ESTADO DA ARTE DAS LIGAS DE NITINOL – ESTUDO DAS PROPRIEDADES FISICO-QUÍMICAS PARA APLICAÇÃO COMO BIOMATERIAIS Isabel Portela Rabello1, Carmem Dolores de Sá Catão1, Germana Portela Rabello2, Ana Carolina Brasil Marcelino Fook1, Marcus Vinicius Lia Fook1. 1 CERTBIO, Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, Brasil. 2 Departamento de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo. O Nitinol (NiTi) é um termo que representa a família de ligas de níquel e titânio. Com a descoberta da extraordinária biocompatibilidade destas ligas, sua aplicação tem sido enfatizada em dispositivos na área médica (próteses, stents, instrumentos cirúrgicos como cateteres, agulhas, tubos guia, capilares, entre outros) e na Odontologia em geral (implantes, limas endodônticas, fios ortodônticos, próteses, entre outros). As características que tornam estas ligas interessantes são a sua superelasticidade, o efeito memória de forma e a excelente biocompatibilidade, sendo as duas últimas características particularmente interessantes, devido ao fato de conferirem a estes materiais a capacidade de auto-expansão ou contração e de não apresentar rejeição ao organismo. O conjunto de propriedades citadas torna esse material cada vez mais atrativo e empregado principalmente na área clínica. Na Odontologia, o desafio é idealizar uma liga com composição e tratamento térmico que resulte em propriedades mais compatíveis com as necessidades de utilização como biomaterial nas mais diversas especialidades. Desta forma, este trabalho tem como objetivo avaliar três composições da liga de NiTi nacionais, sendo uma composição rica em titânio, pobre e equiatômica, através de testes de caracterização física (EDX e MEV) e análise da tensão superficial, após os elementos das composições terem passado por diferentes tratamentos térmicos. Após interpretação dos resultados obtidos, pode-se perceber que a liga que apresentou menores porcentagens em peso de níquel em seus produtos da corrosão é a liga Nitinol rica em titânio submetida ao tratamento térmico de 24 horas no forno e 48 horas na estufa. Quanto às angulações obtidas no teste de tensão superficial, a referida composição apresentou as menores angulações, sendo, portanto, a mais hidrofílica (menor tensão superficial), desta forma, pode-se considerar preliminarmente que esta é uma liga com grande potencial para aplicação biomédica por supostamente ter melhor biocompatibilidade e maior interação com o meio biológico pela hidrofilicidade apresentada. Palavras-chave: Ligas de NiTi; Ligas com Memória de Forma; Biomateriais. 1. INTRODUÇÃO O principal objetivo da Odontologia é manter ou melhorar a qualidade de vida do paciente. Este objetivo pode ser alcançado pela prevenção de doenças, pelo alívio da dor, aperfeiçoamento da eficiência mastigatória, aprimoramento da fonética e pela melhoria da aparência. Em virtude de muitos desses objetivos requererem a reposição ou alteração da estrutura dentária existente, há séculos, o principal desafio tem sido o desenvolvimento e a seleção de materiais biocompatíveis e duráveis. Acredita-se que a Odontologia como especialidade médica surgiu por volta de 3000 a.C. Contudo, as mais antigas evidências de próteses parciais, transplantes de dentes humanos e implantes datam de 700 a.C, utilizando marfim e ouro (PHILLIPS, 2007). Ao longo dos últimos séculos, uma grande variedade de materiais tem sido empregada na substituição de dentes naturais, incluindo osso, dentes de animais, dentes humanos, marfim, conchas marinhas, cerâmicas e metais. Diante disso, merece grande destaque o campo de biomateriais, que se desenvolveu historicamente de forma a se obter uma combinação satisfatória de propriedades físicas próximas àquelas do tecido substituído, devendo ser biocompatível, ou seja, atendendo ao requisito de funcionabilidade para o qual foram projetados, estimulando ou provocando o mínimo de reações alérgicas ou inflamatórias (PHILLIPS, 2007; ORÉFICE et al, 2006; SOARES, 2002). Os biomateriais atualmente empregados para a substituição de tecidos no corpo humano podem ser classificados segundo a sua natureza como: químicos, metálicos, plásticos, cerâmicos e compostos. O emprego de metais e ligas metálicas na área clínica e, em particular, nas cirurgias, tomou impulso desde o surgimento de técnicas cirúrgicas assépticas, aperfeiçoamento da anestesia e desenvolvimento de manobras de substituição do sangue e do fluido humano perdido (MEARS, 1997; DISEGI & ESCHBACK, 2000). Por volta de 1900 ainda não se conheciam materiais metálicos com adequadas propriedades de resistência mecânica e inércia química disponíveis para confecção de implantes ortopédicos. As ligas ferrosas disponíveis, além do cobre, zinco e alumínio, não apresentavam estabilidade química adequada, produzindo substâncias tóxicas por oxidação seguida de dissolução dos óxidos dos metais em contato com fluidos do corpo humano. Posteriormente, foram desenvolvidas ligas mais resistentes à corrosão, como o aço inox. O emprego destes em implantes ortopédicos surgiu desde 1926 e a estes, se seguiram as ligas à base de níquel e metais como titânio e tântalo ou suas ligas (MEARS, 1997). A procura de materiais metálicos mais apropriados a implantes ortopédicos e dentários deve-se às diferentes falhas que os mesmos ainda apresentam e que são de natureza fisiológica (biocompatibilidade), mecânica (resistência) e química (corrosão), por isso a constante busca por novas ligas metálicas com propriedades satisfatórias para aplicações específicas (CATÃO, 2010). O NiTi (Nitinol) é uma liga de níquel (Ni) e titânio (Ti) que apresenta excelentes propriedades, como a biocompatibilidade, por isto, sua aplicação tem sido enfatizada em vários dispositivos na área médica e na odontologia em geral. Outras características tornam esta liga interessante: a superelasticidade e o efeito memória de forma (SMA – Shape Memory Alloy, devido ao fato de conferirem aos materiais a capacidade de auto-expansão e de não apresentar rejeição ao organismo (KRONE et al, 2005). O conjunto destas propriedades torna esse material cada vez mais atrativo e empregado principalmente na área clínica. Desta forma, este trabalho teve como objetivo avaliar as propriedades da liga de Nitinol nacionais através de técnicas de caracterizações visando possíveis aplicações em dispositivos biomédicos. 2. REVISÃO DE LITERATURA Dentre os materiais comumente encontrados, muitos são reconhecidos como sendo metais, embora, em quase sua totalidade, eles sejam, de fato, ligas metálicas. Não é fácil conceituar a palavra metal, em detrimento da grande variação nas propriedades dos materiais metálicos. Em geral, ele é definido como uma substância química opaca, brilhante, dúctil, boa condutora de calor e eletricidade e, quando polida, boa refletora de luz (PHILLIPS, 2007; ORÉFICE et al, 2006). Os metais têm sido utilizados na Odontologia por centenas de anos como materiais substitutos da estrutura dentária perdida. O ouro em forma de folha talvez tenha sido o primeiro a ser usado como material para restauração dentária, vários anos atrás. Entretanto, os metais puros, incluindo o ouro, geralmente carecem de resistência suficiente para poderem ser usados como restaurações dentárias. Por esse motivo, vários metais são misturados para fornecer melhores propriedades físicas (CRAIG et al, 2002). Uma liga consiste na união íntima de dois ou mais elementos químicos em que pelo menos um é metal e cujas fases possuem propriedades metálicas (PHILLIPS, 2007). Para a Odontologia, os metais podem ser divididos em dois grupos: nobres e básicos. Os metais nobres são resistentes à corrosão mesmo sob condições extremas e, portanto, são bons para serem usados na boca. Os metais nobres mais usados nas ligas dentárias para fundição são: ouro, paládio e platina. Os metais básicos são passíveis de corrosão, tendo seu uso mais restrito. Nas ligas dentárias para fundição, esses metais incluem: titânio, níquel, cobre, prata, zinco e vários outros. De todas as fundições dentárias, as ligas predominantemente de metal básico são as mais complexas. Eles são frequentemente necessários nas ligas por causa das propriedades de resistência, flexibilidade e desgaste necessárias para as restaurações dentárias. Nas formas puras, os metais básicos simplesmente possuem maior tendência de corrosão na boca do que as ligas de metais nobres (CRAIG et al, 2002). As ligas metálicas possuem várias aplicações na Odontologia, sendo usadas na forma de coroas, pontes, pinos intrarradiculares, próteses parciais, restaurações diretas e indiretas, implantes odontológicos, limas endodônticas, fios ortodônticos, entre outros (CRAIG et al, 2002; MOTTA, 2008). Entre os materiais utilizados na confecção de implantes, os mais diversos tipos, sendo eles odontológicos ou não, destacam-se os materiais metálicos, principalmente usados devido a sua boa resistência mecânica e elevada tenacidade, facilidade de fabricação e baixo custo. Muito embora apresentem tais propriedades vantajosas, são aceitos pelo corpo humano em limitadas quantidades. Quando ocorre infração às tais regras estabelecidas pela natureza, há um aumento do potencial de corrosão, que é a deterioração das propriedades mecânicas do material, comprometendo o desempenho da função. Dessa corrosão são gerados produtos, limitando o tipo de metal que poderá ser empregado como biomaterial (ORÉFICE et al, 2006). A seleção de um material biocompatível deve iniciar com a identificação das propriedades requeridas para a aplicação em questão. Como essas propriedades são extremamente sensíveis a variações da estrutura do material em escala micro ou nanométrica, é fundamental que se tenha um entendimento de como se correlaciona a microestrutura com as propriedades desejadas. Desde a identificação das necessidades de um paciente até a produção e comercialização de componentes biomédicos, passando pelo projeto, fabricação e testes, onde participam engenheiros (projetistas e de materiais), médicos/dentistas, biólogos, bioquímicos e até profissionais com formação em desenho industrial e marketing. A caracterização do material não habilita o seu uso como biocomponente, mas pode – e deve – ser utilizada como uma pré-seleção de condições a serem testadas nas etapas seguintes. Os materiais “aprovados” nesta etapa terão que passar por testes laboratoriais (testes in vitro) e, posteriormente, por testes in vivo (em animais e testes clínicos) (SOARES, 2002). A utilização de metais ou ligas metálicas para aplicações médicas e odontológicas requer condições estruturais e superficiais que propiciem funcionalidade e biocompatibilidade. A liga de Nitinol (NiTi) pode atender a estes requisitos através de tratamentos térmicos adequados e que resultem em propriedades mecânicas favoráveis à aplicações e resistência à corrosão elevada. Desta forma, busca-se definir as propriedades mecânicas e biológicas, bem como as possíveis aplicações das ligas de NiTi. 2.1 Propriedades do Nitinol Observando-se as características de cada elemento que constitui a liga, podemos entender de forma mais clara as características da liga propriamente dita. Com relação à estrutura cristalina tem-se o níquel com estrutura cúbica de face centrada (CFC), sendo uma característica marcante sua alta estabilidade nessa fase, e o titânio com estrutura cúbica de corpo centrado (CCC). A liga de Ni-Ti é caracterizada por uma solução sólida substitucional, onde os átomos compartilham uma única rede comum de posições atômicas (GELAIN et al, 2006). O titânio puro é um metal bastante reativo e extremamente oxidável, exigindo técnicas não convencionais de beneficiamento, fusão e fundição, explicando o porquê de seu alto valor de mercado. No meio biológico, o titânio é bem tolerado pelos tecidos, proporcionando grande aplicação biomédica e odontológica. A biocompatibilidade do titânio explica-se, em parte, pela formação de um denso óxido superficial e de caráter químico anfótero, que formase quando o titânio é exposto ao ar, gerando estabilidade em meios corrosivos. Apesar da boa tolerância pelo organismo, o titânio pode ser tóxico, devido ao fato de seus íons não permanecerem apenas nas proximidades de onde o metal foi implantado, sendo transportados pelos vasos sanguíneos e linfáticos, células e fluidos para tecidos distantes, podendo causar desde descoloração tecidual até necrose estéril (PONCIANO, 2010). No meio bucal, alguns fatores são responsáveis pela corrosão, entre eles pode-se destacar: fatores microbiológicos, enzimáticos, térmicos, existência de correntes galvânicas, substâncias ingeridas e variações de pH e temperatura (PONCIANO, 2010). O níquel puro é utilizado em ligas metálicas por causa de sua flexibilidade e baixo ponto de fusão, características que conferem à liga de NiTi um módulo de elasticidade próximo ao do osso. Os implantes odontológicos feitos unicamente em titânio possuem um módulo de elasticidade alto e incompatível com o tecido ósseo humano, havendo maior possibilidade de fratura. A liga de NiTi pertence a uma classe de materiais denominada ligas com memória de forma. As bases para o sucesso da liga podem ser sintetizadas com as seguintes propriedades: Histerese, Memória de Forma Térmica, Superelasticidade (memória de forma mecânica) e Biocompatibilidade. Estas propriedades únicas do NiTi têm possibilitado aplicações nas indústrias médica e odontológica. Estas aplicações incluem próteses para implantes permanentes, assim como implantes para doenças vasculares. As extraordinárias propriedades do material são causadas por transformações envolvendo as fases martensita e austenita. Essas propriedades podem ser modificadas por mudanças na composição da liga, trabalho mecânico e tratamentos térmicos. A fase austenítica possui estrutura cúbica de corpo centrado (CCC), ocorre em altas temperaturas, baixas tensões e apresenta menor elasticidade que a fase martensítica. Esta última apresenta uma estrutura monoclínica, triclínica ou hexagonal e se forma em baixas temperaturas e altas tensões (MERTMANN, 2000; PONCIANO, 2010; CATÃO, 2010). Somente em meados de 1990 os produtos de NiTi passaram a ser comercializados e empregados na área clínica. O uso de NiTi como um biomaterial é atrativo devido a superelasticidade e efeito de memória de forma, que são propriedades completamente novas em comparação com as ligas metálicas convencionais (RYHÄNEN, 1999). Sob uma perspectiva microscópica, a transformação do estado sólido pode ocorrer de duas formas: difusional e displasiva. Transformações difusionais são aquelas nas quais uma nova fase pode somente ser formada pelo movimento randômico dos átomos a relativas longas distâncias. O progresso desse tipo de transformação é dependente do tempo e da temperatura. Em contraste, transformações displasivas não requerem longas movimentações dos átomos: neste caso, os átomos são rearranjados em uma nova fase ou estrutura cristalina mais estável (WAYMAN, 1990; CATÃO, 2010). As transformações martensíticas são geralmente do tipo displasivas, e são formadas depois do resfriamento de uma fase de alta temperatura chamada de austenita. Nas transformações martensíticas em torno de 2kJ/mol de calor são liberados. A fase austenítica apresenta uma estrutura cúbica simples denominada B2 ou CsCl. A fase martensítica apresenta uma estrutura monoclínica B19 e 100% da rede maclada (Figuras 1) (WAYMANN, 1990; CATÃO, 2010). Figura 1: Conformação atômica das fases austenítica e martensíticas. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Seleção e classificação das ligas As ligas de Nitinol analisadas foram classificadas em três tipos, de acordo com sua composição: equiatômicas (55% Ni - 45% Ti em peso); atomicamente ricas em níquel (55,3% Ni -44,7% Ti em peso) e atomicamente ricas em titânio (54,7% Ni - 45,3% Ti em peso). As amostras de Nitinol foram fabricadas no Laboratório Multidisciplinar de Materiais e Estruturas Ativas (LaMMEA), localizado na Universidade Federal de Campina Grande, com composições nominais selecionadas a partir de ligas comerciais na área biomédica. Os elementos usados na composição da liga foram: níquel comercial puro e titânio biomédico ASTM F67-00 (PONCIANO, 2010). 3.2 Preparação das amostras Inicialmente, os elementos puros foram pesados em uma balança de precisão. Sequencialmente, usou-se um forno de fusão a plasma da marca Discovery All da EDG Equipamentos, que utiliza o plasma térmico como meio de transmissão de energia para fundir metais como titânio, níquel, cromo e cobalto. A técnica utilizada é a Skull de fusão, que consiste na fundição do material sobre uma fina camada dele mesmo, evitando, assim, que ele se contamine com o material do cadinho (PONCIANO, 2010). Na técnica Skull de fusão os elementos são colocados em um cadinho de cobre dentro do forno de fusão em ordem decrescente de ponto de fusão (Ti ≈ 1700°C e Ni ≈ 1400°C). Um eletrodo rotativo de tungstênio origina uma tocha de plasma em atmosfera de argônio que provoca a fusão dos elementos puros e forma o botão da LMF. Estando o metal completamente fundido, realiza-se automaticamente a injeção em uma coquilha cilíndrica de alumínio (PONCIANO, 2010; CATÃO, 2010). 3.3 Tratamentos térmicos O produto obtido com o novo molde foi submetido à homogeneização a 850°C por 2 horas no vácuo (essa temperatura foi escolhida baseada no estudo do diagrama de fases da liga NiTi), com o intuito de se garantir a uniformidade de estrutura em todos os pontos da barra cilíndrica. Em seguida, as barras foram submetidas a uma têmpera em água a temperatura ambiente, com a intenção de originar as transformações de fase responsáveis pelo efeito memória de forma através do alívio das tensões internas da liga. Após essa etapa, foi realizada a secção da barra em uma cortadeira metalográfica de precisão da marca BUEHLER, modelo Isomet, obtendo-se, então, discos com 1mm de espessura e 5mm de diâmetro. Esse equipamento possui um sistema no qual o material a ser cortado foi constantemente lubrificado com um fluido de corte com o objetivo de diminuir o atrito entre o disco de corte e a amostra, reduzindo o grau de deformação na última. Foram confeccionadas 12 amostras, sendo 4 de cada grupo (grupo de amostras equiatômicas, ricas em níquel e ricas em titânio), sendo distribuídas equitativamente entre os grupos de tratamento térmico 1 e 2. Um segundo tratamento térmico foi realizado. A finalidade dos tratamentos térmicos é a melhoria das propriedades da liga, resultando, portanto, em maior biocompatibilidade. As amostras foram divididas em dois grupos segundo os tratamentos térmicos: grupo 1 (2 amostras da liga NiTi rica em titânio, 2 da rica em níquel e 2 da equiatômica) submetidas a 1000°C por 12 horas; e grupo 2 (mesma distribuição das composições) submetidas à mesma temperatura por 24 horas em um forno elétrico da marca Sppencer. Após o período de tratamento as amostras foram colocadas em estufa bacteriológica da marca Nova Ética pelo dobro do tempo a que foram aquecidas, a uma temperatura de 100°C. Depois as amostras foram removidas da pedra com uma espátula (Figura 4), preservando a camada superficial onde continha os produtos de corrosão, sendo separadas segundo a composição e tratamento térmico. Posteriormente, elas foram submetidas aos testes de caracterização. As amostras passaram por diferentes tratamentos térmicos para que se pudesse observar qual deles ofereciam às ligas propriedades mais desejáveis para a aplicação como biomateriais. Figura 4: Aspecto das amostras após tratamento térmico, possuindo uma crosta de óxido de titânio em sua superfície. 3.4 Análise das amostras As amostras foram caracterizadas e analisadas através de três testes distintos: Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), Espectroscopia de Raio-X por Dispersão de Energia (EDX) e Tensão Superficial. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) Foi usada nesta pesquisa um equipamento de bancada modelo TM-1000 da Marca Hitachi, com aumento de até 10000x, profundidade focal de 1mm, resolução de 30nm e energia fixa de 15kV, baixo vácuo e pressão variada (1 a 270 Pa). A técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura permite observar e caracterizar diferentes tipos de materiais, a partir da emissão e interação de feixes de elétrons sobre uma amostra, sendo possível caracterizá-los do ponto de vista de sua morfologia e sua organização ultra-estrutural. Espectroscopia de Raios X por Energia Dispersiva (EDX) Através desta técnica pode-se fazer uma micro análise não-destrutiva e semiquantitativa podendo determinar quantidades de até 1-2% dos elementos presentes na amostra através da emissão do seu espectro de Raios X. Nesta pesquisa, foi usado um aparelho de EDX acoplado ao MEV, com as mesmas especificações. Tensão Superficial (Capacidade de Molhamento) A capacidade de molhamento é uma medida da afinidade de um líquido por um sólido indicada pelo espalhamento de uma gota. A capacidade de molhamento de um sólido por um líquido é importante na Odontologia, porque a partir dos dados obtidos pode-se observar se uma prótese é molhada pela saliva, se o esmalte dentário é molhado por selantes de fóssulas e fissuras, se um implante dentário é molhado pelos fluidos corporais. A forma da gota é identificada pelo ângulo de contato, pelo ângulo através da gota confinada pela superfície sólida e por uma linha através da periferia da gota e tangente à superfície do líquido. Se o ângulo de contato for baixo, o sólido é prontamente umedecido pelo líquido (hidrófilo, se o líquido for água). Se o ângulo de contato for maior do que 90º, ocorre um pobre molhamento (hidrófobo, se o líquido for água) (CRAIG et al., 2002). O grau de molhamento depende da energia de superfície relativa dos sólidos e dos líquidos e de sua atração intermolecular. Sólidos com alta energia e líquidos com baixa energia favorecem o bom molhamento; portanto, líquidos geralmente molham bem os sólidos com alta energia. Por outro lado, os líquidos formam gotas em sólidos com baixa energia. Analisando por outra perspectiva, para que um líquido molhe um sólido, eles necessitam de tensões superficiais similares, sendo elas baixas ou altas. O elevado ângulo de contato da água sobre estes sólidos pode ser diminuído com a adição de um agente umectante na água ou tratamentos superficiais nos sólidos, diminuindo a tensão superficial ou a energia de superfície (CRAIG et al., 2002). Para o teste de tensão superficial utilizamos o programa Angle Calculator 1.0 e um equipamento próprio para esse tipo de teste, localizado no departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Campina Grande. Para um ângulo mais aproximado do real, cada experimento foi medido cinco vezes para, então, se fazer a média aritmética, que foi adotada como sendo o ângulo entre a amostra e a gota de água. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Após o tratamento térmico, observou-se que as amostras apresentavam uma crosta formada, majoritariamente, por óxido de titânio que era facilmente removida. Essas crostas também foram analisadas, para saber se, em caso de oxidação no meio bucal, o biomaterial libera mais titânio ou níquel, importante informação para determinar o teor de toxicidade da liga. 4.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) Na Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) buscou-se observar a morfologia das variadas composições de acordo com os tratamentos térmicos. Nas amostras equiatômicas submetidas aos dois tipos tratamentos térmicos não há alterações significativas na morfologia do substrato. Contudo, na crosta que as recobre foi observado um evidente crescimento de tamanho dos grãos do óxido, mantendo a uniformidade geométrica. Comparativamente, a superfície do substrato apresenta maior porosidade que a crosta nos dois tipos de tratamentos térmicos. Na condição da liga rica em níquel, observam-se os mesmos fenômenos da liga equiatômica, embora a porosidade superficial seja menor que nas ligas equiatômicas. Na liga rica em titânio, no tratamento térmico 1 (12 horas de forno), observa-se uma estrutura granular mais fina e compacta em relação às demais composições para um mesmo tratamento térmico. Igualmente nesta composição, evidencia-se nas duas situações de tratamento térmico, uma microporosidade característica. Na perspectiva da homogeneidade morfológica e da porosidade, nas condições pesquisadas, a liga rica em titânio com tratamento térmico de 24 horas no forno sugere uma adequação para uso clínico e odontológico Figura 7: Aspecto da Liga NiTi rica em titânio após 24 horas no forno. 4.2 Figura 8: Aspecto da crosta que recobre a Liga NiTi rica em titânio após 24 horas no forno. Espectroscopia por Energia Dispersiva de Raios X (EDX) As figuras abaixo mostram os espectros das amostras e das crostas que as recobrem, todas realizadas em aumento de 2000x. Figura 9: Em sequência, espectros do EDX das LMF após o tratamento térmico de 12 horas, nas composições equiatômica, rica em níquel e rica em titânio. Figura 10: Em sequência, espectros do EDX da crosta que recobre as LMF após tratamento térmico de 12 horas, nas composições equiatômica, rica em níquel e rica em titânio. Figura 11: Em sequência, espectros do EDX das LMF após tratamento térmico de 24 horas, nas composições equiatômica, rica em níquel e rica em titânio. Figura 12: Em sequência, espectros do EDX da crosta que recobre as LMF após tratamento térmico de 24 horas, nas composições equiatômica, rica em níquel e rica em titânio. Pode-se perceber, através dos espectros da figura 9, que não houve variações características entre as três composições tratadas termicamente por 12 horas em forno, indicando a presença de concentrações específicas dos elementos químicos. Nos espectros da figura 10, após análise dos dados obtidos, verificou-se que os valores em peso de níquel variaram conforme a composição da liga. A crosta que recobre a liga equiatômica possui 6,3% em peso de níquel, a crosta que recobre a liga rica em titânio possui 5,0% e a crosta que recobre a liga rica em níquel possui índices tão baixos que não puderam ser detectados pelo ensaio. Na figura 11, verificou-se que os índices de níquel variaram muito entre as composições. Na liga equiatômica, após 24 horas no forno e 48 horas na estufa, apresentou 18,7% em peso de níquel; a liga rica em níquel apresentou valores mais relevantes (54,4% em peso); já a liga rica me titânio apresentou 8,8% em peso de níquel. De acordo com os espectros expostos na figura 12, a crosta que recobre a liga equiatômica de tratamento térmico 2 (24 horas em forno e 48 horas em estufa) apresentou índices de 3,3% em peso de níquel em sua composição. Já as crostas das ligas rica em níquel e rica em titânio, respectivamente, apresentaram 1,8% e 1,5% em peso, respectivamente. Pode-se destacar que para o tratamento térmico 2, observou-se no substrato a presença crescente de níquel nas ligas da seguinte sequência: rica em titânio, equiatômica e rica em níquel. Após análise detalhada das composições das LMF e da crosta que se forma sobre as amostras, verifica-se que a liga que apresenta melhores características de biocompatibilidade é aquela que libera em meio bucal, quando alvo de oxidação, menores índices de níquel, visto ser o metal que mais causa hipersensibilidade em seres humanos (cerca de 13% da população é alérgica ao níquel). Visto isso, constatou-se que as crostas que recobriam as amostras submetidas ao tratamento térmico de 24 horas no forno apresentavam menores índices de níquel em sua composição ao final do processo. Essa crosta que se forma na superfície da amostra é formada basicamente por óxido de titânio (TiO2), sendo considerada produto da corrosão. Speck (1980) afirma que a camada de produtos da corrosão que se forma na superfície não apresenta níquel em sua composição. Entretanto, quando da realização dos testes e análise dos resultados obtidos, percebemos que sempre há níquel na crosta que recobre as amostras, o que varia é sua porcentagem em peso. Comparando-se o presente estudo ao de Ponciano (2010), verifica-se que porcentagens em peso de níquel nas composições da liga NiTi que foram submetidas ao tratamento térmico 1 (12 horas no forno e 24 horas na estufa) permaneceram similares aos dados da autora citada. Não foram observadas variações características entre as três composições de ambos os estudos. Todavia, quando os dados de Ponciano (2010) foram comparados às amostras que foram submetidas ao tratamento térmico 2 (24 horas no forno e 48 horas na estufa) do presente estudo, observou-se que as porcentagens em peso de níquel nas ligas de NiTi variou conforme a composição, sendo muito maior ( 54,4% em peso) na liga NiTi rica em Ni. Em todas as análises de EDX para as ligas pesquisadas, seja no substrato ou na crosta, evidenciou-se a presença majoritária do titânio, confirmando ser esse metal mais oxidável que o níquel. 4.3 Tensão Superficial O teste de tensão superficial foi realizado utilizando-se o programa Angle Calculator 1.0 e um equipamento próprio para teste de tensão superficial. Analisando-se o ângulo formado entre a gota de água e a amostra da liga de Nitinol, em todas as composições, podese perceber em qual das composições adotadas nesse trabalho ocorre maior hidrofilia. Ter conhecimento dessa informação é necessário para se perceber em quais porcentagens de níquel e titânio os fluidos corporais melhor interagem com o biomaterial. A liga equiatômica submetida ao tratamento térmico 1 é a que apresenta maior ângulo de contato (106,6°), ou seja, é a menos hidrofílica. O contrário pode ser percebido na liga rica em titânio submetida ao tratamento térmico 2, onde é observado o menor ângulo (90°), sendo, portanto, a mais hidrofílica (tabela 1). Equiatômica (t.t. 1) 106,6° Rica em níquel (t.t 1) 91,7° Rica em titânio (t.t. 1) 98,57° Equiatômica (t.t. 2) 101,15° Rica em níquel (t.t. 2) 93,9° Rica em titânio (t.t. 2) 90° Tabela 1: Classificação das Liga de NiTi e suas respectivas angulações no teste de tensão superficial, onde t.t. = tratamento térmico. 5. CONCLUSÕES Diante de todos os testes realizados nas amostras da liga Nitinol das três composições, pode-se chegar às seguintes conclusões: O tratamento térmico provocou alterações morfológicas tanto na crosta como no substrato; Em virtude de o níquel ser um material de alto potencial de toxicidade ao organismo, de o conceito de porosidade ter um aspecto relevante no desempenho clínico do material e de a tensão superficial indicar o grau de interação (hidrofilia) do biomaterial com o meio biológico, concluiu-se que das três composições e dos tratamentos térmicos realizados, o material que possui características mais adequadas para aplicação como biomaterial é a liga NiTi rica em titânio submetida ao tratamento térmico 2 (24 horas de forno e 48 horas de estufa). Mediante as referidas análises, verifica-se que os tratamentos térmicos melhoram as qualidades das ligas, fazendo com que estas sejam mais biocompatíveis e apropriadas para uso como biomaterial. REFERÊNCIAS ANUSAVICE, K. J. 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