Artigo Original Demora no diagnóstico da tuberculose pulmonar em cinco municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil, 2009–2010 Delay for diagnosis of pulmonary tuberculosis in five cities of the metropolitan area of Rio de Janeiro, Brazil, 2009–2010 Patrícia Valéria Costa1, Ana Lúcia Senna2, Luisa G. Dutra de Oliveira3, Rita de Cássia A. G. Siqueira4, Shirley P. Figueiredo5 Resumo O pronto diagnóstico e o tratamento imediato da tuberculose são as principais ações no controle dessa doença endêmica. Vários estudos sugerem que características relacionadas aos pacientes e aos serviços de saúde podem contribuir para tempos inaceitáveis no diagnóstico e início imediato do tratamento da tuberculose, repercutindo em maior gravidade dos casos. Dessa forma, buscou-se identificar os fatores relacionados à demora do paciente, do serviço de saúde e tempo total. Foi realizado estudo descritivo transversal com pacientes internados e em tratamento ambulatorial, utilizando entrevista semiestruturada com questões relacionadas ao paciente e aos serviços de saúde procurados até o diagnóstico. A demora em buscar assistência teve influência significativa no tempo para diagnóstico na maior parte da casuística estudada. A escolaridade foi a variável que apresentou associação significativa com a demora na busca por assistência. A Emergência foi o serviço mais procurado, diagnosticando 82,4% dos casos entre os que precisaram de internação e 44,2% entre os que permaneceram em tratamento ambulatorial. Renda e idade tiveram associação significativa com a demora de diagnóstico no serviço de saúde entre os pacientes ambulatoriais. A demora total para obtenção do diagnóstico foi de 62 a 137 dias, considerando os tipos de serviço, momento de diagnóstico e grupos estudados. O diagnóstico tardio de tuberculose entre indivíduos socialmente vulneráveis constitui um desafio para o controle da endemia. Palavras-chave: tuberculose; diagnóstico tardio; acesso aos serviços de saúde. Abstract The prompt diagnosis and the early treatment of tuberculosis are the prime actions to control this endemic illness. However, many studies suggest that the characteristics of both tuberculosis patients and health service can contribute to an unacceptable time for diagnosis and treatment, favoring a large number of severe cases. Therefore, research was done to determine the delay for the patient to look for medical attention, for the health service to diagnose the illness and the total time. A cross-sectional study was done among hospitalized and ambulatory patients, using a semi-structured interview with questions related to the patient and to the health services to where the patients looked for care till diagnosis. The delay for searching for medical attention had a significant influence on the diagnosis time in the most of the casuist studied. The patient´s level Trabalho realizado no Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras – Niterói (RJ), Brasil. 1 Especialista em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Sanitarista do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras – Niterói (RJ), Brasil. 2 Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, Ministério da Educação – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Médica do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras – Niterói (RJ), Brasil. 3 Doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Enfermeira do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (ISC/UFF) – Niterói (RJ), Brasil. 4 Especialista em Saúde Pública pela Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Médica do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras – Niterói (RJ), Brasil. 5 Especialista em Saúde Pública pela UNIGRANRIO – Rio de Janeiro (RJ), Brasil; Sanitarista do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras – Niterói (RJ), Brasil. Endereço para correspondência: Patrícia Valéria Costa – Rua Dr. Luis Palmier, 762 – Barreto – CEP: 24110-310 – Niterói (RJ), Brasil – E-mail: [email protected] Fonte de financiamento: nenhuma. Conflito de interesses: nada a declarar. Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 195 Patrícia Valéria Costa, Ana Lúcia Senna, Luisa G. Dutra de Oliveira, Rita de Cássia A. G. Siqueira, Shirley P. Figueiredo of study had significant association with the delay in seeking assistance. Emergency rooms were the most sought service and made the diagnosis of 82,4% among those who require hospitalization and 44,2% among those who remained in outpatient treatment. Income and age were significantly associated with delay in diagnosis in the health service among outpatients. The total delay of diagnosis was from 62 to 137 days, considering the kind of medical attention, time of the diagnosis and the kind of groups studied. Delayed diagnosis of tuberculosis among socially vulnerable individuals is a challenge for the control of the endemic disease. Keywords: tuberculosis; delayed diagnosis; Health Services Accessibility. INTRODUÇÃO Apesar da relativa facilidade de diagnóstico e da efetividade do tratamento, a tuberculose persiste como um importante problema mundial de saúde pública embora os resultados mais recentes apontem para a redução nos números da endemia1. No Brasil, onde a gratuidade do tratamento é garantida pelo poder público, dados recentes do Ministério da Saúde (MS) mostram o País na 19º posição entre os 22 países que concentram 80% dos casos mundiais, com taxa de incidência de 38/100.000 habitantes2. Dentre as unidades da federação com maior incidência da doença, destaca-se o Estado do Rio de Janeiro (RJ) com taxa de 70,78/100.000 e mortalidade duas vezes maior do que a nacional3. O pronto diagnóstico e o início precoce do tratamento têm sido apontados como fatores essenciais para o controle da endemia, uma vez que a interrupção da cadeia de transmissão da doença é, na maior parte das vezes, determinada pelo tratamento do indivíduo infectado2. Alguns estudos têm mostrado que a demora na obtenção do diagnóstico e, consequentemente, o retardo para o início do tratamento têm resultado na piora do prognóstico do paciente, no maior número de mortes causadas pela tuberculose e na manutenção da transmissão no meio. Vários aspectos têm sido associados à demora no diagnóstico e tratamento da tuberculose, entre eles a possível baixa sensibilidade técnica do exame baciloscópico4; a interferência do uso de outros medicamentos, seja por automedicação, seja decorrente de prescrição médica; a dificuldade de acesso aos serviços de saúde; a existência de enfermidades associadas à tuberculose; sintomas com menor gravidade e ausência de hemoptise5. Algumas características dos pacientes com tuberculose também estão relacionadas com a demora no diagnóstico e tratamento, como idade avançada, sexo feminino, pobreza, alcoolismo e uso de drogas, história de imigração, baixo nível de escolaridade, hábito da automedicação, crenças sobre tuberculose e estigma social da doença5,6. A partir de uma revisão sistemática de estudos sobre a demora no diagnóstico e tratamento da tuberculose, Storla et al.5 concluem que parece haver um círculo vicioso de repetidas visitas aos serviços de saúde sem a obtenção de diagnóstico correto, que resultam em tratamento antibiótico não específico, com dificuldade de acesso aos serviços especializados de 196 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 TB. Gómez et al.6 encontraram em seu estudo que 75% do atraso no diagnóstico de TB deve-se à demora em suspeitar-se da enfermidade, com atraso total de 64 dias (mediana), e consideram que a educação sanitária da população e a capacitação continuada dos médicos, principalmente os de família, são peças fundamentais para a redução da demora diagnóstica. Nos países desenvolvidos, estima-se que o prazo máximo para o diagnóstico de um doente com tuberculose seja de dois ou três meses7, entretanto o estudo realizado por Gómez et al.6 aponta o prazo de 30 dias como objetivo a alcançar. A escassez de estudos brasileiros publicados sobre o tema, de forma a subsidiar a tomada de decisões pelos responsáveis pelos programas de controle da tuberculose no país, torna relevante a realização de pesquisas para conhecimento tanto das características epidemiológicas como dos fatores apontados como determinantes para o atraso no diagnóstico. A equipe do Núcleo de Vigilância Hospitalar do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras (IEDTAP) elaborou um projeto de pesquisa a partir da observação da gravidade dos quadros clínicos nos pacientes internados, com presença de extensas lesões pulmonares que sugeriam longos períodos de doença, além do perfil socioeconômico de maior vulnerabilidade. O objetivo foi identificar os fatores relacionados à demora na procura por assistência e na realização do diagnóstico a partir das características dos pacientes e dos tipos de serviço de saúde procurados para atendimento. MATERIAL E MÉTODOS Estudo descritivo transversal, realizado no período de novembro de 2009 a setembro de 2010, com pacientes internados no IEDTAP e em tratamento ambulatorial na rede básica dos cinco municípios com maiores taxas de incidência da doença na região metropolitana do Rio de Janeiro, o que incluiu nove unidades de saúde municipais. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas realizadas por profissionais capacitados. O instrumento utilizado foi um roteiro semiestruturado para a coleta de dados socioeconômicos, conhecimento prévio sobre a doença, história clínica, tempo entre o início dos sintomas e procura por assistência e obtenção do diagnóstico, e tipo de serviço de saúde procurado. Demora no diagnóstico de tuberculose pulmonar O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Parecer nº CAAE-0011.0.259.000-09) e ao CEP da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (Parecer nº CAAE0016.0.314.000-10). As informações dos usuários e familiares foram coletadas com consentimento prévio e autorizado, e resguardados o anonimato e a privacidade do informante. População do estudo e definições operacionais Participaram do estudo os casos novos com diagnóstico de TB pulmonar com ou sem confirmação microscópica, de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos, excluindo-se aqueles com sorologia conhecida de HIV+. Foi escolhido o IEDTAP por ser o hospital de referência para tuberculose no Estado e pela facilidade operacional de acesso aos pacientes, sendo incluídos todos os casos elegíveis internados no período de realização do estudo. Nas unidades de saúde com tratamento ambulatorial foram incluídos os casos elegíveis com consultas agendadas no serviço durante a coleta de dados. Para o levantamento socioeconômico, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil, que classifica a renda familiar de acordo com sistema de pontos, com base na posse de itens e escolaridade do chefe de família, considerando como alta a classe A1e baixa a classe E8. A Demora do Paciente (DP) foi definida como o intervalo de tempo iniciado pela percepção de algum sintoma possivelmente relacionado à tuberculose pulmonar e à procura da primeira assistência no serviço de saúde. A Demora do Serviço de Saúde (DSS) foi definida como intervalo de tempo entre o primeiro atendimento do paciente com manifestações sintomáticas de tuberculose pulmonar e a data do diagnóstico. A Demora Total (DT) foi o somatório das duas anteriores, sendo definido como tempo adequado o período de quatro semanas, com base nas recomendações do Ministério da Saúde brasileiro e na literatura nacional4 e internacional9. Método estatístico Os dados coletados foram analisados por meio de estatística descritiva utilizando-se o programa PASW Statistic 18 (SPSS) com todas as variáveis. A comparação das médias de idade entre os sexos e tempo médio de procura dos pacientes ao serviço de saúde entre os grupos internados e não internados foram feitas por uma análise de teste t para amostras independentes com nível de confiança de 95%. Foi realizada uma análise de regressão múltipla usando o tempo de procura ao serviço de saúde como variável dependente e faixa etária geral e por sexo como variáveis independentes em nível de confiança de 95%. Além dos grupos de pacientes internados e não internados, as análises referidas também foram feitas em nível geral e por municípios estudados. Teste de Mann-Whitney U foi feito entre variáveis não paramétricas (escolaridade e vínculo empregatício) e qui-quadrado em outras variáveis não paramétricas (escolaridade, uso de álcool, de substâncias químicas) dos pacientes internados e não internados. RESULTADOS Participantes do estudo Estudo realizado com 403 pacientes em tratamento em uma unidade hospitalar e nove unidades de saúde ambulatoriais em cinco diferentes municípios. Dos entrevistados, 35% eram do sexo feminino e 65% do masculino, sendo essa proporção de homens maior entre os pacientes internados (87%). A idade média da população estudada foi de 41,72 anos (±14,68). A maior parte dos entrevistados (61%) tem baixa escolaridade, com menos de oito anos de estudo, sendo essa situação mais frequente entre os homens e maior entre os internados (Tabela 1). Mais da metade do grupo não internado possui situação de trabalho formal (54,02% entre os homens e 52,71% entre as mulheres). Enquanto entre os internados a maior proporção foi de trabalho informal entre os homens (57,47%), 61,54% Tabela 1. Distribuição por escolaridade entre os sexos nos grupos internados e não internados, Rio de Janeiro, 2009 – 2010 Escolaridade Analfabeto 1ª a 4ª série incompleta do Ensino Fundamental 4ª série completa do Ensino Fundamental 5ª a 8ª série incompleta do Ensino Fundamental Ensino Fundamental completo Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Superior incompleto Superior completo Fem. 46,15 7,69 7,69 15,38 7,69 7,69 7,69 Internados Masc. 6,90 32,18 11,49 33,33 9,20 2,30 3,45 1,15 - Não internados Fem. Masc. 3,10 6,32 8,53 16,09 10,85 15,52 20,16 25,29 6,98 8,05 11,63 9,20 24,03 13,22 5,43 2,30 9,30 4,02 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 197 Patrícia Valéria Costa, Ana Lúcia Senna, Luisa G. Dutra de Oliveira, Rita de Cássia A. G. Siqueira, Shirley P. Figueiredo Tabela 2. Tempo médio, em dias, para diagnóstico de tuberculose pulmonar nos grupos internados e não internados de acordo com os tipos de serviço de saúde procurados, Rio de Janeiro, 2009 – 2010 Serviços de saúde Emergência Emergência + outro(s) serviço(s) Ambulatório ou PSF ou UBS Internados 92,54 137,54 113,54 Não internados 62,44 113,67 83,44 das mulheres informaram não trabalhar, porém contam com suporte econômico familiar. Observa-se uma distribuição concentrada no grupo dos internados nas classes econômicas C2, D e E, enquanto no grupo dos não internados, C1, C2 e D, renda média familiar de até dois e três salários mínimos, respectivamente (Gráfico 1). Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, o grupo dos internados teve maior proporção entre os consumidores diários para ambos os sexos, ao passo que nos não internados a proporção de consumo eventual ou ausente foi maior. Isso também foi percebido com relação ao tabagismo, ou seja, maior proporção de fumantes entre os internados. Uma grande maioria (82,38%) dos pacientes nega uso de drogas ilícitas. O consumo de drogas foi relatado por 29% dos internados e 14% dos não internados, sendo as mais citadas maconha, cocaína e crack (Gráfico 2). Em relação à situação do domicílio, observou-se que a maior parte (66,83%) possui casa própria. Entre os internados, destaca-se um grupo de 11,11% em situação de rua e 24,42% residem sozinhos. Essa última situação foi encontrada em 10,43% dos não internados. Apesar de a maioria possuir domicílio próprio, chama a atenção a proporção dos internados que vivem em situação de vulnerabilidade em razão de não possuírem domicílio ou residirem sozinhos. A maior parte dos entrevistados (81%) referiu ter conhecimento anterior sobre a tuberculose. Destes, cerca de 58% tinham a informação por meio de familiares e/ou amigos que tiveram a doença, não havendo diferença entre os grupos de internados e não internados. Apesar disso, na amostra estudada, observou-se entre os internados uma maior dificuldade em reconhecer a necessidade de busca por assistência médica ou de qualquer outra atitude no intuito de melhorar sua condição de saúde. Entre os internados, 60,8% não utilizaram quaisquer medicamentos ou tratamentos alternativos até a busca por assistência. No grupo dos não internados essa proporção foi de 35,6%, enquanto 40,3% utilizaram automedicação. A tosse aparece como primeiro sintoma apresentado por 40,2% dos pacientes. O emagrecimento foi o sintoma mais frequente no grupo estudado, independentemente da ordem 198 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 de aparecimento. Entre não internados, a tosse representou o principal sintoma que levou o paciente a buscar assistência em 38,61% dos casos e, entre os internados, 45%. A presença de comorbidades foi de 26% entre os internados e 29,38% entre os não internados. Nos primeiros, a maior parte foi de doença psiquiátrica e diabetes, e nos demais a hipertensão e/ou diabetes representaram as condições mais frequentes. DP Os pacientes levaram em média 72,47 (±84,8) dias após o primeiro sintoma para procurarem assistência, sendo essa média de 92,54 (±86,78) dias para os internados e de 62,44 (±62,60) entre os não internados. O tempo médio de procura dos pacientes ao serviço de saúde é menor nas famílias com melhor renda. Os dados mostraram que nas famílias da classe A essa demora foi de 24,5 (±26,65) dias; as famílias da classe B levaram 54,25 (±74,76) dias; as da classe C, 68,46 (±87,56) dias; classe D, 85,12 (±84,41) dias e classe E, 88 (±88,42) dias. Os dados ainda revelaram que há maior DP entre os usuários de substâncias químicas, 86,06 (±78,79) dias, quando comparado aos pacientes não usuários, 69,54 (±85,88) dias. A análise do qui-quadrado mostrou que a escolaridade é estatisticamente significativa (p=0,0192) no tempo do paciente na procura pelo serviço de saúde a partir do aparecimento do primeiro sintoma. Neste contexto, observou-se que quanto menor o grau de instrução maior a DP – indivíduos analfabetos levaram 81,5 (±81,95) dias para procurarem o serviço de saúde; aqueles que têm ensino fundamental incompleto demoraram 77,58 (±109,76) dias; os de ensino médio levaram 59,84 (±78,17) dias e os de ensino superior foram ao serviço de saúde após 59,96 (±106,19) dias. DSS A Emergência foi o serviço mais procurado tanto pelo grupo de internados (84%) quanto pelos não internados (59,3%). Para o primeiro grupo, a resolutividade do diagnóstico nesse serviço foi de 82,4%. Destes, 79,7% foram imediatamente internados no local de diagnóstico ou encaminhados para outra unidade hospitalar e apenas 20,3% encaminhados para tratamento ambulatorial. Entre os que não tiveram o diagnóstico feito na Emergência, 66,7% procuraram mais um atendimento para a obtenção deste. Os pacientes que não conseguiram o seu diagnóstico no primeiro atendimento levaram em média mais 45 (± 56) dias para fechar o diagnóstico de TB. Para o grupo de não internados, houve diagnóstico em 44,2% dos casos que procuraram o serviço de Emergência como primeira opção. Destes, 96,4% foram encaminhados para tratamento ambulatorial. Dos que não tiveram o diagnóstico Demora no diagnóstico de tuberculose pulmonar 35 30 25 20 Internados 15 Não internados 10 5 0 A1 A2 B1 B2 C1 C2 D Gráfico 1. Distribuição por classe econômica dos pacientes estudados entre os grupos internados e não internados, Rio de Janeiro, 2009–2010 70 60 50 40 Masculino 30 Feminino 20 10 0 Usuários internados Usuários não internados Não usuários internados Não usuários não internados Gráfico 2. Distribuição percentual de usuários de drogas entre internados e não internados, Rio de Janeiro, 2009–2010 feito nesse primeiro momento, 63,3% passaram por mais dois ou três atendimentos em serviços de saúde até obterem o diagnóstico, levando em média mais 51,23 (±65,06) dias para isso. Não houve dificuldade de atendimento nos postos de saúde para a grande maioria dos entrevistados. Em média, o paciente era atendido na primeira semana, os exames solicitados eram realizados em até sete dias e o retorno para a consulta médica levava em média uma semana, totalizando 21 dias. Na identificação dos fatores que interferem no tempo para o diagnóstico, a análise das variáveis estudadas indica que para o grupo de não internados a idade (p=0,021) e renda (p=0,016) influenciaram no tempo de diagnóstico após o primeiro atendimento. Os dados mostraram que 50% da população estudada apresentava idade menor que 43 anos e neste grupo, o tempo médio de diagnóstico após o primeiro atendimento foi 61,24 (±99,96) dias, enquanto que para a outra Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 199 Patrícia Valéria Costa, Ana Lúcia Senna, Luisa G. Dutra de Oliveira, Rita de Cássia A. G. Siqueira, Shirley P. Figueiredo metade desta população este tempo foi de 56 (±60,69) dias. Em relação à renda, a população com menor poder aquisitivo levou menos tempo para o diagnóstico de tuberculose após o primeiro atendimento. Esse grupo levou em média 48,81 (±62,75) dias após o primeiro atendimento para o diagnóstico de tuberculose e a parcela de melhor renda (classes B2 a A1), em média 105,75 (±146,83) dias. DT Foram encontrados seis DT diferenciadas, considerando os dois grupos estudados (internados ou não), o tipo de serviço procurado pelo paciente e o momento do diagnóstico (Tabela 2). A DT dos pacientes que procuraram inicialmente a Emergência e tiveram o diagnóstico imediato foi de 92,54 dias entre os internados e de 62,44 dias para os não internados. A DT dos pacientes que procuraram a Emergência e não tiveram o diagnóstico feito foi de 137,54 dias entre os internados e de 113,67 dias entre os não internados. Nos casos em que o primeiro atendimento foi realizado em ambulatórios, Unidades Básicas de Saúde ou PSF, a DT foi de 113,54 dias entre os internados e de 83,44 dias entre os não internados. O grupo dos internados apresentou maior tempo em relação aos não internados, seja no atendimento realizado inicialmente pela emergência com ou sem diagnóstico. Já entre os não internados, esse tempo foi maior entre aqueles que não tiveram o diagnóstico realizado na emergência. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas ao analisar as variáveis sociodemográficas com a DT. DISCUSSÃO Os dados socioeconômicos da amostra estudada não diferem dos encontrados para a população geral da região metropolitana do RJ8. Esses dados ilustram o quanto a tuberculose no Rio de Janeiro reflete o estágio de desenvolvimento social da região que, associado à fragilidade da organização do sistema de saúde e às deficiências de gestão, limita a ação da tecnologia e, por consequência, inibe a queda sustentada das doenças marcadas pelo contexto social. A predominância de homens adultos jovens com pouca escolaridade e baixa renda são achados comuns entre os diversos estudos realizados sobre o tema5. O trabalho realizado por Benatar e Upshur10 mostra que a mortalidade e a morbidade por tuberculose nos países pobres estão mais relacionadas à estruturação da sociedade humana do que a falhas na prática médica. No estudo de Maciel et al.11, 200 Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 a análise multivariada das características sociais e clínicas dos pacientes mostrou que o consumo de álcool teve significância estatística com o tempo de procura do serviço de saúde. No presente estudo, apesar da diferença evidente entre os dois grupos estudados, o consumo de álcool não influenciou na DP. Investigações vêm mostrando que a fragilidade de relações sociais constitui fator de risco à saúde. Nos países em desenvolvimento, isso se mostra ainda mais claramente, uma vez que as redes sociais são, com frequência, a única possibilidade de ajuda com que indivíduos carentes podem contar, além de serem o único suporte para ajudar a aliviar as cargas da vida cotidiana. Uma das maneiras pelas quais podem ser compreendidas as influências positivas da rede social na saúde é a constatação de que a convivência entre as pessoas favorece comportamentos de monitoramento da saúde: um chama a atenção do outro para mudanças em sua condição de saúde, bem como podem aconselhar e incentivar a busca por assistência e a adesão ao tratamento. O apoio social que as redes proporcionam remete ao dispositivo de ajuda mútua, o compartilhar informações e o auxílio em momentos de crise12. Em 2010, numa pesquisa realizada pelo Fundo Global13 com uma amostra da população brasileira em geral, um terço dos entrevistados conhecia alguém que apresentara tuberculose. Nessa mesma pesquisa, elevado percentual declarou não saber nada sobre a doença (49,0%), porém, quando questionados sobre quais seriam os sintomas da doença, uma grande proporção dos entrevistados referiu a tosse (87,1%) e febre (34,1%). Percebe-se, assim, uma forte relação entre contato com casos de tuberculose e conhecimento sobre a doença. Isso também se aplica à população estudada no presente trabalho. A tosse foi um sintoma apresentado por mais de 40% da amostra estudada, sendo o emagrecimento o sintoma mais frequente. Já no estudo de Maciel et al.11, a tosse aparece como sintoma apresentado por 83% dos casos. A DP dos pacientes não internados (62,44 dias) difere da encontrada no estudo entre pacientes ambulatoriais realizado nas cidades de Belém e Curitiba, onde a média de demora do paciente em procurar o serviço de saúde após o início dos sintomas foi de 34 e 53 dias, respectivamente14. No presente trabalho, a escolaridade está associada à demora na busca por assistência. Maciel et al.11 encontram uma DP média de 76 dias na amostra estudada por eles. Não houve diferença entre os sexos, mas houve redução significativa da demora entre pacientes mais jovens e com melhor escolaridade. Embora esses resultados não tenham apresentado significância em análise multivariada, os autores argumentaram que pessoas com maior escolaridade tendem a ter horários mais flexíveis, assim como pessoas mais jovens, o que facilitaria seu acesso aos serviços de saúde que funcionam em horário Demora no diagnóstico de tuberculose pulmonar comercial. Já o estudo de Machado et al.15 relatou uma DP média de 30 dias e mostrou uma associação significativa de maior DP com trabalho informal, sexo feminino, distância entre a residência e a unidade de saúde, e tosse produtiva. Storla et al.5, em seu trabalho de revisão, encontraram 6 estudos que correlacionavam uso de álcool e drogas com a demora diagnóstica, 13 que apontavam a pobreza e o baixo investimento governamental como fatores de risco para essa demora e 15 que correlacionavam a baixa escolaridade e a falta de conhecimento sobre a tuberculose. No estudo realizado por Loureiro et al.16 em Vitória (ES), observou-se que, embora cerca de 38% dos pacientes tenham procurado a Atenção Primária (UBS e PSF), esse serviço foi responsável pelo diagnóstico em apenas 19,8% dos casos, enquanto para os 17,8% dos pacientes que procuraram o Programa de Controle da Tuberculose (Atenção Secundária) o diagnóstico foi realizado em 56,4% dos casos. O serviço de emergência foi a porta de entrada em 30,7% dos casos, porém com uma resolutividade de apenas 7,9%. A população do presente estudo buscou assistência majoritariamente no serviço de emergência e teve melhor resolutividade do que a apresentada no estudo citado acima embora se deva ressaltar que a condição clínica dos pacientes que necessitaram de hospitalização pode ter contribuído para o pronto diagnóstico. Observa-se que, na amostra estudada, os pacientes que haviam procurado a emergência foram adequadamente diagnosticados, retratando possivelmente extensos comprometimentos pulmonares e forte positividade no exame do escarro. No trabalho aqui apresentado, a DSS dos casos que não tiveram o diagnóstico feito na emergência foi de 45 e 51 dias para os grupos de internados e não internados, respectivamente. Esses resultados mostram um tempo maior do que o observado por Steffen et al.14 que, ao estudar 166 pacientes de 2 cidades do Brasil, encontraram uma média de 12 e 28 dias de DSS em cada uma das cidades, sendo o diagnóstico realizado em 38 e 47% dos casos num período superior a 30 dias. Entretanto, no estudo realizado por Machado17, com uma amostra composta por 218 pacientes atendidos em 8 cidades do Estado do Rio de Janeiro, o tempo para a realização do diagnóstico foi de 21 dias (8–47), sendo maior entre mulheres que viviam sozinhas, indicando maior vulnerabilidade nas condições de saúde neste grupo. A demora no diagnóstico nos serviços de saúde pode também estar relacionada à ausência de sintomas clássicos da doença, à multiplicidade das condições clínicas e radiológicas na população adulta e às dificuldades encontradas para realizar os exames de alta complexidade para confirmação diagnóstica, exigindo do médico um alto grau de suspeição diagnóstica. Maciel et al.11 mostram que a ausência da tosse esteve associada a uma DSS maior que 30 dias. Os mesmos autores18 relataram que esta é também uma dificuldade para controle da doença na infância, já que as manifestações clínicas dessa faixa etária não são muito características. Steffen et al.14 apontam que, apesar da gratuidade do acesso aos serviços de saúde e meios de diagnóstico na rede básica, a emergência é a principal porta de entrada para o paciente com tuberculose, muitas vezes em decorrência da gravidade do caso. Destacam também dois aspectos comuns em nosso meio, quais sejam, o alto custo decorrente dos atendimentos contínuos e a necessidade de internação hospitalar, além do problema da automedicação. Scatena et al.19 também observaram que a descentralização das ações para o programa de saúde da família e ambulatório não apresentou desempenho satisfatório para o acesso ao diagnóstico da tuberculose, pois a forma de organização dos serviços não foi fator determinante para a garantia de acesso ao diagnóstico precoce da doença. CONCLUSÕES Esta análise identificou tempos inaceitáveis de diagnóstico para o controle da endemia. Observa-se que o componente “demora do paciente” teve influência bastante significativa no tempo para diagnóstico na maior parte da população estudada. Apesar de somente a variável “escolaridade” apresentar associação estatística com essa demora, o tempo para procura por assistência foi maior entre os pacientes com menor renda e entre os que relataram consumo de álcool, drogas e tabaco. A elevada busca por assistência nos serviços de emergência pode refletir a tentativa dos usuários em conseguir agilidade no atendimento e diagnóstico. Embora tenhamos observado que o fluxo para atendimento de pacientes com suspeita de tuberculose nas unidades básicas tenha apresentado tempo médio adequado, em geral o esperado pelo usuário é uma demora no agendamento de consultas e na realização de exames complementares. Além disso, a limitação do horário de funcionamento das unidades de Atenção Básica pode contribuir para a menor procura nesse tipo de serviço. O longo tempo para obtenção do diagnóstico e consequente início do tratamento pode estar relacionado ao agravamento do quadro clínico e à necessidade de hospitalização observados em parte da população estudada. Há necessidade de desenvolvimento de estudos qualitativos que aprofundem a discussão sobre as razões para a demora no diagnóstico de tuberculose. Consideramos também importante estabelecer estratégias de caráter intersetorial que possam reduzir a vulnerabilidade ao adoecimento e que contribuam para a construção da capacidade social e pessoal, as quais resultem no controle da endemia. Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 195-202 201 Patrícia Valéria Costa, Ana Lúcia Senna, Luisa G. Dutra de Oliveira, Rita de Cássia A. G. Siqueira, Shirley P. Figueiredo REFERÊNCIAS 1. WHO. Global Tuberculosis Control: a short update to the 2009 report. Geneva: WHO Press; 2009. 12. Andrade GRB, Vaitsman J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde. 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