Cientistas Mostram como Clonaram Rins em Laboratório Público, 3 de Junho de 2002 CLARA BARATA Artigo publicado na "Nature Biotechnology" A empresa Advanced Cell Technology mostra que tecidos e órgãos clonados são compatíveis com o sistema imunitário de doentes que doem o seu ADN. Em finais de Janeiro, a empresa de biotecnologia norte-americana Advanced Cell Technology foi alvo de grandes atenções porque dois jornais britânicos anunciaram que os cientistas do Massachusetts tinham conseguido criar rins funcionais em laboratório. Agora, os cientistas da empresa, em colaboração com investigadores do Hospital de Crianças de Boston, publicam na revista "Nature Biotechnology" o artigo científico em que relatam como fizeram esta experiência, que serve para demonstrar a viabilidade da clonagem terapêutica como possível técnica para cultivar órgãos para transplantes, perfeitamente compatíveis com o sistema imunitário dos doentes. Os cientistas usaram animais com um sistema imunitário relativamente complexo vacas -, para conseguirem aquilo a que chamam "um modelo pré-clínico", ou seja, para experimentarem a técnica num animal mais parecido com o homem. O objectivo era demonstrar que a clonagem terapêutica é, de facto, uma possibilidade e não apenas uma ideia atraente. É que, embora a teoria preveja que os embriões criados através da clonagem tenham o mesmo património genético que o paciente - retirado do núcleo de uma das suas células, que é inserido no ovócito esvaziado do seu próprio núcleo -, há pelo menos uma hipótese dos órgãos criados em laboratório não sejam compatíveis com o sistema imunitário da pessoa que necessita do transplante. O problema é que, apesar de ser no núcleo das células que se encontra o património genético, as instruções escritas em ADN para fabricar todas as proteínas que constituem um ser vivo, nos ovócitos esvaziados permanecem outras porções de ADN: o das mitocôndrias, que é diferente do ADN nuclear. Estes organelos são as fábricas de energia das células e são fundamentais para o seu funcionamento - e, portanto, para que o ovócito possa comportar-se como se tivesse sido fertilizado e dar início à formação do embrião criado através da clonagem. Estes pedaços de ADN poderiam ser suficientes para que os órgãos clonados não fossem compatíveis com o sistema imunitário do doente que necessitaria de um fígado ou de um coração, por exemplo. A hipótese era algo remota, mas os cientistas quiseram mesmo pô-la de lado, uma vez que a Advanced Cell Technology é a empresa que mais visibilidade tem conseguido com as suas experiências relativas à clonagem de mamíferos adultos e humanos. Assim sendo, os cientistas inseriram o ADN de uma célula da orelha de um animal adulto num ovócito e deixaram-no desenvolver até se tornar um feto. Nessa altura, destruíram os fetos de vaca para colherem células imaturas que se estavam a transformar em células de rim, e colocaram-nas numa espécie de forma, de um material esponjoso e biocompatível, com apenas cinco centímetros de comprimento. Estas cápsulas têm o formato de rins e, depois de colonizadas pelas células dos fetos, foram transferidas para as vacas a quem tinham sido retiradas células da orelha. Não só os minúsculos rins não foram rejeitados pelo sistema imunitário da vaca, como conseguiram excretar resíduos metabólicos tóxicos, através de um fluido semelhante à urina. Os transplantes resistiram pelo menos durante 12 semanas, relata a equipa no artigo que faz a capa da "Nature Biotechnology" de Junho. Estes foram os resultados mais espectaculares, mas a equipa produziu também tecidos de músculo cardíaco e esquelético - que poderiam também ser utilizados como enxertos para tratar outros problemas de saúde, sem implicar necessariamente o transplante de órgãos completos. Doenças degenerativas, como a ateroesclerose a diabetes, são possíveis candidatas a este tipo de abordagem terapêutica. No caso das vacas, foi preciso deixar que os embriões se desenvolvessem até um estado mais avançado - eram já fetos -, porque nos bovinos não foram ainda identificadas células indiferenciadas embrionárias cujo desenvolvimento (diferenciação nos vários tipos de tecidos e órgãos constitutivos do organismo) possa ser controlado num pratinho de laboratório. Mas isso já foi conseguido com células de primatas e humanos, quando os embriões não são mais do que bolinhas de pouco mais de uma centena de células, tão minúsculas que caberiam na cabeça de um alfinete. Apesar do animal usado como modelo não ser perfeito para demonstrar o que a equipa pretendia, os resultados são suficientemente importantes para satisfazer os cientistas. "A capacidade de controlar o desenvolvimento biológico das células indiferenciadas primordiais de forma a obter estruturas complexas funcionais, tais como rins, poderia permitir ultrapassar os dois maiores problemas da medicina de transplantação: as rejeições imunitárias e a falta de órgãos para transplante", escreve a equipa na "Nature Biotechnology". "No caso de eventuais aplicações médicas em humanos, defendemos energicamente que esta tecnologia apenas seja utilizada para clonar embriões destinados a colher células indiferenciadas embrionárias, nunca para iniciar uma verdadeira gravidez", implantando o embrião criado em laboratório no útero de uma mulher, afirma Michael West, um dos autores do estado e presidente da Advanced Cell Technology, num comunicado divulgado pela empresa.