Comissão de Orçamento e Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) 27 de abril de 2016 Intervenção inicial do Governador Carlos da Silva Costa1 Senhora Presidente da COFMA, Senhoras e Senhores Deputados, 0 Banco de Portugal foi convidado, no passado dia 25 de março, a apresentar os seus comentários aos Projetos de Lei: N.º 52/XIII/1ª – PCP: Proíbe os bancos de alterarem unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais; N.º 90/XIII/1.ª – BE: Institui a obrigatoriedade de as instituições bancárias refletirem totalmente a descida da Euribor nos contratos de crédito à habitação e ao consumo; N.º 83/XIII/1.ª – BE: Assegura a gratuitidade da conta base; N.º 92/XIII/1ª – PCP: Determina a obrigatoriedade de as instituições de crédito disponibilizarem uma conta de depósito à ordem padronizada, designada de “conta base”, e proíbe a cobrança de comissões, despesas ou outros encargos pelos serviços prestados no âmbito dessa conta. Dando seguimento à audição de 29 de março, na qual estiveram presentes os diretores dos Departamentos de Supervisão Prudencial e Comportamental, o Banco de Portugal explicitou por escrito a sua posição, em carta dirigida ao Senhor Ministro das Finanças no passado dia 5 de abril e também transmitida à COFMA. Adicionalmente, em resposta ao pedido efetuado em 12 de abril por esta Comissão, o Banco de Portugal remeteu ontem informação relativa aos eventuais efeitos sobre o sistema financeiro decorrentes das alterações legislativas em discussão, em particular das relacionadas com a utilização de taxas de juro negativas. A minha intervenção inicial será curta, uma vez que a posição do Banco de Portugal nesta matéria é já conhecida. 1 Preparado para apresentação. www.bportugal.pt 1 O mercado do crédito português, assente predominantemente em contratos de taxa variável, foi colocado perante uma situação nova a partir do momento em que as taxas Euribor passaram a ser consistentemente negativas. As taxas de juro a 3 meses tornaram-se negativas a partir de abril de 2015. As taxas a 6 meses – principal indexante – tornaram-se negativas a partir de novembro de 2015, enquanto taxas a 12 meses negativas apenas se verificaram a partir de fevereiro deste ano. Esta situação veio ameaçar a sustentabilidade da função de intermediação financeira e pôr em causa o caráter de onerosidade do mútuo mercantil, conforme disposto no artigo 395.º do Código Comercial. O impacto do nível das taxas de juro na margem financeira dos bancos é um assunto complexo, que está a ser objeto de estudo em várias instituições internacionais e no Banco de Portugal. Apesar da complexidade do tema, um aspeto que parece indiscutível é o de que a descida das taxas de juro de mercado prejudica mais as margens financeiras dos bancos que, como os portugueses: Apresentam um maior peso dos créditos com taxa indexada no total dos créditos a particulares (superior a 90 por cento no caso português); Apresentam uma maior importância dos depósitos na estrutura de financiamento (o rácio entre crédito e depósitos situa-se em cerca de 102 por cento, significativamente inferior aos 158 por cento registados em 2010). É importante notar que as taxas dos depósitos têm mais resistência à descida do que as taxas de juro do crédito. Por um lado, a atualização das taxas dos depósitos apenas é efetuada no período do seu vencimento. Por outro, a descida das taxas de juro dos depósitos está limitada pela proximidade do designado zero lower bound. De facto, a legislação portuguesa não contempla a aplicação de taxas de juro negativas aos depósitos bancários, pelo que há uma assimetria entre a formação de taxas ativas e passivas que põe em causa a sustentabilidade da função de intermediação financeira. Acresce que a alteração da limitação legal das taxas dos depósitos não seria recomendável, dados os presentes níveis de poupança das famílias e a necessidade de garantir o financiamento da economia através da intermediação bancária da poupança. A descida dos indexantes para valores negativos fez também emergir um aparente conflito normativo. Na ausência de alterações legislativas, as taxas de juro são enquadradas por dois princípios normativos. Por um lado, o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 240/2006 e nos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 171/2007 implica a necessidade de cumprimento das condições estabelecidas para a determinação da taxa de juro nos contratos de crédito e de financiamento, nomeadamente no que se refere à utilização dos indexantes acordados. www.bportugal.pt 2 Por outro lado, a eventual prática de juros negativos coloca em causa o já referido princípio da onerosidade do mútuo mercantil. No atual contexto, cabe ao legislador ponderar os diferentes interesses em presença e clarificar as dúvidas que têm sido suscitadas, em particular quanto à admissibilidade de remuneração negativa dos contratos de crédito, tendo presente que soluções mais fáceis de implementar no curto prazo podem, por vezes, gerar custos irreversíveis a médio e longo prazos. Procurando uma solução que promova o equilíbrio entre a sustentabilidade da função de intermediação financeira e o quadro legal existente, o Banco de Portugal sugeriu ao Senhor Ministro das Finanças, na carta do dia 5 de abril, que fosse ponderada a consagração de disposição legal que distinguisse entre contratos existentes e novos contratos. Assim: (a) Para os contratos de crédito e de financiamento em curso, deveria estabelecer-se a obrigação de as instituições de crédito aplicarem uma taxa de juro igual a zero sempre que da soma do indexante à margem ou spread contratualmente fixado resulte uma taxa de juro negativa; (b) Relativamente aos contratos de crédito e de financiamento a celebrar no futuro, deve continuar a privilegiar-se a liberdade contratual, valendo a pena equacionar a possibilidade de legislação que exija a utilização de um valor de indexante igual a zero nos casos em que esse indexante assuma valores negativos (assegurando-se, assim, que a taxa de juro destas operações será, pelo menos, igual ao spread). Ainda em relação aos contratos de crédito a celebrar no futuro, poderia também equacionar-se a possibilidade de construção de um indexante alternativo, representativo da remuneração média dos depósitos no sistema bancário português. De facto, no contexto atual, a Euribor não é um bom indicador do custo do financiamento dos bancos portugueses, uma vez que, como referido, esse financiamento assenta predominantemente na captação de depósitos. Termino reiterando toda a disponibilidade do Banco de Portugal em colaborar na discussão destas ou de outras alterações legislativas que venham a ser decididas e que tenham impacto no sistema financeiro. Muito obrigado. Lisboa, 27 de abril 2016 www.bportugal.pt 3