Ciência Animal 1998,8(1):31-35 MOMENTO DO PIQUE PRÉ-OVULATÓRIO DE HORMÔNIO LUTEINIZANTE EM CABRAS DURANTE O ESTRO SINCRONIZADO E NATURAL (Time of preovulatory luteinizing hormone peak in goats during synchronized and natural estrus) Marcelo Ivan Rojas BURGOA, Daniel Maia NOGUEIRA & Vicente José de Figueirêdo FREITAS* Universidade Estadual do Ceará/ Faculdade de Veterinária RESUMO O objetivo deste estudo foi determinar o momento do pique pré-ovulatório de LH em caprinos durante o estro sincronizado e natural. Para tanto, 15 cabras adultas, sem raça definida, tiveram o estro sincronizado através de esponjas vaginais impregnadas com 45 mg de FGA durante 11 dias e injeções intra-musculares de 200 UI de eCG e 50 µg de cloprostenol. Amostras de sangue foram colhidas a cada quatro horas e durante 24 horas, começando-se no momento do início do estro. Uma laparoscopia foi realizada sete dias após o estro sincronizado a fim de determinar o número de ovulações. O estro seguinte (natural), foi monitorado da mesma maneira que o sincronizado. Não foi observado efeito (P>0,05) do tipo de estro para os parâmetros: porcentagem de cabras em estro e que ovularam (100,0% vs 100,0% e 86,7% vs 80,0%, respectivamente). A porcentagem de cabras que apresentaram um pique de LH foi maior (P<0,05) durante o estro sincronizado que no natural (100,0% vs 60,0%). O intervalo médio (± d.p.) entre o início do estro e o pique de LH foi semelhante para o estro sincronizado e natural (13,3 ± 5,2 h vs 15,6 ± 5,8 h, respectivamente). Não observou-se diferença para o número médio (± d.p.) de ovulações entre o estro sincronizado e natural (1,3 ± 0,9 vs 0,9 ± 0,6, respectivamente). O pique pré-ovulatório de LH em cabras ocorre em momentos semelhantes, independentemente do tipo de estro. PALAVRAS-CHAVE: caprino, pique de LH, estro sincronizado, estro natural. ABSTRACT The aim of this study was to determine the time of preovulatory LH peak in goats during both synchronized and natural estrus. Fifteen adult goats of undefined breed had their estrus cycle synchronized by vaginal sponges impregnated with 45 mg FGA during 11 days and intramuscular injetions of 200 IU eCG and 50 µg cloprostenol. Blood samples were collected every four hours during 24 hours, beginning at the time of estrus onset. Laparoscopy was performed seven days after estrus in order to determine the number of ovulations. The next estrus (natural) was monitored similarly to the synchronized estrus. No effect (P>0.05) of estrus type was observed for the parameters: percentage of goats in estrus and ovulating (100.0% vs 100.0% and 86.7% vs 80.0%, respectively). The percentage of goats showing LH peak was greater (P<0.05) during synchronized estrus (100.0% vs 60.0%). The mean (± s.d.) interval between the estrus and LH peak was similar for both synchronized and natural estrus (13.3 ± 5.2 h vs 15.5 ± 5.8 h, respectively). No significant difference (P>0.05) was observed between synchronized and natural estrus for the mean number (± s.d.) of ovulations: 1.3 ± 0.9 vs 0.9 ± 0.6, respectively. The preovulatory LH peak in goats occurs at similar time irrespective of the estrus type. KEY WORDS: goat, LH peak, synchronized estrus, natural estrus. * Autor para correspondência: Av. Paranjana, 1700, 60740-000 Fortaleza, Ceará. e-mail:[email protected] 31 INTRODUÇÃO O ciclo estral na espécie caprina, como nas demais espécies domésticas, corresponde ao período delimitado por dois estros consecutivos. Na cabra não gestante, manifestações de estro sucedem-se a intervalos regulares de 21 dias (CHEMINEAU et al., 1991). Nesta espécie, a ocorrência do estro é geralmente associada a uma ou várias ovulações que ocorrem dentro de 30 a 36 horas após o início do estro (HAFEZ, 1993). O início do estro é um dos parâmetros para prever o momento em que ocorrerá a ovulação. Geralmente a inseminação artificial (IA) é programada em relação ao início do estro. Portanto, estabelecer o momento ótimo da IA implica em conhecer a relação entre o início do estro, o pique pré-ovulatório do hormônio luteinizante (LH) e a ovulação (SILVA & NUNES, 1984, QUINTERO & CERÓN, 1996). MAUREL & COMBARNOUS (1994) descreveram que o momento do pique préovulatório de LH é um dos melhores parâmetros para prever o momento da ovulação, pois o intervalo entre a ocorrência do pique de LH e a ovulação é bastante constante para as várias espécies domésticas. Este trabalho teve por objetivo determinar o momento do pique pré-ovulatório de LH em cabras durante o estro sincronizado e natural, e portanto vislumbrar a possibilidade de prever momentos de IA diferentes conforme o tipo de estro. MATERIAL E MÉTODOS Local e animais experimentais: O trabalho foi realizado no Laboratório de Fisiologia e Controle da Reprodução da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, Ceará. Fortaleza está localizada em uma planície litorânea a 3°43’47” de latitude sul e 38°30’37” de longitude oeste; com temperatura, umidade relativa do ar e precipitação pluviométrica médias anuais de 27°C, 75% e 1100 mm, respectivamente (SUDEC, 1993). 32 Foram utilizadas 15 cabras adultas, sem raça definida, com peso e idade média de 35 kg e dois anos, respectivamente. Os animais eram criados em aprisco de piso ripado suspenso e alimentados duas vezes ao dia com capim elefante (Pennisetum purpureum) e concentrado com 18% de proteína bruta. A água era oferecida à vontade. Tratamento hormonal de sincronização do estro As cabras tiveram o estro sincronizado pelo uso de esponja vaginal impregnada com 45 mg de acetato de fluorogestona (FGA, Chronogest, Intervet, França), a qual permaneceu na porção craneal da vagina por 11 dias. No nono dia do tratamento progestágeno foram aplicados, por via intra-muscular, 200 UI de gonadotrofina coriônica equina (eCG, Chrono-gest, Intervet, França) e 50 µg de cloprostenol (Estrumate, Pitman-Moore, França). Detecção do estro e colheita de sangue Doze horas após a retirada da esponja, procedeu-se a detecção do início do estro com auxílio de um rufião, em intervalos de 4 horas até a última fêmea apresentar estro. A partir do início do estro, foram colhidas amostras de sangue (5 ml), em intervalos de 4 horas, em tubos vacutainer heparinizados durante 24 horas. O sangue foi imediatamente centrifugado a 3000 rpm durante 15 minutos. O plasma foi pipetado e congelado para posterior dosagem de LH através do método de radioimunoensaio (RIA), segundo a técnica descrita por PELLETIER et al. (1982). Sete dias após o estro, foi realizada uma laparoscopia (OLDHAM & LINDSAY, 1980) em cada cabra a fim de verificar a ocorrência e o número de ovulações. Dezoito dias após o estro sincronizado, o rufião foi colocado na presença das fêmeas duas vezes ao dia (manhã e tarde) para observação do estro natural subsequente. Após a detecção do início do estro natural, os procedimentos para colheita de sangue e laproscopia foram semelhantes àqueles descritos para o estro sincronizado. Análise estatística O momento médio do pique préovulatório de LH e o número de ovulações para os estros sincronizado e natural foram comparados pelo teste t após a realização da ANOVA. O grau de sincronismo do momento do pique de LH para os dois tipos de estro foi comparado pelo teste não paramétrico de Kolmogorov-Smirnov (SPRENT, 1993). RESULTADOS Todas as cabras do experimento apresentaram comportamento de estro, tanto sincronizado como natural (Tab. 1). O intervalo médio ± desvio padrão (d.p.) entre o final do tratamento e o início do estro foi de 22,9 ± 5,8 horas. O período médio (±d.p.) compreendido entre os dois estros, sincronizado e natural, foi de 27,7 ± 10,8 dias. Observou-se uma diferença estatística (P<0,05) quando da comparação da porcentagem de cabras que apresentaram pique pré-ovulatório de LH durante o estro sincronizado e natural. Assim, durante o estro sincronizado 100% dos animais apresentaram um pique evidente de LH contra 60% durante o estro natural (Tab. 1). A distribuição do momento do pique préovulatório de LH, tanto para o estro sincronizado como para o natural, pode ser visualizada na Fig. 1. Para este parâmetro, não foi verificada diferença estatistica (P>0,05) para o momento médio ou para a variabilidade (d.p.) da ocorrência do pique entre o estro sincronizado e natural (13,3 ± 5,2 horas e 15,6 ± 5,8 horas, respectivamente). A porcentagem de cabras que ovularam não foi significativamente diferente (P>0,05) entre os dois tipos de estro (Tab.1). O número médio (± d.p.) de ovulações foi semelhante (P>0,05) entre o estro sincronizado e natural (1,3 ± 0,9 e 0,9 ± 0,6; respectivamente). No estro sincronizado todas as 15 fêmeas que apresentaram estro mostraram um pique evidente de LH, e 13 delas (86,7%) ovularam. Durante o estro natural, das 15 cabras que apresentaram estro, 11 (80%) ovularam e apenas nove (60%) apresentaram um pique evidente de LH (Tab. 1). DISCUSSÃO Neste experimento, o momento do início do estro após tratamento hormonal de sincronização do estro mostrou-se semelhante aos dados da literatura para caprinos (CORTEEL, 1975; SILVA & NUNES, 1984; BRETZLAFF & MADRID, 1989; FREITAS et al., 1996). A duração média encontrada para o ciclo estral foi levemente superior àquela descrita na literatura (SIMPLÍCIO, 1985; CHEMINEAU et al., 1991), isto deveu-se ao fato de que três cabras apresentaram ciclos longos (superiores a 40 dias). A frequência da detecção para o estro natural e a não detecção de um segundo estro após o estro sincronizado assegura a existência de ciclos longos nestes animais. A diferença estatística observada neste estudo entre o número de cabras apresentando um pique pré-ovulatório de LH durante o estro sincronizado e o natural, pode ser devido ao fato Tabela 1. Porcentagem de cabras em estro, com pique pré-ovulatório de LH e ovulando durante o estro sincronizado e natural. Tabela1. Porcentagem de cabras em estro, com pique pré-ovulatório de LH e ovulando durante o estro sincronizado N0 de % de cabras que apresentaram Tipo de estro cabras estro Pique de LH ovulação a Sincronizado 15 100,0 100,0 86,7 Natural 15 100,0 60,0b 80,0 Letras diferentes na mesma coluna indicam diferença estatística (P<0,05) ab 33 6 Número de cabras 5 sincronizado 4 natural 3 2 1 0 0 4 8 12 16 20 24 Intervalo início do estro - pique de LH Figura 1. Intervalo (horas) entre o início do estro e o pique pré-ovulatório de LH em cabras durante o estro sincronizado e natural. de que consegue-se uma melhor concentração do início do estro quando do uso de tratamento hormonal. Portanto, a detecção do momento exato de início do estro natural pode ter apresentado uma falha de algumas horas e, consequentemente, o número de amostras de sangue não ter sido suficiente para detectar-se o pique pré-ovulatório de LH. O número de ovulações semelhante para os tipos de estro é contrário aos relatos descritos na literatura, os quais afirmam que consegue-se uma melhor taxa de ovulação em caprinos quando do uso do tratamento hormonal para sincronização do estro (EAST & ROWE, 1989; HAFEZ, 1993). No entanto, a dose de eCG utilizada neste experimento, considerada baixa quando comparada à da literatura, pode ter sido responsável por este resultado. Verificando-se a distribuição do momento do pique pré-ovulatório de LH, após o início do estro (sincronizado ou natural), observa-se que para os dois tipos existe uma dispersão relativamente importante, confirmando os dados da literatura em cabras européias (FREITAS et 34 al., 1996; FREITAS et al., 1997). Este fato, mesmo que minimizado, pode interferir negativamente na fertilidade dos animais quando do uso da IA com horário pré-determinado. Concluindo, o momento do pique préovulatório de LH nos animais estudados não diferiu segundo o tipo de estro (sincronizado ou natural), sugerindo que biotécnicas da reprodução, tais como a IA, podem ser realizadas em momentos semelhantes sem levar em consideração o tipo de estro. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Dr. Jean-François Beckers (Faculdade de Medicina Veterinária de Liège-Bélgica) pela realização da dosagem de LH. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRETZLAFF, K. N. & MADRID, N. 1989. Clinical use of norgestomet ear implants or intravaginal pessaries for synchronization of estrus in anestrus dairy goats. Theriogenology, 31:419424. CHEMINEAU, P., COGNIÉ, Y., GUÉRIN, Y., ORGEUR, P. & VALLET, J. C. 1991.Training manual on artificial insemination in sheep and goats. Roma, FAO, 222p. CORTEEL, J. M. 1975. The use of progestagens to control the oestrus cycle of the dairy goat. Ann. Bio. Anim. Bioch. Biophy., 15:353-363. EAST, N.E. & ROWE, J. D. 1989. 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