afirmando que “os menores são trapaceados pelo sistema social e se tornam trapaceiros dentro
desse mesmo sistema”. Para a autora a sobrevivência dentro da sociedade padronizada determina a condição de “trapaceiros” destas crianças e
adolescentes.
A construção de um novo olhar sobre a Questão Social por parte da sociedade será o primeiro grande passo para degradação da violência,
visto que o seu nascedouro está no bojo das desigualdades sociais geradas pelo individualismo do sistema capitalista.
3.3. O Estado
Com o crescimento arraigado do mundo capitalista e com ele a nova reformulação do liberalismo
- o neoliberalismo - não só a sociedade, mas também o Estado vem traçando seu caminho rumo à
“modernidade”. Neste contexto, observa-se, claramente, um processo mundial de diminuição do
Estado Social e Ampliação do Estado Econômico Penal. Wacquant apud Costa (2005, p. 64),
pontua:
A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com “mais estado”
policial e penitenciário o “menos estado” econômico e social que é a própria causa da escalada
generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto no Primeiro como no
Segundo Mundo.
Considerava-se que o desenvolvimento resolveria por si só os problemas sociais, este pensamento
justificava a minimização e o assistencialismo do papel do Estado. No entanto, esta “autosuficiência” não aconteceu, os serviços públicos se desmantelaram e se defasaram, e o êxodo dos
recursos públicos para o privado foi inevitável. Desta forma:
Diminui-se o investimento em capital humano e capital social, aumentam os já agudos níveis de
iniqüidade, afasta-se mais ainda a possibilidade de integrar as políticas econômicas e as sociais
(KLIKSBERG, 2002, p. 47).
Temos como exemplo um Estado que nunca foi efetivamente de Bem-Estar, principalmente em
um país onde o capitalismo lançou as intensas desigualdades sociais. Convivemos em uma
sociedade da concorrência, onde não há lugar para todos. Somos impetrados pelo “Darwinismo
Social”, sobrevivem apenas os mais fortes, ou seja, aqueles que podem consumir.
O Estado vem diminuindo sua participação no que diz respeito às políticas públicas, deixando-as
a cargo da sociedade civil. Desta forma executa apenas programas “focalistas, descentralizados e
privatizados”5, situação em que apenas o mais pobres dos pobres é “privilegiado”. Rosanvallon
(1984) conceitua este fenômeno como Estado Providência Seletivo, onde a seletividade
representa uma solução para enfrentar a crise financeira que o Estado atravessa em toda parte.
Este Estado ao se afastar de sua função social protetiva dá espaço à função curativa e, ainda sim,
minimamente. Transforma o universal em seletivo, aumenta punições em detrimento da sócioeducação.
Zaluar (apud Costa, 2005) aponta a presença insuficiente do Estado nas grandes periferias das
cidades como causa da crescente proliferação das formas de Estados paralelos, que controlam a
vida das pessoas, seja pelas formas alternativas de “trabalho” oferecidas pelas organizações
5
Conceito retirado do artigo As políticas sociais e o neoliberalismo, Revista USP, 1993.
criminais, pela proteção que estas organizações sugerem ou, pelo silêncio imposto como meio de
sobrevivência.
As medidas previstas no ECA têm um forte cunho educativo, contudo, a forma como vem sendo
implementada sugere o que Paula (2006, p. 29) convencionou chamar de idéia funcionalista do
Estado, o qual age de uma forma que a “atividade apenas se desenvolve em razão de uma ligação
jurídica do adolescente com uma medida prevista em lei”.
No mais, parte-se do pressuposto de que a ação do Estado deve entender que grande parte dos
problemas que devastam o nosso país está na desigualdade social. Para tanto, resolver este
problema significa ir a fundo em nossas tradições e perceber que somente assim a realidade em
que vivemos será transformada.
4. Considerações Finais
Neste “tempo de capital fetiche” o que se vivencia é uma forte redução do Papel do Estado, e em
contrapartida, uma ampliação do capital sobre a sociedade. Os direitos sociais conquistados a
duras batalhas transitam da órbita dos direitos para a órbita da filantropia, o Estado salta de
provedor para fiscalizador, os direitos tornam-se mercadorias, a legitimação do Estado é
desregulamentada, enfim, assistimos, ainda que implicitamente, a um processo de desmonte dos
direitos sociais universais.
Em virtude disto, as políticas públicas tornam-se seletivas e focalistas. Tal fato torna o
cometimento do ato infracional uma “alternativa viável”, ainda que perversa, para o
enfrentamento da realidade em que estão inseridos milhares de adolescentes desprovidos dos
“mínimos sociais” necessários à “sobrevivência” dentro de uma sociedade capitalista.
Desta forma, de longe percebemos a não efetivação da Doutrina de Proteção Integral, pois ao
descaracterizar o papel dos três eixos principais – Estado, Família e Sociedade -, o capital
suprime a efetivação dos direitos sociais preconizados constitucionalmente, fomenta o
individualismo exarcebado e fragiliza as relações sociais.
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KLIKSBERG, B. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e
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MONTAÑO, Carlos. Das “lógicas do Estado” às “lógicas da sociedade civil”: Estado e “terceiro
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