HABILIDADES SOCIAIS E EDUCAÇÃO: O desafio do mutismo seletivo em sala de aula Ana Cláudia Azevedo Peixoto Doutora em Psicologia Professora UFRRJ Luciana de Almeida Campos Doutora em Serviço Social Supervisora FAETEC RESUMO Este artigo visa dar informações sobre um transtorno que acomete crianças ainda pouco conhecido pela população e o público escolar, denomina-se mutismo seletivo. Em tempos em que a indisciplina tem sido objeto de estudo e reflexão, uma patologia ligada ao silêncio do aluno, precisa ser divulgada e estudada. Palavras-chave: Indisciplina, Mutismo Seletivo, Habilidades Sociais. ABSTRACT This article aims to give information about a disorder that affects children still little known by the public and the public school, called selective mutism. In times when indiscipline has been the subject of study and reflection, a condition linked to silence the student needs to be publicized and studied. Keywords: Indiscipline, Selective Mutism, Social Skills HABILIDADES SOCIAIS E EDUCAÇÃO: O desafio do mutismo seletivo em sala de aula “... Talvez temamos o silêncio por ser mais difícil esconder-nos dele e por ele tornar nossa insuficiência visível. Mas justamente aí é a encruzilhada para o crescer.Aí sucede, muitas vezes, o romper para uma nova evidência”. (Ulrich Schaeffer) Na obra entitulada "Cultura: um conceito antropológico", Roque Laraia (2001), afirma que a "Cultura é um óculos, através do qual o indivíduo vê o mundo". Sabemos que as lentes destes óculos, ou seja o modo através do qual o indivíduo irá auferir significado e sentido aos acontecimentos, dependerá do entorno cultural que subsidirá suas construções. Quando pensamos no desenvolvimento humano correlacionado à aprendizagem, precisaremos levar em conta, necessariamente como o educando relaciona-se complexamente com o mundo que o cerca. Neste sentido, a concepção de aprendizagem adotada, deverá privilegiar o ambiente do sujeito como propiciador da aprendizagem. Neste contexto, cabe um breve apontamento sobre a questão da indisciplina. Esta, caracteriza-se por comportamentos que destoam do que seria oportuno para uma aprendizagem satisfatória: "Quanto à conceituação de indisciplina e, por consequência de disciplina, definimo-la como toda ação moral executada pelo sujeito e que está em desacordo com as leis impostas ou construídas coletivamente, tendo o indisciplinado consciência ou não deste processo de elaboração. Assim, pouco importa se o aluno desobedeceu a regras colocadas de maneira arbitrária ou se as desobedeceu sem ter consciência de sua transgressão (...)."(La Taille, 2005, p. 60) Assim, conversas paralelas, comportamento opositor, zombaria entre colegas, entre outros comportamentos poderiam ser elencados como indisciplina. De maneira geral, podemos afirmar que o aluno indisciplinado costuma ser alvo de atenção e preocupação dos professores e equipe técnico-pedagógica. Contudo, o aluno "disciplinado", costuma quando muito, ser elogiado de maneira pontual, mas com freqüência obtém menos atenção do docente, por estar enquadrado e não fugir do que é estabelecido como norma. Por esta razão, muitas vezes, um comportamento disfuncional no indivíduo disciplinado, pode demorar a ser percebido, ou mesmo, ser considerado um problema. Ocorre assim, no cotidiano escolar um excesso de atenção ao aluno indisciplinado, ao passo que muitas vezes o aluno que possui bom rendimento e comportamento mais contido, pode ficar no plano da invisibilidade. De modo algum, esta assertiva não visa culpabilizar o professor. Sabemos que historicamente o magistério público vêm sofrendo transformações. A desvalorização da carreira docente, as precárias condições de trabalho e o aumento de alunos em turma, contribuem para que um olhar individualizado sobre cada estudante sejam prejudicados. De todo modo, pesquisadores que militam no chão da escola, precisam socializar conhecimentos que auxiliem o docente no seu fazer cotidiano. Este preâmbulo tem como objetivo trazer à tona uma discussão sobre um transtorno pouco conhecido no meio escolar: o mutismo seletivo. O mutismo seletivo embora alcance crianças em todas as idades, costuma ter início no período em que as crianças iniciam a vida escolar. Esse transtorno caracteriza-se por uma incapacidade da criança para falar em alguns com algumas pessoas e alguns locais, tais como: festas, rua, shopping e, principalmente, na escola, visto ser o ,local em que se espere que a criança se manifeste verbalmente e se exponha de alguma forma. Importante ressaltar, que crianças que desenvolvem o mutismo apresentam uma capacidade lingüística preservada, compreendem a linguagem e são capazes de falar com toda normalidade em lugares onde se sentem seguros e confortáveis, como exemplo, em casa e com pessoas de seu círculo mais íntimo, tais como, pais e irmãos. O fato de não falar em determinadas situações não significa que estão querendo chamar atenção ou controlar o ambiente, mas sim em demonstrar o grau de ansiedade e vergonha que sofrem, e essas emoções as inibe de falar e expressar seu comportamento não-verbal. Normalmente, elas apresentam dificuldades, além de não falar, em olhar nos olhos, dificuldade em sorrir, de se expressar em público, de ir ao banheiro, em comer na escola, de participar de aulas como educação física, artes, danças, bem como fazer provas orais. A percepção dessas crianças é que estão sendo observadas constantemente, por isso, seus movimentos ficam paralisados como estátua cada vez que elas se sentem avaliadas. Embora seja considerado um transtorno raro, sendo encontrada em menos de 1% dos indivíduos vistos em contextos de saúde mental, observamos no contexto clínico, uma incidência cada vez maior no Brasil (PEIXOTO, 2006). As causas do transtorno podem ser explicadas por três pilares: (1) herança genética, a maioria das crianças que sofrem do mutismo apresentam uma predisposição genética a experimentar sintomas de ansiedade que é exacerbada por condições estressantes ou hostis; (2) traços de temperamento, como: vergonha, timidez, preocupações excessivas, evitação social, medo, apego e negativismo e (3) interações familiares, existe um consenso de que o mutismo é mantido na presença de características familiares, tais como: relação simbiótica, dependente e controladora entre mãe e filho, mães deprimidas e passivas. As crianças que são acometidas pelo mutismo possuem uma inteligência preservada, normalmente, acima da média para a idade. Geralmente, o transtorno surge antes da idade de cinco anos (fase pré-escolar) e o grau de persistência varia de poucos à muitos anos e quando não tratados podem desenvolver na adolescência uma fobia social grave. As pesquisas indicam que a doença pode desaparecer espontaneamente, mas em geral, quando não tratada se torna crônica e altamente resistente a qualquer tipo de tratamento, tornando-se uma fobia social grave na adolescência. Atualmente, o mutismo seletivo é considerada um sub tipo de fobia social. A fobia social é uma desordem de ansiedade caracterizada por um medo persistente de uma ou mais situações sociais em que a pessoa possa ser exposta ou passar por uma situação humilhante ou constrangedora (BLACK e UHDE, 1992). As emoções que dirigem os dois transtornos parecem diferir, no mutismo seletivo prevalece a vergonha, e na fobia social o medo. O aspecto cognitivo relacionado a vergonha está relacionado a percepção de que o pessoa fez algo errado e pode ser punida por isso. No medo, existe a sensação de que algo ocorrido externamente pode ser perigoso ou ameaçador. Segundo Santos (2009), a vergonha é uma emoção auto-consciente de muita relevância aos níveis individual e interpessoal, guiando os processos de auto-regulação do comportamento interpessoal e motivando a pessoa a se comportar de determinadas maneiras. A vergonha é considerada uma emoção altamente dolorosa por implicar uma avaliação negativa global do self, por exemplo, crianças com mutismo pensam que todos a estão avaliando de uma forma pessimista e ruim e todos vão olhá-la quando ela falar alguma coisa. A vergonha então estaria relacionada de forma positiva ao senso de fracasso em falar desenvolvido por essas crianças. CONCLUSÃO: Por falar em tratamento, a terapia mais indicada para o tratamento do mutismo é a cognitivo-comportamental, pois combina técnicas que vão auxiliar a criança a manifestar a fala e desenvolver habilidades sociais importantes nessa fase da vida. O tratamento precisa envolver a família da criança, a escola que ele estuda e o próprio paciente. Aos pais, costumam ser oferecidas estratégias para lidar com um filho que sofra do transtorno. Podemos elencar algumas: a) A criança não deve ser forçada a falar; b) Os pais devem elaborar inicialmente formas alternativas de comunicação através de símbolos, gestos ou cartões; c) Não devem permitir que outras pessoas respondam pelo filho(a); d) Devem solicitar gradualmente a exposição oral da criança; e) Precisam reforçar a criança todas as vezes que houver um aumento no comportamento verbal da criança. O tipo de reforço precisa ser de preferência da criança (elogios, abraços, doces preferidos...); f) Precisam encorajá-las sempre que possível, fazer pequenas solicitações ou cumprimentos a pessoas estranhas. Ex. ir comprar pão, comprar jornal...; g) Devem evitar que seu filho seja o centro das atenções; h) É desejável Identificarem a compatibilidade com algum amigo para jogar e brincar com a criança algumas vezes dentro e fora de casa;i) Devem utilizar a dessensibilização sistemática. Por exemplo, usar um reforço quando a criança sussurrar uma palavra e gradualmente aumentar a exposição até a criança dizer uma palavra em volume normal para algum estranho; j) É oportuno planejarem passeios em família fora de casa. Já na escola, algumas estratégias devem ser utilizadas pelo docente para auxiliar a criança em tratamento. Estas incluem: a) Permitir que a criança se comunique não-verbalmente no início, para depois utilizar a comunicação oral; b) Não permitir que outros amigos respondam pelo aluno; c) Solicitar gradualmente a exposição oral da criança; d) Se possível colocar as mesas em forma de grupos; e) Reforçar positivamente interações sociais faladas ou não; f) O tipo de reforço precisa ser significativo para a criança (elogios escritos ou verbais); g) Reforçar qualquer tentativa de enfrentamento de situações interpessoais e ir ampliando progressivamente as exigências; h) Encorajá-las sempre que possível, fazer pequenas solicitações ou cumprimentos a pessoas estranhas (exemplo: pegar ou entregar material fora de sala); i) Os professores devem sempre que possível tentar iniciar conversas fora da presença de outros alunos, devem tentar também, não colocar a criança como sendo o centro das atenções, pois isso aumenta a ansiedade da criança; j) Não devem estabelecer comparações com outros companheiros; k) Não devem permitir que os demais colegas o insultem, intimidem ou riem dele(a); l) Devem estimular e envolver os colegas para que o ajudem e para que participem nas sessões de intervenção; m)O aluno não deve ter métodos de avaliação diferente da turma. Aos terapeutas que aceitaram o desafio de tratar essas crianças, os principais objetivos terapêuticos devem, entre outros, estar relacionados: Eliciar interação verbal com o próprio terapeuta, com outras crianças e adultos; Estimular o comportamento verbal na escola; Aumentar o tempo do comportamento verbal; Diminuir a ansiedade social frente a situações de interação sociais corriqueiras; Auxiliar as crianças a acalmar seus sintomas angustiantes; Capacitá-las com habilidades de enfrentamento e autocontrole em situações ansiogênicas, e de adaptação às novas situações e diminuir comportamentos de apatia e isolamento. As principais técnicas a serem utilizadas envolvem: exposição gradual, desvanecimento do estímulo, reforçamento positivo e desenvolvimento das habilidades sociais. Como não existem muitas pesquisas sobre o Mutismo Seletivo, encoraja-se que psicólogo, pais e equipe pedagógica possam se encontrar com frequência para constatar avanços e elaborarem estratégias continuamente visando maximizar a capacidade de se socializar da criança. Pois trata-se de um transtorno de altamente incapacitante, crônico e estruturante para outros problemas na área da saúde mental e escolar. Existe um pensamento que diz que "É preciso uma aldeia inteira para educar um único índio." Neste sentido, todos os envolvidos na educação e cuidados da criança devem ser interlocutores atentos e disponíveis para ocuparem-se do processo de ensino aprendizagem, em todas as suas peculiaridades, com destaque para o viés social. Professores, por ofício, como nos ensinou Freire (1987) são "dodiscentes", ou seja, devem vivenciar a docênciadiscência e assim, o componente da pesquisa em seu ofício como indicotomizáveis. Deste modo, educadores atentos e curiosos com certeza, tornarão a escola mais prazerosa e produtiva para todos os seus integrantes. REFERÊNCIAS BLACK, B. M. D., UHDE, T. W, M, D. (1992). Elective mutism as a variant of social phobia. . Journal American Academic Child Adolescent Psychiatry. Vol. 31(6): 1090-1094. FREIRE, PAULO. Paulo Freire at Highlander: A Conversation with Myles Horton em 12/1987. http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/1883, acesso em 02/09/2013. LA TAILLE, Yves de. Indisciplina/disciplina: ética, moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação, 2005. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito Antropológico. 14a. Edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. PEIXOTO, Ana Cláudia de Azevedo. Mutismo Seletivo: Prevalência, características associadas e tratamento cognitivo-comportamental. Tese de Doutorado em Psicologia, UFRJ: 2006. Disponível em: http://teses.ufrj.br/ip_d/anaclaudiadeazevedopeixoto.pdf, acesso em 02/09/2013. SANTOS, Andreia da Silva. Diferenças Individuais na tendência para a vergonha e culpa: Antecedentes Motivacionais. . Dissertação de mestrado. Mestrado Integrado em Psicologia. (Secção de Psicologia Clínica e da Saúde Núcleo de Psicoterapia Cognitiva - Comportamental e Integrativa). Universidade Celso Lisboa - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 2009.