História do Pensamento Geográfico Para compreender o espaço geográfico, portanto, precisamos entender as relações sociais e as marcas deixadas pelos grupos humanos na paisagem no decorrer da história. Na verdade, precisamos entender as relações próprias da natureza, as relações próprias da sociedade e, de forma integrada, as relações entre a sociedade e a natureza. É a isso que a geografia enquanto ciência se dedica hoje e é por isso que estudamos essa disciplina na escola. A origem da geografia é antiga. Desde a Antiguidade muitos pensadores elaboraram estudos considerados geográficos, embora o conhecimento fosse disperso e desarticulado, vinculado à filosofia, à matemática e às ciências da natureza. Na Grécia Antiga, Heródoto (484-420 a.C.), Eratóstenes (275-194 a.C.) e Estrabão (63 a.C.-entre 21 e 25 d.C.), entre outros, analisaram a dinâmica dos fenómenos naturais, elaboraram descrições de paisagens e estudaram a relação homem-natureza. Mesmo durante o período em que estiveram sob o domínio romano, os gregos continuaram desenvolvendo seus estudos teóricos3. Nas obras de Cláudio Ptolomeu, como a que se intitula Geografia, encontramos, por exemplo, importantes registros geográficos, cartográficos e astronómicos. Ele viveu em Alexandria aproximadamente entre os anos 100 e 180 de nossa era, período em que o Egito era parte do Império Romano, mas seus estudos só foram redescobertos no século XV. Os conhecimentos legados por Ptolomeu, como o de um sistema de projeção e coordenadas, ajudaram na produção de mapas mais precisos, fundamentais para a expansão marítima europeia do século XVI. No século XVIII diversos filósofos contribuíram para o desenvolvimento da geografia, com destaque ao alemão Immanuel Kant (1724-1804), um dos primeiros a se preocupar com a sistematização do conhecimento geográfico. Kant influenciou fortemente seus compatriotas fundadores da geografia como ciência: Alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859). Em meados do século XIX os dois cientistas alemães gradativamente sistematizaram o arcabouço teórico-metodológico da geografia, que se transformou em disciplina académica, passando a ser pesquisada e ensinada nas universidades. Humboldt foi um importante explorador, fez viagens pela América e em Cosmos, sua obra maior? Sintetizou anos de estudos geográficos. No final do século XIX, outro importante pesquisador alemão - Friedrich Ratzel (1844-1904) - definiu a geografia como ciência humana, embora na prática a tenha tratado como ciência natural. Considerou a influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade como objeto de estudo da disciplina. Seus discípulos radicalizaram suas ideias, dando origem ao "determinismo geográfico". Além disso, Ratzel foi um dos principais formuladores da geopolítica. A relação entre o Estado e o espaço é central em sua obra mais importante Antropogeo-grafia. Segundo ele, a partir do momento em que uma sociedade se organiza para defender um território, transforma-se em Estado5. Donde se depreende que o território é o espaço geográfico sob o controle de um poder instituído - o Estado nacional. Porém, há situações em que outro agente pode controlar um território, por exemplo, um grupo guerrilheiro, muitas vezes, em disputa com um Estado. No início do século XX, um geógrafo francês - Paul Vidal de Ia Blache (1845--1918) - passou a criticar o método puramente descritivo e a defender que a geografia se preocupasse com a relação homem-meio, posicionando os seres humanos como agentes que sofrem influência da natureza, mas que também agem sobre ela, transformando-a. Ele inaugurava, em contraposição ao "determinismo", uma corrente teórica conhecida como "possibilismo", ambas posteriormente rotuladas como "geografia tradicional". A geografia lablachiana, embora tenha avançado em relação à visão naturalista de Ratzel, não rompeu totalmente com ela; a disciplina continuava sendo uma ciência dos lugares, não dos homens6. Assim, até meados do século XX a grande maioria dos geógrafos se limitava a descrever as características físicas, humanas e económicas das diversas formações socioespaciais, procurando estabelecer comparações e diferenciações entre elas. Nesse período desenvolveu-se a geografia regional, fortemente influenciada pela escola francesa, e o conceito de região ganhou importância na análise geográfica. A região pode ser conceituada como uma determinada área da superfície terrestre, com extensão variável, que apresenta características próprias e particulares que a diferencia das demais. Desde então região ficou associada à noção de particularidade7 e pode ser definida por diversos critérios. Pode ser natural, quando o critério de distinção é a paisagem natural, ou geográfica, se a diferenciação for económica, social ou cultural. Antes as regiões tinham relativa autonomia sociocultural e económica e os estudos de geografia regional eram dominantes. Atualmente, com o avanço da globalização, as regiões estabelecem cada vez mais relações entre si, as conexões aumentaram significativamente. Embora tenha um importante papel no desenvolvimento da geografia como ciência, a geografia tradicional nos legou um ensino escolar centrado na memorização de lugares, dados estatísticos sobre população e economia, características físicas de relevo, clima, vegetação e hidrografia. Essa estrutura perdurou até a segunda metade do século XX, quando a descrição das paisagens, com seus fenômenos naturais e sociais, passou a ser realizada de forma mais eficiente e atraente pela televisão. A partir daí, os geógrafos foram obrigados a buscar novos objetos de estudo que permitissem à geografia sobreviver como disciplina escolar no ensino básico e como ramificação das ciências humanas em nível universitário8. O processo de mudança do objeto de estudo da disciplina teve seu divisor de águas na década de 1970, quando a geografia passou por uma efervescente renovação em suas bases teórico-metodológicas. Esse processo teve como um dos pioneiros o geógrafo francês Yves Lacoste (1929), que em 1976 publicou A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Essa obra balançou as estruturas da geografia tradicional ao denunciá-la como instrumento ideológico a serviço de interesses políticos e económicos dominantes. Mas, ao mesmo tempo, indicou caminhos para a renovação crítica da disciplina. Lacoste denunciou a existência da "geografia dos Estados-maiores" - a serviço de Estado e do capital, ou seja, a geopolítica - e da "geografia dos professores" ensinada nas salas de aula e materializada nos livros didáticos. Segundo ele, a última acabava cumprindo a função de mascarar o papel da geopolítica e seus vínculos com os interesses dominantes. No Brasil um dos pioneiros nesse processo de renovação foi o geógrafo Milton Santos, com a obra .Por uma geografia nova, de 1978. Enquanto a renovação na França e no Brasil teve forte influência do pensamento de esquerda, sobretudo do marxismo, nos Estados Unidos a contraposição à corrente tradicional foi a geografia quantitativa ou pragmática. Essa vertente da renovação condenava o atraso tecnológico da geografia tradicional e passou a utilizar sistemas matemáticos e computacionais na interpretação do espaço geográfico. Essa corrente tecnicista e utilitarista, que mascarava os conflitos e as contradições sociais denunciados pelos geógrafos críticos, era uma perspectiva conservadora, a serviço do status quo. O fim do socialismo real reduziu a influência do marxismo nas ciências humanas, o que abriu caminho para a difusão de outras correntes teórico-metodológicas na geografia crítica, como a fenomenologia e o existencialismo, ao mesmo tempo em que as correntes críticas passaram a valorizar as novas tecnologias computadores, satélites, sistemas de informações geográficas (SIG) etc., na interpretação do espaço geográfico.