1 Cosmos: uma aproximação contemporânea aos segredos do Universo Ricardo Vélez Rodríguez Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF. [email protected] A disciplina Cosmologia ocupava, até algum tempo atrás, um lugar secundário nos cursos de Filosofia. Lembro-me de que, na Universidade Javeriana de Bogotá (onde cursei a Licenciatura em Filosofia, nos anos sessenta do século passado), o estudo da disciplina se reduzia à análise do pensamento escolástico, não superando, portanto, o alcance das categorias aristotélicas, retomadas pelo Neotomismo. Verdadeiro esforço de criação lingüística era necessário para traduzir, no latim escolástico, conceitos como “energia”, “massa”, “aceleração”, “elétron”, “nêutron”, etc. Quando me radiquei no Brasil, no final da década de 1970, após os estudos de Doutorado na Universidade Gama Filho, encontrei uma realidade semelhante, no que tange à mencionada disciplina. Concursei, no final de 1984, no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora, para a cadeira “Cosmologia”. Os itens a serem desenvolvidos, no concurso público, pareciam tomados do índice de um tratado cosmológico medieval. Eu era consciente de que programa de concurso público não se discute, cumpre-se. Com a finalidade de me preparar para as provas, pedi à minha mãe que me enviasse os antigos livros de Cosmologia, que tinha deixado na casa paterna, em Medellín, quando vim ao Brasil, no início de 1979. Submeti-me, assim, ao Concurso de 2 Provas e Títulos aberto pelo Departamento de Filosofia da UFJF, para a cadeira de Cosmologia. Tendo sido aprovado, tomei posse. Passei, nas minhas aulas, a desenvolver um programa em que, além dos conceitos aristotélicos sobre o cosmo, abordava o contexto em que tinha sido pensada a ciência antiga pelo Estagirita. A ementa adotada relacionava a cosmologia aristotélica com os conceitos metafísicos de potência e ato, bem como com as categorias de matéria e forma, além da teoria da causalidade e a filosofia da natureza. Com o correr dos anos, no final da década de 1990, terminei consolidando um programa de leituras mais amplo que abarcava, também, a exibição de filmes. Isso com a finalidade de tornar a abordagem da cosmologia grega uma matéria mais interessante para o número crescente de alunos que procuravam o curso de filosofia. Sempre acreditei que a democratização do conhecimento deveria ser uma das funções essenciais da Universidade no mundo atual. Tinha firmado, ainda mais, esta convicção, ao ensejo da minha participação no ambicioso programa de Humanidades, que o diplomata Carlos Henrique Cardim desenvolveu, ao longo da década de 1980, nos Cursos à distância da Universidade de Brasília,1 cujo reitor, o físico e capitão de mar-e-guerra da Marinha do Brasil, José Carlos de Almeida Azevedo, era um decidido partidário da experiência da Open University inglesa. Consolidei, então, dois programas de Cosmologia: o primeiro, dedicado ao estudo da cosmologia antiga e medieval, desenvolvia uma abordagem histórica, com a finalidade de mostrar aos alunos a forma em que, no seio das antigas civilizações, os rudimentos da ciência sobre o cosmo ocupavam lugar de destaque, ao lado das antigas cosmogonias. O segundo programa, dedicado ao estudo da cosmologia moderna e contemporânea, analisava a forma em que, pela mão da nova ciência da natureza formulada por Galileu, Kepler e Newton, surgia uma concepção de cosmo que se distanciava paulatinamente das antigas cosmogonias e fixava os seus achados com o auxílio de um método que, de um lado, levava em consideração os dados da experiência e, de outro, se alicerçava numa concepção da razão crítica, que fundamentava os seus próprios princípios independentemente de outras variáveis não redutíveis à razão crítica, como as antigas mitologias ou a tradição religiosa. O programa enfatizava um ponto especialmente: a nova ciência da natureza de Galileu e Newton distanciava-se das preocupações metafísicas (enquadradas, pelo fundador da Royal Society, na “perspectiva dinâmica” que averiguava qual seria a causa última dos fenômenos) e aproximava-se daquilo que Newton denominava de “perspectiva cinemática”, 1 A minha participação nos Cursos à distância da Universidade de Brasília, no período compreendido entre 1979 e 1983, deu-se por convite do meu mestre Antônio Paim, que tinha sido o meu orientador na dissertação de Mestrado, na PUC do Rio de Janeiro e que era, também, o meu orientador na pesquisa para a tese de doutorado em filosofia, na Universidade Gama Filho. Ao ensejo da nossa colaboração com Carlos Henrique Cardim, foi preparado, sob a coordenação de Antônio Paim, o primeiro curso à distância na área do pensamento brasileiro, com 13 unidades que abarcavam o panorama da história das idéias políticas no Brasil, sob o título de: “Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro”. Este curso teve uma primeira edição, em 1982, pela Editora da Universidade de Brasília. Após o fechamento, nesta Universidade, do Decanato de Extensão, em 1984, a Universidade Gama Filho organizou programa semelhante sob os auspícios do então vice-reitor acadêmico Manuel Gomes Tubino, tendo dado essa experiência ensejo à segunda edição, em 1994, do “Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro”. Foi criada, nesta Universidade, a unidade acadêmica de Ensino à Distância, que funcionou até o final da década de 90 do século passado. 3 centrada, exclusivamente, no estudo dos fenômenos e das suas relações constantes, sem preocupações de índole metafísica e utilizando, de forma sistemática, a linguagem matemática. Era destacado no programa, outrossim, o caráter precursor que essas duas perspectivas tiveram para a formulação, na meditação filosófica do século XVIII (com Hume e Kant), da perspectiva gnosiológica crítica ou transcendental, contraposta à perspectiva realista ou transcendente (formulada por Platão e Aristóteles). Em 2005 decidi centrar o programa de Cosmologia II no estudo do curso “Cosmos” preparado por Carl Sagan com a ajuda de uma equipe de cientistas e experts em comunicação, com uma versão em vídeo e com a correspondente edição em livro. Foi assim como desenhei o atual programa, com uma seleção dos textos de Sagan contidos no livro Cosmos e com a apresentação dos 13 filmes que integravam o seriado para TV. Selecionei os seguintes 10 capítulos da obra de Sagan: 1 – As fronteiras do oceano cósmico. 2 – Uma voz na fuga cósmica. 3 – A harmonia dos mundos. 4 – Céu e inferno. 5 - Toadas para um planeta vermelho. 6 – Histórias de viajantes. 7 – A espinha dorsal da noite. 8 – Viajando no espaço e no tempo. 9 – As vidas das estrelas. 10 – O limite do eterno. A seleção dos textos que acabo de mencionar era acompanhada por um “Apêndice”, de minha autoria, intitulado: “Filosofia e ciência moderna: as abordagens de Koyré e Popper”, que tinha como finalidade mostrar de que forma era possível explicar, do ângulo filosófico, a aventura da ciência moderna, quer do ângulo da perspectiva realista firmada por Platão (ponto de vista adotado pelo historiador e filósofo da ciência Alexandre Koyré), quer do ângulo da perspectiva crítica ou transcendental kantiana (adotado pelo filósofo Karl Popper). É claro que destacava a minha avaliação pessoal em relação a esse panorama, mostrando de que forma era mais conseqüente, com as exigências da razão, o ponto de vista kantiano. Mas deixava sempre, em aberto, a possibilidade da perspectiva realista, firmada na modernidade por pensadores de grande categoria como era o caso de Leibniz e, na contemporaneidade, por historiadores da ciência da talha de Koyré. Aprendi essa relativização das perspectivas epistemológicas com o meu mestre Antônio Paim.