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S EÇ ÃO 2 | D os s i ê
PERCURSOS DA ALTERIDADE E ÉTICA
WAYS OF ALTERITY AND ETHICS
de Augusto Jobim do Amaral 1 e Gustavo Oliveira de Lima Pereira 2
RESUMO: Não existe questão humana que não seja
uma questão radicalmente ética. Portanto, contar com a
alteridade e tê-la em conta representa o intervalo crítico
que, irredutível à tematização, convoca a diferença como
significação para além de qualquer essência. O trauma
do pensamento logocentrado inspira um instante que
irrompe no dizer ético por excelência, desagregando,
com seu encontro com o outro, as racionalidades bem
pensadas, e investe de responsabilidade qualquer crítica
da realidade.
ABSTRACT: There is no human question which
is not a radically ethical issue. So rely on otherness and
take it into account is the critical range that, irreducible
to thematization, calls the difference as significance
beyond any essence. The trauma to the logocentric
thought inspires an instant that erupts the ethical tell par
excellence, disaggregating, with his encounter with the
other, the well thought-out rationalities which invests
responsibility any criticism of reality.
Keywords: Alterity; Ethics; Difference
Palavras-chave: Alteridade; Ética; Diferença
1
Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciências Criminais da PUCRS; Doutor em Altos Estudos
Contemporâneos (Coimbra-POR) e Doutor em Ciências Criminais (PUCRS). Rua General Rondon 163; (51) 81890329, guto_jobim@hotmail.
com.
2
Doutor em Filosofia (PUCRS); Professor da Faculdade de Direito (FADIR) da PUCRS, (51) 84332139, [email protected].
54
Introdução – da Totalidade
Quando Heráclito concebeu que o ser, a verdade, o sentido, a arché se dá no
entrave, no combate, no choque; estabeleceu as diretrizes daquilo que a história
do Ocidente se atreveu chamar de “conhecimento”. Conhecer é guerra3. Conhecer
é violência. O originário da razão é violento. Conhecer é totalidade, e a totalidade
é sempre violenta. Não obstante, a aporia se instaura porque a totalidade,
para ser total, tem que incluir a tudo – inclusive a si mesma. Assim, nega-se a
diferença que é originária do pensamento. Conclusão: a totalidade acaba negando
o pensamento. A totalidade não pensa. “Um ser só pode ser tomado por uma
totalidade se carece de pensamento. Não que ele se engane ou pense mal ou
loucamente – ele não pensa.” (Levinas, 1997, p. 34). Esta é a tese de Emmanuel
Levinas. A guerra é a experiência pura do ser purificado; desinibido. Desvelado pela
racionalidade. Aprisionado em caixas ontológicas de sentido. Segundo o pensador
lituano: “no es necesario probar por oscuros fragmentos de Heráclito que el ser se
revela como guerra al pensamiento filosófico; que la guerra no sólo lo afecta como
el hecho más patente, sino como La patencia misma – o la verdade – de lo real.”
(Levinas, 1999, p. 47).
Violência: ser ou não ser? O resto é diferença
A violência da razão ontologizante que se dá na guerra ganha dimensões no
plano relacional. Tortura a diferença. Tal racionalidade infere totalidade no ímpeto
pelo conhecer. Conhecer o princípio e a origem significa o verdadeiro pensar4,
que só se importa com o todo e dimensiona um conceito de violência de maior
amplitude, como aqui propomos, não apenas recaído no espectro da violência
física: violência é a negação de uma alteridade em todas as suas complexas, sutis,
simbólicas e pouco perceptíveis manifestações (Souza, 2008, p. 32).
Esse anseio totalizante ganha substancialidade principalmente no primeiro
grande entrave reconhecido na história da filosofia ocidental. Está em Parmênides
o privilégio pelo estático e unitário como determinante na procura pelo ser.
Já Heráclito credita o ser ao movimento, ao devir que se manifesta na guerra.
No entanto, por mais que à primeira vista se possa conceber um antagonismo
intelectual entre os dois pensadores, ambos se preocupam com mesmo problema:
“o que é o ser?”, e comungam da mesma premissa: “o ser é e o não-ser não é”5.
Estas são as diretrizes primordiais de toda a história do Ocidente. O ser é o
que importa ao pensamento. Ou seja, é tudo aquilo que pode ser aprisionável
coerentemente pelo logos, enquanto o não-ser é o resto; o nada – aquilo que
pode ser descartado, reduzido ao rótulo de irreal e desmaterializado do universo
verdadeiro (Souza, 1996, pp. 22 e 136). A vontade da univocidade, a mania da
conceituação absoluta, acompanha o homem desde o início de sua relação com
o saber, sem admitir contrapontos que relativizassem as assertivas da totalidade.
A busca por uma realidade unívoca significaria a troca da angústia e da
incerteza pelo conforto da “verdade”. Platão e Aristóteles começam as tentativas
mais elaboradas de organizar um sistema de racionalidade que explore os
caminhos da resposta sobre a questão ontológica do “ser”, que é, conforme
afirmamos, o único movimento do pensamento que importa para o homem. O
que é ser? Platão procura deduzir o ser por aquilo que chamou de “Ideia”, algo
3
4
5
que assume um patamar de perfeição e com o que o homem, de algum modo,
é capaz de ter contato. Experimentou a impossibilidade de uma solução unívoca
e a necessidade de uma constante aporia. A perplexidade do filósofo é percebida
no diálogo “O sofista” (Platão, 1983), quando este se debruça sobre o problema
metafísico fundamental do ser e do não-ser, do uno e do múltiplo, do universal
e do singular, sem chegar a uma resposta. Consagra a dialética como o método
capaz de perseguir a verdade a partir dos contrastes.
Aristóteles complementa as soluções platônicas, afirmando que o mundo das
ideias não seria capaz de absorver o problema e explicar a realidade. O considerado
fundador da metafísica designa a Ontologia como a ciência que investiga o
ser enquanto tal; ciência das causas primeiras, que, para o estagirita, está na
concepção de “substância”. A pesquisa da verdade é identificada com a pesquisa
das causas, as quais abririam o homem para a sabedoria dos entes, pela teoria da
causalidade. Assim, o pensamento do ser se reduz aos entes. Com isso, podemos
dizer que tanto Platão quanto Aristóteles só pensaram o ser no presente. Ou seja,
fora da temporalidade. Husserl e, principalmente, Heidegger instituem o problema
do “ser” na temporalidade.
Os modelos de pensamento que se insurgiram contra esta tentativa de
explicitação da realidade foram tidos como subversivos da suposta incumbência
humana da busca pela verdade unívoca. Obtiveram a repulsa do pensamento
hegemônico e, hoje em dia, tal rechaço ainda é reproduzido e reverenciado por
muitos pensadores contemporâneos que carregam e disseminam esta percepção.
Isto é o que podemos perceber no tratamento dado aos filósofos sofistas, aos
cínicos e aos demais perversores, que surgiram e foram demonizados pela
organicidade cognitiva ao longo da história do pensamento ocidental (cf. Bergson,
2005, p. 263-264).
Contudo, alguma disposição crítica da filosofia contemporânea mantém-se
e é avessa a universalismos, procurando romper com toda e qualquer pretensão
de totalidade, já que o intelectualismo do passado naufragou em mera tautologia
(Souza, 2008, p. 29). A racionalidade ocidental não se apercebe que todo originário
da possibilidade do pensamento se inscreve pela diferença. É ela que possibilita o
pensar. Será mais uma vez SOUZA (2005, p. 189-208) que lucidamente esclarece
que a percepção da racionalidade ocidental é inaugurada com uma pergunta: “O
que é a realidade?” Começa-se, assim, o filosofar. Existe uma dúvida, uma diferença
originária, pois aquele que pensa só é capaz de pensar algo diferente de si. A
questão da realidade – “o que é a realidade?” (X=?) – ganha uma resposta, pois
o aparelho cognitivo não suportava, já em sua origem, o indeterminado, o infinito,
o apeiron. A vontade conceituante dá uma resposta: determina, pelas categorias
lógicas, que realidade é igual a Y (X=Y). Finalmente, a concepção se desdobra,
e compreende-se a realidade a partir da nomenclatura dos objetos: a realidade
coincide com seu nome (X=X). A diferença, assim, é neutralizada, e o pensamento
se torna totalidade. O homem se fecha ao indeterminado, apropria-se da realidade
e retroalimenta a lógica violenta de construção da subjetividade. A diferença se
torna igualdade: “é na igualdade, na equalização do diferente, no processo dinâmico
desta equalização de uma vez para sempre, que repousa a segurança do logos”. Essa
compreensão apropriativa, oriunda da ontologia, deságua e macula as percepções
éticas que estavam por vir. O homem, desde sempre, habita o verbo “ser”. As teorias
morais, desde então, dimensionam sua lógica de operação a partir de elementos
essencializantes, sem considerar o necessário “reiniciar” a que o pensamento
filosófico verdadeiro se presta, sem considerar que toda decisão ética mantém em
“A veracidade do real, de todo o ser e do ser em geral, é a guerra: esse é o dado mais originário, mais evidente. Todos nós começamos na e
pela guerra: eis o que somos obrigados a constatar.” (grifo no original). Cf. Sebbah, 2009, p. 46.
“Num eu (moi) consciente, nada pode entrar fraudulentamente, como de contrabando, sem se expor à confissão, sem se igualar na confissão, sem se
fazer verdade. A partir daí, toda racionalidade equivale à descoberta da origem, do princípio.” (Levinas, 1993, p. 88-89)..
“Jamais obrigarás os não-seres a ser; tu porém, afasta o pensamento deste caminho de investigação” (Parmênides, 1993, p. 47). Aristóteles
acompanhou o ensinamento parmenídico e contemplou a formatação da tradição ocidental neste sentido: “esta claro que es imposible que uno
mismo admita simultáneamente que una misma cosa es y no es. Pues simultáneamente tendría las opiniones contrarias el que se engañase acerca
de esto. Por eso todas las demonstraciones se remontam a esta última creencia, pues este es, por naturaleza, principio también de todos los demás
axiomas.” (Aristóteles, 1998, p. 168).
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seu coração o fantasma do indecidível – figura, portanto, da alteridade.
ontológica de Heidegger o fez subestimar a questão ética.
A tautologia da filosofia que não se põe em crise transforma o infinito em
totalidade, o Outro no mesmo e a diferença em igualdade. Esquece-se que, antes
de tudo, dá-se a diferença. “Não ignoramos que, do Outro, somente captamos
o que se dá à nossa representação, e que sua alteridade se refugia para além da
própria estrutura de cognoscibilidade e de manipulação do logos – e também
não desprezamos o fato de que, sem estes cuidados, nos tautologizamos em uma
Totalidade autofágica, beco sem saída de qualquer lógica do absoluto” (Souza,
2005, p. 205).
Nesse sentido, o pensamento de Heidegger é tido como uma tautologia do
mesmo. Existir é compreensão. “Ser articula-se com o pensar.” (Heidegger, 1967,
p. 28). Filosofar é pensar sobre os atos impensados que constituem a existência
– os atos simples do cotidiano e do mundo prático. Para Heidegger, este mover
existencial que vem antes da consciência é o digno de ser pensado (1967, p.
38). É o exato momento de compreensão do ser, em um movimento circular de
compreensão hermenêutica. Assim, tudo retoma e retorna ao Ser-aí, e por isso,
muitos pensadores entendem a filosofia heideggeriana, apesar de realmente
instigante e renovadora, como ainda imersa em uma totalidade (Souza, 1998, p.
80).
A ética como filosofia primeira
Algumas linhas de Jacques Derrida (1991, p. 195) podem nos ajudar a
esclarecer esta ideia: “Na leitura desse jogo, pode-se entender em todos os sentidos
o seguinte encadeamento: o fim do homem é pensamento do ser, o homem é o
fim do pensamento do ser, o fim do homem é o fim do pensamento do ser. O
homem é desde sempre seu próprio fim, isto é, o fim do seu próprio. O ser, é desde
sempre, o seu próprio fim, isto é, o fim do seu próprio.”
O traço radical sobre o qual nos debruçamos, portanto, tem na alteridade a
condição de reconstrução de qualquer sentido. Reconhecer a diferença é já uma
possibilidade tardia, pois, desde sempre, ele se deu. Será esta ancestralidade que
faz pressupor outra compreensão de si mesmo, agora a partir do outro.
Que a abertura de flancos para a racionalidade da alteridade ainda é um
por vir, é algo que não necessita extraordinária prova. Basta estar no mundo para
perceber. A categoria da alteridade é de tal modo incompreendida – seja por uma
leitura superficial e refém das primeiras impressões adocicadas que a obra de
Levinas pode sugerir, seja por sua dificuldade de penetrar no mundo prático, no
face-a-face do encontro – que o desafio de sua releitura se repropõe mais urgente
do que nunca.
O mais preocupante é o uso da categoria da alteridade, nos mais diversos
espaços e contextos, como um “bordão”, reproduzido como uma senha ou
um emblema, sem levar às últimas consequências o que a radicalidade deste
pensamento reivindica. A trivialização da inovação trazida pela recepção da
alteridade, pensada na aventura do encontro, é algo que precisa ser sempre
denunciado. Há um dever de vigília dos intelectuais sérios, posto que é inúmeras
vezes confundida, por exemplo, com a própria ideia de dignidade humana, ou
mesmo com percepções legislativas (a ética suprimida como “código de ética”).
No entanto, o pensamento da justiça em nada se reduz ao direito ou a quaisquer
apanágios da representação.
O direito, o fundamento da dignidade humana, a ideia de democracia, e a
liberdade, no patamar do iluminismo moderno, são construções necessárias
feitas pelo homem para traduzir uma possibilidade de socialidade e convivência
relacional. O que propõe são horizontes de outro modo estranhos a tais dimensões,
atrelados a um pressuposto diferenciado: a temporalidade – em que pese a
permanente tentativa da racionalidade instrumental de exorcizar o tempo e,
consequentemente, aniquilar o “Outro”. A justiça, considerada aqui como o
suportar o peso da responsabilidade perante outrem, ultrapassa os limites restritos
da assimetria. Qualquer arsenal reflexivo que se debruça sobre o tema deve atentar
a essa condição. “Viver perigosamente não é o desespero, mas a generosidade
positiva da incerteza.” (Souza, 1997, p. 98).
É necessário, portanto, para enfrentar de forma mais detida a perspectiva
levinasiana da alteridade, perceber-se a ruptura do trauma diante de outra
subjetividade, não sem antes aduzir com rigor algumas concepções filosóficas
básicas. Em Heidegger, a preocupação primordial é, de fato, pelo sentido do ser.
Boa parte da obra levinasiana é destinada a questionar o anseio pela ontologia em
detrimento da ética, e seu principal alvo é Heidegger, principalmente em virtude
de sua inegável relação com o nazismo.
“Dasein jamais tem fome”, segundo Levinas (1999, p. 153). O ser-aí se
preocupa com o ser. Pergunta-se pelo ser. Por conseguinte, seu pensamento
seria indiferente à questão ética. Para muitos autores, a exagerada preocupação
Levinas – introdutor do pensamento fenomenológico na cultura filosófica
francesa e tradutor de Husserl –, ao longo de suas obras, demonstra uma relação
ambígua com a percepção husserliana. Por vezes, a crítica é atroz; por outras, é
perfeitamente verificável o teor da influência de Husserl em seu pensamento
(cf. LEVINAS, 1999. p. 54). Levinas afirma que apenas faz uso do método
fenomenológico, pois vincula a este a necessária inquietação do pensamento
avesso a premissas edificantes e pretensões totalizantes, introduzindo a “dúvida
subversiva”, mas aufere que a articulação da “significação sem contexto” (LEVINAS,
1999. p. 50), pedra de toque de suas obras, dá-se no ultrapassar da pretensão
fenomenológica (PELIZZOLI in SOUZA, 2001, p. 284).
Com isso, a questão que se instituiu, apesar das conquistas inegáveis da
fenomenologia e da ontologia fundamental (cf. LEVINAS, 1982, p. 29-35), é sobre
a possibilidade de existir um pensamento fora do horizonte da intencionalidade, já
que esta é sempre feita a partir de representações. O próprio pensar filosófico não
seria um ultrapassar os horizontes da representação? (LEVINAS, 1999, p. 188). A
ontologia estaria disposta a isso?
Para serem ultrapassadas as barreiras de qualquer ontologia, há de se
perguntar pelo verdadeiro sentido desta pergunta: para que perguntar o ser?
(Souza, 2008, p. 136). Por que a obsessão pelo ser? O que há por traz disso? O
que está construído como sentido de existência no perguntar-se pelo ser? “Ser
ou não ser, provavelmente não é aí que está a questão por excelência.” (Levinas,
1997, p. 177). Se devemos considerar a inovação do pensamento heideggeriano,
no que tange ao retorno das antigas questões filosóficas e sua forma inédita de
abordagem, não podemos esquecer que tal aporte pode carregar uma dimensão
ainda perigosa – ainda englobante (Pelizzoli in Souza, 2001, p. 289). Há de se
reinaugurar o fundamento do pensamento filosófico para além do sentido do ser.
Algo que interrompa o reino do ser. Um outro modo que ser (Levinas, 1982, p. 92).
Um modo distante dos modos do ser, pois inexiste uma resposta ontológica para a
questão do poder ontológico.
Sutileza que é título de sua mais importante obra: “de outro modo que ser,
ou mais além da essência”. A palavra que já traz a ruptura do modo de pensar
ontologizante, pois não visa um outro modo de ser , mas sim um ou modo de
pensar que vá além do que o modo de pensar do ser. Um outro ponto de partida.
Uma notória an-arquia na formatação do pensamento ocidental. Levinas esclarece,
ao comentar essa obra, que o des-inter-esse é o que quer dizer o título do livro “de
outro modo que ser”. A condição ontológica desfaz-se, ou é desfeita, na condição
ou incondição humana. Ser humano significa viver como se não fosse um ser entre
os seres. Como se, pela espiritualidade humana, invertessem-se as categorias do
ser, num “de outro modo que ser”. Não apenas num “ser de modo diferente; ser
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diferente é ainda ser.” (1999, p. 93).
Conforme Ricardo Timm de Souza (1999, p. 151): “A verdade do não-ser não
é menos verdadeira e importante do que a verdade do ser, somente porque seu
“conteúdo de verdade” – sua Alteridade – não pôde conservar sua dimensão
própria e teve de entregá-la à determinação da Totalidade. A verdade do Outroque-ser é uma outra verdade, que não tem seus alicerces na dinâmica da liberdade
do ser.”
Enquanto para Heidegger a história da filosofia está no esquecimento do Ser,
para Levinas o limiar da crise não está propriamente no esquecimento da diferença
ontológica entre ser e ente. A problematização se insere a partir do esquecimento
do “outro” como foco de responsabilidade do mesmo. Inverte-se a lógica do que
significa pensamento. “Pensar não é mais contemplar, mas engajar-se, estar
englobado no que se pensa, estar embarcado – acontecimento dramático do serno-mundo.” (Levinas, 1997, p.23).
Ultrapassar as barreiras de uma mera unidade psíquica solitária e monádica
para uma dimensão de subjetividade que suporte o peso da decisão pelo outro
é o que move Levinas a se perguntar se “a ontologia é fundamental”. Percebe
que, partindo do ponto de vista ontológico como filosofia primeira, sempre
compreender-se-á a ética como estilhaços do ser (1997, p. 31).
Levinas (1997, p. 22) é ilustrativo na temática que estamos abordando: “O
homem inteiro é ontologia. Sua obra científica, sua vida afetiva, a satisfação de
suas necessidades e seu trabalho, sua vida social e sua morte articulam, com
um rigor que reserva a cada um destes momentos uma função determinada, a
compreensão do ser ou a verdade.”
Seria necessária uma trans-ontologia; uma metafenomenologia (Derrida,
2009, p. 121), o ultrapassar os limites da diferença ontológica à filosofia da
diferença para assim sairmos dos arredores da insuficiência do ser-com-outros
(miteinandersein) heideggeriano (Souza, 1998, p. 157-158). Direcionar a
intencionalidade existencial para a intencionalidade ética. Uma espécie de má
consciência ou consciência não-intencional, como assim denominou Levinas,
pois consciência como consciência de algo não pode ter a si mesma como o
foco da questão. Algo como uma consciência reduzida, na margem da ideia de
consciência, “(...) que, na reflexão sobre si mesma, reencontra e domina como
objetos do mundo seus próprios atos de percepção e de ciência, e se afirma, assim,
consciência de si e ser absoluto – permanece, também, como por acréscimo,
consciência não-intencional de si mesma, sem nenhuma visada voluntária:
consciência não-intencional exercendo-se como saber, sem ela saber, do eu ativo
que se representa mundo e objetos.” (Souza, 1998, p. 188).
O filósofo lituano afirma que “a relação com outrem não é ontologia” (Levinas,
1997, p. 31) e, assim, consagra a ética como filosofia primeira (Sebbah, 2009, p. 71).
O olhar do rosto6 do outro não é uma figura. Não é fenômeno ou não-fenômeno.
É contrafenômeno (Sebbah, 2009, p. 124). Para se dar a relação com o outro é
necessário que este apareça como uma não-fenomenalidade. “Fenomenologia
alguma pode, portanto, explicar a ética, a fala e a justiça.” (Derrida, 2009, p. 151).
Analisando a ontologia de Heidegger, Levinas aponta que “a relação ética ´sercom-outrem´ não passa de um momento de nossa presença ao mundo. Ela não
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tem lugar central.”(Levinas, 1997, p. 158). Neste âmbito, outrem se torna objeto de
compreensão do ser-aí, e só depois se torna um interlocutor (Levinas, 1997, p. 27;
cf. ainda Souza, 2005, p. 77): “la ontologia heideggeriana que subordina la relación
con el Outro a la relación con el ser em general (...) permanece en la obediencia de
lo anónimo y lleva, fatalmente, a oura potencia, a la dominación imperialista, a la
tirania.” (Levinas,1999, p. 70).
O mundo não tem sentido sem o homem. Dussel (1977, p. 40-46), pensador
argentino muito influenciado por Levinas, afirma que o homem é ente que não é só
ente, e justamente por isso tem responsabilidade pelo rosto de outrem, pelo futuro
de outrem, pela educação de outrem. Pela fenomenologia, o homem descobre
que se compreende pelos entes, e, portanto, tem um dever com eles. Assim, deve
inverter o paradigma de manipulação do mundo para compreensão do mundo.
A epifania do rosto é a revelação da opressão do pobre, do outro, que não pode
ser equiparada à manifestação do ente fenomênico. O homem, quando nasce, é
acolhido por outro homem, por isso a relação homem-homem antecede a relação
homem-objetos.
O olhar do Rosto
Em Levinas, a recepção do outro é experiência do infinito ético. Entre o mesmo
e o outro, existe um abismo de infinito que os separa. O autor admite a postulação
de Descartes, principalmente desenvolvida na sua terceira meditação, no que
tange à ideia de infinito. Descartes, através da ideia de infinito, tentou provar a
existência de Deus, e evoca seu caráter inatingível pelo movimento cognitivo
(DESCARTES, 1973, p. 107-108). O ponto de partida da concepção de infinito em
Levinas é originária do pensamento cartesiano, entretanto, este modelo contém
reservas quando adentra a percepção ética (SOUZA, 1999a, p. 82). Enquanto
Descartes permanece fiel aos fundamentos da racionalidade ocidental, Levinas usa
essa racionalidade para petrificar seus próprios limites, fazendo uso da ideia de
infinito como um meio para abrir uma brecha nos esconderijos da totalidade do
ser (SOUZA, 1999a, p. 93). “O infinito não está em parte alguma a não ser no rosto
de Outrem” (SEBBAH, 2009, p. 50).
Minha existência começa com a presença da ideia de infinito, que já consiste
na ideia de servir outrem, o qual está infinitamente separado de mim (Levinas,
1999, p. 196). A ideia de infinito postula uma separação total entre o “eu” e o
“outro” (Levinas, 1999, p. 124), pois é pela exterioridade de outrem que se pode
deslumbrar a percepção da alteridade7. O outro é sempre exterior; recusa-se aos
meus poderes (Levinas, 1999, 211), e minha relação com este outro jamais anula a
separação (Levinas, 1999, p. 262).
A esta separação completa, Levinas atribui a ideia de ateísmo (Levinas, 1999,
p. 82). É pela interdependência ateia do ser separado, em independência absoluta,
que se dá a possibilidade da relação ética. “Solamente un ser ateo puede remitirse
al Outro y ya absolverse de esta relación” (Levinas, 1999, p. 100). Este é um ponto
bastante mal interpretado na obra levinasiana: muitos creditam toda sua filosofia
a algum teologismo salvacionista8.
Levinas é influenciado pela percepção talmúdica que concebe Deus como
uma força que não intervém nas relações mundanas. Apenas deixa seus vestígios
Ricardo Timm de Souza alerta que a melhor tradução para a ideia de “rosto” (visage) em Levinas estaria na concepção de “olhar”. A ideia de
“olhar” remonta o absolutamente inaprisionável pela racionalidade. Até mesmo mais enigmática que a própria concepção de rosto.
“La exterioridad – o si prefiere, la alteridad (...) es verdadera, no en una visión lateral que la perciebe em su oposición a la interioridad, es verdadera
en el cara a cara que no es enteramente visión, sino que va más lejos que la visión; el cara a cara se estabelece a partir de un punto, separado de la
exterioridad tan radicalmente que se sostiene a si mismo”. (Levinas, 1999, p. 270).
Levinas, ao longo de sua obra, faz referências que podem ensejar que sua filosofia adere a algum movimento de pensamento teológico: “A bíblia
seria, para mim, o livro por excelência” (Levinas, 1992, p. 16). “Proponemos llamar religión a la ligadura que se estabelece entre el Mismo y el
Otro, sin constituir una totalidade.” (LEVINAS, 1999, p. 64). Mas trata-se de um erro grosseiro admitir o pensamento levinasiano como uma mera
instrumentalidade teológica. O autor deixa claro, por inúmeras vezes, que seu pensamento transcende a ideia de um criador que influa nas relações
mundanas e que possa ser alvo de imanentização pela racionalidade.
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expressos primordialmente pelo rosto de outrem (Levinas, 1997, p. 151). Em
Levinas, a ideia de Deus é profícua para legitimar o infinito ético, mas é vista para
além da revelação. Deus é um “desconhecido que não toma corpo.” (Levinas, 1999,
p. 203). Está aberto para as negações e inquietudes do ateísmo. Para Levinas, o
encontro com o outro é religião. Mas religião aqui significa re-ligar o mesmo ao
outro na abertura para a exterioridade na fuga do solipsismo (Souza, 2005, p. 219221). Expressa uma espécie de “teologia sem palavra” (Levinas, 1999, p. 204). Deus
é uma palavra que só tem sentido em contexto ético.
A concepção levinasiana anuncia a necessidade do ateísmo como referencial
primordial da ruptura da humanidade com seus mitos (Levinas, 1999, p. 100) e da
indelegabilidade da responsabilidade pelo outro. Uma possibilidade de delegação
da responsabilidade ética poderia ser sugerida pela crença em uma entidade divina
que assumiria tal missão. Esta condição também expressa o pensamento de Edgar
Morin, que não concebe o conceito de religião limitado à relação com deuses. Para
Morin (2005, p. 172-173), um conceito renovado de religião comporta a missão de
salvar a terra a partir de uma fraternidade comum, sem criação, sem revelação nem
salvação por imortalidade; sem verdade primeira nem verdade final; uma religião
capaz de compreender as outras e disposta a ajudá-las. “Seria uma religião sem
deus, mas na qual a ausência de deus revelaria a onipresença do mistério (...) seria
uma religião que assumiria a incerteza. Seria uma religião aberta sobre o abismo”.
A separação plena e a consagração da percepção de infinito demarcam a
falência do aprisionamento de sentido por meras representações. Em Levinas,
“a representação assegurava à tradição filosófica o próprio contato com o real.”
(Levinas, 1999, p. 69). O estranhamento da diferença do mundo que se depara
aos olhos é originário do pensamento filosófico, desde os pré-socráticos. A
racionalidade ocidental se rendeu à neutralização da diferença que existe entre
a realidade e aquilo que se pensa dela. Desde então, o homem é escravo das
suas representações, e formata sua percepção de realidade a partir disso. Assim,
racionalidade se torna adequação entre representação e conceito (Levinas, 1997,
p. 114). Não esqueçamos que tal esquematismo, ordenado pela subsunção que há
entre o pensamento e a captura da verdade – visto principalmente pelo binário
verdadeiro e falso –, trouxe inúmeras contribuições à humanidade. Entretanto,
este modelo de racionalidade, aniquilador da diferença originária, incapaz de lidar
com o inconceituável (ou seja, “o outro”), demonstra toda sua violência no campo
relacional, ao desmerecer o abismo incomensurável que há entre a capacidade
cognitiva e o infinito da exterioridade.
O brilho da exterioridade é exprimido pela percepção de infinito, que, sob
nenhuma hipótese, pode ser absorvido9. A percepção de infinito extravasa as
possibilidades de apreensão pela dimensão do pensamento (Levinas, 1999, p. 5253). Não dá margem a essa possibilidade, e fundamenta a relação de exterioridade
que condiciona a experiência ética, ao deparar-se com um olhar. Receber de
Outrem, para muito além da capacidade do Eu, significa exatamente ter a ideia
do infinito (Levinas, 1999, p. 75). Pois conceber a ideia de infinito é já ter acolhido o
outro (Levinas, 1999, p. 116).
A única afirmação que poderíamos fazer a respeito do outro, infinitamente
outro, é que, entre esta relação minha com outrem, existe uma irredutível diferença
que me causa estranheza, ao primeiro momento, pois esse outro pode dizer “não”
ao meu “sim” (Souza, 2004, p. 58). O “Outro escapa ao controle do mesmo, devido
à sua infinita distância que se preserva” (Souza, 1999a, p. 117). O infinito, presente
no olhar do outro, é fala para além de palavras (Souza, 1999a, p. 136).
9
Esta percepção de infinito não impossibilita o encontro ético que aqui é
trazido como esteira de reflexão. A filosofia da alteridade recepciona críticas no
sentido de que, ao traduzirmos o outro como infinito, infinitamente inapreensível,
irrepresentável, estaria se também impossibilitando o encontro, já que seria esta
uma tarefa contraditória neste pressuposto de pensamento pré-relacional. De fato,
esta concepção de infinito assusta as racionalidades acostumadas a ter as diretivas
da filosofia lógico-analíticas com as rédeas do sentido. Assim, não se percebe
a sofisticação e a sutileza do pensamento do infinito ético: ao conceber o outro
como infinito, esta percepção, de algum modo ou de todo modo, aproxima-o de
mim. Reduz-se a distância infinita por manter-se infinita. Há uma aproximação tão
infinita quanto a distância infinita no se pensar outramente.
Como traços finais/iniciais: o encontro ético
A imprevisibilidade do outro pode abalar as minhas pretensões englobadoras.
Sua exterioridade, ao passo da lógica do ser, traumatiza-me. Contudo, ao aprender
a lidar com este ainda-não-conhecido, crio condições de me relacionar com o outro
a partir de nossas diferenças. Isso, ao mesmo tempo em que é uma das tarefas mais
fáceis de se pensar, também é uma das mais difíceis de se realizar (Souza, 2004,
p. 58), ainda mais “em um mundo que promete o paraíso a quem prometer não
pensar.”(Souza, 1998, p. 96).
Transforma-se, assim, o receio da insegurança que a diferença me traz, ao
deparar-me com um rosto, em possibilidade de um novo horizonte possível. Não
indiferença à diferença do outro pressupõe um andar além do medo do trauma
– ir do trauma ao encontro (Souza, 2008, p. 140), pois o encontro só se dá pelo
“manter-se” da diferença. O encontro significa disponibilizar-se com o ainda-nãoconhecido, pois é a diferença que possibilita o pensar, o filosofar e a construção da
subjetividade.
Neste sentido, Ricardo Timm de Souza (2005, p. 405) esclarece: “Não
houvesse algo como a Diferença, e se dariam apenas a onipresença e a onisciência,
impossibilidades evidentes de qualquer perguntar filosófico. É porque, antes de
qualquer pergunta ou consciência, dá-se a diferença, que qualquer pergunta ou
consciência são possíveis. A diferença seria como a pré-originariedade a partir
da qual qualquer originariedade pode ser concebida. E seu sentido de préoriginariedade se deixa perceber mesmo através de sua conceitualização ou de seu
acoplamento a uma determinada esteira de linguagem. ”
A metafenomenologia é a evolução do ser-com-outros para o ser-para-osoutros (não no sentido hegeliano ou sartriano). É a responsabilidade pelo outro
(Levinas, 1997, p. 147), mas não está escrita ou inscrita em seu rosto (Levinas,
1997, p.91). Para Levinas, filosofia é sabedoria de solidariedade (Levinas, 1997,
p. 144), pois somos indelegavelmente responsáveis (Levinas, 1997, p. 149) pelo
irrepetível outro, e esse mandamento vem antes mesmo do próprio saber (Levinas,
1997, p. 214).
Senão, vejamos (Levinas, 2002, pp. 105 e 121): “a responsabilidade para com
o próximo consiste precisamente no que vai além do legal e obriga para além
do contrato; ela me incumbe aquém da minha liberdade, do não presente, do
imemorial. Entre eu e o outro, escancara-se uma diferença que nenhuma unidade
da apercepção transcedental poderia recuperar. Minha responsabilidade por
outrem é insubstituível e se dá precisamente na não-indiferença dessa diferença:
“O pensamento começa, precisamente, quando a consciência de sua particularidade, ou seja, quando concebe a exterioridade para além de
sua natureza de vivente, que o contém; quando ela se torna consciência da exterioridade que ultrapassa sua natureza”. (Levinas, 1999, p. 36).
Diaphora | Porto Alegre, v. 15 (2) | ago/dez 2015. 58
a proximidade do outro, (pois) quando se começa a dizer que alguém pode
substituir-me, começa a imoralidade.”
O choque se estabelece pela substituição da ontologia pela ética como
enfoque principal da tarefa do pensar, desvinculando-o do esquematismo
pensamento=compreensão. Pensar não pode significar o mesmo que
compreender, porque toda ideia de compreensão pressupõe um aprisionamento
de sentido, e só há o outro quando se abandona esse prisma, quando se rompe
com a premissa ser=pensar.
Só há outro quando ele está livre para ser ele mesmo (Levinas, 1999, p.
183). Só há “outro” separado das pretensões do todo. Em outras palavras: só há
separação se cada outro tem seu tempo – sua interioridade (Levinas, 1999, p. 81).
Do contrário, se perfaz insistentemente ainda a lógica do mesmo. Por isso, Levinas
afirma que toda ontologia é uma violência, pois, como filosofia primeira, torna-se
uma filosofia do poder, da injustiça, alérgica à alteridade (Levinas, 1999, p. 71),
já que nunca suportou o peso do inapreensível, da maior de todas as rupturas
possíveis no quadrante da filosofia da finitude, avessa a estruturas edificantes: o
desafio do olhar sem contexto, pois o rosto desconcerta a intencionalidade que o
visa (Levinas, 1993, p. 61).
“O sentido da realidade não é uma questão de conhecimento, mas de
relação”, pois só permanecemos no mundo porque alguém, ao nosso nascer, ao
menos minimamente cuidou de nós. O início de toda e qualquer possibilidade de
existência é relacional (Souza, 1999b, p. 171). Necessita-se do outro. É só porque
alguém cuidou de mim que eu posso vir a compreender o ser. Inverte-se a pretensa
heideggeriana. Antes a relação e depois a compreensão. Antes o ente e depois o
ser (Levinas, 1999, p. 75). Antes a ética e depois – muito depois – a ontologia.
Percebe-se a validez da intuição de Franz Rosenzweig, autor que exerceu forte
influência sobre o pensamento levinasiano, neste foco de discussão. O autor inova o
pensamento ocidental reivindicando um corte na filosofia ocidental, trazendo um
inédito ponto de partida para reflexão: a ideia da multiplicidade como originária
da existência. Abandona-se a pretensão do conhecimento do todo e das essências,
já que a totalidade escapa do alcance do mortal – apesar da resistência que a
filosofia, de uma maneira geral, apresenta em não suportar uma porta fechada
(Souza, 1999b, pp. 63-64), pois esta se manifesta como realização do ser, isto é,
como eliminação da multiplicidade (Levinas, 1999, p. 306).
Nossa relação com os objetos que nos cercam ultrapassa a medição lógica, e só
admite possibilidade se percebida como posterior à dimensão relacional que existe
antes de qualquer ação pensada (Souza, 1999b, p. 79). “Se existe a alteridade que
inicia exatamente quando o pensamento acaba, ou seja, exatamente na fronteira
do racional e no ‘anúncio’ do fático-real, então que este fato seja, ao menos, levado
a sério pela filosofia. ” (Souza, 1999b, p. 104). Daí percebe-se o enfoque que
aqui nos propomos a trazer, da ética como filosofia primeira10, em substituição
à ontologia, anterior à intencionalidade como formadora de sentido originário.
Vislumbrar uma racionalidade que ampare a alteridade significa atirar-se sobre
o abismo da racionalidade ética: “melhor compreender eticamente do que por
esquartejamento ontológico.” (Souza, 1999a, p. 171).
do agir, que nega a mediocridade da indiferença perante aquele que me é
completamente diferente. Foge do pensamento como poder e transforma-o em
percepção de finitude àquele que me interpela pelo olhar, que espera de mim algo
mais que meu mero desconforto que sua escassez me traz. Convida-me a agir; a
não deixá-lo só nem mesmo na hora da morte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Souza, Ricardo Timm de. (2008). Em torno à diferença. Aventuras da alteridade na
complexidade da cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen juris.
Souza, Ricardo Timm. (1999b). Existência em decisão. Uma introdução ao pensamento
de Franz Rosenzweig. São Paulo: Perspectiva.
Para Ricardo Timm de SOUZA (2008, p. 58) “agora não interessa mais
primariamente o conhecer – direção original da intencionalidade fenomenológica
-, mas sim o agir ético a partir da recepção do outro como tal – em uma
metafenomenologia que inverte a direção da intencionalidade e, por extensão, de
todo o passado do modo de conhecer ocidental”.
Enfim, tal encontro foge do plano da intencionalidade e interroga o sentido
10
“Ética como filosofia primeira não é uma apologética, ou uma prescrição formal de um pensamento que quer chocar pelo inusitado. Ética
como filosofia primeira significa, simplesmente, a reordenação de elementos de importância evidente que, por uma espécie de errância
da racionalidade imatura e deslumbrada com seu próprio poder, acabaram se afastando de suas próprias referências mais originais e,
simultaneamente, de seus destinos mais próximos”. (Souza, 2010, p. 90).
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