Informação e conhecimento: uma abordagem semiótica Niege Pavani1 PIBIC/CNPq Resumo: O presente texto tem por objetivo colocar em debate uma temática que percorre a história da Filosofia e da Ciência: a busca pela elucidação da natureza dos processos de aquisição e desenvolvimento do conhecimento. Neste contexto, direcionaremos nossa análise sobre o conceito de informação, que passou a ser estudado no começo de século XX por pesquisadores da área das Ciências Exatas, para os quais uma tarefa central consiste em analisar a informação quanto a sua transmissão e recepção de mensagens. Dado o caráter essencialmente técnico dessas pesquisas, não se tornou significativamente relevante os sentidos epistemológicos e ontológicos, inerentes ao conceito de informação, como sua relação com os processos de aquisição do conhecimento. O objetivo deste trabalho é justamente explicitar o caráter epistemológico e ontológico da informação, indicando seu vínculo com o conhecimento. Nesse sentido, analisaremos o conceito de informação com base na semiótica de Charles Sanders Peirce. No viés ontológico, procuraremos mostrar que informação, longe de ser uma substância, uma entidade ou coisa, pode ser caracterizada como um processo semiótico. A teoria geral dos signos proposta por Peirce fornece uma estrutura analítica segundo a qual a informação pode ser entendida como um processo triádico que depende irredutivelmente do signo, do objeto e do interpretante. Nesse sentido, a informação será concebida como aquilo que propicia a obtenção de conhecimento voltado, pragmaticamente, para a ação. Palavras-chave: Epistemologia. Filosofia da Informação. Semiótica. Abstract: This paper aims at debating an issue that passes through the History of Philosophy and Science: the quest for elucidation of the nature of processes and development of knowledge. In this context, we will direct our study on the concept of information that was initially investigated in the early twentieth century by researchers in the field of Mathematical Sciences, for whom the most important task is to analyze information in the context of transmission and reception of messages. Given the essentially technical aspect of this research, the ontological nature of information and its relation to processes of knowledge acquisition were not considered relevant. Differently, the aim of this paper is to clarify the epistemological and ontological aspects of information, indicating its link with knowledge. In order to realize this goal, we will analyze the concept of information based on Charles Sanders Peirce's semiotics. In the ontological view, we will aim at showing that information, far from being a substance, an entity or a thing, can be identified as a semiotic process. The General Theory of Signs proposed by Peirce provides an analytical framework under which information can be understood as a triadic process that depends, irreducibly, of a sign, an object and a interpretant. So, information will be conceived as that which provides the achievement of knowledge oriented, pragmatically, to action. Keyword: Epistemology. Philosophy of Information. Semiotics. * * * 1 Graduanda em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília. Orientador: Profª Drª Maria Eunice Quilici Gonzalez. Email: [email protected]. Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 138 O presente texto tem por objetivo investigar a natureza dos processos de aquisição e desenvolvimento do conhecimento. Para isso faremos um estudo do conceito de informação voltado para a explicitação dos critérios de justificação racional exigidos na constituição do conhecimento. Em seu livro, “Teoria do Conhecimento”, R. Chisholm faz uma detalhada análise da tradicional definição de conhecimento como crença verdadeira justificada. Porém, para que essa definição seja suficiente na fundamentação do saber, faz-se necessária a definição de uma justificativa universal, que abarque as varias manifestações do conhecimento. Entre as possíveis justificações, Chisholm apresenta os argumentos pautados, por exemplo, no raciocino estatístico. Porém, ele aponta que dados estatísticos (o cadastro e análise de determinados eventos com a finalidade de se verificar sua regularidade) exigem por si só um conhecimento: a capacidade de identificar a multiplicidade de uma determinada coisa, ou ainda, agrupar os dados analisados. Este tipo de definição não é suficiente para termos clareza do que efetivamente é o conhecimento e quais os processos que possibilitam a fixação deste, uma vez que estes são consolidados em nossa história tanto individual quanto coletiva. É, então, neste processo árduo que a filosofia tem se empenhado na tentativa de explicitar a natureza do conhecimento. Neste contexto, recorreremos aos argumentos e reflexões presentes na Filosofia da Mente para analisar a problemática referente à natureza do conhecimento, em especial nas propostas de Fred Dretske. Este filósofo naturalista, com preocupações em investigar a ontologia do conhecimento, encontra na Teoria da Informação, inaugurada por Shannon e Weaver (1948), uma forte tese a ser investigada e defendida. Para Dretske (1981) os componentes básicos do conhecimento são as crenças fundamentadas em informação, sendo esta o elemento fundante dos processos de aquisição de conhecimento. O processo de consolidação do conhecimento seria, nessa perspectiva, o agrupamento de critérios racionais, orientados pelo sentimento de pertinência da informação disponível no meio ambiente. A concepção naturalista de informação proposta por Dretske possui como preocupação principal a busca de uma unidade coerente que fundamentará o processo de aquisição e constituição do conhecimento. A informação aqui deve ser compreendida Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 139 como uma propriedade universal, que não é material ou energética, muito menos algo particular a um sujeito ou objeto. Contudo, ela deve ser compreendida como elemento constituinte do mundo. O aprofundamento necessário para o estudo do conceito de informação nos leva a construir um breve esboço de sua teorização, que se apresenta a partir de 1948, com o “Mathematical Teory of Comunication”, de Claude Shannon e Warren Weaver. Esse trabalho se tornou de fundamental importância para os estudos da computação e ciências exatas. Seu impacto foi tamanho que a discussão invadiu o campo das ciências humanas, inclusive da filosofia, o que acarretou o que hoje se denomina Virada Informacional na Filosofia. É relevante ressaltar que o conceito de informação começou e ser estudado com o propósito de compreender “como melhor reunir, manipular, classificar, armazenar, recuperar, disseminar, reproduzir, e interagir com o registro do conhecimento” (De TIENNE, 2005, p. 151). O direcionamento desses primeiros estudos foi basicamente técnico, sem preocupações epistemológicas ou ontológicas. Na tentativa de preencher as lacunas deixadas pelas primeiras abordagens da informação, Dretske (1981), entre outros, importou a discussão para a Filosofia. Como indicamos, o conceito de informação é despido de significado em sua abordagem técnica, o que dificulta a aceitação da tese dretskeana de que o conhecimento é assegurado através de informação “colhida” no meio ambiente no qual o agente cognitivo está localizado. Para que a informação constitua o conhecimento, Dretske ressalta que ela deve ser significativa, teorizando sobre o processo pelo qual emerge a significação da informação. Não entraremos em detalhes aqui sobre a proposta dretskeana de emergência do significado na informação. Como ferramenta fundamental para nossa investigação, analisaremos o conceito de informação significativa á luz da Semiótica de Charles S. Peirce, de acordo com a qual a informação, longe de ser uma substância, uma entidade ou coisa, pode ser identificada como um processo semiótico. Pautado pela exigência de necessidade/suficiência, Peirce (1931-1935) elabora um quadro de categorias universais a partir do qual a experiência pode ser explicitada. Esta experiência, por sua vez, se ajusta a três modos distintos de ocorrência: um primeiro presente no que é o potencial e casual (Primeiridade); um segundo, caracterizado pela existência, facticidade e resistência com a alteridade ou Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 140 transmigração da identidade (Secundidade); e um terceiro, identificado ao aspecto geral que atribui aos fenômenos, pela mediação, universalidade, hábito e pela lei, que dá identidade à informação e explicita o princípio de regularidade que nos permite identificar tal informação (Terceiridade). Nas palavras de Peirce: Primeiridade é o modo se ser daquilo que é tal como é positivamente e sem referência a qualquer outra coisa. Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é com respeito a um segundo, mas independente de qualquer terceiro. Terceiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é colocando em relação recíproca, um segundo e um terceiro. Eu chamo essas três idéias de categorias cenopitagóricas (CP 8.328). De acordo com Silveira (2007), Peirce argumenta que a Semiótica deve estar fundada sob as bases gerais da Fenomenologia. Contudo, cabe salientar que não está ao alcance desta, atribuir verdade ou falsidade a respeito daquilo que as coisas são para além dos próprios fenômenos; tal investigação pertence ao domínio da Metafísica; sendo tarefa da Lógica, por sua vez orientar a edificação da estrutura metafísica. Em seu sentido geral, a lógica [...] é apenas outro nome para semiótica, a quasi-necessária ou formal doutrina dos signos. Descrevendo a doutrina como quasi-necessária ou formal, quero dizer que observamos os caracteres de tais signos como no conhecemos. A partir dessa observação, por um processo que não objetarei denominar Abstração ou Raciocínio Abdutivo, somos levados a afirmações eminentemente falíveis e, portanto, num certo sentido, de modo algum necessárias, a respeito do que devem ser os caracteres de todos os signos utilizados por uma inteligência científica, isto é, por uma inteligência capaz de aprender através da experiência. (CP 2. 227) Para tanto, a Semiótica disponibiliza um conjunto de relações diagramáticas com a finalidade de melhor representar o fenômeno e, deste modo, antecipar as possibilidades de ação futura de uma estrutura interpretante dos signos em geral. O diagrama básico de representação dos signos proposto por Peirce nos indica que um objeto gera um signo para um interpretante. O signo tem a função de transmitir ou representar um objeto para alguma mente. Como ressalta Lúcia Santaella: A referência do signo ao objeto não é dependente de qualquer interpretação particular. Mas ao contrário, é uma propriedade objetiva do signo, propriedade de autogeração que lhe dá o poder de produzir um interpretante, quer esse interpretante seja de fato produzido ou não. (SANTAELLA, 1995, p.38) Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 141 Na citação acima, verificamos a multiplicidade da significação de um signo. No cerne deste processo teremos um fértil emaranhado de relações sígnicas; relações estas que darão vida e autonomia para a informação que estará disponível no meio ambiente. Como ressalta De Tienne em seu texto “Information in Formation”, que trabalha a informação na perspectiva peirceana, o signo eminentemente significativo para qualquer mente constitui informação de tipo genuíno. Como destaca Santaella (1995), o signo, ao encontrar ou gerar uma mente, cria outro signo equivalente ou, até mesmo, mais desenvolvido; tal signo criado constitui o interpretante do primeiro signo. Em uma relação triádica genuína, os três elementos são de natureza sígnica, sendo que aquilo que os diferencia é o papel lógico-pragmático desempenhado por cada um deles. Não é função do signo e não está em sua disposição, disponibilizar o objeto ele mesmo em todas as suas possíveis perspectivas para uma mente ou pensamento interpretador; somente por algum aspecto ou modo que lhe é próprio, o signo ficará no lugar do objeto. [...] na relação triádica, o interpretante de um signo é a manifestação de algum aspecto do objeto por meio ou através do signo. Para Peirce, o objeto determina o signo e o signo determina o interpretante, este terceiro, por sua vez, é determinado imediatamente pelo signo e mediatamente pelo objeto. Como pode ser notada, uma tríplice relação é uma exigência prioritária no que diz respeito á natureza do processo semiótico, pois é a forma lógica [semiose] de um processo que revela o modo do envolvido na cooperação diferencial de três termos. (SANTAELLA, 1995, p. 43). Tal relação tríplice está além de qualquer processo meramente reativo; o interpretante, o terceiro termo dessa relação desempenha papel fundamental na constituição triádica do signo. É exatamente esta tri-composição do signo que dá a possibilidade da emergência da informação na semiose. É através das relações triádicas que se torna possível o surgimento, a significação, interpretação e utilização pragmática da informação nos processos de aquisição e constituição do conhecimento. Nas palavras de Peirce: [...] por “semiose” quero dizer uma ação, ou influência, que é, ou envolve, uma cooperação de três sujeitos, tais como um signo, seu objeto, e seu interpretante, essa tri-relativa influência não sendo de modo algum resolúvel em ações entre pares. [...] Semiose [...] significa a ação de qualquer espécie de signo; e minha definição Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 142 confere a qualquer coisa que assim atue o título de um signo. (CP 5.484) Julgamos que a teoria semiótica Peirceana fornece um vasto aparato filosófico para o desenvolvimento de uma ontologia e uma epistemologia da informação. Em suas reflexões, Peirce caracteriza a informação de duas maneiras: no contexto lógico, informação é uma medida de predicação; no contexto metafísico, é a conexão entre forma e matéria (CP 2.418). Para o estudo que se propõe o presente texto só será relevante o contexto metafísico. É importante ressaltar o quão fundamental é o papel da semiose para os estudos da informação que envolve não só a investigação acerca do conhecimento, mas também de outras relações presentes no meio ambiente. A informação é o elemento capaz de conectar a singularidade de um determinado agente cognitivo com todas as outras possibilidades relacionais. Estamos diante de uma relação diagramática que é expandida uma vez que o agente obtém a informação e unifica suas relações sígnicas com as outras relações efetuadas por outros agentes. Nesse contexto, Peirce caracterizará informação como um processo de comunicação de uma forma, ou seja, de um hábito. Transmitida ao interpretante via signo, ou ainda, via comunicação de uma forma do objeto para um interpretante por intermédio do signo. À luz do que foi exposto, podemos agora retomar à nossa questão inicial, relativa à caracterização dretskeana de conhecimento concebido como “crença sustentada por informação”. Em que medida, a mera comunicação de uma forma ou hábito para um interpretante fornece bases seguras para a fundamentação de uma crença candidata ao conhecimento? Uma resposta a essa questão requer uma análise mais detalhada das noções de signo, forma e informação. De acordo com Queiroz, Emmechec e El-Hani (2005, p.08), utilizaremos a categorização da informação em três modos distintos: (1) Informação potencial, apresentada como um processo de comunicação de uma forma do objeto para um interpretante por intermédio do signo que, na qualidade de um primeiro, é possibilidade; ou nas palavras de Peirce, é uma “Qualidade de Impressão que um signo está apto a produzir” (CP 8. 315); (2) Informação eficiente, concebida como um processo de comunicação de uma forma do objeto para um interpretante por intermédio do signo que, na qualidade de um segundo, é efeito produzido em alguma mente. Nos casos em Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 143 que a informação, assim concebida, corresponder ao significado do signo haverá mudança no estado do intérprete; (3) Informação final, caracterizada como o efeito último do signo, entendido não como um final definitivo, mas como um limite ideal no sentido de uma regra de ação ou padrão para o entendimento do signo. Compreendendo a informação através de relações sígnicas, é possível considerá-la como um fundamento seguro do conhecimento? Nosso objetivo maior é, justamente, ressaltar a fundamentalidade da experiência como modo de atualização de nossas habilidades cognitivas no mundo da informação em que estamos inseridos. Nessa perspectiva, julgamos que uma fusão entre aquilo que está imanente no agente cognitivo e aquilo que dinamiza suas relações no mundo, quando independente de qualquer interpretação particular, pode dar lugar ao que Peirce denominou “informação genuína”. Nesse sentido, informação, como foi visto, é um produto de uma relação triádica, que envolve signo, objeto e o sujeito cognitivo. Distante de conceituações físicos e materialistas, informação se configura como aquilo que possibilita a verificação da nossa relação de pertinência no complexo sistema em que estamos inseridos. Em síntese, a problemática inicialmente apresentada, da definição de conhecimento proposta por Dretske – como crença verdadeira fundamentada em informação - foi aqui analisada na perspectiva semiótica. Empregamos a semiótica peirceana como ferramenta de sustentação da existência, emergência e significação da informação, o que, entendemos, dá subsídio à tese dretskeana. Seria então uma sinalização de que o problema do Teeteto, tão caro à filosofia tenha tido pelo menos uma sugestão para se considera a sua solução. Nosso propósito com esta análise está longe de ser o de saldar este antigo problema filosófico, mas sim o de trazer ao embate esta audaciosa e inovadora discussão colocada na Filosofia da Mente para todos os campos da Epistemologia e Filosofia Contemporânea. Referências CHISHOLM, R. Theory of Knowledge. Prentice Hall Publishers, 1989. DE TIENNE, A. Information in formation: a Peircean approach. Cognitio - Revista de Filosofia. São Paulo: Educ: Palas Athenas, v. 6, nº. 2, p. 149-165, jul./dez. 2005. Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 144 DRETSKE, F. I. Knowledge and the flow of the information. Oxford: Blackwell Publisher, 1981. ______. Naturalizing the mind. Cambridge: MIT Press, 1995. PEIRCE, C. S. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Electronic edition. Vols. I-VI. (Eds.) Hartshorne, C & Weiss, P. (1958). Vols. VII-VIII. (Ed.) Burks, A. W. Charlottesville: Intelex Corporation. Cambridge: Harvard University. 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