Movimentos sociais e Educação do Campo

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MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO DO CAMPO E PESQUISA
Maria Antônia de Souza 1
UTP; UEPG
RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir a produção do conhecimento sobre a temática dos
movimentos sociais e educação do campo. Nos últimos anos os estudos sobre o referido
tema têm crescido em função, de um lado, da dinâmica societária que instiga os
pesquisadores a lançarem olhares para o território rural no Brasil; de outro lado, os
resultados da relação entre governo e movimento social têm possibilitado modificação
na política educacional, mediante criação de Diretrizes Curriculares e debate sobre a
realidade da educação do campo, algo que tem gerado problemáticas diversas de
pesquisa, ora focalizando a legislação, ora discutindo as parcerias efetivadas entre
governos e sociedade civil. Desse modo, dando continuidade às nossas pesquisas sobre
a temática trazemos neste artigo um panorama sobre as investigações, resgatando idéias
apresentadas em Souza (2007) e ampliando as indagações mediante análise dos
trabalhos registrados na Conferência Internacional Educação, Globalização e
Cidadania, realizada em 2008. A intenção é indicar aspectos conceituais que estão
sendo anunciados nas pesquisas e apresentar os sinais da construção de conhecimentos
educacionais na área da educação do campo.
PALAVRAS-CHAVE: educação, movimentos sociais, investigação.
A relevância do debate sobre movimentos sociais, educação do campo e
pesquisa fica comprovada diante do significativo número de trabalhos que os eventos
científicos têm recebido versando sobre a temática. Também, a constatação de que os
Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, particularmente em Educação, têm recebido
uma diversidade de projetos versando sobre a educação do campo, cada vez em número
crescente. A título de ilustração, vale comentar que para a Reunião da ANPEd Sul de
2008, somente para o eixo Educação e Movimentos Sociais foram enviados 10 trabalhos
versando sobre movimentos sociais e educação do campo, dentre os 35 trabalhos
analisados. Para a Conferência Internacional Educação, Globalização e Cidadania, que
aconteceu em João Pessoa em fevereiro de 2008, contabilizamos 45 trabalhos versando
sobre a temática, sendo 33 deles encaminhados para o eixo Os Movimentos Sociais e a
Educação.
1
Doutora em Educação. Professora do PPGED Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná.
Professora Associado do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Pesquisadora Produtividade em Pesquisa do CNPq. Email: [email protected]
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Ainda, cabe destacar que em nossa pesquisa trienal, finalizada em fevereiro de
2008, constatamos a existência de 165 trabalhos defendidos na área da Educação, nos
Programas de Pós-Graduação em Educação, versando sobre Educação e/no MST, dentre
teses e dissertações, para o período de 1987 a 2007. Registra-se o crescimento do
número de defesas sobre a temática em questão a partir do final da década de 1990. Ou
seja, é na última década que se nota o interesse dos pesquisadores para o debate dos
movimentos sociais e da educação do campo. É uma realidade que demonstra dois
movimentos na pesquisa em educação, a saber:
1) Orientação do olhar para a dinâmica educativa que se passa na realidade do campo
brasileiro. É uma orientação induzida pela intensificação da prática educativa
gerada num movimento social com características peculiares ao final do século
XX, que é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É um
movimento que traz inovações no formato da luta social, fazendo uso do aparato
tecnológico, especialmente os recursos da informática. É um movimento que
expressa a luta por inúmeros direitos sociais, sendo a educação um deles. É
propositivo no que tange às ações no ambiente escolar, embora encontre
resistências no espaço local, em função das relações de poder e das hierarquias no
trato com a educação pública.
2) Articulação entre referenciais teóricos marcadamente da Educação e da Pedagogia,
com referenciais teóricos das áreas do conhecimento como a Sociologia, História e
Geografia, para citar algumas. O debate sobre a educação do campo hoje exige um
olhar atento para o conceito de movimento social e para as singularidades do MST,
uma vez que ele é um dos protagonistas centrais na demanda, proposição e
efetivação de práticas educativas ligadas às escolas do campo. Ao lado do debate
conceitual, aprimoram-se os procedimentos de investigação científica centralizados
na abordagem qualitativa de pesquisa, como é o caso das observações, entrevistas,
depoimentos, trabalho com imagens, dinâmicas de grupo entre outros.
São dois movimentos que exigem um posicionamento crítico do pesquisador
em educação, de modo a não cair na tentação da “fascinação” pela agilidade com que os
membros do movimento social articulam-se, debatem, produzem, fazem proposições
etc. Há uma realidade, pouco conhecida da maioria dos estudantes da graduação e de
boa parte daqueles que iniciam os estudos de pós-graduação, que encanta pelos seus
traços de luta social, pelos sinais de construção de experiências criativas no campo
educativo. Criativas no sentido de que não se resumem à mera reprodução de conteúdos
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de manuais didáticos; criativas porque conseguem estabelecer relação entre
conhecimentos construídos historicamente e aqueles em construção no mundo da vida,
na história do Hoje, feita pelos sujeitos em permanente movimento.
Duarte (2006, p. 98), menciona três tipos de pesquisa que podem contribuir
para a formação do intelectual crítico em Educação, a saber:
1) No primeiro tipo encontramos pesquisas “voltadas para a construção de um
discurso pedagógico afirmativo sobre a transmissão de conhecimentos na escola”.
Afirmamos em artigo de nossa autoria que dentre os pesquisadores que analisam
educação e movimentos sociais do campo é marcante a valorização da escola como
lugar de apropriação de conhecimentos; para tanto, demonstram a necessidade de a
escola valorizar os conhecimentos da experiência dos trabalhadores, mas com o
intuito de ir além, ou seja, de aprofundar os conhecimentos históricos acumulados
pela humanidade. Os próprios trabalhadores demonstram tal necessidade quando
dão depoimentos sobre a escola que consideram necessária para os filhos. (SOUZA,
2007)
2) No segundo tipo de pesquisa estão “aquelas voltadas para a elaboração de análises
críticas das pedagogias subsumidas ao universo ideológico neoliberal e pósmoderno”. Não é o tipo de pesquisa marcante no que tange aos estudos sobre
movimentos sociais e educação do campo.
3) No terceiro tipo encontram-se as pesquisas “voltadas para o desenvolvimento de
análises críticas da realidade educacional na sociedade contemporânea”. É um tipo
de pesquisa que merece destaque quanto ao tema ora focalizado. Os estudos sobre
educação do campo têm demonstrado as fragilidades da educação pública nas áreas
de assentamentos e que caracterizam as lutas empreendidas no movimento social,
para que a escola e a educação formal façam parte da reforma agrária.
A pesquisadora Vendramini (2007) tece reflexões sobre pesquisa e
movimentos sociais, desde um olhar fundamentado em Thompson e Marx. Para ela, é
fundamental que a pesquisa sobre movimentos sociais, particularmente sobre o MST
atente para os seguintes aspectos:
1) Valorizar a dialética entre passado, presente e futuro, de modo a evitar estudos
puramente descritivos ou, poderíamos acrescentar, marcadamente positivistas
centralizados na observação e descrição exaustiva dos fatos sociais.
2) Articular as singularidades estudadas numa totalidade conceitual. Reside aqui, ao
nosso ver, a principal dificuldade expressa nos estudos sobre movimentos sociais e
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educação do campo, uma vez que o pesquisador se defronta com dois conceitos
pouco debatidos na educação: movimento social e educação do campo. O último,
em função de um debate atualíssimo, tem gerado a reprodução das idéias de autores
como Arroyo, Caldart, Fernandes e Molina, nas dissertações, especialmente. As
dissertações integram, na grande maioria das vezes, um momento de formação
acadêmica em que a pesquisa científica é uma experiência primeira do estudante.
Alguns alunos têm a possibilidade de participar de projetos de iniciação científica
quando estão na graduação; outros vão exercer as primeiras ações de pesquisa no
momento do Mestrado. Diante do curto prazo para iniciar, desenvolver e “fechar” a
pesquisa, não há o “degustamento” das obras que são lidas, ocasionando
reprodução de idéias, indicando concordância do pesquisador com o autor citado,
algo que muitas vezes não foi objeto de ampla discussão, em função da
circunstância mencionada. Há necessidade de uma revisão de literatura de modo
criativo, em que o autor da pesquisa possa ter um tempo para ler, reler, pensar e
estabelecer conexões entre o lido e aquilo que está registrando no trabalho de
campo. Esse trabalho garantirá uma produção teórica com caráter criativo e não
reprodutivo; com caráter de seleção das obras que diretamente contribuem com o
objeto e problema analisados. Também, para o próprio pesquisador haverá maior
sentido entre o conteúdo estudado nas obras existentes e os aspectos empíricos da
realidade em foco.
3) Atentar-se no processo de pesquisa às condições objetivas e subjetivas que
determinam as ações dos movimentos sociais. Na grande maioria das vezes os
movimentos sociais localizam-se em contextos contra-revolucionários. Em função
disso, concordamos com a referida autora quando afirma que “analisar um
determinado movimento social significa compreender a oposição de classe, o
confronto histórico entre trabalhadores e proprietários, que assume diferentes
expressões e dimensões” (VENDRAMINI, 2007, p. 7).
Nessa perspectiva de atentar-se para o momento histórico em que ocorrem os
processos sociais e sua historicidade, destacamos alguns elementos que nos levam a
pensar o campo, os movimentos sociais e a educação. São elementos que lançamos para
o debate na Conferência Internacional Educação, Globalização e Cidadania, que em
partes estão expostos em Souza (2008).
Sabe-se que o campo brasileiro é marcado por sujeitos históricos que estão em
constantes lutas, cuja essência é a classe social e as disputas em torno da propriedade da
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terra do ponto de vista da acumulação da riqueza, de um lado, e da terra como lugar de
moradia e trabalho, de outro lado. Se em essência é a concentração da terra e a luta de
classes que marcam as relações sociais no campo, no cotidiano concreto tudo é árduo na
vida do trabalhador: é o trabalho com a terra, sujeito às intempéries climáticas; é a busca
de melhores preços para os produtos agrícolas; a dura vida das crianças na busca de
acesso à escola, seja viajando longas distâncias ou caminhando alguns quilômetros até a
escola mais próxima. Quando concluem as séries iniciais, outra luta cotidiana tem
início, em direção ao Ensino Médio.
O que constitui algo novo nas relações de enfrentamento no campo é a
estratégia de luta do movimento social. Ao mesmo tempo em que enfrenta a classe
latifundiária e o próprio Estado, os movimentos fazem articulações com outras
entidades da sociedade civil e com o próprio Estado, para discutir e promover
experiências educativas nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária, entre
outras áreas como os Faxinais no estado do Paraná, nas escolas que recebem alunos das
áreas remanescentes de Quilombos, das terras ribeirinhas entre outras.
Com o desenvolvimento das experiências do tipo demandas, proposições e
efetivação de projetos educativos nos assentamentos, o MST, por exemplo, possibilita
que outros sujeitos do campo se mobilizem ou questionem a educação que está sendo
pensada para os povos do campo. Até o início da década de 1990 quase nada se dizia
sobre a população do campo no que tange à sua escolaridade. Muitas escolas foram
destruídas ou ficaram abandonadas em meio às pastagens de gados, nas antigas fazendas
de café. Com o aumento do número de assentamentos no Brasil, a luta pela reforma
agrária gerou inquietações sobre a educação das crianças, dos jovens e adultos. E,
também, despertou a atenção para a necessidade da continuidade escolar, demandando
atenção governamental para que as políticas públicas garantam formação em nível
Superior para a população do campo, valorizando as particularidades do mundo do
trabalho e do mundo cultural dos povos do campo.
De meados dos anos 1990, particularmente após o Encontro Nacional de
Educadores/ as da Reforma Agrária, em 1997, até os dias atuais experiências marcaram
a educação do campo. São 10 anos de parcerias efetivadas entre universidades, governos
estaduais, movimentos sociais, sindicatos, governo federal entre outras entidades que se
dedicaram a projetos educativos voltados aos interesses dos povos do campo. Para
analisar essas relações que estão em construção no campo brasileiro e na política
educacional, poderá ser útil a abordagem multidimensional de que fala Scherer-Warren
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(2007), que “considera a relação entre sujeitos e atores coletivos em sua transformação
em movimentos sociais a partir da tripla dimensão das redes na sociedade
contemporânea: social, espacial e temporal” (p. 194).
Quanto à educação do campo, algumas características são: 1) Escolas sendo
nucleadas. 2) Conteúdos escolares centralizados na cultura urbana e na difusão da
ideologia capitalista de competição e consumismo. 3) Educadores com baixa
escolaridade e professores com formação precária no que tange a conhecimentos sobre o
território brasileiro e a parcela rural do mesmo. 4) Professores participando de formação
continuada. 5) Rotatividade de professores. 6) Reivindicações dos movimentos sociais
quanto à permanência das escolas no campo e demandas quanto aos conteúdos
escolares. Reivindica-se que os conteúdos escolares valorizem a cultura dos povos do
campo e que faça ampliar os conhecimentos já adquiridos pela população em sua
experiência de vida. A escola é local de aprendizagem e de aprimoramento dos
conhecimentos já desenvolvidos. 7) Discussão em praticamente todo o território
nacional sobre educação do campo, mediante a realização de seminários estaduais e
conferências nacionais que colocam na ordem do dia políticas públicas de educação aos
povos do campo, segundo as suas necessidades. 8) Diversificação das experiências
educativas no campo, a exemplo das Casas Familiares Rurais, Escolas Família Agrícola,
Escolas Itinerantes etc. 9) Experiências de parcerias entre universidades, movimentos
sociais e governos na realização de Educação Superior voltada aos povos do campo,
particularmente aos assentados da reforma agrária, como resultado da ação do MST,
especialmente. 10) Fortalecimento do debate sobre educação e movimentos sociais do
campo. Criação de grupos de estudos e pesquisas sobre o tema e, com isso, a ampliação
do número de teses e dissertações que se dedicam à compreensão e contribuição na
construção de uma política pública de educação dos povos do campo.
Quanto aos movimentos sociais, sua participação histórica também é notória.
No século XX inúmeros movimentos continuaram marcando o campo no Brasil, como é
o caso das Ligas Camponesas; lutas de bóias-frias; lutas de posseiros; movimentos de
trabalhadores rurais que culminou na gênese do MST no final dos anos de 1970.
O que é preciso questionar sobre os movimentos sociais do campo? 1) É
pertinente aprofundar as reflexões sobre o encontro do MST com outras entidades da
sociedade civil organizada e com o Estado. Inúmeras experiências que têm o MST, por
meio da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (ANCA) e o Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA), como um sujeito central, estão
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em desenvolvimento pelo país afora, no contexto de um Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Podem ser citados os cursos de Pedagogia
da Terra, como exemplo; cursos de Especialização em Educação do Campo; Projetos de
Educação de Jovens e Adultos etc. São parcerias entre movimentos sociais,
universidades e governos estaduais e federal. Se o movimento social é um opositor ao
Estado, cabe indagar quais conquistas têm sido efetivadas num cenário de construção de
práticas democráticas no país.
Há espaço para estudos que queiram aprofundar essa relação que vem sendo
estabelecida entre movimentos sociais e governos no Brasil, no que tange à prática
educativa e formativa voltada aos povos do campo. Num jogo de interesses e de forças
políticas é preciso analisar qual tem sido o papel efetivo das parcerias e dos encontros
entre sociedade civil e sociedade política.
Temas que marcam as pesquisas sobre movimentos sociais e educação do campo
Em nosso artigo publicado na Revista Brasileira de Educação 2007,
registramos os principais temas e aspectos teórico-metodológicos marcantes nas
pesquisas que versam sobre Educação e/no MST. No momento, indicaremos temas que
têm marcado os trabalhos apresentados nos eventos científicos, que não fogem à regra
do já exposto em Souza (2007), mas que merecem complementação.
Fazendo um apanhado dos trabalhos apresentados nos dois eventos já referidos
neste texto – Conferência Internacional e Seminário da ANPED Sul – ambos de 2008, é
possível delimitar os seguintes eixos temáticos: 1) Educação do campo; 2) Movimentos
sociais e educação do campo; 3) Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e
4) Escolas rurais.
Esses eixos podem ser detalhados mediante registro do objeto e da
problemática investigada. Desse modo, em Educação do campo alguns objetos têm
expressividade, como por exemplo: 1) Formação de Professores, cujo contexto é a
parceria efetivada entre universidades, movimentos sociais e governo federal. 2) Prática
Educativa ou Prática Escolar ou Prática Pedagógica ou Prática Educacional, cujo
contexto na grande maioria dos casos é a instituição escola localizada em áreas de
assentamentos da reforma agrária ou de acampamentos, no caso das Escolas Itinerantes.
3) Políticas públicas de educação, cujo contexto é marcado pelas relações estabelecidas
entre a sociedade civil organizada e os governos. Ainda, o contexto pode ser marcado
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pelas iniciativas governamentais, motivadas pelas demandas dos movimentos sociais,
no campo da formação continuada dos profissionais da educação do campo.
Quanto ao eixo Movimentos sociais e educação do campo, o sujeito e objeto de
pesquisa tem sido expressivamente o MST, por meio do estudo de suas práticas
educativas. Estuda-se o movimento social como força que demanda uma ação
governamental no atendimento das particularidades do campo, no que diz respeito ao
contexto escolar; como lugar educativo. Estudam-se a educação do campo, os cursos
técnicos, os cursos superiores, as diretrizes curriculares, as práticas de formação de
professores etc oriundas no contexto movimento social e do debate empreendido no
espaço público.
Já, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária é exemplo de objeto
de pesquisa e de contexto. Existem estudos que se dedicam a compreender o Pronera
como uma política pública de educação do campo; existem estudos que discutem a
educação de jovens e adultos (EJA) no contexto das experiências desenvolvidas junto ao
Pronera. Outros estudos dedicam-se a compreender a política de extensão universitária
tendo como foco de análise do Pronera, uma vez que no âmbito das universidades as
parcerias são efetivadas mediante projetos de extensão.
Os estudos que versam sobre as escolas rurais, independente de mencionar
movimentos sociais, tendem a denunciar o abandono das instituições, a precariedade das
mesmas; as dificuldades enfrentadas pelos docentes, a política de nuclearização das
escolas entre outros aspectos. São estudos que existem em menor número, quando
comparados àqueles que estudam as escolas do campo no contexto das lutas sociais
empreendidas pelos movimentos sociais. No entanto, os resultados das investigações
adensam o debate sobre a realidade escolar do campo no Brasil.
Pensando proposições teórico-metodológicas para o estudo dos movimentos sociais
e educação do campo: tecendo considerações finais.
No cenário de defesa dos direitos da pessoa humana, multiplica-se o rol de
adjetivos para fazer menção a relações sociais democráticas. No entanto, consideramos
que não são essas categorias que dão particularidade à educação do campo. É preciso
recuperar categorias históricas na análise dos processos resultantes da relação de forças
entre movimento social e Estado. Ao nosso ver, algumas categorias são: relações de
trabalho; sujeito histórico; prática social; expropriação, lutas sociais, classe social e
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escola pública. É preciso recuperar a noção de escola pública e de direitos dos
trabalhadores ao acesso ao conhecimento escolar e científico. Mas, não podemos
ignorar o que propõe Scherer-Warren (2007, p. 194) ao afirmar que:
As redes sociais do cotidiano, bem como as redes de movimentos sociais,
podem contemplar uma relação dialógica entre o tradicional e o moderno,
entre o mais local e o mais global, e entre o individual e o coletivo. Para a
compreensão desse intrincado cenário das redes, é que três dimensões de
análise das redes devem ser consideradas: o tempo social; o espaço e
território; e as formas de sociabilidade (...)
De todo modo, ainda que as categorias que têm proximidade com o
pensamento marxista nos auxiliem na compreensão do conceito de movimento social,
da prática social, da construção da educação do campo, é pertinente avançar o debate
num esforço de interpretar o que está posto no território brasileiro, decorrente em
grande parte da dinâmica dos movimentos sociais. Com isso, queremos reforçar o que
foi dito em Souza (2008), ou seja, que a territorialidade pode ser pensada como uma
categoria fundamental à análise dos movimentos sociais e da educação do campo.
O território define-se muito mais pelas relações e práticas sociais produzidas e
reproduzidas no contexto da cultura de cada grupo do que pela fronteira política. Dessa
ótica, novas territorialidades são geradas nos movimentos sociais. Por exemplo, o
Fórum Social Mundial (FSM) apresenta os territórios que participam da construção de
um mundo diferente. São povos, línguas, culturas, cores, gírias que caracterizam um
grupo social específico e que dão configuração a um grupo que é heterogêneo nas suas
origens e que possui objetivos comuns na busca de uma globalização contrahegemônica.
As relações e práticas sociais que definem o território não estão restritas ao
lugar, mas ao conjunto de articulações possíveis a partir dele. O conceito de rede pode
ilustrar a ampliação do território na escala global. As redes informacionais colocam na
agenda local os fatos e acontecimentos internacionais. As redes estão territorializadas na
medida em que toda informação passa por um processo de codificação e que carrega
determinados valores e ideologia. Mesmo as redes de movimentos sociais, em certa
medida são territorializadas, pois indicam práticas e expressam um conjunto de
símbolos construídos por um determinado grupo, em vários lugares.
Haesbaert (2002, p. 36) discute a idéia de desterritorialização como exclusão
sócio-espacial e afirma que:
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Num mundo dito globalizado como o nosso, o acesso pleno a um território
como ‘experiência’ integrada do espaço só se dará quando todos, de alguma
forma, puderem vivenciar o mundo em suas múltiplas escalas, pois o
território é, hoje, sobretudo, multiescalar e um território rede. Por isso o
combate à desterritorialização enquanto exclusão sócio-espacial significa
também o acesso amplo às diferentes escalas e redes que, ainda hoje,
constitui-se um privilégio de uma elite planetária cada vez mais autosegregada” (grifo nosso).
Os movimentos sociais constroem novas territorialidades.
O MST, na
organização da produção agrícola via cooperação e núcleos de base, efetiva práticas
sociais que demarcam o território dos sem terra. A proposição pedagógica no campo
educacional evidencia um conjunto de relações e práticas sociais que busca uma visão
diferenciada do mundo e da ação humana.
As novas territorialidades ficam visíveis quando no MST os trabalhadores
passam da situação de acampamento para a de assentamento. O último é o lugar da
expressão dos diferentes desejos, dos conflitos em torno das atividades produtivas e da
elaboração de alternativas à própria sobrevivência. É no assentamento que a prática
social se expressa como elemento central das novas territorialidades. As utopias tornamse realidade ou percebe-se que as mesmas não são realizáveis no tempo imediato, mas
na maioria das vezes no longo tempo.
As novas territorialidades na educação do campo ficam visíveis na conquista
da escola infantil, do Ensino Fundamental, Médio e da Educação Superior. O território
da educação tem lugar de formação política no MST. É para o território da educação
que se demanda professores com formação para discutir o campo; que se demanda
conteúdos e metodologias que tenham sentido social para os sujeitos do processo
educativo e que se vive a intenção e prática social orientadas para a transformação.
As novas territorialidades desenham-se a partir da luta contra processos de
exclusão social. A consolidação do debate da educação do campo é uma amostra da
resistência que cria/ que transforma. É prova de que os movimentos sociais denunciam
fragilidades da sociedade e têm potencial para gerar transformações, visíveis em longo
prazo.
Por sua vez, as pesquisas sobre movimentos sociais e educação do campo
indicam a construção de novas territorialidades na academia. Nota-se que Trabalhos de
Conclusão de Curso em Pedagogia têm registrado investigação nas escolas do campo,
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ainda de forma bem tímida. Verifica-se, também, a ampliação dos grupos de pesquisa
sobre a temática. O número de projetos de pesquisa enviados ao CNPq, a cada ano, na
área da educação rural, tem sofrido ampliação, principalmente aqueles que se
preocupam em estudar as experiências educativas que envolvem, de alguma maneira, o
MST.
Cabe, a título de finalização, mencionar que as pesquisas sobre movimentos
sociais e educação do campo, têm atendido a dois papéis fundamentais na academia e,
portanto, no que tange à função social do conhecimento: 1) Alargar o olhar dos novos
pesquisadores em direção aos processos sociais que ocorrem no campo brasileiro,
fazendo reconhecer que a escola é necessária tanto ao campo quanto à cidade, que
experiências educativas diversas têm sido possibilitadas nas escolas do campo, ainda
que em condições infra-estruturais e de recursos humanos adversas. 2) Ainda que as
pesquisas trabalhem com um universo local, em sua maioria, elas guardam um papel de
inserção dos pesquisadores em determinada realidade ou mesmo de aprofundamento
do olhar daqueles que são do próprio lugar, em relação às relações sociais por eles
vividas e as possibilidades de transformação.
E, finalmente vale reiterar que a pesquisa tem uma dimensão formativa entre os
acadêmicos, mas que também tem a sua função de aprofundamento e de fazer avançar
os conhecimentos educacionais. Neste aspecto, registra-se que as teses de doutorado
apresentam maiores aprofundamentos teórico-metodológicos, porém são as dissertações
que tocam diretamente nos problemas vividos na realidade estudada. Desta forma, o
conjunto de teses, dissertações e trabalhos apresentados nos eventos científicos reforça a
necessidade de construção de política pública voltada às escolas do campo, com ênfase
na formação de professores e na ampliação da escolaridade da população do campo.
Existem pesquisas que salientam a relação entre educação e sustentabilidade ambiental;
outras que discutem as faces da cooperação no contexto do movimento social. São
pesquisas que contemplam a realidade concreta e dão visibilidade às práticas sociais
que geram novas territorialidades. Neste aspecto reside uma das funções sociais da
pesquisa em educação. O concreto pensado é uma dimensão em construção em muitas
pesquisas, uma vez que ainda reside uma marca descritiva na exposição dos dados
empíricos.
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REFERÊNCIAS
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em Educação. Perspectiva, Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 89-110, jan/ jun. 2006.
Disponível em http://www.perspectiva.ufsc.br. Acesso em 30 de maio de 2007
HAESBAERT, Rogério. Concepções de território para entender a desterritorialização.
Território Territórios/ Programa de Pós-Graduação em Geografia. UFF/AGB,
Niterói/R, 2002.
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campo no Brasil. In: JEZINE, E.; ALMEIDA, M. L. P. de. (orgs). Educação e
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SOUZA, Maria Antônia de. Para compreender a educação do campo. Conferência
Internacional Educação, Globalização e Cidadania. João Pessoa/PB, 2008.
_____. A pesquisa sobre educação e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) nos Programas de Pós-Graduação em Educação. Revista Brasileira de
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VENDRAMINI, Célia Regina. Pesquisa e movimentos sociais. Educação e Sociedade,
vol. 28, n. 101, Set/Dez, 2007. Campinas.
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