agosto2011 Jornal Unesp Ciências humanas Arquiteto em diálogo com a tradição Tese revela como Luiz Saia aproximou propostas modernistas e modelos seculares de construção Pensador, crítico e historiógrafo da arquitetura brasileira, o paulista Luiz Saia (1911-1975) é também autor de projetos arquitetônicos significativos. Sob a influência do escritor Mário de Andrade, concebeu uma visão construtiva de perfil popular, diferente da corrente hegemônica relacionada a Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Seu legado é o assunto da pesquisa de doutorado de Paulo Roberto Masseran, professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac), Câmpus de Bauru. Intitulado “Diálogo atrevido entre a pedra e o tijolo, ou popular e nacional na arquitetura brasileira, por Luiz Saia e Mário de Andrade”, o estudo de Masseran recria o percurso da produção arquitetônica no país a partir do século XIX, quando a industrializa- ção passou a influenciar as diversas formas artísticas. A análise avança na abordagem do modernismo, movimento com propostas renovadoras para a cultura em geral, do qual Mário foi um dos grandes expoentes. Masseran assinala que o jovem Saia passou a frequentar o círculo do escritor, e, desse convívio, surgiu uma ideia de arquitetura nacional fundamentada nas tradições populares. Em 1935, Mário tornou-se Diretor do Departamento de Recreação e Cultura, da Prefeitura de São Paulo, e, em 1938, passou a trabalhar também no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), contratando o arquiteto como seu assessor. Mário encarregou Saia de chefiar a Missão de Pesquisas Folclóricas, um dos projetos do Departamento de Cultura, para documentar os cantos e danças tradicionais das Regiões Norte e Nordeste. Durante a Missão, Saia também observou os traços urbanos e as técnicas de construção. “A influência de Mário de Andrade na vida de Luiz Saia marcaria sua trajetória profissional”, lembra o docente da Faac. Divergências – A Casa do Bandeirante, na cidade de São Paulo, construída em taipa-de-pilão, no século XVIII, é um dos exemplos de arquitetura popular destacados por Saia, conta Masseran. Durante três séculos, o uso da taipa foi predominante na construção típica paulista. Esse jeito simples e austero de conceber uma obra, marcada por traços reFotos Reprodução Acima, a Residência do Morumbi e, ao lado, as casas de veraneio “Cosme e Damião”: projetos que fazem referência às linhas da Casa do Bandeirante (abaixo) tos, influenciou os arquitetos ligados a Mário. Além do concreto armado, eles utilizavam tijolo de barro e madeira, sem revestimento e pinturas. Ainda de acordo com Masseran, dois projetos de Saia representam esse pensamento: a Residência do Morumbi, na capital paulista, e a dupla de casas de veraneio denominadas “Cosme e Damião”, erguidas em 1950 em Itanhaém, litoral Sul do Estado. A concepção arquitetônica de Saia e outros colegas diverge da corrente liderada pelos cariocas Lúcio Costa e Niemeyer, marcada por traços arredondados, em sintonia com a paisagem e fundamentada na tradição barroca colonial. Para Masseran, Brasília é o grande modelo dessa tendência, com construções em concreto armado, revestido e pintado de branco, com forte influência do arquiteto francês Le Corbusier. “Embora no início do Modernismo cariocas e paulistas partilhassem ideias comuns, aos poucos eles foram se distanciando”, esclarece. O início desse afastamento foi a construção do Ministério da Educação e Saúde Pública, de 1936 a 1945, no Rio de Janeiro, com projeto de uma equipe integrada por Costa, Niemeyer e outros nomes, além de consultoria de Le Corbusier. Construção da história – Orientadora da pesquisa, Tania Regina de Luca, professora da Faculdade de Ciências e Letras (FCL), Câmpus de Assis, destaca que Masseran decidiu escolher um programa de pósgraduação em História para abordar a área de arquitetura. “Esse fato permitiu que o pesquisador discutisse uma visão consagrada da história arquitetônica, mostrando como se deu sua construção”, diz. Para o pesquisador, apesar da produção de nomes como Saia, não é possível afirmar a existência de uma “Escola Paulista”. Ele considera difícil conceber a história da arquitetura nacional como um conjunto coerente, já que o Brasil congrega múltiplas culturas. “A tentativa de esclarecê-la realça as concepções individuais que se destacam na cena urbana brasileira, como mostrei na minha pesquisa”, finaliza. Genira Chagas