Situação dos Direitos Humanos no Brasil

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Revisão Periódica Universal (UPR)
27a sessão
Situação dos Direitos Humanos no Brasil
Apresentação conjunta submetida por:
Conferência da Família Franciscana do Brasil – CFFB
Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP
Cáritas Brasileira
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - SINFRAJUPE
Genebra, 4 Outubro 2016
1
INTRODUÇÃO
1. A presente submissão visa contribuir para a Revisão Periódica Universal (UPR) do Brasil
durante seu terceiro ciclo, que terá lugar em 2017 na 27ª sessão. Este relatório foi elaborado
por uma coalizão de organizações do Brasil – Conferência da Família Franciscana do
Brasil (CFFB), Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), Cáritas Brasileira,
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e
Ecologia (SINFRAJUPE) - através da investigação e análise colaborativa das informações
coletadas e compiladas no local.
2. A apresentação centra-se em mudanças estruturais nas instituições e políticas, que são de
grande preocupação para organizações da sociedade civil por causa dos efeitos negativos
previsíveis sobre a realização dos direitos humanos, especialmente aqueles setores mais
marginalizados e discriminados da população no país. Em especial, descreve, referindo-se a
dados oficiais, o desmantelamento dos direitos sociais e políticas públicas no Brasil,
desencadeado pelo governo do Presidente Michel Temer desde que assumiu o cargo após o
impeachment da presidente eleita Dilma Vana Rousseff.
3. De fato, em 2012, no curso dos debates realizados no segundo ciclo de Revisão Periódica
Universal, o governo brasileiro recebeu um número significativo de recomendações
insistindo para o fortalecimento do sistema de direitos humanos no país. Durante os últimos
quatro anos, este processo revelou-se lento e frágil, e não pode satisfazer as expectativas do
segundo ciclo. No entanto, após o golpe parlamentar de 2016, esta situação foi fortemente
exacerbada pelos recentes acontecimentos políticos e a chegada ao poder do novo governo
liderado pelo presidente Temer. O Brasil está em uma trajetória descendente no
cumprimento das recomendações feitas em 2012. Por estas razões, o desmantelamento dos
direitos humanos e políticas públicas será o foco principal do presente relatório.
I. Um frágil processo de construção de instituições e políticas para a promoção e
proteção dos direitos humanos.
4. No final da ditadura e no início do processo democrático, o Congresso Constituinte foi eleito
com o mandato de elaborar uma nova Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988
foi elaborada com ampla participação da sociedade. Ela foi marcada por contribuições dos
setores populares organizados, o que deu ao texto um conteúdo claro de Estado do BemEstar Social, como garantidor dos direitos individuais, sociais, econômicos e culturais, e
criou uma rede de segurança social e processos participativos cruciais na formulação de
políticas públicas e para assegurar o controle social.
5. Para além das obrigações contraídas pelo Brasil como parte de diversos instrumentos
jurídicos de direitos humanos a nível regional e internacional, a Constituição de 1988
engloba um conjunto de artigos que reconhecem direitos e obriga a sua aplicação
progressiva. A Constituição e o mecanismo de participação social permitiu a criação de
vários programas, sistemas de proteção de direitos e redes durante as últimas décadas.
6. Desde a adoção da nova Constituição, governos eleitos promoveram a participação social na
elaboração de políticas públicas visando à universalização dos direitos; desenvolveram uma
rede de segurança social e garantiram recursos para a sua implementação. Este processo
histórico ocorreu em um momento em que as ideologias neoliberais foram predominantes no
2
cenário internacional, defendendo um Estado mínimo e políticas de privatização. A partir do
governo Fernando Henrique Cardoso ( 1995-2002) e em particular, as últimas quatro
administrações, presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e presidente Dilma Vana
Rousseff (2011-2016) destacaram-se pela implementação de processos de inclusão social.
Estas iniciativas induziram mudanças nas prioridades orçamentárias na direção da redução
das desigualdades sociais e regionais e no aumento da aplicação dos direitos de milhões de
famílias que antes sofriam de exclusão social e pobreza.
II. Do não cumprimento das Recomendações
7. O Informe do Grupo de Trabalho sobre a Revisão Periódica Universal, de 09 de julho de
2012, trouxe Conclusões e/ou Recomendações ao Brasil. A nosso ver, essas Recomendações
não foram plenamente implementadas e nem tão pouco assumidas como políticas de estado,
o que impediria retrocessos em momentos de crise institucional, como a atual.
8. No entanto, embora reconhecendo e acolhendo esses avanços, as organizações que
apresentam esta submissão insistem no fato de que, embora o projeto de ambas as
administrações Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff, ter o objetivo de inclusão
social, foi marcado pela persistência de uma discriminação e violações dos direitos dos
povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Não foram plenamente cumpridas
as recomendações para garantir os direitos dos povos indígenas e afrodescendentes, como a
recomendação 119.162; e para garantir os direitos territoriais e culturais dos povos
indígenas, como as recomendações 119.163 até 119.1690, do Informe do Grupo de Trabalho
sobre a Revisão Periódica Universal, de 09 de julho de 2012.
9. As políticas governamentais de crescimento e de desenvolvimento econômico levaram a
várias e numerosas violações dos direitos desses povos e comunidades. Na mesma linha, a
realização de grandes projetos de infraestrutura nas cidades-sede da Copa do Mundo (2014)
e dos Jogos Olímpicos (2016) impactaram negativamente sobre os direitos tanto civis e
políticos, tais como a liberdade de expressão e direitos econômicos, sociais e culturais, como
o direito à moradia, de extensos grupos da população.
10. O fracasso do Estado em implementar as medidas necessárias para proteger e promover o
acesso à terra e a outros recursos naturais do camponês tradicional, comunidades indígenas e
quilombolas levou a numerosas e generalizadas violações de uma gama de direitos humanos
dessas comunidades, incluindo os direitos a um padrão de vida adequado, para habitação
digna, alimentos e água, como expressas nas recomendações 119.131 até 119.145 (Redução
da pobreza e das desigualdades sociais e regionais) de 09 de julho de 2012. O Brasil, como
parte de diversos instrumentos internacionais de direitos humanos que garantam esses
direitos, nomeadamente o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, tem a obrigação de respeitar, proteger e cumprir esses direitos para todos.
11. As organizações que apresentam este documento estão profundamente preocupadas com os
direitos humanos dos camponeses, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
que foram enfraquecidos pela implementação lenta e frágil das políticas relativas à
demarcação de seus territórios. Além disso, a reforma agrária não foi implementada pelas
administrações Dilma Vana Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que as principais
políticas e prioridades do orçamento foram direcionadas para o fortalecimento da grande
propriedade da terra dedicada à monocultura do agronegócio.
3
12. A Relatora Especial das Nações Unidas de sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria
Tauli-Corpuz, afirma em sua declaração no final da missão que teve lugar em Março de
2016: “Povos indígenas do país inteiro repetidamente enfatizaram que, devido à ausência
prolongada de uma proteção eficaz do Estado, eles se veem forçados a retomar suas terras
para garantir sua sobrevivência. Muitos até declaram que, caso recebam ordens de despejo
ou reintegração de posse, não deixarão suas terras e, se necessário, morrerão por isso.
Efetivamente, por meio de sua paralisia, o Estado brasileiro parece estar criando as
condições para um conflito que trará, em última análise, um efeito devastador para os povos
indígenas e a sociedade como um todo”.1
13. Apesar das insuficiências, da lentidão e das fragilidades na construção de um sistema de
direitos humanos no Brasil para os segmentos mais vulneráveis, setores conservadores,
presentes na sociedade e no Estado brasileiro, que se julgavam prejudicados pelo processo
político em curso, articularam a queda da presidente Dilma Vana Rousseff através de um
golpe parlamentar, um processo de impeachment que contemplou o aspecto político formal,
mas que não comprovou a existência de crime para justificar o impeachment.
14. Desde março de 2016 e a declaração da relatora especial, os motivos de preocupação não
diminuíram. Desde que o Vice-Presidente Michel Temer assumiu interinamente a
Presidência, em abril de 2016, ele desencadeou o processo de desmantelamento das políticas
públicas, direitos sociais, rede de segurança social e de vários mecanismos de participação
social, a inclusão social e controle sociais criados após a promulgação da Constituição
Federal de 1988.
III.Cortes de recursos e ameaças à realização dos direitos: o projeto de Emenda
Constitucional 241/2016 (PEC 241) e o Projeto de Lei do Orçamento de 2017
(desmantelamento da Constituição Federal de 1988)
15. A PEC 241/2016 foi desenvolvida para limitar os gastos públicos e, é uma proposta de
emenda constitucional, que, se aprovada, irá introduzir um novo regime fiscal a vigorar para
os próximos vinte anos financeiros e estabelece, para cada ano, um limite máximo para as
despesas primárias globais aplicáveis ao Executivo e demais setores do governo federal.2 As
organizações que apresentam este documento, bem como muitas outras organizações da
sociedade civil, antecipam com grande preocupação que os cortes e limites nos recursos
públicos que podem ser alocados a programas sociais fundamentais e à acessibilidade
efetiva e funcionamento dos serviços públicos essenciais, irão prejudicar gravemente o gozo
dos direitos humanos, especialmente por parte dos indivíduos e grupos mais marginalizados
e desfavorecidos. Importante notar que duas instituições de pesquisas, uma ligada ao
governo federal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e outra da sociedade
1
Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, End of Mission
Statement, 17 Março 2016
2
Para 2017, o limite será calculado mediante a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA-IBGE) à despesa primária efectuada no ano fiscal de 2016. Para os anos seguintes, serão calculados de
acordo com o teto de cada ano anterior, ajustados para a taxa de inflação aplicável. Com o intuito de verificação
do cumprimento com cada limite anual, será considerada a despesa global para um determinado ano, incluindo os
débitos residuais relacionados com as despesas primárias.
4
civil, o Departamento Intersindical de Estudos Econômicos e Sociais, chegaram a estas
mesmas conclusões.3
16. Em outras palavras, esta proposta congela a despesa pública em termos reais, retirando a
decisão de despesa da esfera política, através do estabelecimento de um índice econômico
fixo. Este índice não possui qualquer relação com arrecadação (receita) ou com as demandas
por bens e serviços públicos (despesas), que são as variáveis fundamentais da função
alocativa de qualquer governo.4
17. Assim, a PEC 241, se aprovada, irá interromper o financiamento das políticas sociais
brasileiras, eliminando a vinculação de receitas para a educação e orçamento da proteção
social, composta de políticas de saúde, segurança social e assistência social. Tal afetação
reflete conquistas sociais que foram garantidas na Constituição de 1988, com vista ao
estabelecimento de prioridades e para a preservação da despesa pública nestas áreas sociais,
independentemente do governo em exercício. A PEC 241 irá reduzir a capacidade do Estado
para cumprir as suas obrigações nacionais e internacionais de direitos humanos. Pode tornarse um problema fundamental na proteção social no Brasil, estabelecida pela Constituição de
1988 e, em particular através da sua secção sobre a Ordem Social, a partir do artigo 193 para
o artigo 232. Todos os direitos nela consagrados ou inspirados estão ameaçados. Esta seção
inclui sete capítulos: a Seguridade Social (Saúde, Previdência social e Assistência Social);
Educação, Cultura e Desporto; Ciência e Tecnologia; Comunicação; Meio Ambiente;
Família, Infância; Adolescentes e Idosos; e Povos Indígenas.
18. As perdas totais de fundos federais previamente destinadas a áreas sociais seriam muito
significativas, caso a PEC 241 seja aprovada no Congresso. Em uma simulação para o
período de 2003 a 2015, em valores reais de dezembro de 2015, a PEC 241 teria retirado R$
3,2 trilhões de recursos federais aplicados na política social. O Gasto Público Federal seria
37% menor do que os recursos alocados para as políticas sociais nos governos anteriores. A
PEC 241 pretende projetar no futuro a restrição orçamentária atual para os próximos 20
anos, mesmo quando o país retome o crescimento e as receitas governamentais voltem a
crescer acima da inflação.5
19. A desigualdade e a pobreza continuam elevadas no Brasil, apesar do fato de que a
“proporção da população classificada como pobre reduziu cerca de 10 pontos percentuais
(....) e o Coeficiente de Gini, que mede a concentração de renda familiar per capita, diminuiu
3
O novo regime fiscal e suas implicações para a política de assistência social no Brasil, Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão,
Nota Técnica – numero 27- Setembro 2016 - DISOC
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_27_disoc.pdf;
O impacto do novo regime fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e a realização
do direito à saúde no Brasil, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Nota Técnica –número 28 - setembro – DISOC
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf;
PEC 241/2016: o novo sistema fiscal e seus possíveis impactos, Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), Nota Técnica setembro 2016 - número 161
http://www.dieese.org.br/notatecnica/2016/notaTec161novoRegimeFiscal.pdf
4
Idem nota 3
Daniel Arias Vazquez, O Plano Temer/Meireles contra o povo: O Desmonte Social Proposto pela PEC 241,
online : http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2016/07/DesmonteSocialPlanoTemer.pdf
5
Idem nota 4
5
de 0,5942 em 2002 para 0,5227 em 2014” 6 , sob a administração dos dois governos
anteriores. Esta tendência descendente de desigualdade no Brasil é semelhante à observada
nos países desenvolvidos, hoje em dia, mas esse caminho atual tem de ser mantido durante
um tempo mais longo - 25 ou 30 anos - para alcançar níveis semelhantes aos existentes hoje
naqueles países;
20. Na verdade, a preocupação das organizações que apresentam este documento é confirmada
pela proposta de orçamento para o ano de 2017 que prevê cortes bilionários de recursos para
setores como habitação popular, desenvolvimento regional e reforma agrária. Outros
programas também perderam recursos: pesca e aquicultura; redução do impacto social de
álcool e outras drogas; esporte, cidadania e desenvolvimento; recursos hídricos, promoção
da igualdade racial; políticas para mulheres e desenvolvimento, entre outros.7
21. O orçamento proposto para 2017 levou em conta o chamado teto máximo para a despesa
pública, embora o Congresso ainda não tenha aprovado o mecanismo previsto pela PEC
241. Se a PEC 241 for aprovada, os gastos do governo para o próximo ano não poderão
crescer acima do índice de inflação do ano anterior. Assim, os gastos do governo em 2017
não poderiam crescer mais do que 7,2%, que é a inflação esperada durante todo o ano de
2016.
22. Em termos absolutos, o maior corte na proposta de orçamento para o ano 2017 foi no
programa de moradia digna. São R$8,14 bilhões a menos, redução de 51%. Por meio deste
programa, o governo coordena ações que incluem o apoio técnico a estados, municípios e
setores produtivos, a promoção de mecanismos de participação e controle social nos
programas habitacionais federais e o fomento para a produção, aquisição ou requalificação
de imóveis residenciais.
23. Em um momento no qual os governadores do Norte e do Nordeste pedem mais recursos para
compensar perdas por conta da queda de repasses, o governo federal também diminuiu os
valores propostos para o desenvolvimento regional – que busca diminuir as chamadas
“assimetrias regionais brasileiras”. Nesse programa, o corte foi de R$3,69 bilhões, o
equivalente a 79% - a maior redução em termos percentuais.
24. O orçamento de 2017 propõe reduzir a alocação de recursos para programas relacionados
com as pessoas que vivem em áreas rurais: recursos para obtenção de terras para a reforma
agrária, redução de 52%; recursos para promoção de educação no campo, redução de 56%; o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que beneficia os agricultores familiares e
6
Gasto Social do Governo Central: 2002 a 2015, Tesouro Nacional – Ministério da Fazenda, online:
http://www.stn.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/Gasto+Social+Governo+Central/c4c3d5
b6-8791-46fb-b5e9-57a016db24ec
7
O Orçamento da União de 2017, que o presidente Temer propôs ao Congresso, impõe uma redução média de
30% nos valores para os 11 principais programas de governo na área social, considerando a inflação do período
(Índice Geral de Preços de Mercado - IGP-M - nos últimos 12 meses). Esta redução corresponde a R$ 29,2 bilhões
a menos para este conjunto de programas (após aplicação da taxa de inflação do período), em comparação com
o que foi apresentado por Rousseff, já sob o efeito da crise económica, no ano passado. Estes dados podem ser
constatados ao compararmos os programas e seus valores, do Orçamento da União 2017 e com os de 2016. Para
ver os Orçamentos da União 2017 e 2016 consulte:
http://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2017/proposta/proposta.pdf
http://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2016/Proposta/projeto/volume2
/01_progr_tematicos.pdf
6
comunidades tradicionais, redução de 55%; ampliação de armazéns públicos para estocagem
de alimentos, corte de 97%; desenvolvimento regional e territorial, corte de 82,8%; o apoio
ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e povos e
comunidades tradicionais terá corte de 26%; o programa “Proteção e Promoção dos Direitos
dos Povos Indígenas” terá um corte de 14,4%; reconhecimento e indenização de territórios
quilombolas terá um corte de 48,8%; obtenção de imóveis rurais para criação de
assentamentos da Reforma Agrária terá corte de 52%; a inclusão produtiva rural terá corte
de 47,4%; pesca e aquicultura, corte de 68,3%; o fortalecimento do Sistema Unificado de
Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA – terá corte de 23,2%; subsídios para o
abastecimento móvel fluvial na Amazônia terá corte de 96,6%.8
25. Em termos totais, o programa de reforma agrária teve sua previsão de gastos reduzida, de
R$2,08 bilhões, em 2016, para R$1,1 bilhão em 2017, um corte de R$980 milhões ou 47%.
Esporte e Cidadania, nesta comparação, perderam R$ 618 milhões e devem contar no ano
que vem com R$722 milhões, queda de 46,11%. Programas menores também sofreram
redução. É o caso das políticas para mulheres, que na proposta de orçamento de 2016
contavam com R$121 milhões e, em 2017, terão R$81,6 milhões, corte de 32,5%. Também
caiu a previsão de gastos com promoção da igualdade racial, corte de R$13,3 milhões ou
35,4% e promoção de direitos da juventude, com redução de R$7,8 milhões ou 33,9%.9
26. Além disso, as organizações que apresentam este documento antecipam uma regressão na
igualdade de gênero onde o orçamento proposto para 2017 apresenta cortes no programa
"Políticas para as Mulheres: promoção da igualdade e combate à violência" de 40%
comparado com o orçamento previsto pelo governo Dilma Rousseff, há um ano. Esse
percentual é semelhante ao recuo de 42,2% previsto pelo governo para o programa
"Promoção da igualdade racial e superação do racismo" em 2017. A este respeito, as
organizações que apresentam este documento chamam atenção para o fato de que apenas
uma mulher foi nomeada para encabeçar um Secretariado (nenhuma como Ministro) sob o
novo governo.
IV. Enfraquecimento das políticas e dos recursos das áreas de desenvolvimento territorial;
trabalho forçado; saúde pública e educação pública
27. A política de desenvolvimento regional e territorial no Brasil foi implantada como um
modelo de gestão de políticas públicas descentralizado, participativo e voltado para a
inclusão de pessoas e lugares pobres. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) era
a entidade pública responsável pela execução das políticas de desenvolvimento territorial no
Brasil. Como resultado da adoção do programa "Territórios da Cidadania", vários
ministérios adotaram a abordagem territorial para implementar políticas públicas integradas
nos municípios menores e mais remotos do Brasil. A abordagem territorial do
desenvolvimento obteve, também, adesão das pequenas cidades rurais, onde se concentra
parte da população pobre. Nessas regiões, caracterizadas pelo inadequado acesso a serviços
e equipamentos públicos que garantem direitos e qualidade de vida, se encontravam
integrados à política de desenvolvimento territorial 243 municípios, já reconhecidos pelo
8
Gerson Teixeira, Um Panorama do Agrário na PLOA 2017, Publicação interna Congresso Nacional.
Alexandro Martello, Habitação e reforma agrária podem ter corte bilionário no orçamento 2017, G1 Globo, 7
September 2016, online : http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/09/habitacao-e-reforma-agraria-podemter-corte-bilionario-no-orcamento-2017.html
9
7
Programa Nacional de Territórios Rurais.10 Com os cortes acima descritos o governo Temer
interrompe e compromete a execução desta política territorial.
28. O Brasil tornou-se uma referência internacional na luta contra o trabalho forçado, tanto do
ponto de vista de suas políticas públicas e sua implementação. Este foi particularmente o
caso em relação às suas atividades de proteção dos trabalhadores escravizados, promovendo
a sua inclusão social e punindo empresas que utilizam trabalho forçado. Desde 1995, essas
políticas ajudaram a salvar mais de 50.000 pessoas de trabalho forçado.
29. No entanto, aqueles que se beneficiam da escravidão moderna começaram a mostrar
resistência considerável. 11 Ataques dos detratores da luta contra o trabalho forçado
assumiram a forma de muitos processos judiciais e tentativas de demolir a estrutura legal e
institucional subjacente à política. Os seus alvos específicos são: o conceito jurídico em
vigor desde 2003 (Lei 10.803, que altera o artigo 149 do Código Penal), a neutralização da
Lista Suja; a flexibilização da legislação e liberalização da terceirização. É bom salientar,
como exemplo, o fato de que o Brasil ainda não ratificou importantes convenções, como a
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Além disso, a adaptação da sua legislação em
conformidade com as disposições do Protocolo de Palermo ainda está pendente.
30. Com o governo instalado pelo golpe parlamentar de agosto de 2016, os setores que se
esforçam há anos para flexibilizar os direitos dos trabalhadores e a legislação do trabalho
aumentaram claramente a pressão sobre direitos sociais. Em particular, eles procuram
maximizar e facilitar a terceirização nas relações de trabalho; favorecer o negociado sobre o
legislado na efetivação dos direitos; restringir a definição de trabalho forçado; enfraquecer a
inspeção do trabalho, tanto em termos qualitativos e quantitativos. Em poucas palavras: abrir
a porta para o recrudescimento do trabalho forçado.
31. Há sinais de que estamos em rota de desmobilização no combate ao trabalho escravo e em
direção a um eventual desmantelamento de instrumentos fundamentais desta política,
contribuindo à maior ocultação da questão. Neste cenário de possíveis retrocessos, as
recomendações formuladas pelo escritório da ONU no Brasil resumem de forma adequada
os anseios da sociedade civil e de todos os setores empenhados na erradicação efetiva do
trabalho escravo.12
32. Na questão da Saúde, em pouco mais de três décadas o Sistema Único de Saúde (SUS)
mostrou-se não só viável como essencial. É um pilar da garantia dos direitos sociais em
contraposição ao mercado. É responsável por 90% a 95% das cirurgias de coração,
10
Huberto Oliveira, et al., Política Territorial e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Sem democracia não
há desenvolvimento, nem esperança para os territórios rurais no Brasil, Plataforma Política Social, 25 June
2016, online: http://plataformapoliticasocial.com.br/artigo-29-politica-territorial-e-objetivos-dedesenvolvimento-sustentavel-sem-democracia-nao-ha-desenvolvimento-sustentavel-nem-esperanca-para-osterritorios-rurais-do-brasil/
11
Xavier Plassat, OP, Trabalho Escravo, 2015: Recuo dos números, crescimento das ameaças, Comissão Pastoral
da Terra, 10 january 2016, online : http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/trabalhoescravo/3050-trabalho-escravo-2015-recuo-dos-numeros-crescimento-das-ameacas
12
ONU.BR Position Paper - Trabalho Escravo ABR 2016.pdf
https://www.dropbox.com/s/2mgu47p650pixgk/ONU.BR%20-%20Position-paper-trabalhoescravo%20ABR%202016.pdf?dl=0
8
tratamentos oncológicos e transplantes de órgãos. Realiza um milhão de internações por
mês; 3,5 bilhões de atendimentos por ano e a assistência primária cobre 60% da população
com a Estratégia de Saúde da Família.13
33. O SUS como um sistema público de saúde se encontra em um processo de
desmantelamento, sendo levantadas várias propostas por parte do novo governo no sentido
de reduzi-lo ou entregá-lo às empresas privadas. Importante lembrar que com a PEC 241 irá
promover um forte desmonte material do SUS, com a fixação do financiamento do sistema
pelo governo federal, sem levar em conta o crescimento da população e o comportamento da
sua curva etária ou a presença de novas epidemias.
34. Aprovado pelo Senado, o fim do controle da exploração do pré-sal pela Petrobrás promete
comprometer uma das fontes de recursos mais importantes para a educação pública no
longo prazo. A tendência é de redução da receita de royalties do petróleo para o Fundo
Nacional do Pré-Sal, que destina 75% dos recursos à educação pública. Recentemente, o
Ministério da Educação e Cultura interrompeu a concessão de novas bolsas de intercâmbio
internacional do “Ciência Sem Fronteiras” para estudantes de graduação. Além disso o
Ministério suspendeu a abertura de novas vagas e não deve disponibilizar mais
oportunidades para os estudantes de ensino técnico e universitário em 2016.14
V. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
35. À luz do exposto, as organizações que apresentam este documento requererem ao Estado
brasileiro que mantenha o progresso anterior na proteção social e mantenha a consolidação
institucional, política e o quadro jurídico que apoiou o processo passado, com base no
diálogo democrático com a sociedade como um todo e com a participação da sociedade civil
organizada nas instancias responsáveis pela concepção, monitoramento e melhoria
permanente das políticas públicas.
Em particular, apelamos a que o Estado brasileiro:
- Não aprove o projecto de alteração PEC 241 que autoriza os cortes e limites para gastos
públicos sociais, etc.
- Certifique-se de que a transformação da MDA em secretariado sob Casa civil não afete as
capacidades, prerrogativas/poderes e recursos das instituições e prossiga com seus
programas.
-Assegure e garanta os direitos dos quilombolas e povos indígenas.
-Assegure a igualdade de gênero e a sua promoção, em particular reverta as últimas
tendências na redução da representação das mulheres no Poder Executivo.
13
Amélia Cohn, A ofensiva raivosa no desmonte do SUS, Plataforma Política Social, 11 June 2016, online:
<http://plataformapoliticasocial.com.br/artigo-15-a-ofensiva-raivosa-no-desmonte-do-sus/.
14
Miguel Martins, “Escola sem Estado”. Revista Carta Capital, 14 de setembro de 2016. Miguel Martins, Escola
sem Estado, Revista Carta Capital, 14 September 2016, online :
http://www.cartacapital.com.br/revista/918/em-curso-o-desmonte-da-educacao-publica
9
- Abstenha-se de passar leis e políticas que resultem em uma prevenção mais difícil de
combate do trabalho forçado.
36. Finalmente, que o Estado brasileiro respeite a mobilização popular e acolha a participação
social na consolidação das suas conquistas, aprimorando sempre tais processos e nunca
permitindo o desmonte das políticas públicas e dos direitos constitucionais no país.
10
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