Cartas schillerianas: a conciliação entre a dimensão

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VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar
20 a 24 de setembro de 2010
Cartas schillerianas: a conciliação entre e dimensão estética e a política
Guilherme Kaiala Goulart Ferreira
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências da
UNESP, Campus Marília-SP
Resumo: A comunicação que se segue é a apresentação do resultado parcial de nossa
pesquisa em torno do tema da conciliação entre a dimensão estética e a política em A
educação estética do homem: numa série de cartas, de Friedrich Schiller. Destacamos a
relação entre Kant e Schiller como pano de fundo, uma vez que, em A educação estética
Schiller se fale de recursos conceituais e terminológicos da Crítica da faculdade do
juízo de Immanuel Kant.
Palavras-chave: Educação estética; Cultura estética e Política.
A presente comunicação irá apresentar o resultado parcial de nosso exame sobre
a obra A educação estética do homem: numa séria de cartas (1795) de Friedrich
Schiller (1759-1805). O tema proposto confronta a estética a política e a ética. O
momento histórico em que Schiller escreve estas Cartas é o fim do século XVIII, o
Século das Luzes, em passagens para a primeira geração romântica alemã, século XIX.
Nosso problema central consiste em investigar como Schiller torna possível a
conciliação entre a dimensão estética e a política nas Cartas sobre a educação estética.
Nossa atenção cai sobre o que Schiller considera os efeitos da cultura estética sobre a
humanidade. As Cartas apresentam um projeto de educação, como propedêutica para
uma nova civilização. Viável através da educação estética – fundamentada na crença da
qualidade formativa da beleza.
Friedrich Schiller, além de poeta e dramaturgo, a partir da década de 1790 se
lançara decisivamente no estudo e investigação filosófica. Absorve-se de tal modo com
a filosofia, que decide paralisar sua produção literária para haver-se fundamentalmente
com as questões do gosto, da arte e da beleza na perspectiva filosófica da estética. A
partir deste momento, precisamente no inverno de 1792-93, surge um número muito
grande de textos sobre a estética; “[...] Schiller fechara provisoriamente sua oficina
poética para abrir o que ele mesmo chamara de seu ‘ateliê filosófico’” (BARBOSA,
2004, p. 27).
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A meta era considerar abstratamente a experiência estética. Schiller se
absorve pelas novidades da jovem disciplina estética – que conquista autonomia
enquanto um campo específico para refletir os problemas do gosto, da arte – apresentase como uma busca filosófica pela beleza. Este é o momento de resgate histórico da
dimensão sensível de uma posição menor na filosofia. A estética refere-se, doravante,
ao estudo da beleza e da arte, com o alcance maior que, tão somente, como referente aos
sentidos.
Torna-se claro na leitura da obra filosófica de Schiller que ele não é pensador da
política stricto sensu. A pedra de toque de seus textos filosóficos, como largamente
conhecido, é o problema da beleza. Entretanto, o alcance de suas reflexões transcende o
limite da abstração teórica. O contexto histórico, a nova realidade política levantada
pela Revolução Francesa e os ideais da Aufklärung, foram fundamentais para a
elaboração das Cartas sobre a educação estética. Nela, Schiller registra seu
posicionamento, sua tomada de partido frente os fatos políticos que deixaram boa parte
da Europa central em expectativa, os olhares estavam dirigidos à França revolucionária.
Schiller é crítico de seu tempo, coloca em questão o processo de regressão da cultura
representado pela Revolução.
Antes de tudo, convém lançar luzes sobre o significado dos termos estético e
educação estética na acepção schilleriana. O autor trata-os nos seguintes termos: o
adjetivo estético: pode ser entendido como tudo que é próprio do domínio da dimensão
sensível, que se apresente enquanto fenômeno, seja de caráter artístico, seja natural. O
estético se liga à noção de harmonia da natureza humana. Segundo Schiller (1995, p.
107), o estético pode “[...] referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser
objeto determinado para nenhuma isolada dentre elas: esta é sua índole estética”. Sobre
a educação estética, na Carta XX (em nota), escreve Schiller (1995, p. 107):
Existe, assim, uma educação para a saúde, uma educação do
pensamento, uma educação para a moralidade, uma educação para o
gosto e a beleza. Esta tem por fim desenvolver em máxima harmonia
ao todo de nossas faculdades sensíveis e espirituais. Para contrariar a
corriqueira sedução de um falso gosto, fortalecido também por falsos
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raciocínios segundo os quais o conceito do estético comporta o do
arbítrio, observo ainda uma vez (embora estas cartas sobre a educação
estética de nada mais se ocupem além da refutação deste erro) que a
mente no estado estético, embora livre, e livre no mais alto grau, de
qualquer coerção de modo algum age livre de leis.
O estético para Schiller pode ser representado pelo signo do jogo, o jogo das
forças contrárias da natureza, o jogo entre os impulsos. Busca-se no jogo a harmonia da
natureza humana mista. Schiller desenvolve uma teoria dos impulsos nas Cartas sobre a
educação estética, com base numa antropologia
estética. Os conceitos básicos são:
natureza mista, estado, pessoa, impulso formal, impulso material e impulso lúdico. O
esforço antropológico de Schiller é investigar a estrutura subjetiva do homem, de modo
que ofereça uma imagem anatômica dos impulsos ou forças da natureza. Este momento
da obra compreende o intervalo entre as Cartas XI até a XVII.
Assumimos no caráter de hipótese que a conciliação entre a Estética e a
Política poderá ser demonstrada no que Schiller considera os efeitos formativos da
beleza, evocam uma possível eticidade a partir da influência da cultura estética, que é o
impacto da beleza no homem. Os efeitos do belo no processo de formação do homem
poderá resgatar a aliança perdida no término da antiguidade grega entre sensibilidade e
intelectualidade, entre forma e matéria, entre arte e vida. Schiller é um helenista ,
A antropologia é aqui entendida enquanto “Ciência do ser humano, da sua natureza e das suas
possibilidades por ela determinadas. [...] A carreira deste conceito principia, no espaço lingüístico alemão,
(após utilizações esporádicas desde 1500), nas últimas três décadas do século XVIII. Ela indicia uma
mudança estrutural profunda na imagem do ser humano, que irá a partir daí dominar a modernidade, de
tal maneira que as estas décadas poderá ser atribuída a designação de época de origem e chaneira, de
acordo com a expressão de Koselleck; e isso apenas no contexto das idéias histórico-políticas, da
concepção da modernidade, mas também – e com um grau igual de efeito – no contexto das suas idéias
psicológicas e antropológicas” (RIEDEL, 2007, p.36-37). Schiller, durante sua juventude, enquanto
cursava medicina, na academia militar do Duque Carlos Eugênio em Stuttgart (Alemanha) se formando
médico do regimento de Württemberg em dezembro de 1780, travou contato com a nova antropologia e
psicologia moderna. Riedel visualiza na obra de Schiller um “trilho antropológico” retomando desde a sua
primeira obra Die Räuber (Os Bandoleiros ou Os Salteadores) até a ‘estética clássica’ e a teoria do
‘sublime’ (1801).
“Em 1788, a partir da elaboração de Os deuses gregos, o poeta se dedicou intensivamente ao estudo
da literatura antiga, decidido a não ler nenhum autor moderno por dois anos, como ele declara em carta de
28 de agosto a seu amigo Körner. O seu projeto consistia, a princípio, em estudar os gregos nas traduções
alemães (como a de Homero por Voss), para depois ler os textos originais, apesar de pouco conhecimento
do idioma grego. [...] Schiller tinha decidido dedicar-se ao estudo dos gregos antigos e à busca de um
ideal a partir desse estudo, sua postura em relação à Grécia, entretanto, não tem o caráter de veneração
identificado em Winckelmann ou em Goethe. Aos poucos, os comentários a respeito das peças antigas em
cartas ou ensaios deixam claro que, apesar do reconhecimento da sua importância, trata-se de uma postura
muito mais crítica do que a de outros “helenistas”” (SÜSSEKIND, 2006, p. 245).
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evidencia-se uma vontade de atualização moderna da acepção de cultura dos gregos
antigos, parece querer realizar uma Paidéia moderna. Dirá Schiller (1995, p. 39) Carta
VI da Educação Estética: “Não apenas por uma simplicidade, estranha a nosso tempo,
que os gregos nos humilham; são também nossos rivais, e frequentemente nossos
modelos”. Schiller é crítico da modernidade, refere-se ao homem de seu tempo como
formado, apenas, enquanto fragmento de sua potencialidade. São para estes homens que
Schiller dirige as suas Cartas sobre educação Estética.
Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo, o homem
só pode formar-se enquanto fragmento; ouvindo eternamente o mesmo
ruído monótono da roda que ele aciona, não desenvolve a harmonia de
seu ser e, em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, tornase meramente reprodução de sua ocupação, de sua ciência
(SCHILLER, 1995, p, 41).
Schiller constada uma espécie de incompletude no espírito de seu tempo, do
ponto de vista antropofilosófico, entende que a formação dos homens apresenta uma
lacuna, uma região atrofiada na natureza, ou ferida, como diz o autor. Este ponto
corresponde à dimensão sensível que o autor projeta para ser desenvolvida, a finalidade
é ligá-la à dimensão racional e moral – a ligação entre a dimensão prática e a intelectual,
o universo do pensamento e da ação. Para Schiller, a cultura estética possui a função
libertadora da humanidade, é capaz de reformular a civilização.
Foi na filosofia de Kant que Schiller buscou os meios conceituais para a
construção do corpo teórico da Educação Estética do Homem (BARBOSA, et al., 2004,
p. 8). Assim, esta obra apresenta um dialogo em longa medida com a Crítica da
Faculdade do Juízo (1790), de Immanuel Kant. Schiller publica as Cartas cinco anos
após a publicação de Kant. Logo que lhe caiu em mãos esta obra, Schiller se detém com
bastante afinco. Nos Fragmentos das preleções: sobre estética do semestre de inverno
de 1792-93, Schiller escreve tal como um kantiano, entretanto, já em Kallias ou sobre a
beleza (série de Cartas trocados entre Schiller e Körner, no intervalo dos meses de
janeiro a fevereiro de 1793) se lança contra Kant defendendo teses próprias, como o
esforço de defesa da objetividade da beleza, vista como impossível na óptica de Kant.
Na primeira Carta da Educação Estética, o autor faz menção ao local de origem das
reflexões que irá apresentar: “Não quero ocultar” – dirá Schiller (1995, p. 24) – “a
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origem kantiana da maior parte dos princípios em que repousam as afirmações que se
seguirão”. O enfoque de nossa pesquisa dedica atenção para a relação entre Schiller e
Kant, e também, entre Kant e Schiller, como desenvolvemos. O nosso interesse nestas é
conhecer e demonstrar as teses schillerianas. O olhar a Kant vai com a finalidade de
entender os empréstimos, por assim dizer, dos instrumentos da filosofia transcendental:
os conceitos e princípios, da parte prática e estética do sistema de Kant.
A estética de Kant, (se é que é possível falarmos de uma estética kantiana
propriamente dita, fico-nos essa controversa questão?) desenvolve uma crítica dos
juízos de gosto e teleológicos na terceira Crítica. Para Kant, o juízo de gosto se dá em
relação ao estado de ânimo do sujeito, isto é, em face ao sentimento de prazer e
desprazer suscitado no sujeito mediante algum objeto. O juízo não se relaciona
diretamente ao objeto, mas ao que sente o sujeito, neste caso, portanto, é estritamente
subjetivo. Em suma, algo é julgado ou comunicado belo de acordo com o estado de
ânimo no sujeito. O juízo estético, que é um juízo de gosto não gera nenhum
conhecimento. Kant o classifica como juízo reflexionante, ao contrário do que é o juízo
determinante, que gera conceitos e conhecimento: “[...] o juízo de gosto não é, pois,
nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético” (KANT,
1995, p. 48). A faculdade do juízo não visa o conhecimento nem determinar a vontade.
Schiller pretendeu ir além da Crítica da faculdade do juízo. Se por um lado, o
texto de Kallias ou sobre beleza foi motivado por questões colocadas por Kant,
explorando o caminho a aberto pela terceira Crítica, num âmbito estritamente teórico, já
nas Cartas a Augustenburg , e nas Cartas sobre a educação estética os motivos são de
ordem prática, colocados pela Revolução Francesa, e a Aufklärung. “Schiller acreditava
que chave para a solução das questões do ‘mundo político’ teria de ser forjado
precisamente no ‘mundo estético’” (BARBOSA, 2004, p. 19). A Estética apresentava
Trata-se da primeira versão da Educação Estética do Homem. As Cartas a Augustenburg foi fruto da
correspondência entre Schiller e seu mecenas, o Príncipe dinamarquês, Friedrich Christian von
Schleswig-Holstein-Sonderburg-Ausgustenburg. A relação entre os dois se dá quando Schiller estava
prestes a morrer de tuberculose e sem recursos para o custeio do tratamento. O Príncipe intercede em
favor de Schiller conferindo-lhe uma pensão. Em retribuição, em 1793 o autor promete expor o resultado
de suas investigações, no caso, a primeira versão do seria publicado em 1795 em sua revista Die Horen, a
Educação Estética do Homem: numa série de cartas. Schiller e Friedrich Christian não chegaram a se
conhecer pessoalmente. “Friedrich Christian (1765-1814) nasceu no castelo de Augustenburg, no ducado
de Schleswig-Holstein. De confissão luterana, como Schiller, estudou ciência políticas, direito, história,
física e, sobretudo, filosofia na universidade de Leipzig em 1783-84. A influência do ‘dogmatismo’ de
Ernst Platner, em cujas preleções familiarizou-se com o racionalismo de Leibniz e Wolf e a filosofia
inglesa e francesa, foi de tal modo marcante, que, apesar dos seus esforços, Friedrich Christian não
chegou a compreender o alcance do salto dado por Kant. Somente mais tarde com o auxílio de Baggesen
e Reinhold, começou a assimilar a nova filosofia” (BARBOSA, 2009, p. 25).
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uma solução, entendia que o problema política poderia ser buscado através da jovem
disciplina [Estética]. Na Carta II, ainda anunciando os seus propósitos, dirá que a
investigação filosófica é solicita pelos pensadores de seu tempo, todos inclinados sobre
a maior de todas as obras de arte, “[...] construção de uma verdadeira liberdade política”
(SCHILLER, 1995, p. 25). Se o que está em causa é a busca pela verdadeira liberdade
política, esta deverá ser guiada pela beleza, dirá Schiller (1995, p. 26):
Espero convencer-vos de que esta matéria é menos estranha à
necessidade que ao gosto de nosso tempo, e mostrarei que para
resolver na experiência o problema político é necessário caminhar
através do estético, pois é pela beleza que se vai à liberdade.
Afirma Schiller que a arte é “filha da liberdade”, e, é “pela beleza que vai à
liberdade” (SCHILLER, 1995, p. 25-26). Pesquisadores da estética de Schiller, como o
exemplo de Márcio Suzuki, apontam para um possível círculo lógico nestas
afirmações.
O caminho pela beleza, é a educação estética da humanidade, a beleza
formaria o novo homem, entretanto, a liberdade só poderá ser experienciada pelo
homem, quando pleno, e, educado pela beleza. Somente no jogo o homem poderá
harmonizar o conflito dos impulsos naturais – como apresentará adiante na Carta XV,
“Pois, para dizer tudo de vez, o homem joga somente quando é homem no pleno sentido
da palavra, e somente é homem pleno quando joga” (SCHILLER, 1995, p, 84). O
círculo referido acima poderia indicar a solução, agora, para o nosso problema, pois, ele
envolve a estética, a ética e a política.
Schiller entendia que humanidade não poderia ser livre, antes de estar preparada.
O exemplo destacado pelo autor é o terror jacobino durante a Revolução Francesa. A
promessa de fundação de um Estado racional para a instituição da liberdade não veio à
realidade, se traiu numa nova forma de despotismo. Até o presente momento da
pesquisa, entendemos que o contexto política mostrou que este círculo não é um erro
lógico, mais uma realidade histórica indissolúvel. A imagem forjada por Schiller do
estado da cultura de seu tempo indica que estavam ausentes as condições subjetivas
“O círculo envolve a estética e a ética (ou política) nas Cartas foi desde logo assinalado por Fichte em
seu ensaio Über Geist und Buchstabe in der Philosophie. In einer Reihe Von Briefe (que, para preservar o
tom paródico-polêmico, poder-se-ia verte assim: O Espírito e a Letra na Filosofia. Numa série de Cartas)”
(SUZUKI, 1995, p. 148). Enquanto Schiller propõe a harmonia entre os impulsos, Fichte quer a unidade
através da hierarquização dos mesmos.
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necessárias para uma mudança estrutural no Estado e na cultura. A instituição de um
novo Estado através da força física, e, sobretudo, pela guilhotina, não deu conta de
trazer a lume as promessas da Revolução. Para a transformação política, seria necessário
um longo e trabalhoso processo de educação dos homens e formação da cultura;
segundo Schiller, um trabalho para mais de um século. “A degeneração da Revolução
em terror não só atestaria o relativo fracasso da Aufklärung como daria a verdadeira
dimensão da tarefa histórica a ser enfrentada: a formação do homem para a liberdade”
(BARBOSA, 2004, p. 23).
Schiller entendia como necessário um ponto de ligação entre a cultura teórica e a
prática. O estético atuaria como mediador, como ponto de transição. O que estava em
causa era a relevância prática da sua teoria. Colocar a prova da experiência as
contribuição da estética frente à política. Uma vez que o problema que Schiller indica
como causa do fracasso da Revolução fora a falta de caráter de seus criadores. Dirá
Schiller (2009, p. 77) nas Cartas a Augustenburg:
Apenas o caráter do cidadão cria e sustenta o Estado, e torna possível
a liberdade política e civil. [...] A necessidade mais urgente da nossa
época parece-me ser o enobrecimento dos sentimentos e a purificação
ética da vontade, pois muito já foi feito pelo esclarecimento do
entendimento. Não nos falta tanto em relação ao conhecimento da
verdade e do direito quanto em relação à eficácia deste conhecimento
para a determinação da vontade, não nos falta tanta luz quanto calor,
tanta cultura filosófica quanto estética. Considero esta última como o
mais eficaz instrumento da formação do caráter e, ao mesmo tempo,
como aquele que deve ser mantido inteiramente independente da
situação política e, portanto, mesmo sem a ajuda do Estado.
O caminho para a solução do problema político teria de ser pela educação
estética, vista por Schiller como a maneira mais eficiente de formar o caráter dos
homens, (o estético imprime eticidade). Ao afirmar que a tarefa da educação estética é
formar o caráter dos homens, isso implica numa ligação fundamental entre o estético e o
ético, uma vez que conciliados, proporcionam uma finalidade, ou consequência
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política.
Esta parece, até então, a solução apresentada nas Cartas sobre a educação
estética, e parece ser na acepção schilleriana: a tarefa suprema da humanidade, a sua
determinação é a liberdade plena. Para Schiller, a determinação histórica da
humanidade.
Schiller concebe a beleza como uma tarefa necessária à cultura, capaz de
conduzir homem a resgatar a harmonia e a plenitude, perdidas em sua natureza. A
beleza apresenta a qualidade de fazer o homem de espírito reconciliar-se com o
“primeiro homem”, ou, em outros termos, travar o acordo entre “homem real” com o
“homem ideal”. O alcance do percurso de Schiller perpassa o limite estabelecido por
Kant para a dimensão estética. Schiller caminha para um discurso metafísico, como que
realizando uma literatura estética. Tema interessantíssimo para nossa pesquisa, porém,
um problema delicado, que, se o rumo das coisas oferecer a possibilidade, faremos uma
investigação detida.
Como uma possível conclusão, em vista de nossa apresentação, em destacar em
alguns trechos a relação entre Kant e Schiller, numa tentativa de diferenciação. Entre
Kant e Schiller, o conceito de autonomia da arte se alterna. O impulso lúdico articula o
estético ao ético e ao político, o que implicaria na perda da autonomia da arte e da
estética, o fato é que a arte passa a não expressar mais uma finalidade em si mesma, ou
então, uma finalidade sem fins, ou desinteressada de qualquer objeto. A arte para
Schiller, como vimos, assume um papel social e político. Na visão de Schiller, a arte e a
dimensão estética podem oferecer um novo caminho para a humanidade. O esforço de
Schiller nas Cartas sobre a educação estética demonstra o interesse de Schiller em ir
além do domínio da abstração, realiza um diagnóstico antropológico e política de seu
tempo.
Basta que se diga que com a Terceira Crítica abre-se um espaço para a
circunstância do Belo, inteiramente autônomo e separado das esferas
do Verdadeiro e do Bom, determinados neles mesmos nas duas
Críticas anteriores. Numa palavra, doravante é pensável um acordo
“Kant vira no belo o símbolo da moralidade. Schiller vai um pouco mais longe e vê a beleza na
própria moralidade” (SANTOS, 2005, p. 3).
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intersubjetivo a respeito do Belo que dispensa qualquer referência ao
ou o amparo no solo da verdade racional ou da norma moral. (PRADO
JUNIOR, 2004, p. 90-91).
Em Schiller, a arte e beleza, registram uma espécie de função libertadora da
humanidade decaída e regredindo. Em Kant a arte se conserva numa esfera autônoma, é
independente da moral, da ciência, dos interesses da metafísica e da teologia “[...] é
apenas um grau zero da curva travada, que deve acompanhar um fio vermelho da
história da reflexão estética do final do século XVIII até o século XX” (PRADO
JUNIOR, 2004, p. 91). Schiller reconstrói a ponte edificada por Platão e destruída por
Kant (a qual liga a estética a ética e a política à mesma finalidade). Schiller entendia que
Kant derrubara o edifício sobre o qual a estética estava assenta (como definira
Baumgarten em meados do século XVIII), entretanto, lhe oferecera um fundamento, a
teoria estética de Schiller se baseou nestes fundamentos, mas a arquitetônica é
schilleriana. Com efeito, o edifício que Schiller ergueu talvez fosse algo impensável por
Kant.
4.
Referências bibliográficas
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Lisboa, 6 e 7 de Dezembro de 2005. (Realizado na Universidade de Lisboa e no GoetheInstitut (Lissabon).
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