inclusão CONDUZINDO CIDADANIA, TRANSPORTANDO OPORTUNIDADES Criado em 2011, Programa Pernambuco Conduz alia gestão e tecnologia para oferecer acessibilidade e qualidade de vida aos que precisam de ajuda para se locomover Fotos: Isabel França POR ISABEL FRANÇA 32 GPPE #5_F.indd 32 29/04/14 22:57 ANA E EDUARDO, uma história de amor e dedicação em família 33 GPPE #5_F.indd 33 29/04/14 22:57 E duardo Henrique Oliveira Santos entrou na vida do casal Ana Carla e Paulo Eduardo como um presente especial. A baixa taxa de fertilidade de Ana, em virtude do aparecimento de múltiplos miomas no sistema reprodutor, a fez acreditar que nunca conseguiria gerar filhos. Porém, em outubro de 2008, Ana sente sintomas típicos de gravidez e descobre que, de fato, estava esperando um bebê. “Não imaginava que era gestação porque não podia engravidar”, conta. nascimento, Eduardinho, como é carinhosamente chamado pela família e amigos, é submetido à cirurgia para correção da espinha dorsal afetada pela doença congênita. Após sete dias do primeiro procedimento cirúrgico, outro diagnóstico, associado à mielomeningocele, é revelado pelos médicos: hidrocefalia. Uma nova cirurgia é feita para colocação de válvula com o objetivo de drenar o acúmulo de líquido no cérebro. Vencida essa difícil fase, depois de um mês da segunda cirurgia, Ana per- Um dos critérios para ter acesso ao serviço é renda per capita mensal inferior a um salário mínimo No sexto mês de gestação, durante uma ultrassonografia de rotina, Ana e Paulo recebem o diagnóstico que o filho, Eduardo Henrique, possuía uma doença congênita chamada mielomeningocele, um distúrbio neural em que os ossos da coluna não se formam completamente durante a gestação, resultando em um canal da espinha dorsal incompleto, comprometendo os movimentos dos membros inferiores. No dia 5 de junho de 2009 Eduardo nasce. Os médicos confirmam o diagnóstico e, sete horas após o cebe que o recém-nascido sente dores e logo é descoberta a existência de uma hérnia, e uma nova cirurgia é marcada. Nesse procedimento, Eduardinho fica 23 dias no hospital, sendo 15 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), devido a uma broncoaspiração durante a cirurgia, que Ana, até hoje, atribui a ocorrência do problema a um erro médico. Após a recuperação de Eduardinho, enfim, é iniciado o tratamento com fisioterapia. Nesse período, Ana é demitida do antigo emprego (trabalhava como professora infantil) e passa a se dedicar integralmente ao filho, enquanto Paulo trabalha como mecânico de automóveis. São dois anos enfrentando inúmeras dificuldades para garantir o tratamento de Eduardinho, entre eles, acessibilidade ao transporte público adaptado. “Tinha vezes que perdia um, dois, três ônibus por que estavam muito cheios ou não tinham elevador adaptado para cadeirante, aí eu tinha que pegar um táxi, senão perdia a terapia na AACD”, lamenta Ana, que chora em alguns momentos da entrevista ao relembrar as dificuldades enfrentadas por ela e Eduardinho. Em 2011, uma oportunidade surgiu em meio a tantas adversidades. A mãe do pequeno Eduardo assiste na televisão a uma reportagem sobre o Programa Pernambuco Conduz, que realiza atendimento porta a porta, a fim de tornar acessível o tratamento integral de pessoas cadeirantes com deficiência severa de locomoção. “Quando eu vi na televisão que existia um programa que levava os meninos para fazer tratamento de saúde, corri para o telefone e liguei para saber como participar. Foi tudo muito rápido, organizei os documentos necessários e consegui uma vaga”, relata Ana. O programa é coordenado pela Superintendência Estadual de apoio à Pessoa com Deficiência (SEAD), órgão da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos 34 GPPE #5_F.indd 34 29/04/14 22:57 de Pernambuco, e é regulamentado pela Lei Estadual N° 15.106/2013. Pensando em um modelo que garantisse a operacionalização e gestão do transporte porta a porta com acesso integral, contínuo e com monitoramento em tempo real, as diretrizes do programa foram criadas com o envolvimento dos entes público e privado. “Com base nas pesquisas que fizemos, conhecendo experiências semelhantes ao programa e realizando visitas em loco, ajudamos o Governo no desenho dos processos, apoiamos na estruturação de uma regulamentação legal, participamos das discussões junto às secretarias estaduais e Corpo de Bombeiros para consolidar um modelo viável no Estado”, afirma o gerente de projetos da empresa de tecnologia Urja Social, responsável pela área operacional do Pernambuco Conduz, Rafael Bitu. Os critérios de participação no programa inserem pessoas usuárias de cadeira de rodas, que não apresentem condições de locomoção de forma autônoma, que sejam inscritas no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) e tenham renda familiar per capita mensal inferior a um salário mínimo. No início da operacionalização do programa, em 2011, o PE Conduz era composto por 15 veículos adaptados e atendia uma demanda de 120 pessoas em sete municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR), entre elas Eduardinho. Em 2013, a demanda pelo serviço cresceu, exigindo uma ampliação da estrutura física e do alcance territorial no Estado. Atualmente o PE Conduz conta com 45 veículos adaptados e 316 usuários localizados nos 14 muni- cípios da RMR, além dos polos de Caruaru, localizado a 130 quilômetros do Recife, e Petrolina, a 703 quilômetros da capital. Até o final do primeiro semestre de 2014, a expectativa da Secretaria de Desenvolvimento Social de Direitos Humanos é descentralizar ainda mais o atendimento em todo o Estado, chegando aos municípios de Garanhuns, Carpina, Vitória de Santo Antão e Arcoverde. Além do atendimento domiciliar, a transversalidade também é um Cada usuário é responsável em garantir seu tratamento em mais de 30 unidades de saúde credenciadas pela SEAD, entre clínicas e unidades de referência, a exemplo do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP), Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Clínica de Reabilitação e Valorização da Criança (CERVAC), entre outros. “O tratamento da saúde é condicionante, mas o foco do programa é garantir acessibilidade, que é importantíssimo para tornar a vida PAULO MORAES: ”A gente consegue dar ao paciente a condição de melhorar a qualidade de vida” Secretário Executivo de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco diferencial na gestão do programa. Cada ator governamental tem competências definidas. A Superintendência Estadual de Apoio à Pessoa com Deficiência (SEAD) é responsável pela gestão do serviço, bem como pelo cadastramento, aprovação dos usuários, agendamento e expedição da carteira de identificação do programa. As rotas das viagens são elaboradas pelo Grande Recife Consórcio Metropolitano de Transportes (GRCMT) e os laudos médicos são emitidos e validados pela Secretaria Estadual de Saúde. delas como a vida de qualquer outra pessoa. A gente consegue dar a eles uma condição de melhorar a qualidade de vida, e está aí a grande riqueza do programa”, afirma o secretário executivo de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Paulo Moraes. O caso de Eduardinho, e de tantos outros usuários do Pernambuco Conduz, é prova dessa qualidade de vida. Após a conclusão do tratamento para desenvolver a coordenação motora, atualmente, Eduardinho aguarda a confirmação de um novo 35 GPPE #5_F.indd 35 29/04/14 22:57 ciclo clínico para dar continuidade ao processo de atendimento do Pernambuco Conduz, que já dura três anos. “Sou privilegiada de ser uma das primeiras a entrar no projeto”, afirma de maneira emocionada a mãe de Eduardinho. A maioria dos usuários do programa apresenta, além da limitação motora, outros tipos de comprometimento de saúde, sendo o cognitivo o caso mais freqüente. A migração da natureza do programa da área de assistência para direitos humanos também foi um marco na garantia dos direitos das pessoas com deficiência. “A gente vai se dedicar a um programa que é totalmente inovador do ponto de vista do direito da pessoa com deficiência e a complexidade dele se comprova na perspectiva que ele parece saúde, parece transportes, parece segurança, mas é direitos humanos”, explica Moraes. No Brasil, essa migração iniciou após assinatura de tratado da ONU sobre pessoas com deficiência, realizada em 2011. Tratada como uma política de Estado, Pernambuco é o único no Brasil a contar com o serviço que integra vários municípios e tem o usuário como foco. Outras experiências de atendimento semelhantes ao Pernambuco Conduz podem ser encontradas em alguns municípios de maneira isolada, a exemplo de São Paulo (SP), com o Programa Atende, e Campinas (SP), com o PAI-Serviço. Ligada à Secretaria Municipal de Transportes, o programa paulista também é gratuito e funciona como complemento do transporte público de passageiro, realizando o transporte dos usuários para tratamento de saúde e outras atividades pessoais. Com uma frota de 360 vans, o Programa Atende beneficia mais de quatro mil pessoas que possuem algum tipo de debilidade motora severa. O serviço foi criado pelo decreto nº 36.071 de 09 de maio de 1996. Outra experiência similar está na cidade de Campinas, São Paulo. O Programa de Acessibilidade Inclusiva (PAI) também é um serviço gratuito de transporte porta a porta e porta a ponto de ônibus que opera, desde o final de 2011, com 30 vans e dois ônibus adaptados para atender as pessoas com mobilidade reduzida. A operacionalização do programa, assim como o Atende, é ligada ao Sistema de Transporte Público Municipal. “O grande diferencial do programa de Pernambuco, em relação a outras experiências de transporte público porta a porta, é que nos outros Estados o foco é no serviço de transporte e no Pernambuco Conduz o foco é no paciente, em garantir o tratamento contínuo e integral do usuário” explica o sócio-diretor da Urja Social, Marco Aurélio. MONITORAMENTO Para que o programa Pernambuco Conduz funcione de maneira ininterrupta, existe uma gestão por trás. O acompanhamento vai desde a saída dos veículos das garagens, a checagem dos equipamentos de segurança, limpeza dos veículos, passando pelo acompanhamento da frequência dos pacientes nas seções, da chegada pontual dos veículos na residência, no monitoramento das rotas, até o retorno dos pacientes às suas residências. Cada motorista conta com um telefone móvel para comunicação exclusiva com a central de controle, além de painel eletrônico com as rotas do dia e um leitor de cartão inteligente para registro da frequência do usuário feita no momento do embarque dele no veículo. Na central, o painel de controle registra na tela os detalhes do usuário, como foto, nome completo do usuário e responsável, além do nome da unidade de saúde conveniada, rotas a serem percorridas e horários de busca e retorno do usuário à residência. A comunicação online permite que eventuais atrasos dos veículos sejam comunicados aos usuários, assim como os cancelamentos realizados pelos usuários sejam informados em tempo real aos motoristas, através do painel eletrônico, possibilitando um ajuste de rota, otimizando, dessa forma, o atendimento. Para fazer essa comunicação funcionar, 210 pessoas, entre motoristas e apoios, atendimento, administrativo e profissionais da área de tecnologia, estão envolvidos diariamente no processo nos três polos ativos do programa (RMR, Caruaru e Petrolina). “O monitoramento é essencial no projeto PE Conduz. É o acompanhamento dos processos que permite que ele seja realizado de maneira plena do começo ao fim, desde a limpeza dos veículos até a devolução dos carros na posição correta para o próximo motorista utilizar sem problemas. O monitoramento é a garantia dos resultados”, explica Marco Aurélio. O resultado desse trabalho é confirmado pelos usuários: “É tudo muito bom no Conduz, a atenção, a dinâmica utilizada, a paciência quando a gente liga, o atendimento sempre foi de primeira qualidade. Eu não tenho uma queixa do programa”, afirma Ana, mãe de Eduardinho. 36 GPPE #5_F.indd 36 29/04/14 22:57 Rota de lazer garante diversão e inclusão nos fins de semana C om a ampliação do programa, em 2013, o Pernambuco Conduz também contou com a oferta de serviços nos fins de semana, a fim de garantir, além do tratamento de saúde dos usuários, a oportunidade de levar lazer aos pacientes e familiares. Pensando nisso, semanalmente, são criadas rotas para praias, parques, e outros equipamentos públicos. Essa dinâmica faz com que o programa também envolva a família no processo de reabilitação, fortalecendo o elo entre paciente e tutor. “Além de dar conforto, acessibilidade e segurança nos dias de tratamento, a gente também leva para rotas de lazer nos fins de semana, que engloba a família e faz com que ela também ganhe um momen- to para respirar, por conta do acompanhamento exclusivo daquele familiar”, explica o secretário executivo de Justiça e Direitos Humanos, Paulo Moraes. A demanda veio como uma sugestão da SEAD que, todas as segundas-feiras, oferta aos usuários um cardápio de opções de lazer aos sábados e domingos, a exemplo de parques, praias - esta em parceria com a Prefeitura do Recife, no projeto Praia Acessível -, zoológico, além de roteiros em períodos específicos como o camarote acessível no Carnaval do Recife, espetáculos da Paixão de Cristo, jogos da Copa das Confederações, entre outros locais. “Trabalhamos as rotas conforme a demanda e utilizamos, pelo menos, metade da frota para o transporte de lazer todos os fins de semana”, afirma Rafael Bitu. Freqüentadora assídua das rotas de lazer do Pernambuco Conduz, Romilda Gomes da Silva, 61, conta que passou três anos sem sair de casa, devido ao estado de saúde agravado pelo diabetes que, em 2010, fez com a aposentada perdesse uma das pernas. “Eu trabalhava, tinha uma vida ativa, mas depois que adoeci e amputei a perna, nunca mais saí de casa”, conta emendando com a lista de lugares que já visitou após o apoio do Pernambuco Conduz. “Já fui para a praia de Boa Viagem, para o Recife Antigo, já assisti às palestras que o Conduz fez. O programa é nota dez”, elogia. Além dos passeios nos fins de semana, Romilda também recebe apoio duas vezes durante a semana para levá-la às sessões de fisioterapia. RAIO X DO PROGRAMA • 45 veículos adaptados com capacidade para transportar até três usuários, acompanhados, cada um, de uma pessoa maior de 18 anos; • 1.100 viagens semanais, em média; • 316 usuários atendidos no Estado; • 55,3% dos usuários atendidos pelo Pernambuco Conduz pertencem a faixa etária de 0 a 14 anos; • 14 municípios atendidos na Região Metropolitana do Recife (Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Igarassu, Itamaracá, Ipojuca, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife, São Lourenço da Mata), além de Caruaru, no Agreste, e Petrolina, no Sertão. Fonte: Urja Social Conheça mais Pai Serviço - http://www.emdec.com.br/eficiente/sites/portalemdec/pt-br/site.php?secao=paiservico Programa Atende - http://www.sptrans.com.br/passageiros_especiais/atende.aspx PE Conduz - http://www.peconduz.pe.gov.br/ 37 GPPE #5_F.indd 37 29/04/14 22:57