PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA

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JUDICIÁRIA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA PARAHYBA JUDICIÁRIA ISSN 1806­6860 Julho
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JUDICIÁRIA PARAHYBA JUDICIÁRIA Comissão da Revista: Juiz Federal Emiliano Zapata de Miranda Leitão – Presidente Juiz Federal Rudival Gama do Nascimento – Membro Juiz Federal Substituto Bruno Teixeira de Paiva – Membro Indexação: Seção de Biblioteca Dulcinete Morais Carneiro Bibliotecária – Secretária da Revista Foto da Capa: Adelino Peregrino Bezerra Editoração eletrônica e capa: Textoarte Editora Impressão: Gráfica JB Tiragem: 500 Endereço: Seção Judiciária da Paraíba Rua João Teixeira de Carvalho, 480 – Brisamar 58031­900 – João Pessoa – PB e­mail: [email protected]
PARAHYBA JUDICIÁRIA Seção Judiciária da Parahyba – a. 5, v. 6 (Julho, 2007). João Pessoa: ed., 2007 ISSN 1806­6860 1. Direito – periódicos – Brasil 2. Doutrina 3. Jurisprudência 4. Justiça Federal – Paraíba CDU 340.142(81)(05) As opiniões emitidas em artigos são da responsabilidade dos respectivos autores PARAHY BA
JUDICIÁRIA Tribunal Regional Federal – 5ª. Região
Desembargadores Federais José Baptista de Almeida Filho Presidente Paulo de Tasso Benevides Gadelha Vice­Presidente Francisco Wildo Lacerda Dantas Corregedor Luiz Alberto Gurgel de Faria Diretor da Revista Francisco de Queiroz Cavalcanti Diretor de Escola de Magistratura Federal da 5ª Região Ubaldo Ataíde – Presidente – 1ª Turma Francisco Cavalcanti – 1ª Turma José Maria Lucena – 1ª Turma Petrucio Ferreira – Presidente – 2ª Turma Luiz Alberto Gurgel de Faria – 2ª Turma Ridalvo Costa – Presidente ­ 3ª Turma Geraldo Apoliano – 3ª Turma Paulo Roberto de Oliveira Lima – 3ª Turma Margarida Cantarelli – Presidente – 4ª Turma Lázaro Guimarães – 4ª Turma Marcelo Navarro – 4ª Turma PARAHY BA
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COMPOSIÇÃO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA
DA PARAÍBA Rogério de Meneses Fialho Moreira Juiz Federal Diretor do Foro Rita de Cássia Monteiro Ferreira Diretora de Secretaria Cristina Maria Costa Garcez Juíza Federal Vice­Diretora do Foro Helena Delgado Ramos Fialho Moreira Juíza Federal – Titular da 5ª Vara Privativa das Execuções Fiscais Cícero Caldas Neto Diretor da Secretaria Administrativa João Bosco Medeiros de Sousa Juiz Federal – Titular da 1ª Vara Hélio Luiz Pessoa de Aquino Diretor de Secretaria Rogério de Meneses Fialho Moreira Wanessa Figueiredo dos Santos Lima Juiz Federal – Titular da 7ª Vara Presidente do Juizado Especial Juíza Federal Substituta da 1ª Vara Federal Cível Rômulo Augusto de Aguiar Loureiro Diretor de Secretaria Alexandre Costa de Luna Freire Juiz Federal – Titular da 2ª Vara Rogério Roberto Gonçalves de Abreu Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Bruno Teixeira de Paiva Juiz Federal Substituto da 7ª Vara Juizado Especial Federal Cível Diretor de Secretaria Bruno Eduardo Araújo B. de Oliveira SUBSEÇÃO J UDICIÁRIA DE CAMPINA GRANDE (PB) Ricardo Correia de Miranda Henriques Diretor de Secretaria Emiliano Zapata de Miranda Leitão Juiz Federal – Titular da 4ª Vara Diretor da Subseção Cristina Maria Costa Garcez Juíza Federal – Titular da 3ª Vara Bianor Arruda Bezerra Neto Juiz Federal Substituto da 4ª Vara Cristiane Mendonça Lage Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Hildebrando de Souza Rodrigues Diretor de Secretaria
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JUDICIÁRIA Francisco Eduardo Guimarães Farias J USTIÇA FEDERAL DA PARAÍ BA Juiz Federal – Titular da 6ª Vara www.jfpb.gov.br Rua João Teixeira de Carvalho, 480 Marcelo da Rocha Rosado Brisamar Juiz Federal Substituto da 6ª Vara 58031­900 – João Pessoa/PB Tel. (83) 3216­4040 Magali Dias Scherer Fax (83) 3216­4030
Diretora de Secretaria Niliane Meira Lima Juíza Federal – Titular da 9ª Vara Juizado Especial Federal Cível Rafael Soares Souza Juiz Federal Substituto da 9ª Vara Herley da Luz Brasil Diretor de Secretaria Rudival Gama do Nascimento Juiz Federal – Titular da 10ª Vara Marconi Pereira de Araújo Diretor de Secretaria SUBSEÇÃO J UDICIÁRIA DE SOUSA (PB) Dr. Francisco Glauber Pessoa Alves Juiz Federal – Titular da 8ª Vara Diretor da Subseção Irapuam Praxedes dos Santos Diretor de Secretaria PARAHY BA
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...............................................................................................11 DOUTRINA..........................................................................................................13 REGULAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL: a disciplina da OMC sobre medidas sanitárias e fitossanitárias Ulisses da Silveira Job...............................................................................15 A RESOLUÇÃO ANTECIPADA DO MÉRITO EM AÇÕES
REPETITIVAS: Lei Nº 11.277/2006 Vicente de Paula Ataide Junior...................................................................29 PARADIGMAS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: desafios ao entendimento das sociedades modernas Daniel Barile da Silveira..............................................................................43 DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: o caso dos cadeirantes em Sousa­PB Eduardo Pordeus Silva; Robson Antão de Medeiros.......................................57 A DIMENSÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO NO NOVO
CONSTITUCIONALISMO: notas acerca da legitimação democrática da sua atuação Flávia Danielle Santiago Lima........................................................................65 HERMENÊUTICA E EFETIVIDADE DO PROCESSO: o papel da pré­ compreensão da judicatura Danielle Menezes Evangelista Florencio.........................................................77 DO RACIONALISMO À INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO: contribuições dos magistrados ao acesso à justiça Danielle Menezes Evangelista Florêncio....................................................91 A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE REGRAS E PRINCÍPIOS EM
HART, DWORKIN E ÁVILA Renan Paes Félix....................................................................................103
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A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL QUANDO
REJEITADOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS PELO TRIBUNAL A
QUO: breves considerações acerca do prequestionamento Dimitri Luna de Oliveira..............................................................................111 A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL Ana Carolina Nóbrega de Paiva Cavalcanti..............................................123 O NOVO INSTITUTO DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Cláudio Antônio de Carvalho Xavier...........................................................139 COMBATE AO TERRORISMO OU PROPAGAÇÃO DO
T ER R OR ? Luiz Guedes Luz Neto............................................................................145 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA NÃO
INCORPORAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS NO BRASIL Eddla Karina Gomes Pereira.....................................................................159 O §3º DO ART. 515 DO CPC À LUZ DO PRINCÍPIO DO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E DA EFETIVIDADE DO
PR OC ES SO Tarsila Ribeiro Marques Fernandes.........................................................175 ARGUMENTOS FALACIOSOS NA DECISÃO DO STF: o caso do HC nº 71.373­4/RS Eveline Lucena Neri...............................................................................191 TEXTO CONVIDADO: O Direito Internacional Privado e o Processo Civil na Itália Filippo Corbetta.....................................................................................205 SENTENÇAS........................................................................................................211 PROCESSO Nº 2002.8127-4 – Juiz Federal da 2ª Vara Alexandre Costa de Luna Freire..............................................................213
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PROCESSO Nº 2005.82.01.000625-0 – Juiz Federal da 4ª Vara Emiliano Zapata de Miranda Leitão.........................................................233 PROCESS O Nº 2002.82.01.005545-4 – Juiz Federal da 8ª
Vara Francisco Glauber Pessoa Alves.............................................................261 PROCESSO Nº 2005.82.00.009088-4 – Juiz Federal Substituto
da 2ª Vara Rogério Roberto Gonçalves de Abreu......................................................275 PROCESSO Nº 2005.82.00.508026-1 – Juiz Federal Substituto
da 7ª Vara Bruno Teixeira de Paiva..........................................................................283 PROCESSO Nº 2007.82.01.000017-7 - Juiz Federal Substituto da 4ª
Vara Bianor Arruda Bezerra Neto......................................................................307
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APRESENTAÇÃO A revista Parahyba Judiciária alcança seu sexto número com o presente volume e sua Comissão sente­se gratificada com a acolhida que vem tendo a convocação para contribuição de artigos doutrinários via edital aberto ao público especializado. O grande número (44 – quarenta e quatro, no total) de artigos submetidos à sua apreciação e sua qualidade tornaram difícil a tarefa de escolha daqueles a serem publicados e “forçaram” a Comissão a, com felicidade, ampliar o número de selecionados (15 – quinze, neste volume) em relação ao do volume anterior (9 – nove, naquele), não obstante as preocupações com as dimensões físicas da revista e seu custo de impressão. No presente número, a revista Parahyba Judiciária passa, também, pelo acréscimo de mais uma seção ao seu formato editorial, até então composto de duas seções: a primeira, dedicada à divulgação de artigos doutrinários selecionados através de edital aberto ao público especializado; e, a segunda, contendo sentenças de magistrados da Seção Judiciária da Paraíba, escolhidas por eles mesmos de acordo com a relevância da questão decidida. A terceira seção, que, em realidade, é uma subseção daquela referente à doutrina, passa a trazer um texto convidado para publicação. Essa inovação deve­se à feliz e oportuna sugestão do Juiz Federal Alexandre Costa de Luna Freire, a quem são rendidos os devidos agradecimentos pela iniciativa. Neste volume, o texto convidado que a revista tem a honra de divulgar, agradecendo à gentil autorização de seu autor, é de autoria do eminente Professor Italiano Filippo Corbetta, que, em passagem pela Paraíba, em agosto de 2006, proferiu palestra no auditório da Justiça Federal em João Pessoa, a convite da ESMAFE, em um dos ciclos de palestras por esta promovido sob a coordenação do Juiz Federal Alexandre Costa de Luna Freire. A publicação da palestra ocorre sem formatação do texto respectivo e no idioma em que proferido, visando preservar a beleza estética de sua linguagem e a sensação sonoramente oral de seu conteúdo. A Diretoria da revista Parahyba Judiciária registra, por fim, seus agradecimentos: ­ ao Dr. Rogério de Meneses Fialho Moreira, Juiz Federal Diretor do
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Foro desta Seção Judiciária, pelo renovado apoio à publicação deste seu sexto número; ­ ao Dr. Rudival Gama do Nascimento, Juiz Federal da 10.ª Vara Federal desta Seção Judiciária, e ao Dr. Bruno Teixeira de Paiva, Juiz Federal Substituto da 7.ª Vara Federal desta Seção Judiciária, pela disponibilidade em compor a Comissão da Revista responsável pela escolha dos artigos a serem publicados e pela dedicação e zelo com que levaram adiante essa tarefa; ­ à Sr.ª Dulcinete Morais Carneiro (Dulce), Bibliotecária desta Seção Judiciária e Secretária da Revista Parahyba Judiciária, sem cuja participação, mais uma vez, entusiástica e dedicada, não teria sido possível a publicação deste número, parabenizando­a, ainda, pelas inovações introduzidas na formatação do apoio ao processo de avaliação dos artigos submetidos à Comissão; ­ ao Dr. Cícero Caldas Neto, Diretor da Secretaria Administrativa desta Seção Judiciária, pela pronta colaboração na fase final de sua publicação; ­ ao Sr. Rogério Xavier da Costa, Diretor do Núcleo de Tecnologia da Informação, e aos demais servidores do referido Núcleo, bem como à Sra. Silvana Sorrentino Moura de Lima, Supervisora da Seção de Comunicação Social desta Seção Judiciária, pela colaboração prestimosa na organização do texto deste número da revista e em sua divulgação ao público em geral; ­ e à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, cujo patrocínio, uma vez mais prontamente disponibilizado, viabilizou a publicação deste número da revista Parahyba Judiciária. João Pessoa, julho de 2007. Emiliano Zapata de Miranda Leitão Juiz Federal Titular da 4.ª Vara Federal Diretor da Revista Parahyba Judiciária
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15 REGULAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL:
A DISCIPLINA DA OMC SOBRE MEDIDAS
SANITÁRIAS FITOSSANITÁRIAS Ulisses da Silveira Job* Crescente a atividade comercial internacional, notadamente após a Segunda Guerra Mundial, decidiu­se por criar um acordo, o GATT e, mais proximamente, a Organização Mundial do Comércio (OMC) para proficuamente geri­la. Uma disciplina normativa, operada por estrutura orgânica, bem poderia induzir um desenvolvimento compatibilizado com a redução dos desníveis sociais, com a melhoria da qualidade de vida e a paz globais. Amparados no postulado do livre comércio, os GATT/OMC, não obstante, tiveram de reconhecer a necessidade do uso circunstancial de ações protecionistas, sendo a hipótese de prestigiar valores superiores. As medidas sanitárias e fitossanitárias, objeto prioritário deste artigo, se interpõem justamente nesse contexto de excepcionalidade, vez que a tutela da vida e saúde dos humanos, vegetais e animais, autoriza, por vezes, restringir ao revés de liberar as relações comerciais. É o manejo da regulação do comércio internacional e das medidas sanitárias e fitossanitárias, seus propósitos e desacertos, pois, que constitui o desafio deste breve estudo. Palavr as­chave: Regulação do comércio internacional. OMC. Medidas sanitárias e fitossanitárias. Abstr act Upon the growing international commercial activity, specially after the Second World War, there came the decision to create an agreement, the GATT, and more recently, the World Trade Organization, with a view to governing international commerce. A regulation, operated by an organic structure, could well lead to development combined with the decrease of social gaps and the improvement of the quality of life worldwide. Based upon free commerce, the GATT/WTO had to admit the circumstancial use of protective actions, in order to uphold superior values. Sanitary and phytosanitary measures, the subject of this article, are justly inserted in this context of exceptions, since the protection of the life and health of human beings, vegetables and animals calls for restrictions instead of freedom in commercial relations. Such regulation of *Advogado, mestre e especialista em Direito pela UFPB
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international commerce and its sanitary and phytosanitary measures as well as their objectives and wrongs is what challenges this brief study. Key­wor ds: International commerce. Regulation. WTO. Sanitary and phytosanitary measures. 1. Intr odução Sem encobrir a essencialidade e o condicionamento dos aspectos políticos e culturais, seria ingênuo desconhecer a hodierna primazia dos interesses econômicos, muito especialmente dos comerciais, na conjuntura internacional. A repercussão das tensões que precedem e dos resultados promanados das negociações mercantis, impensável anos atrás, denota esta real situação. Os noticiários televisivos, os jornais, as revistas, enfim, o aparelho mundial empregado na difusão das informações, tem reservado majoritário espaço e destaque às questões econômicas. Há, ao mesmo tempo, um lidar personalizado como diluído (em outros assuntos) dos seus pertences. Pautando as discussões internacionais, em organizações, entre chefes de governo, sociedades civis, orientam os propósitos e ações. Tópicos como segurança e paz não mais que circundam os desejos pelo enriquecimento, quando muito, conduzidos a pronunciar­se pela necessária diminuição das desigualdades entre os povos. O dinheiro ou a falta dele vem guiando as migrações, inspirando as guerras, as integrações e inter­relações universais. Reconheça­se, a cobiça pelo poder invariavelmente norteou essas condutas, mas a peculiaridade da aproximação dos diversos super dimensionou sua ascendência. O prestígio econômico (comercial) é tão significativo e difundido que só chega a permitir uma reduzida enunciação exemplificativa. Algo superiormente pormenorizado redundaria na conclusão de que a melhor concepção é a generalizada, donde constaria que em quase tudo o econômico está a intervir. O avanço tecnológico, de fato, dinamizou a atividade produtora e encurtou as distâncias globais, pela comunicação massificadora e o aperfeiçoamento dos transportes. Aduza­se a esses fatores uma intervenção estatal instrumental e sistêmica, principiada em Bretton Woods, e tenha­se o apogeu capitalista, um comércio internacional fulgurante. Todavia, afora o testemunho da ingerência exercida pelo comércio, enleva dizer dos múltiplos ganhos surgidos com seu aumento e do restrito uso que os sem escrúpulos, a só velar interesses, fazem deles. Problemas sempre estão no encalce de conquistas. Os quantitativos vultosos da produção e comercialização e os poucos e
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17 ricos países a deles se servirem, caracterizam. É nesse contexto de desenvolvimento e de sua perversão que se insere a regulação, ordenadora da estabilidade, preferível ao jugo imprevisível das circunstâncias, genuinamente, de mercado. A solver males, a promover e democratizar os bons proventos da modernidade, os Estados, consentâneos, elegem valores, confinam­nos a normas e escolhem seus gestores, devotam, a teor das manifestações diplomáticas e com a falsidade que estas usualmente acolhem, confiança ao primado das disposições da OMC.
A Organização Mundial do Comércio e seu precedente histórico, aparelhados, ou nem tanto, mais ou menos multilateralistas, representam o compromisso com o reforço e as amarras ao liberalismo, a tentativa de tutela equilibradora, fomentadora do comércio, da dignificação e paz humanas. Falíveis, com imperfeições, carecedores do infindo conserto que as obras humanas exigem, são alvos de críticas. Paradigmáticos, engenhosos e produtivos, alinhavam marcantes pontos da época recente. O liberalismo é uma ferramenta e não um bem em si mesmo. Sendo inspirado pela justiça e regrado neste molde, tende a impulsionar ganhos coletivos de relevante monta. O crescimento obtido e o excludente usufruto devem­se, em muito, ao disciplinamento concernente aos GATT/OMC: suas razões, sua institucionalização, seu multilateralismo e desvirtuamentos fizeram e constroem realidades, trouxeram desenvolvimento ou parco alento. Arrimando­se na regulação do comércio internacional patrocinada pela OMC, envereda­se por particularizar na discussão, que seja, traçar considerações sobre as chamadas medidas sanitárias e fitossanárias, afetas à prática comercial quotidiana dos Estados e às entranhas da Organização Mundial do Comércio. Calha de pronto suscitar que as medidas não podem ser estudadas apartadamente; dedução óbvia advinda da mera análise terminológica da palavra fitossanitária. As fitossanitárias nada mais são que as sanitárias empregadas na preservação ou defesa dos vegetais (o termo planta deriva do grego phyton). Não bastasse isso, o fato de a Organização Mundial do Comércio tratar acerca de ambas conjuntamente, em um só acordo, chancela o entendimento que se adota. 2. Pr evisão e aplicação das medidas sanitár ias e fitossanitár ias Atreladas ontologicamente à preocupação com a saúde e vida das pessoas, dos animais e dos vegetais, as medidas sanitárias e fitossanitárias (MSF)
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representam uma reserva ao liberalismo comercial fundada no juízo de que o incremento nas transações mercantis e na riqueza produzida não pode sobrevir alheio à salubre qualidade de vida no meio ambiente 1 . Veja­se, o seu intuito constitutivo é dos mais louváveis, reclamando apenas, como de resto todas as disciplinas normativas, o complemento do efetivo respeito e o constante esmero. As medidas sanitárias e fitossanitárias estribam­se no exercício das liberalidades conferidas aos Estados para normalizar a produção, o processamento e o consumo de bens com o propósito de salvaguardar de danos, doenças e moléstias várias, as pessoas humanas, os animais, os vegetais e a agricultura 2 . A mais credenciada definição que se lhes pode outorgar é a constante do corpo da legislação da organização acreditada pelos Estados para sobre tal deliberar, a OMC: 1. Medida sanitária ou fitossanitária – Qualquer medida aplicada: (a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal dos riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas, doenças ou organismos patogênicos ou portadores de doenças; (b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal dos riscos resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal; (c) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal de riscos resultantes de pragas transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas; ou (d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros prejuízos resultantes da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas. (Anexo A ao Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC). 1 Paulo Estivallet de Mesquita (2005, p. 276) sumaria brilhantemente o fundamento e as circunstâncias permissivas de reserva à liberdade comercial: “A OMC, como o GATT antes dela, admite que, em função de objetivos legítimos, os países adotem medidas que afetem negativamente o comércio. O efeito sobre o comércio deve, no entanto, ser incidental: as medidas utilizadas não devem ser arbitrárias nem injustificadas, nem constituírem uma restrição disfarçada ao comércio. A importância atribuída à não­discriminação é reiterada pela jurisprudência em relação ao Artigo III do GATT, que proíbe diferença de tratamento entre produtos domésticos e importados similares. O Artigo XX do GATT trata especificamente de exceções em função de objetivos legítimos de políticas. O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias e o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio tratam da compatibilização entre os objetivos de liberalização do comércio, por um lado, e a autonomia para o estabelecimento de regulamentos domésticos, por outro”. 2 De se destacar o histórico tratamento das medidas sanitárias e fitossanitárias no seio das discussões agrícolas. Segundo Silvia Menicucci de Oliveira (2005) o consenso observado na Rodada Uruguai em torno da necessidade de se fazer alterações no setor agrícola passava pela exigência de aumento da disciplina quanto às medidas sanitárias e fitossanitárias.
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19 Amparadas em leis, decretos, regulamentos e afins, manifestas através de processos e métodos de fabricação, manufatura e comercialização de produtos, abrangentes de empacotamento, embalagem, transporte, inspeções, testes, certificações, tratamentos de quarentena e exigências outras, as medidas sanitárias e fitossanitárias são claramente desnudadas por Vera Thorstensen (2001, p. 85): MSFs são definidas como medidas aplicadas para proteger a vida, a saúde animal ou vegetal, dentro do território de um membro, de riscos ligados à entrada de pragas ou doenças, de aditivos, contaminação, toxinas e organismos nos alimentos, ou carregados por outros animais e vegetais, e prevenir e limitar o seu dano dentro do território de um membro. Compreendidas no rol das chamadas restrições qualitativas, barreiras técnicas ou não tarifárias, as MSF, desde o distante ano de 1947, quando da tessitura do GATT, já se constituíam em hipóteses recepcionáveis, ainda que avessas aos propósitos gerais de liberalização do Acordo. Enquanto os artigos iniciais do GATT, especialmente o primeiro e o terceiro, enunciadores de sua linha programática, rejeitavam qualquer conduta erigidora de barreiras ao comércio, o vigésimo, em suas letras (b) e (g), reconhecia uma, excepcional que se parecia aos olhos dos contratantes. Senão, tenha­ se, o primeiro tratava da Cláusula da Nação Mais Favorecida, dispositivo tendente a expandir uniformemente todas as reduções de obstáculos ao comércio obtidas, contrário, pois, a qualquer opção majoradora de encargos, o terceiro atinava­se do dito tratamento nacional, mecanismo orientado para conformar os países a dar aos produtos internacionais o mesmo tratamento dispensado aos nacionais, ainda focado na liberalização, e o vigésimo autorizava os países a adotar medidas necessárias à defesa da vida e da saúde dos vegetais, animais e seres humanos, mesmo que protecionistas. Seguem, incólumes, o caput e as letras (b) e (g) do artigo XX do GATT acima mencionados: Artigo XX Exceções Gerais Sujeitas à exigência de que tais medidas não sejam aplicadas de modo a constituir um meio de arbitrariedade ou discriminação injustificada entre países onde as mesmas condições prevaleçam, ou um pretexto para restringir o comércio internacional, nada nesse acordo deverá concorrer para embaraçar
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a adoção ou a imposição por qualquer parte contratante de medidas: (b) necessárias à proteção da saúde e vida humana, animal ou vegetal; (g) relacionadas à conservação de recursos naturais não renováveis desde que tomadas em conjunto com restrições à produção e ao consumo internos; O GATT consagrava, dessa forma, a compatibilização da liberalização comercial com a aplicação racional de ações restringentes, apesar de, originalmente, não designar as condições essenciais à legítima aplicação das medidas sanitárias e fitossanitárias. O aludido propósito, não obstante, e a ninguém causa estranheza, demandava efetivação. Se o ordenamento jurídico interno dos países mostrava­se deslustrado pela deficiente capacidade impositiva, o internacional exigia bem mais melhorias (por razões que não comporta suscitar), sendo esse o cenário de incidência e implemento das barreiras sanitárias e fitossanitárias. Os desvãos, também aqui, exsurgiram e, sem fugir à regra, derivaram do desvirtuado uso que os humanos emprestam aos imaculados códigos. O fato é que as medidas em exame foram frequentemente utilizadas sob falsa argumentação 3 . Em vez de servir para tutelar a integridade física dos seres vivos, foram o embuste do qual se valeram alguns países, notadamente os mais ricos, para perpetuar sua conduta de protecionismo interno, sem abrir mão da liberalização para além de suas fronteiras. Simone Moraes Raszl (2000, p. 270) realça a distorção no emprego das medidas: Entretanto, apesar desta condição geral para a aplicação de medidas nacionais para a proteção da saúde humana, animal e vegetal, tornou­se evidente que as medidas sanitárias e fitossanitárias a nível nacional, seja por designação ou acidente, se transformaram em barreiras comerciais reais. O interesse do mau­caratismo, patrocinado por estrutura estatal, escudado na falsidade de informações, fez uso da norma excepcional em total descompasso com suas fontes informadoras. Razão, por demais fausta, para exigir uma reformulação da sistemática. As deficiências deviam ser supridas, garantindo­se, a um só tempo, reconhecimento e diferente trato de particular circunstância e expurgo da burla à razão do dispositivo convencional. Presente essa concepção, houve­se por incrementar a legislação respeitante (estabelecer critérios para o uso das medidas previstas). Em 1979 celebrou­se o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio ou Standards Code com o desiderato 3 Ver HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 195 e DAM, 1977, p. 193.
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21 de autorizar o uso de “barreiras técnicas quando fosse necessário resguardar a segurança nacional, evitar práticas enganosas, proteger a saúde e a segurança humana, vida e saúde animal e vegetal, o meio ambiente, tendo em vista fatores climáticos e geográficos, ou, ainda, problemas tecnológicos fundamentais” (LIMA, 2004, p. 91). Com a Rodada Uruguai 4 deu­se impulso sobrestante, criou­se o novo Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio – TBT e, para a graça dos desígnios das medidas, um diploma que se lhes dedicava por inteiro, o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS 5 Agreement) 6 7 8 . Dispôs­se, por intermédio deste, que o emprego das medidas só se justificaria se moderado, nos estritos limites indispensáveis ao atendimento de seus fins, e calcado em padrões científicos estabelecidos por organizações internacionais de credibilidade. É o que se depreende do artigo 2 do Acordo retro assinalado: 2. Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária e fitossanitária seja aplicada apenas na proporção do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem evidência científica suficiente [...]. Os propósitos estatuintes do SPS 9 , dessome­se, repousaram em tentar coibir que as medidas sanitárias e fitossanitárias fossem utilizadas como subsídios 10 disfarçados, conciliando­as, eficazmente, com a liberalização comercial. Rabih Ali Nasser (1999, p. 85) sintetiza o espírito do Acordo recém­criado: A aceitação dessas medidas decorre da consideração de que elas servem 4 As rodadas ou rounds são períodos de negociação ocorrentes regularmente no âmbito da OMC, como no de seu antecessor, o GATT, nos quais se fixa o direito conducente da Organização. Sendo a mais longa e expressiva, constitutiva da Organização Mundial do Comércio, a Rodada Uruguai foi iniciada em Punta del Este (1986) e concluída em Marrakesh (1994). 5 Sanitary and Phytosa nitary (Agreement). 6 O Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias surgiu, como faz entender, para implementar as disposições do GATT 1947/1994, notadamente as presentes ao artigo XX (b), pertinentes ao uso das medidas em exame. Andreas F. Lowenfeld (2003, p. 324) fala em buscar o Acordo detalhar, em uma área limitada, o princípio do artigo XX (b) do GATT. 7 O Acordo sujeita à sua disciplina todas as medidas sanitárias e fitossanitárias que possam influir direta ou indiretamente no comércio global. 8 Relevante notar que antes do Standards Code, do TBT e do SPS, apenas o art. XX (b) e (g) do GATT dispunha sobre as MSF, assim como os elencados sucedâneos deste dispositivo não mais que serviram para especializar o trato das medidas. 9 Observar HOEKMAN; KOSTECKI, 2001, p. 197 10 Subsídios são vantagens indevidas (nesta conjectura) concedidas pelo Estado que beneficiam determinadas empresas ou setores..
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para a proteção de valores mais importantes do que a liberdade comercial, que são a vida e a saúde. Os países podem, portanto, estabelecer certos critérios e parâmetros científicos que, eventualmente, podem constituir uma restrição ao comércio. Mas a regulação dessas medidas em um acordo específico visa evitar que a aceitação delas pela OMC sirva de justificativa para restringir o comércio com exigências em relação aos produtos negociados sem a devida base científica. Conforme se procura evitar que as medidas sanitárias e fitossanitárias sirvam de barreiras ao comércio, o Acordo procura preservar o maior grau possível de liberalização comercial. Os usuários das medidas passaram a ser compungidos, outrossim, a não discriminar na sua aplicação em um meio de realidades idênticas ou semelhantes, ressalvados casos particulares, existindo consistente justificação. As medidas sanitárias e fitossanitárias devem, para fim de harmonização, se fundar nos regulamentos internacionais tocantes, permitindo­se aos Membros da OMC, como ressalva, havendo substrato científico, se valer de medidas até mais restritivas ao comércio que as internacionalmente reconhecidas em normas, guias e congêneres. Essencial ao manejo das medidas, para determinar a conveniência de sua adoção e os seus termos, os critérios enunciados no artigo 5 do SPS – vão da avaliação qualificada das organizações internacionais dos riscos à vida ou à saúde aos fatores econômicos relevantes. A transparência, efetivada pelo fornecimento de informações sobre as medidas, é outra exigência expressa no texto do Acordo. Valiosas nesse cenário, para Estados como o brasileiro, as disposições relativas a trato diferenciado dos países em desenvolvimento. O Acordo reflete um sentimento histórico que, passo a passo, foi se sedimentando nas regras de controle do comércio internacional. Não obstante os gestos somente tangenciem as normas, as prescrições protetivas simbolizam um ganho que não se permite obscurecer. Aos países em desenvolvimento se deve facilitar o acesso à assistência técnica necessária, bem como, sempre que possível, conferir prazos mais alargados para a observância das medidas, conceder, em casos especiais, exceções por tempo limitado, e favorecer a participação ativa nas organizações internacionais; enfim, as carências específicas dos países menos desenvolvidos devem ser sempre consideradas na elaboração e aplicação das medidas sanitárias e fitossanitárias. Na promoção e aplicação dos dispositivos do Acordo e à cata de seus objetivos, o Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. Dentre suas funções específicas
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23 destacam­se a de estimular e patrocinar consultas e negociações entre os Membros, incentivar o seguimento dos regramentos internacionais (ofertando, para tanto, estudos e consultas técnicas), manter profícua relação com as organizações internacionais vinculadas (desejoso de assegurar consultoria técnica e científica qualificada para os Membros), propor ao Conselho para o Comércio de Bens da OMC emenda ao texto do Acordo e zelar, constantemente, pelo bom funcionamento deste. 3. Disputas emblemáticas na OMC Cinco litígios atrelados ao Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, por seus valores temáticos e históricos, merecem, ainda que perfunctória, exibição. Os fatos que seguem narrados o são na ordem cronológica de precedência na composição de Grupo Especial 11 . Na contenda WT/DS2 12 United States – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline, dada a conhecer no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, o Grupo Especial constituído para investigar a ocorrência já interpretou o artigo XX, letra (b) do GATT à luz das disposições forjadas na Rodada Uruguai. O caso é tão densamente bem provido que se tornou paradigmático na análise das exceções gerais ao Acordo, utilizado seguidamente como referência. Ademais, ganha relevo por ter sido o primeiro submetido ao Órgão Permanente de Apelação (OPA) 13 e impor sucumbência à hegemônica potência norte­americana. Washington Juarez de Brito Filho (2003, p. 126) elenca razões para a destacada valia do caso: [...] O exame do artigo XX, tanto por parte do Grupo Especial, mas também e principalmente pelo Órgão de Apelação, trouxe novidades relevantes ao estudo da jurisprudência arbitral na OMC. O artigo XX, embora de capital importância dentro do contexto geral do GATT, pois é a válvula de escape que excepciona a regulamentação comercial trazida no bojo de todo o restante do Acordo Geral, não tem sido ponto questionado em 11 Grupo Especial, painel ou panel é a fase/instrumento de investigação inicial de uma querela no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. 12 Esta é a nomenclatura básica utilizada pela OMC para designar os casos submetidos à sua análise e julgamento, onde o WT/DS (WT = Wor ld Tra de /DS = Dispute Settlement) é elemento fixo e o número “2” é representativo de específica disputa. 13 Órgão responsável pela reavaliação das questões submetidas ao Grupo Especial, havendo inconformidade com o entendimento adotado por este.
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tantos casos quanto o artigo III, por exemplo. Por isso é que doutrinadores importantes do Direito Internacional do Comércio, como McGovern, afirmam que a interpretação da cláusula de exceções gerais permanece ainda bastante problemática. Tal circunstância faz ganhar ainda mais relevo o presente caso, sempre mencionado na análise da intelecção jurídica dos termos e objetivos do artigo XX. A divergência se resumiu à acusação da Venezuela e do Brasil de que regra publicada pela Agência Americana de Proteção Ambiental (United States Environmental Protection Agency – EPA), denominada de Fuels and Fuel Additives – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline (Gasoline Rule), afrontava, além de outros dispositivos, o artigo XX do GATT. Os Estados Unidos, por seu turno, dentre várias alegações, diziam­se respeitantes do artigo XX, letras (b), (d) e (g) do GATT. Os norte­americanos sustentaram labutar contra a poluição atmosférica, potencial geradora de riscos à saúde e à vida dos humanos, vegetais e animais. Doenças muitas, suscitaram, advindas dos gases emitidos na combustão dos automóveis, exigiam ações profiláticas, fossem de qualquer natureza e grandeza. O Grupo Especial concluiu, entretanto, que os Estados Unidos não fizeram prova da adequação de suas medidas ao artigo XX, letras (a), (d) e (e) do GATT, como advogavam. Adiante, o Órgão de Apelação, por outros argumentos, igualmente censurou os norte­americanos. O Órgão classificou de discriminação injustificável e restrição disfarçada as práticas adotadas pelos estadunidenses. Atendo­se ao segundo caso, uma disputa que remonta à década de 1980 e que costuma ser indicada como um dos fundamentais motivadores da constituição do Acordo SPS, principiada com a vedação da importação de carnes tratadas com hormônios pela Comunidade Européia (European Communities – Measures Concerning Meat and Meat Products – Hormones; WT/DS26 e WT/DS48), dois Grupos Especiais foram constituídos, a esta altura sob a tutela do Acordo SPS, restando, como conclusão de seu labor, a declaração de carecimento de legitimidade das disposições por ausência de amparo em argumentos internacionalmente reconhecidos. Subsequentemente, no reexame da controvérsia, o Órgão Permanente de Apelação manteve a decisão do Grupo Especial, asseverando que a Comunidade Européia violou o artigo 5.1 do SPS, ou, em termos distintos, não comprovou cientificamente que as medidas restritivas à importação eram necessárias à proteção da saúde ou vida dos consumidores. Caracterizou­se, em verdade, a adoção de medidas destinadas à proteção do mercado europeu.
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25 No tocante ao feito levado adiante pelo Canadá contra a proibição australiana de importação de salmão fresco, resfriado ou congelado, segundo a alegação de evitar a entrada de pestes e doenças na Austrália, findou por avaliar a fundamentação científica da conduta, se ocorreu adequação das medidas à real necessidade de proteção da saúde e vida animal (consideradas as técnicas de análise promanadas das organizações internacionais especializadas) e seguimento do artigo 5.5 do SPS, destinado a cobrar o emprego de equânimes medidas em situações comparáveis. No caso Japão – Medidas Afetando Produtos Agrícolas ou, meramente, Japão – varietais, os Estados Unidos contestaram o procedimento dos japoneses de barrar a importação de variedades de produtos agrícolas até que comprovada a sua não potencial exposição das plantações de frutas locais a doenças. No seu estudo, o Grupo Especial (no que seguido pelo Órgão de Apelação) averiguou se existia fundamento científico para o implemento das medidas, se foram cumpridos os deveres de publicidade e se a hipótese adotada não recaiu sobre alternativa mais gravosa ao comércio que a necessária. Por fim, a questão atrelada à recusa japonesa de importar maçãs vindas dos Estados Unidos que não atendessem exigências consistentes no combate à bactéria Erwinia amylovora . Esses pressupostos, medidas fitossanitárias, defendidas pelos japoneses como se essenciais ao resguardo de plantações contra pestes e inúmeras enfermidades e exprobradas pelos norte­americanos como se representativas de barreiras comerciais desleais, quedaram condenados pelo painel e pelo Órgão de Apelação. 4. Conclusão As considerações desenvolvidas neste texto redundam prioritariamente, avalia­ se, na ilação de que o manejo das medidas sanitárias e fitossanitárias não prescinde de um raciocínio conspectivo, contemplador das especificidades do tema e da inteireza do sistema multilateral do comércio. Seu emprego não pode se prender a tecnicismos ou a reducionismo interpretativo, mas ao racionalismo e à sensibilidade humana. O entendimento acertado parte da conciliação das medidas com o desenvolvimento, sendo este o amálgama do aumento da riqueza com a diminuição da desigualdade entre os povos, com a paz e segurança internacionais e com os direitos humanos. Notável, tem­se, é regular de modo a sintonizar a proteção do interesse público, a exemplo da saúde e segurança humana, vegetal e animal, com a liberalização comercial e o equacionamento dos desníveis sociais internacionais. As medidas, in
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casu, devem, pois, salvar vidas e prover saúde sem erguer entraves ao comércio, velar por justiça e pelo desenvolvimento.
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29 A RESOLUÇÃO ANTECIPADA DO MÉRITO EM
AÇÕES REPETITIVAS (Lei 11.277/2006) Vicente de Paula Ataide Junior*
Sumár io: 1. Introdução – 2. O controle da petição inicial – 3. A resolução antecipada do mérito do art. 285­A, CPC – 4. A constitucionalidade do art. 285­A, CPC – 5. Pressupostos legais – 6. Operacionalização da nova regra – 7. A resolução antecipada do mérito como faculdade do juiz – 8. A apelação – 9. O julgamento da apelação – 10. Conclusão ­ Referências. R esumo A Lei 11.277/2006, ao introduzir o art. 285­A no Código de Processo Civil, criou nova hipótese de resolução antecipada do mérito, sem citação do réu. É mecanismo que permite ao juiz, nos casos de ações repetitivas, em que a matéria controvertida for unicamente de direito, e no juízo houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada. Discute­se a constitucionalidade do novo instituto, seus pressupostos legais, sua operacionalização prática e sua aplicação como faculdade judicial. Também se aborda as características da apelação contra a sentença proferida com base na nova regra. Palavr as­chave: Resolução Antecipada do Mérito – Ações Repetitivas – Art. 285­A, CPC – Petição Inicial – Dispensa de Citação – Apelação – Reforma Processual. Abstr act The Law 11,277/2006 introduced the article 285­A in the (brazilian) Civil Procedure Code creating a new hypothesis of anticipated merit resolution, without * Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal de Curitiba/PR. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Tuiuti do Paraná e da Escola da Magistratura Federal do Paraná. 30 PARAHY BA
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citation of the defendant. It is a mechanism that allows the judge to dismiss the citation and pronounce the sentence, reproducing a previously rendered decision, in the cases of recurring lawsuits, where the legal dispute is solely about rights, and the court’s judgment is one of dismissal. The new institute’s constitutionality is argued, as is it’s legal fundaments, practical implementation and its application as a judicial faculty. The characteristics of the appeal against the pronounced sentence based on the new rule are also examined. Key words: Anticipated Merit resolution ­ Recurring Lawsuits ­ Art. 285­A, CPC ­ Complaint brief ­ Dismissal of Citation ­ Appeal ­ Procedural Reform.
1. Introdução A Lei 11.277, de 7 de fevereiro de 2006 (publicada no DOU de 8/2/2006), acrescendo ao Código de Processo Civil (CPC) o art. 285­A, entrou em vigor no dia 9 de maio de 2006, considerando a vacatio legis de 90 dias e a regra do art. 8º, § 1º, da Lei Complementar 95/1998. Segundo o caput do novo artigo, quando a matéria for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo­se o teor da anteriormente prolatada. Pelo parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. E pelo parágrafo segundo, caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. Trata­se de uma das iniciativas que compõe a terceira onda de reformas do Código de Processo Civil, iniciada em 2005. O espírito dessas reformas, como consta das exposições de motivos das leis respectivas, é tornar o processo civil mais célere e racional, sem, contudo, ferir o contraditório e a ampla defesa. Mas a novidade, apesar de contar com o apoio do Instituto Brasileiro de Direito Processual, já vem sendo alvo de pesadas críticas, inclusive motivando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, perante o Supremo Tribunal Federal (ADIn 3695, relator Ministro Cezar Peluso, ainda sem decisão, mas com parecer contrário da Procuradoria Geral da República). Mesmo com essas críticas, não é lícito exortar aos membros do Poder Judiciário que simplesmente se recusem a aplicar o novo dispositivo legal.
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31 É preciso abrir a mente às inovações, extraindo delas o maior proveito possível em termos de racionalização do processo civil brasileiro. O objetivo deste pequeno ensaio é dar uma contribuição interpretativa sobre a nova regra, procurando resolver algumas questões práticas que podem surgir no cotidiano no foro. 2. O controle da petição inicial Distribuída e autuada a petição inicial, os autos seguem conclusos ao juiz para o controle da sua admissibilidade. Presentes as hipóteses do art. 295, CPC, o juiz indeferirá a petição inicial, proferindo sentença extintiva do processo. Resolverá o mérito, se verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (arts. 295, IV e 269, IV, CPC); não o resolverá nas demais hipóteses (art. 267, I, CPC). Note­se que o sistema processual já prevê hipótese de sentença de mérito, suscetível de formar coisa julgada material, sem que haja citação do réu, ainda mais agora que a prescrição pode ser pronunciada, de ofício, pelo juiz (art. 219, § 5º, CPC, com a redação dada pela Lei 11.280/2006). Essa constatação serve para desmistificar a idéia de que somente após a citação do réu é que há processo. Quando o juiz indefere a inicial reconhecendo prescrição ou decadência, inequivocamente, profere sentença de mérito. Seria possível sentença de mérito sem processo? Caso a petição inicial esteja incompleta, por não apresentar algum dos requisitos dos arts. 282­283, CPC, o juiz deverá determinar a emenda, no prazo de dez dias (art. 284, CPC), sob pena de indeferimento da inicial (arts. 284, parágrafo único e 295, VI, CPC) e extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 267, I, CPC). Nos casos de indeferimento da inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 horas, reformar sua decisão (art. 296, CPC). Nessa apelação, o réu não participa, não sendo intimado (nem citado) para contra­arrazoar. Estando em termos a petição inicial, o juiz a defere, ordenando a citação do réu, para responder (art. 285, CPC). 3. A resolução antecipada do mérito do art. 285­A, CPC A Lei 11.277/2006, ao acrescentar o art. 285­A ao CPC, criou uma nova possibilidade de resolução antecipada do mérito, sem citação: quando a matéria
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controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo­se o teor da anteriormente prolatada. Nesse caso, o processo, ao menos até a sentença, limita­se a existir apenas entre o autor e o Estado (juiz). O autor distribui a petição inicial; ela é autuada e os autos seguem conclusos para o juiz; se não houver razão para o indeferimento da inicial (ou mesmo para emenda), o juiz, presentes os pressupostos do art. 285­A, CPC, de imediato profere de sentença, julgando improcedente o pedido. O réu não é citado, a menos que haja apelação do autor e a sentença seja mantida pelo juiz de primeiro grau (art. 285­A, § 2º, CPC). Como o juiz rejeita liminarmente o pedido do autor, seu ato implica na situação prevista no art. 269, I, CPC, pelo que se trata de sentença de mérito, nos termos do art. 162, § 1º, CPC (com a redação dada pela Lei 11.232/2005), com força para produzir coisa julgada material. 4. A constitucionalidade do art. 285­A, CPC O novo dispositivo não padece de inconstitucionalidade. É medida salutar que contribui para a realização do direito fundamental à duração razoável do processo, conforme inciso LXXVIII, do art. 5º da Constituição: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ora, se em casos idênticos ao proposto pelo autor, em que não se controverte sobre matéria de fato, o juízo tem proferido sentença de total improcedência, não se vê grande utilidade em exigir a participação do réu, a qual não provocará significativa influência. O autor já tem resposta jurisdicional imediata à sua postulação, não precisando aguardar mais tempo para obter a mesma providência. Conforme a exposição de motivos da nova lei (item 4), “a proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria controvertida for unicamente de direito, e no juízo houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada.” A idéia, portando, é dotar o juiz de um meio processual mais ágil para enfrentar os processos repetitivos, que se alastram vertiginosamente, mesmo diante da perspectiva de improcedência, tendo como norte a construção de um processo que dure menos tempo.
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33 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006) comungam dessa opinião, escrevendo que “o novo instituto constitui importante arma para a racionalização do serviço jurisdicional. É racional que o processo que objetiva decisão acerca de matéria de direito sobre a qual o juiz já firmou posição em processo anterior seja desde logo encerrado, evitando gasto de energia para a obtenção de decisão a respeito de ‘caso idêntico’ já solucionado. O ‘processo repetitivo’ constituiria formalismo desnecessário, pois tramitaria somente para autorizar o juiz a expedir a decisão cujo conteúdo foi definido no primeiro processo.” Note­se que a medida é vantajosa para o autor, porque, sem citação do réu, a sentença de improcedência não o condenará a pagar honorários advocatícios de sucumbência. Assim, além de acelerar o deslinde do feito, a nova medida ainda barateia a prestação jurisdicional. Para o réu a vantagem também é evidente porque, em princípio, não terá que suportar os ônus da citação e da resposta, livrando­se do ataque do autor por ato exclusivo da jurisdição. Não terá que contratar advogado (e se se tratar da Fazenda Pública, será menos carga de trabalho para os procuradores). Caso haja citação para responder à apelação do autor, haverá a produção de apenas uma peça (as contra­ razões) e não de duas (contestação e contra­razões). O argumento de que ao réu é sonegada a possibilidade de reconvenção não é suficiente, porque o direito de ação do réu contra o autor continuará podendo ser exercido pela vias ordinárias. As primeiras críticas sobre o novo instituto apontam que a regra instituída viola o princípio constitucional do contraditório e, conseqüentemente, o do devido processo legal. Não parece que assim o seja. Primeiro, porque mesmo esses sagrados princípios não são absolutos e devem se ajustar a outros, da mesma magnitude constitucional, como o que estabelece a razoabilidade na duração do processo e o que impõe a existência de meios que garantam a celeridade processual. Segundo, porque a irrecusabilidade do contraditório se prende ao fato de o processo significar a possibilidade de abalo à situação jurídica do réu. Por essa razão é que ele tem direito de influir na decisão a ser tomada pelo juiz (FREITAS, 1996), buscando uma sentença favorável. Essa possibilidade de abalo, no entanto, não acontece no caso do art. 285­A, CPC, pois a sentença será, sempre, de total improcedência, favorável, portanto, ao réu. Já se sabe, de antemão, que, na esfera jurídica do réu, nenhuma alteração haverá. Esse é o sentido democrático do contraditório, não o caracterizando como mera formalidade procrastinatória que sonega ao processo uma duração razoável.
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Mesmo assim, o contraditório não é totalmente dispensado na espécie, pois, havendo apelação, o réu será citado para responder, considerando que o tribunal poderá reformar a sentença de primeiro grau. Apresenta­se, aqui, o contraditório diferido (SILVA, 2005), como regra de harmonização dos princípios constitucionais. Observe­se que o direito de ação do autor é conservado, não havendo ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Continua podendo o autor acessar a jurisdição nas ações repetitivas. Não há bloqueio à atividade jurisdicional. E assim o fazendo, receberá a prestação jurisdicional devida, em sentença de mérito, com as vantagens de celeridade e de custo menor. Como antes referido, o sistema já convive com sentença de mérito proferida sem citação – indeferimento da petição inicial pelo reconhecimento antecipado da prescrição ou decadência – não se tendo visto alegação de que esse tipo de provimento seria inconstitucional por violar o contraditório, o direito de ação ou o devido processo legal. Por fim, a prática judicial já antecipou o sucesso dessa reforma. Ao menos nos juizados especiais federais, principalmente nos previdenciários, já era comum a adoção do método para ações repetitivas de improcedência, ajuizadas pelo sistema eletrônico (batizado de e­proc na 4ª região). E o INSS não tem reclamado da diminuição da carga de trabalho de seus procuradores... 5. Pr essupostos legais Para a aplicação do art. 285­A, CPC, dois pressupostos cumulativos são exigidos: (1) a matéria controvertida deve ser unicamente de direito, ou seja, não se discute matéria fática; (2) no juízo já deve ter sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos. Quanto ao primeiro requisito, critica­se a terminologia usada pelo legislador, pois, antes da citação, não haveria matéria controvertida . No entanto, a interpretação do artigo permite encontrar seu sentido: deve ser unicamente de direito a matéria deduzida na petição inicial como causa de pedir. Essa técnica não é nova, estando presente, p. ex., no art. 515, § 3º, CPC, através do qual, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. O segundo requisito deve ser analisado por partes.
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35 Diz a lei que no juízo já deve ter sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos. Segundo De Plácido e Silva (2004), juízo, “do latim ‘judicium’ (ação de julgar, julgamento, ofício do juiz), é tomado em duas acepções: em sentido restrito, é tido na mesma significação de ‘juizado’, ou seja, o local em que o juiz exerce as suas funções ou funciona no exercício de sua jurisdição ou de seu próprio ofício. Em sentido mais amplo, significa a própria ‘discussão da causa’”. O termo juízo utilizado pelo art. 285­A, CPC, deve ser tomado em seu sentido restrito, ou seja, como local em que o juiz exerce a jurisdição. Mas que local é esse? Esse local deve ser entendido como unidade de competência territorial, ou seja, a comarca ou a subseção judiciária. Assim interpretando, pode­se dizer que, para a aplicação da nova regra, é preciso que tenha sido proferida sentença de total improcedência, em casos idênticos, dentro da comarca (justiça dos estados) ou da subseção judiciária (justiça federal). A lei não exige que o próprio juiz da causa tenha, anteriormente, proferido a sentença de improcedência, muito menos o mesmo juiz, considerado a pessoa natural que ocupa o cargo de magistrado. Fala em juízo, não em juiz. Também não se refere à vara judicial, que representa um fracionamento da unidade de competência territorial. Todos os juízes de uma comarca ou de uma subseção judiciária possuem a mesma competência territorial. E a lei reconhece essa circunstância, p. ex., no art. 106, CPC, ao determinar que correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera­ se prevento aquele que despachou em primeiro lugar. E mais: o art. 251, CPC, é claro em reconhecer que todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de um juiz ou mais de um escrivão. Fala mais de um juiz, não mais de um juízo. Essa interpretação permite extrair o maior proveito possível da nova regra, no sentido de agilidade e de presteza jurisdicionais. Se na comarca ou na subseção judiciária, qualquer juiz tenha proferido sentença de total improcedência em causa cuja matéria é somente de direito, os demais juízes poderão usar essa sentença paradigma em casos idênticos, caso concordem com seus termos, aplicando a regra do art. 285­A, CPC. Assim, o juiz substituto poderá usar a sentença paradigma proferida pelo juiz titular da vara, como ambos poderão usar as sentenças paradigmas proferidas por juízes substitutos ou titulares de outras varas, desde que pertencentes à mesma comarca ou subseção judiciária. Essa prática torna­se facilitada através dos bancos de sentenças, que começam a ser disponibilizados pelas redes de computadores dos tribunais: o juiz de uma vara pode acessar as sentenças proferidas pelos colegas da mesma
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comarca ou subseção. Não é preciso que o juiz sentenciante já tenha enfrentado a questão de direito alguma vez. Basta que identifique na sentença paradigma a sua aplicabilidade para o caso recebido e, é claro, concorde com a tese jurídica esposada pelo colega. A lei fala em casos idênticos. Também aqui se critica a redação empregada no artigo: em função da litispendência ou da coisa julgada, não é possível julgar caso idêntico, que é aquele que apresenta identidade de partes, causa de pedir e pedido (art. 301, § 2º, CPC). Obviamente que não é disso que a norma dispõe. Os casos idênticos são aqueles que conservam entre si, apenas, a identidade de teses jurídicas, de modo que tanto em relação a um caso, como em relação a outro, a matéria de direito é a mesma. Não haverá a necessidade de identidade de partes e, nem mesmo, de pedido, pois a solução a dar, em qualquer hipótese, seria a mesma: improcedência em função da tese jurídica defendida. Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2006) observam que “não bastará, por outro lado, que no juízo tenha sido proferida apenas uma sentença de improcedência, sobre caso que posteriormente venha a repetir­se. Exige a lei, textualmente, que, para aplicar­se o disposto no art. 285­A, deverão ter sido julgados ‘outros casos idênticos’. Assim, deve ter havido ao menos duas ou mais decisões de improcedência sobre o ‘caso idêntico”. E a sentença proferida em casos idênticos deve ser de total improcedência, não podendo haver sucumbência recíproca em nenhuma hipótese, mesmo que mínima. Interessante notar que a lei não faz nenhuma ressalva quanto às condições da sentença paradigma. Isso quer dizer que essa sentença, que será utilizada como referência para os casos posteriores idênticos, não precisa estar acobertada pela coisa julgada , podendo, mesmo, ter sido reformada em grau de recurso. Se o juiz da causa concordar com a tese jurídica da sentença paradigma, não importa a confirmação ou a reforma desta: a sentença paradigma passará a ser a sentença do juiz da causa e o entendimento nela contido, dele será. É evidente que se espera dos juízes razoabilidade na manipulação da nova regra, para que ela não se torne contraproducente. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006) bem asseveram que “a afirmação da prerrogativa de o juiz decidir de ‘forma diferente’ do entendimento fixado pelos tribunais superiores, longe de ser algo que tenha a ver com a consciência do magistrado, constitui um ato de falta de compromisso com o Poder Judiciário, que deve estar preocupado, dentro do seu sistema de produção de decisões, com a efetividade e a tempestividade da distribuição de justiça. E não só um ato de falta de compromisso com o Judiciário, mas também um ato que atenta contra a cidadania, pois desconsidera o direito constitucional à
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37 razoável duração do processo”. Espera­se, também, que os tribunais superiores pacifiquem e uniformizem sua jurisprudência, sem arrependimentos, para que esta se torne caminho seguro a ser seguido. Não é possível exigir dos juízes de primeiro grau que sigam uma jurisprudência oscilante e diversificada, com variações de entendimento até mesmo dentro do próprio tribunal superior. 6. Operacionalização da nova regra Presentes os requisitos que compõe o preceito do art. 285­A, CPC, bastará ao juiz sentenciar o feito, reproduzindo o teor da sentença paradigma, sem necessidade de citar o réu, porque a citação é expressamente dispensada. Como a nova regra não está inserida no art. 295, CPC, não será o caso de indeferir a petição inicial. Na prática, não basta reproduzir, nos autos, a própria sentença paradigma, sem maiores cuidados. O juiz da causa proferirá sentença nova (até para fins estatísticos), indicando, por isso, em epígrafe, o número dos seus autos e os nomes das partes. Em seguida, afirmando a aplicação do art. 285­A, CPC, identificará a origem da sentença paradigma (juízo, vara, juiz prolator, n.º dos autos) e reproduzirá o seu teor, no que concerne ao relatório, fundamentação e dispositivo. Em tópico posterior, seguinte à reprodução do teor da sentença paradigma de improcedência, condenará o autor nas custas processuais, a menos que defira a justiça gratuita, e salientará que não haverá condenação em honorários advocatícios, em função da dispensa de citação. Terminará por ordenar a publicação e o registro da nova sentença, além da intimação do autor. No fechamento do ato, constará a data e a assinatura do juiz da causa. Essa sentença será juntada aos autos, publicada e registrada no livro próprio; o autor será dela intimado, por seu advogado, passando a correr, da intimação, o prazo legal para a apelação. Caso o autor seja a Fazenda Pública, haverá reexame necessário, a menos que incidam as causas de dispensa, previstas no art. 475, §§ 2º e 3º, CPC. Deve­se atentar se a causa não comporta a intervenção obrigatória do Ministério Público (art. 82, CPC). Em caso positivo, não será possível proferir sentença sem antes providenciar a intimação do órgão ministerial.
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7. A resolução antecipada do mérito como faculdade do juiz A técnica utilizada pelo art. 285­A, CPC, visa à aceleração do processo. Mas se trata, a toda evidência, de uma faculdade para o juiz da causa. Não há qualquer obrigatoriedade em se utilizar o instituto. O juiz, mesmo sabendo da existência, no juízo, de sentença de total improcedência em casos idênticos, poderá muito bem ordenar a citação e processar normalmente a causa. Provavelmente, julgará antecipadamente a lide, com base no art. 330, I, CPC. E é provável, até, que decida da mesma forma que a sentença paradigma. A aplicação da nova regra pelo juiz não o vincula para os próximos casos idênticos, até porque é possível que ocorra mudança de entendimento sobre a tese jurídica, tornando exigível a citação do réu para influir no julgamento do feito. 8. A apelação Intimado da sentença proferida segundo a regra do art. 285­A, CPC, o autor poderá apelar, no prazo legal. Caso presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, a apelação será recebida em seu duplo efeito, ressalvadas as hipóteses de apelação com mero efeito devolutivo (art. 520, CPC). Se negativo o juízo de admissibilidade da apelação, poderá o autor interpor agravo de instrumento (art. 522, CPC). O parágrafo primeiro do art. 285­A, CPC, estabelece que se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. Não se trata de um juízo de retratação tal qual o do art. 296, CPC. Na regra nova, o juiz não reforma a sentença, mas se limita a não mantê­la, apenas porque se convenceu, pelas razões recursais, que não seria caso de aplicar o art. 285­A, CPC. A sentença proferida ficará sem efeito, a apelação restará prejudicada e a citação do réu será ordenada para o prosseguimento normal da ação. Havendo requerimento de antecipação de tutela ou qualquer medida de urgência da inicial, o juiz deverá, de imediato, apreciá­lo, mesmo antes de determinar a citação. O prazo de cinco dias referido no parágrafo é impróprio, pelo que a sua inobservância pelo juiz não causa quaisquer conseqüências processuais, ressalvada a norma do art. 133, II, CPC. A não manutenção da sentença, em razão da apelação do autor, se faz por simples despacho, sem a necessidade de maior fundamentação, podendo integrar
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39 o próprio despacho que recebeu a apelação. É irrecorrível, pois não há interesse recursal para ambas as partes: o autor conseguiu o processamento da causa, na esperança de uma sentença de procedência e o réu, após a citação, poderá opor todas as exceções que entender cabíveis. Não se deve desentranhar a sentença não mantida. O parágrafo segundo do art. 285­A, CPC, por sua vez, estabelece que caso mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. Aqui, o recurso de apelação foi recebido e o juiz, também por simples despacho irrecorrível, resolveu manter a sentença proferida nos moldes da nova regra. Mandará citar o réu, pelos meios previstos no art. 221, CPC. Mas essa citação não será para a resposta comum, como para dar prosseguimento à ação, cuja omissão caracterizaria revelia. Será para responder ao recurso de apelação, não para contestar . Se não houver a resposta à apelação, não haverá revelia, muito menos confissão ficta. Não é demais lembrar que a sentença de mérito já foi proferida e o réu foi o “vencedor”. Na apelação, o autor poderá suscitar, fundamentalmente, duas questões: (a) o art. 285­A, CPC, não é aplicável, seja porque a matéria não é unicamente de direito, seja porque o caso decidido na sentença paradigma não corresponde ao caso dos autos; (b) a tese jurídica da sentença paradigma, apesar de corresponder ao caso, não é correta. Nas contra­razões, oferecidas no prazo de quinze dias, contados da citação (ou melhor, da juntada aos autos da prova da citação – art. 241, CPC), o réu impugnará essas alegações. Não há possibilidade de apelação adesiva pelo réu, pois inexiste interesse recursal. Nesse ponto, uma importante pergunta surge: caso a sentença paradigma esteja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, poderá o juiz deixar de receber a apelação, evocando o art. 518, § 1º, CPC? Pelo sistema processual criado pela reforma atual, é possível dizer que sim. O artigo 518, § 1º, CPC, criou um novo pressuposto negativo de admissibilidade para a apelação: a sentença não pode estar em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Se estiver, a apelação não será recebida. Não há porque deixar de incidir o novo pressuposto de admissibilidade para a apelação referida no art. 285­A, § 1º, CPC. A idéia é reduzir o número excessivo de impugnações sem possibilidades de êxito. Com isso é fechada qualquer via de acesso ao tribunal para o autor? Não, ainda restará o agravo de instrumento. Convém recordar: o duplo grau de jurisdição não é uma garantia constitucional, conforme jurisprudência do STF.
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9. O julgamento da apelação Pelo efeito devolutivo (art. 515, CPC), o tribunal somente poderá conhecer da matéria expressamente impugnada na apelação. Assim, se o autor se limitar a alegar a inaplicabilidade do art. 285­A, CPC, o tribunal apenas poderá apreciar essa questão. Dando provimento ao apelo, cassará a sentença e remeterá os autos à primeira instância para prosseguimento da ação. Não parece possível aplicar o art. 515, § 3º, CPC, pois como o autor limitou a impugnação, dificilmente o réu ter­se­á manifestado sobre o mérito da sentença paradigma. Se o autor defender que a tese jurídica da sentença paradigma está errada, então o tribunal poderá se debruçar sobre a questão de direito. Provendo a apelação, reformará a sentença, julgando procedente o pedido em desfavor do réu. Não há ofensa ao contraditório e à ampla defesa porque o réu foi citado e apresentou resposta. Inobstante, caso a Corte entenda que o contraditório foi insuficiente ou que a causa não está pronta para julgamento, poderá determinar as diligências necessárias, usando, por analogia, o novo art. 515, § 4º, CPC (Lei 11. 276/2006). 10. Conclusão A resolução antecipada do mérito criada pela Lei 11.277/2006 é constitucional e deve ser prontamente aplicado como resposta jurisdicional célere e objetiva para as demandas repetitivas. Não é propriamente uma novidade, constando da experiência dos juizados especiais federais. Mas, como norma legislada é, verdadeiramente, um importante avanço. Se o objetivo é dar duração razoável ao processo, não se pode esperar isso através de medidas legislativas tímidas e ainda apegadas às concepções clássicas do processo, as quais não dão mais conta das demandas da realidade contemporânea. Num Judiciário abarrotado de processos, enquanto não forem adotadas medidas sérias para atacar as causas da hiperinflação processual, paliativos como esse, do art. 285­A, CPC, deverão ser adotados para racionalizar o serviço jurisdicional. Não resolve o problema, mas ameniza. Refer ências ALVIM, J.E. Carreira, CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento da sentença : comentários à nova execução da sentença e outras
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43 PARADIGMAS DE INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL: DESAFIOS AO
ENTENDIMENTO DAS SOCIEDADES MODERNAS Daniel Barile da Silveira*
Resumo O constitucionalismo moderno trouxe consigo para a contemporaneidade complexas questões consoante às diversas formas de entendimento de um texto constitucional, o que de per si evidencia uma “crise de sentido” dos comandos trazidos pela Constituição. Em R. Dworkin, a compreensão da Constituição como integridade é peça central na estruturação de uma sociedade aberta e plural de indivíduos que se consideram mutuamente iguais (modelo pós­convencional de comunidade). É dessa comunidade que emanam princípios, sempre compreendidos como normas, e não como valores. Ante esse pano de fundo, o presente trabalho visa demonstrar qual a inadequabilidade de se entender uma comunidade não como sendo constituída por princípios, mas como se fosse uma “ordem concreta de valores” (R. Alexy), demonstrando quais os riscos que tal concepção carrega e como tal pr oposta gera elementos inadequados par a esse paradigma do constitucionalismo. Abstr act Modern constitutionalism has brought itself to the current ages difficult questions about constitutional interpretation, which denotes a “crisis of sense” into the juridical discussion of how to conceive and interpretate the constitutional law commands. R. Dworkin established a paradigm which concerns in conceiving the Constitution as integrity, extremely important to solve numerous problems of our complex society. In other hand, R. Alexy understands Constitution as a order of values, which brings a new conception of the whole constitutional hermeneutics. The present article intends to confront these paradigms and search for a respected solution into the modern juridical debate. * Mestrando em Direito do Estado ­ Universidade de Brasília (UnB) 44 PARAHY BA
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Palavras­chaves: Constituição – Princípios – Constitucionalismo – Ordem Concreta de Valores – Constituição como Integridade – Robert Alexy – Ronald Dworkin.
Key Words: Constitution – Principles – Constitutionalism – Order of values – Constitution as integrity ­ Robert Alexy – Ronald Dworkin. Intr odução Segundo Pierre Clastres (1990), as sociedades inventam leis, símbolos e regras e, inadvertidamente, acabam ficando presas a elas. Neste mesmo sentido, Max Weber, com extrema sutileza própria de seu pensamento voltado ao contínuo processo de racionalização das estruturas sociais, simboliza tal compreensão ao preconizar que a razão humana, levada em suas últimas instâncias de desmistificação da vida prática moderna, encerra em sua lógica uma indelével “jaula de ferro” (1999, último capítulo), ou seja, engendra uma sorte de encarceramento de toda vida social, mormente produzida pelo atávico comportamento dos indivíduos de sempre buscar transformar nossa vivência mundana em um emaranhado de categorias de pensamento e de prescrição de comportamento e de valores, cujo deslinde se demonstra empiricamente de difícil constatação. A tradição do pensamento jurídico positivista dos novecentos é uma demonstração fática de tais assertivas. O Positivismo Jurídico, enquanto doutrina paradigmática que marcou uma ruptura com a ordem tradicional de cariz consuetudinário, ou de magificação e revelação do Direito interpretado das sagradas escrituras, trouxe consigo a concepção de que o critério do justo e da submissão às ordens políticas da autoridade apenas poderiam ser efetivadas se normas gerais e abstratas pautassem o comportamento dos indivíduos em suas relações privada e pública. Instaurando o reino da norma laicizada como o único mecanismo de prescrição de condutas pela autoridade política de forma universalmente válida, os indivíduos lentamente se depararam com uma gradual alteração das estruturas sociais, sendo que, recém desligados dos laços de tradição que organizavam suas vidas na medievalidade, verificava­se, à luz do que pregavam os positivistas clássicos, que seus comportamentos sofreriam a uma intensa e paulatina regulamentação jurídica de toda sorte, abrangendo praticamente todas as áreas do comportamento humano. Neste sentido, a existência de leis que ordenassem a vida coletiva tornou­se, com a consolidação do pensamento positivista, requisito essencial para a implantação da ordem e paz sociais em uma dada associação política. Com tal visão em voga, a
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45 simples forma da lei vigente garantiria que sua observância estrita desencadeasse conseqüentemente a satisfação da regra da Justiça: comportamento conforme à lei = justo/ contrário à lei = injusto. Hans Kelsen, maior expressão dessa corrente teórica, defendia que todo comportamento humano pode ser reduzido a uma relação binária de “permitido­proibido”, tendo como referencial a subsunção dessas determinadas condutas àqueles preceitos formalmente prescritos em lei 1 . A forma do Direito, consubstancializada na mera existência de um ordenamento válido no cerne do sistema jurídico de um povo, revelava­se, destarte, como um fim em si mesmo, bastando sua imediata imposição pela autoridade estatal, não importando quem fosse este governante responsável pela produção normativa (FIORAVANTI, 2001, p. 155). Para Kelsen e para todo positivismo clássico, o Direito poderia ser produzido por qualquer autoridade, sendo a questão da forma da lei a única observância para a garantia de sua validade. E nesta seara é que a concepção de Estado de Direito Moderno surge como fruto desse movimento, tendo a ordenação legal refletida na supremacia da Constituição seu nascituro mais imediato. Conforme nos lembrou com muita acurácia Niklas Luhmann (1996), com o advento da modernidade, Direito e Estado encontram­se permanentemente ligados, tendo a Constituição o ponto de convergência que acopla estruturalmente Direito e Política, permitindo tanto o reconhecimento da legitimidade do poder do governante em ser obedecido pelos indivíduos, bem como fornece o critério de validade das normas jurídicas, submetidas estas a um arquétipo hierarquizado em que a própria Constituição se encontra no ápice da estrutura desse sistema. Nesta conjuntura, portanto, é com a Constituição que se é permitida a autoridade impor legalmente seus mandamentos a toda uma coletividade, sendo, ademais, um instrumento de compreensão e de validade de todo o arcabouço jurídico, peça fundamental de estruturação das sociedades hodiernas. Como se pode perceber, Direito e Estado nascem teoricamente quase de uma unção unívoca da existência de um ordenamento jurídico formal que lhes dêem organização institucional e legitimidade. A existência de uma ordem legal assentada em bases formal­constitucionais representou na modernidade uma insígnia de importância fundamental para instaurar toda sistemática jurídica, constituindo também peça­chave para a subsistência de um sistema de dominação político dotado de 1 “Quando uma norma estatui uma determinada conduta como devida (no sentido de ‘prescrita’), a conduta real (fática) pode corresponder à norma ou contrariá­la. Corresponde à norma quando é tal como deve ser de acordo com a norma; contraria a norma quando não é tal como, de acordo com a norma deveria ser, porque é o contrário de uma conduta que corresponde à norma. [...] Uma norma objetivamente válida, que fixa uma conduta como devida, constitui um valor positivo ou negativo. A conduta que corresponde à norma tem um valor positivo, a conduta que contraria a norma tem um valor negativo” (2000, p. 18­9)
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legitimidade, importante para a asserção de determinados direitos e valores reivindicados na época. Ocorre que a tradição legada pelo positivismo jurídico trouxe­nos sérias conseqüências ao devotarmos suprema validade a textos legais formalmente concebidos, especialmente no que toca a como lidar não apenas com a forma da lei – que certamente é fundamental para a estruturação de nossa sobrevivência coletiva –, mas se mostrou imprescindível também se reclamar pela apreensão do conteúdo expresso no corpo desses estatutos legais, especialmente tratando­se da Constituição de um Estado, como sendo uma forma lídima de efetivamente garantir direitos em meio a uma sociedade complexa de cariz contemporâneo. Neste ponto reside, em especial, a problemática da interpretação constitucional. Sob a perspectiva do paradigma positivista em um Estado de Direito, sucintamente descrito anteriormente, como bem nos ensina Menelick de Carvalho Neto, a atividade hermenêutica tem a característica, por essência, de ser uma atividade de compatibilização da norma com a realidade fática, através de um processo automático de subsunção, “uma atividade mecânica resultante da leitura dos textos que deveriam ser claros e distintos” (1998, p. 24). Ao juiz, nestes casos, reserva­se apenas a única tarefa de ser mera “bouche de loi” (1998, p. 24). Com o advento das sociedades contemporâneas (ou pós­modernas – a acepção conceitual é indiferente para os fins aqui propugnados), como sendo sociedades complexas por excelência, a existência formal de uma Constituição, bem como sua aplicação estrita e vinculada a uma subsunção “mecânica” não se faz necessário para a solução dos problemas surgidos, reclamando­se por novas formas de compreensão de como solucionar os conflitos sociais. Daí o pensamento jurídico conceber a Constituição não apenas como normas estritamente consideradas, mas como um conjunto de princípios e normas que irão ter aplicabilidade no deslinde dos casos práticos, o que não raro suscitam problemáticas profundas para o enfrentamento das situações cotidianas. Nesta conjuntura, toda solução litigiosa constitui um caso de difícil decisão (hard case), sendo que, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, regras e princípios colidem­se e competem entre si para a solução do caso concreto. 1. A perspectiva de Alexy – A constituição como uma ordem de valores Conforme Robert Alexy preconiza, as Constituições democráticas modernas possuem em seu bojo, como fundamentos constituintes do núcleo duro dos direitos
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47 individuais, dois componentes essenciais para o entendimento da interpretação constitucional: de um lado, as regras, aplicáveis a todo sistema jurídico; e, por um outro lado, os princípios, de “construção extensa e holística” (2003, p. 132), que se difundem no interior de uma dada ordem jurídica. Em sua concepção – e aqui é importante frisar – os princípios integram a Constituição em sua essência como “uma ordem objetiva de valores” (2003, p. 132), estando estes sempre em constante colisão. Conforme assevera, “toda colisão ente princípios pode expressar­se como uma colisão entre valores e vice­versa”, complementando que “princípios e valores são para tanto o mesmo, contemplando um caso sob um aspecto deontológico, e no outro sob um aspecto axiológico” (1998, 145, tradução nossa). Sob tal perspectiva, Alexy entende que, levando­se em conta que a Constituição nos é apresentada como uma ordem concreta de princípios, que nada mais são do que valores objetivamente considerados em última instância, o único mecanismo de se solucionar as questões postas seria a de escolher qual valor possui mais peso, qual princípio que sobressalta no caso concreto. Deste modo, como valores e princípios tendem a colidir constantemente, sua resolução apenas pode ser efetuada a partir do “balanceamento” ou “ponderação” dessa tensão. Para o deslinde das situações fáticas, na visão de Alexy, seria necessário “um balanceamento de interesses” (2003, p. 134), permitindo ao órgão julgador decidir um caso difícil da melhor maneira possível. Em sua obra mais conhecida, “Teoria dos Direitos Fundamentais”, esclarece que: As colisões de princípios devem ser solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando dois princípios entram em colisão – tal como é o caso quando segundo um princípio algo está proibido e, segundo outro princípio, está permitido – um dos princípios tem que ceder ante o outro. Porém, isto não significa declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio desprezado há que introduzir uma cláusula de exceção. Mas bem o que sucede é que, sob certas circunstâncias um dos princípios precede ao outro. Sob outras circunstâncias, a questão da precedência pode ser solucionada de maneira inversa. Isto é o que se quer dizer quando se afirma que nos casos concretos os princípios têm diferente peso e que prevalece o princípio com maior peso. Os conflitos de regras se levam a cabo na dimensão da validez; a colisão de princípios – como só podem entrar em colisão princípios válidos – tem lugar além da dimensão da validez, na dimensão do peso (1997, p. 89, tradução e grifos nossos). Esta perspectiva lançada por Alexy suscitou inúmeras controvérsias no âmbito jurídico. Ao tratar como uma ordem “concreta de valores” a Constituição, devendo os
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casos práticos ser solucionados por intermédio da ponderação, Alexy acaba levando sua argumentação a problemas extremamente delicados quando analisada a sistemática jurídica em uma sociedade complexa. Uma das peculiaridades essenciais de acepção desse pensamento se dá sob a perspectiva de que, ao se tratar princípios como valores, ponderando­os para encontrar­se a solução adequada ao caso concreto, ao descermos do nível da abstração teórica para a prática, verifica­se que a multiplicidade e o antagonismo de valores acabam por transformar a decisão judicial em um artifício arbitrário por excelência. Como em cada magistrado residem concepções diferentes da realidade social, um valor possui mais valor do que outro em seu íntimo, vislumbrando na questão prática diferentes hierarquizações axiológicas impossíveis de serem objetivadas universalmente. Nestes casos, abrir­se­ia uma janela fecunda para o extravasamento da subjetividade, o que deveras exsurge como pano de fundo o questionamento sobre a própria racionalidade desse procedimento decisório. Como conseqüência lógica, um princípio excluiria o outro, trazendo graves incoerências na vida cotidiana. Ademais, se partirmos do princípio que uma colisão entre princípios deve ser dirimida a partir de seu balanceamento, apenas poderemos ponderá­los se os concebermos em seu ponto ótimo, em sua maximização, o que inviabiliza na prática sua validade como veículo de aplicação. Isto se justifica na medida em que, como se verifica empiricamente, tais princípios sofrem interferências e minimizações por outros princípios, quase nunca se vislumbrando a otimização de princípios, como quer Alexy. Assim entendido, o conteúdo normativo dos princípios acaba não recebendo a devida atenção, esvaziando o texto da Constituição dessa força mandamental. Jüngen Habermas enfrentou este último problema com maior ênfase. Conforme entendia, o fato de se considerar a Constituição como receptáculo de princípios entendidos como valores, devendo se resolver as questões surgidas a partir de suas colisões por intermédio do balanceamento, encerra em sua origem, necessariamente, o enfraquecimento do conteúdo deontológico desses princípios. Habermas asseverava que [...] se princípios manifestam um valor que deve ser realizado da melhor forma possível, ou seja, otimizado, e se as próprias normas não regem a extensão, a medida, em que se deve cumprir essa prescrição de otimização, a aplicação de tais princípios nos limites do que é faticamente possível torna necessária uma ponderação voltada para os fins, para os objetivos (apud ALEXY, 2002, p. 388). E continua na argumentação ao afirmar que este objetivo colimado em proceder
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49 ao balanceamento orientado aos fins “permite que direitos individuais sejam sacrificados a finalidades coletivas” (2002, p. 388). Tal lógica faria com que os princípios perdessem sua força normativa, fato que apenas poderia ser sanado se tratarmos os princípios não como valores, mas como regras. Um outro ponto combatido por Habermas reside na questão da irracionalidade da decisão submetida ao procedimento do balanceamento. Como não existiriam padrões racionais para a ponderação, este procedimento apenas poderia ser efetivado se uma certa dose de subjetividade do órgão julgador atuasse no caso concreto, o que proporcionaria julgamentos múltiplos. Tal sistema torna­se, no mínimo, instável. Princípios e valores, sustenta Habermas, não podem se confundir, posto que aqueles assumem caráter normativo no julgamento dos casos concretos. Assim dizia: O código de preceitos que distingue o certo do errado (right and wrong), tal como analogamente o que discerne a verdade da falsidade, e a correspondente incondicionalidade da pretensão de validade normativa vinculada a tais preceitos não é afetada se se limita a esfera de validade a uma determinada comunidade jurídica. A lei, o Direito, ainda confronta os seus destinatários com uma pretensão de validade que não permite que os direitos sejam “sopesados” como se fossem “valores jurídicos” com distintos graus de prioridade. A forma como nós avaliamos nossos valores e decidimos o que é “bom para nós” e o que é “melhor,” em uma dada época, muda todos os dias. No momento em que reduzimos o princípio da igualdade jurídica a um simples bem dentre outros, direitos individuais podem vir a ser por vezes sacrificados a finalidades coletivas. Assim resulta que não podemos ver como um direito poderia se submeter a outro (we do not see that one right can yield to another right), sem perda de validade, quando os dois eventualmente conflitem (HABERMAS, 1996, p. 19). Por fim, Habermas ainda critica a posição defendida por Alexy no que toca ao processo de justificação das decisões proferidas pelo magistrado. Ao se tratar da resolução da colidência de princípios através de um mecanismo de ponderação destes, automaticamente se retiraria de maneira definitiva as decisões da relação dúplice própria do Direito, consistente no binômio “certo­errado” (“correção­incorreção”), mudando­as para conceitos como “adequado­inadequado”, campo correspondente à descrição (ALEXY, 2003, p. 135). Deste modo, não basta descrever a aplicação de princípios em um caso dado a partir de ponderações, porém essencialmente deve­se justificá­los, indicando não um juízo em relação ao “resultado” mas todo seu processo justificativo (ALEXY, 2003, p. 135).
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Tais críticas de Habermas produziram um profundo debate sobre como conceber o Direito organizado segundo ordens de valores em meio a sociedades complexas, trazendo problemas consigo de maneira a se repensar não só as contribuições do paradigma positivista, mas promovendo uma efetiva releitura da teoria constitucional com vistas a se buscar melhores critérios para o encontro de uma decisão mais justa no enfrentamento das questões práticas. 2 A perspectiva de Dworkin – A Constituição como uma ordem de princípios A mais contundente teoria que obteve maior êxito na contestação da idéia de se conceber a Constituição como uma ordem concreta de valores, contrariando o pensamento de Alexy, foi sem dúvida a de Ronald Dworkin. Segundo tal pensador, em uma Constituição concebida sob a égide do paradigma do Estado Democrático de Direito, tanto os princípios quanto as regras devem necessariamente ser entendidos como normas, jamais como valores. Em sua visão, a Constituição é composta por um sistema de regras e princípios que adotam caráter de força normativa, sendo que se distinguem pela característica de que as primeiras são aplicadas em um binômio de “tudo ou nada”, enquanto que os segundos podem sobreviver perfeitamente na solução de um caso concreto, sem que haja a necessidade de um excluir o outro. Enquanto que em um ordenamento jurídico as regras não admitem seus opostos, por um outro lado, os princípios permitem essa conciliação sem que haja a supressão de um ou de vários deles para a exsurgência de outro(s) quando da análise de uma situação corrente. O ponto de partida de Dworkin se mostra viável a resolver a problemática suscitada sobre o conceito de ponderação de Alexy na medida em que aquele autor visa demonstrar como se obter um certo grau de racionalidade na solução de questões jurídicas com recorrência aos princípios. Para Dworkin, a atividade jurisdicional deve buscar basicamente não um mecanismo de “ponderação” ou “balanceamento” de princípios para se chegar a uma solução plausível, objetivando aplicar o princípio de maior peso, mas deve estar pautada fundamentalmente por uma sentido que permita a coexistência de diversos princípios – próprio de uma sociedade plural e complexa como a contemporânea –, sem que se perca, em contrapartida, a “certeza” do Direito, correspondente aos sensos de segurança da ordem jurídica e de efetivação da Justiça. Conforme o pensamento jurídico herdado de Klaus Günther, Dworkin vai adotar a concepção de que existe uma profunda divisão nas atividades legislativa e judiciária. Enquanto que na atividade legislativa há uma forte
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51 predominância de seu caráter justificativo – marcado pela generalidade, abstração e universalidade em relação à produção de leis que são válidas erga omnes, e por isso são normas que não possuem a previsão explícita de todos os comportamentos na lei abstratamente prescritos –, o mister jurisdicional assume um cariz de concretude e irrepetibilidade, posto que cada caso é único, historicamente singular, marcado por seu caráter de aplicabilidade a um dado caso sub judice (ALEXY, 1993) 2 . Daí o porque, na visão concebida por Dworkin, a tarefa primordial do magistrado é de verificar no caso concreto que norma é aplicada a cada caso, em um processo de interpretação de princípios e revisão de todo texto com vistas a se buscar uma única decisão aplicável. Nesta visão, cada caso é um caso único, devendo ser tratado sempre como um hard case. Para se constatar uma lídima aplicação do direito ao caso posto sob a tutela jurisdicional do Estado, Dworkin propõe que o Direito deve ser entendido como uma ordem de princípios, marcada pela sua “integridade”. Cada decisão judicial deve ser considerada válida conquanto reduza a complexidade do Direito e sua conseqüente indeterminação conforme esteja pautada pela reconstrução que o magistrado realiza da ordem jurídica, determinando qual a norma aplicável ao caso conforme um conjunto de princípios extraídos desse sistema íntegro. Neste sentido, na concepção de Dworkin, o magistrado não pode pender para a discricionariedade no caso de a norma não ser clara o suficiente para o deslinde das situações práticas, diferentemente como pregava a doutrina positivista em seu ápice, mais especificamente vislumbrada no caso de seu antecessor, H. Hart. Ao juiz não é legítimo ditar normas, função esta própria da esfera legislativa. A incerteza do Direito deve ser compensada por critérios utilizados pelo magistrado que justifiquem sua tomada de decisão de forma consistente com o sistema jurídico como um todo. Trata­se de uma “interpretação construtiva”, como bem nos ensina Vera Karam de Chueiri (1997, p. 182). Assim afirma Dworkin: Estabeleci uma distinção entre duas formas de integridade ao arrolar 2 Conforme nos ensina Menelick de Carvalho Netto, “[...] A sensibilidade do juiz para as especificidades do caso concreto que tem diante de si é fundamental, portanto, para que possa encontrar a norma adequada a produzir justiça naquela situação específica. É precisamente a diferença entre os discursos legislativos de justificação, regidos pelas exigências de universalidade e abstração, e os discursos judiciais e executivos de aplicação, regidos pelas exigências de respeito às especificidades e à concretude de cada caso, ao densificarem as normas gerais e abstratas na produção das normas individuais e concretas, que fornece o substrato que Klaus Günther denomina senso de adequabilidade, que, no Estado Democrático de Direito, é de se exigir do concretizador ao tomar suas decisões” (1998, p. 39).
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dois princípios: a integridade na legislação e a integridade na deliberação judicial. A primeira restringe aquilo que nossos legisladores e outros participantes da criação do direito podem fazer corretamente ao expandir ou alterar nossas normas públicas. A segunda requer que, até onde seja possível, nossos juízes tratem nosso atual sistema de normas públicas como se este expressasse e respeitasse um conjunto coerente de princípios e, com esse fim, que interpretem essas normas de modo a descobrir normas implícitas entre e sob as normas explícitas. Para nós, a integridade é uma virtude ao lado da justiça e da eqüidade (fairness) e do devido processo legal, mas isso não significa que, em algumas das duas formas assinaladas, a integridade seja necessariamente, ou sempre, superior a outras virtudes. O legislativo deveria ser guiado pelo princípio legislativo da integridade, [...] [sendo que] nunca deve, sejam quais forem as circunstâncias, tornar o direito mais incoerente em princípio do que ele já é. [...] O princípio da integridade na prestação da justiça não é de modo algum superior ao propósito do que os juízes devem fazer cotidianamente. Esse princípio é decisivo para aquilo que um juiz reconhece como direito. Reina, por assim dizer, sobre os fundamentos do direito [...]. O juiz que aceitar a integridade pensará que o direito que esta define estabelece os direitos definitivos que os litigantes têm a uma decisão dele. Eles têm, em princípio, de ter seus atos julgados de acordo com a melhor concepção daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigiam ou permitiam na época em que se deram os fatos, e a integridade exige que essas normas sejam consideradas coerentes, como se o Estado tivesse uma só voz. (2003, p. 261­3) Tais pensamentos nos remetem a uma reflexão importante sobre os rumos que o constitucionalismo tem tomado neste último século. Ao conceber o Direito como uma ordem de princípios, Dworkin afasta terminantemente a tese de Alexy ao repousar tal concepção como uma ordem concreta de valores (base teórica da chamada “jurisprudência de valores”). O pano de fundo que permeia sua obra, sem dúvida, estabelece­se na certeza do Direito, essencial para se garantir a construção de uma associação política organizada e crente na realização da Justiça em meio à sempre crescente complexidade social 3 . 3 Já dizia Habermas em “Faticidade e Validade” ao analisar a vigência do paradigma da jurisprudência de valores no seio das argumentações da Suprema Corte Alemã: “Tal jurisprudência de valores levanta realmente o problema da legitimidade, que Maus e Böckenförde analisam, tomando como referência a prática de decisão do Tribunal Constitucional Federal. Pois ela implica um tipo de concretização de normas que coloca a jurisprudência constitucional no estado de uma legislação concorrente. [...] Ao deixar­se
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53 Um ponto que se pode levantar para desautorizar a praticidade de se conceber uma teoria da Constituição como sendo formada por uma ordem concreta de valores se dá no caso de entender os princípios como comandos “otimizáveis”. Essa concepção alexyana, conforme demonstrado anteriormente, acaba por resultar no fato de que, em uma colisão de princípios, como resultado, um deve prevalecer sobre o outro – através do balanceamento para se determinar aquele que possui maior peso –, sendo que a coexistência destes não ganha lugar em sua teses. Como conseqüência mais próxima, vislumbra­se que o exercício regular de um direito atribuído a uma pessoa pode colidir com este mesmo exercício efetuado por outro indivíduo. Nesta conjuntura, difícil seria distinguir o abuso de direito, bem como o sistema de princípios entraria em um paradoxo profundo conquanto a como proceder a uma ponderação racional que não seja desvirtuada como uma decisão irracional por princípio, especialmente ante a dificuldade de se afastar o elemento subjetivo quando da solução do confronto de direitos. A ponderação, aqui, remontando a Dworkin, deve focar não nos direitos, em qual um deve prevalecer em detrimento do outro, porém atém­se aos argumentos, revelando qual o melhor caminho para se decidir o caso concreto sem que haja prejuízo para ambas as partes litigantes. Um outro problema já comentado e que se mostra de fundamental importância para o entendimento de um constitucionalismo compatível com as exigências sociais de um Estado Democrático de Direito é de que, ao entendermos o sistema jurídico a partir de um ponto de vista axiológico, constituindo princípios como valores propriamente ditos, cai­se em um grave risco por não se observar tanto a pluralidade de hierarquização desses valores pelos indivíduos, bem como reduz toda complexidade social a uma mera contingência de valores universalizáveis por uma dada sociedade. Melhor explicando, como os direitos estão vinculados a valores e estes brotam da formação cultural de uma dada comunidade política, ao considerar estes como critérios determinantes do que é justo/injusto, certo/errado, acaba­se por sufocar a vontade do indivíduo em constituir seu projeto existencial de forma diversa dos valores estabelecidos por essa sociedade. Como vivemos em uma sociedade pluralista, formada por diversas crenças, valores e concepções de vida, definir direitos de forma universal com conduzir pela idéia da realização de valores materiais, dados preliminarmente no direito constitucional, o Tribunal constitucional transforma­se numa instância autoritária. No caso de uma colisão, todas as razões podem assumir o caráter de argumentos de colocação de objetivos, o que faz ruir a viga mestra introduzida no discurso jurídico pela compreensão deontológica de normas e princípios do direito. [...] Na medida em que um tribunal constitucional adota a doutrina da ordem de valores e a toma como base de sua prática de decisão, cresce o perigo dos juízos irracionais, porque, neste caso, os argumentos funcionalistas prevalecem sobre os normativos” (1997, 320­2).
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referência a valores que pesam mais que outros, destrói com qualquer possibilidade de afirmação do indivíduo enquanto ser dotado de liberdade de escolha, pois vincula seus direitos com o senso geral da sociedade sobre uma hierarquia de valores pré­ fixada. Cada pessoa, assim, tem direito de desenvolver­se sem a interferência da sociedade, e a visão preconizada por Alexy, por exemplo, vai de encontro com essa problemática. 3. Conclusão Assim entendido, tais questões são suscitadas ao se entender a Constituição como uma ordem de valores universalmente válidos. Os riscos de se levar tal pensamento às últimas conseqüências certamente vem em desalinho com os reclamos de uma sociedade complexa pela certeza do direito e pela satisfação justiça nos casos levados a juízo. O paradigma do Estado Democrático de Direito requer, para sua própria subsistência, uma pluralidade de valores regentes na tessitura social que, quando postos em confronto na esfera judicial, não desencadeiem o aniquilamento de uns para a glória suprema de outros, o que traria como conseqüência o perigo da concretização oficial de sérias injustiças soberanamente oficializadas pelos órgãos de Estado. A crença da segurança jurídica requer um mínimo de racionalidade procedimental no deslinde de controvérsias pelos órgãos julgadores, buscando sempre a mais justa adequação dos códigos aos fatos. Caso contrário, havendo prevalência de decisões “mecânicas”, conforme se depreende do modelo positivista, ou ainda axiológica da jurisprudência de valores, cairíamos no sério risco de se engessar nossos direitos, submetendo­os à indevassável “cela de ferro” da insensibilidade jurisdicional e permitindo fenecer os ideais de justiça de uma comunidade pós­ moderna. Refer ências ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. In: Ratio J ur is, v. 16, n. 2, jun. Trad. Menelick de Carvalho Netto, 2003, p. 131­40. _______. Justificação e aplicação das normas. In:Ratio J ur is, v. 6, n. 2, jul.,1993, p.157­70. _______. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. In: Doxa, v. 5, 1988, p. 139­51.
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57 DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA:
O CASO DOS CADEIRANTES EM SOUSA-PB Eduardo Pordeus Silva* Robson Antão de Medeiros**
Resu mo O presente trabalho tem como objetivo conhecer a realidade pelas quais as pessoas com deficiência física, especificamente as pessoas com utilizam as cadeiras de rodas, da cidade de Sousa – PB, têm acesso aos serviços públicos e privados, com base nos modernos conceitos de direitos humanos e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Abstr act The present paper aims to know the reality for which the people with physical desabilities, specifically the people that use wheelchairs, at Sousa ­ PB, have access to the public and private services, on the basis of the modern concepts of human rights and the constitutional principle of human dignity. 1. Intr odução A Constituição Federal do Brasil de 1988 prevê os denominados princípios fundamentais, nos artigos 1º e 4º, em que a República Federativa do Brasil constitui­ se neste Estado democrático de direito, formada pela indissolubilidade dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, tendo a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, como princípios que devem ser respeitados de forma integralmente por todos os cidadãos brasileiros e resguardados de forma plena e absoluta pelo Estado como *Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade Federal de Campina Grande – CCJS/ UFCG. Estagiário bolsista da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sousa­PB. **Pós­doutor pela Universidade de Coimbra – FDUC – Portugal. Advogado e Professor do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade Federal de Campina Grande – CCJS/UFCG. 58 PARAHY BA
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um todo. Canotilho e Moreira (1991:71) definem que os princípios fundamentais “visam essencialmente definir e caracterizar a colectividade política e o Estado e enumerar as principais opções político­constitucionais”, daí a importância desses princípios para a vida constitucional de um Estado democrático de direito. Dentro desses princípios fundamentais, encontramos os preceitos da dignidade humana, elencado no Título I, da Magna Carta, especificado no artigo 1º, inciso primeiro: a dignidade da pessoa humana. Com base nesse preceito constitucional trataremos neste trabalho a realidade pela qual passa as pessoas com deficiências físicas, especialmente as pessoas com utilizam as cadeiras de rodas, denominadas cadeirantes, na cidade de Sousa – Paraíba, quando do deslocamento de suas casas aos órgãos públicos e privados, com base nos modernos conceitos de direitos humanos e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Queremos conhecer quais serão as maiores dificuldades das pessoas em cadeiras de rodas? O que se tem feito para que os cadeirantes tenham o direito de ir e vir, com as suas próprias limitações? O que as autoridades têm buscado resolver o problema da acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida e que utilizam a cadeira de rodas para se locomover por toda a cidade? 2. Dos direitos humanos ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana O surgimento e o crescimento de determinados direitos estão intimamente ligados à transformação da sociedade, significando que a noção de Direitos Fundamentais evolui de acordo com a própria evolução humana, bem como de acordo com as necessidades que os seres humanos apresentam no decorrer dos tempos. Observa­se que a primeira questão que se levanta em relação à teoria dos direitos fundamentais é no sentido de as expressões direitos humanos e direitos fundamentais serem utilizadas indistintamente. Os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são comumente utilizados como sinônimos e a explicação correta para a distinção é que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado. A expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir­se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que
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59 revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional) 1 . Na literatura jurídica, a utilização dos termos direitos humanos e direitos do homem é comumente usada por autores anglo­americanos e latinos, enquanto que a expressão direitos fundamentais é empregada por autores alemães. GUERRA FILHO aponta que as expressões “direitos fundamentais” e direitos humanos”: do ponto de vista histórico, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemiológico, para estudar sincronicamente os dir eitos fundamentais, devemos distingui­los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético­políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas ­ especialmente aquelas de direito interno 2 . Isto significa, portanto, que os direitos fundamentais correspondem a uma manifestação positiva do direito, enquanto que os direitos humanos se restringem às pautas ético­políticas. O objetivo dos direitos fundamentais é: criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana 3 , segundo o pensamento de Konrad Hesse. BONAVIDES menciona que a: vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela vez primeira, qual descoberta do racionalismo francês da revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789 4 , finaliza. 1 Distinção que Sarlet faz entre direitos fundamentais e direitos humanos. GUERRA FILHO, W. S. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: _______________(coord.) et al. Dos Dir eitos Humanos aos Dir eitos Fundamentais. ­ Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.12. 3 BONAVIDES, P. Cur so de Direito Constitucional. 11 ed. Revista, atualizada e ampliada. ­ São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 514. 4 Ibid., p. 516.
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Por sua vez, com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu dois critérios de caracterização 5 . Do ponto de vista formal, caracterizam­se como fundamentais aqueles direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional e, no sentido material, aqueles que variam conforme a ideologia e a modalidade de Estado, valores e princípios consagrados pela Constituição Federal. Jorge Miranda (2000: 52) menciona que se a Constituição é o fundamento da ordem jurídica, o fundamento de validade de todos os actos do Estado (como diz o art. 3º da Constituição Portuguesa), os direitos fundamentais são os direitos que, por isso mesmo, se impõem a todas as entidades públicas e privadas (conforme, por seu lado, afirma o art. 18º) e que incorpora os valores básicos da sociedade 6 , finaliza. Utilizando a preocupação de Jorge Miranda de que todos os direitos fundamentais são os direitos impostas a todas as entidades públicas e privadas, incorporando os valores básicos da sociedade, o princípio da dignidade da pessoa humana perpassa pela concepção de que: O princípio da dignidade humana constitui uma categoria axiológica aberta, sendo inadequado conceituá­lo de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades modernas contemporâneas 7 . Na teorização de SARLET (2006) vislumbra que no tocante ao valor da dignidade da pessoa humana: O que se percebe em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver 5 Ibid., p. 515. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Coimbra Editora. Coimbra, 2000. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 103.
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61 limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. A concepção do homem­ objeto, como visto, constitui justamente a antítese da noção da dignidade da pessoa humana 8 . Observa­se que a dignidade da pessoa humana tem todo um amparato legal e jurídico, sobretudo constitucional vigente a garantir que as ações do Estado devem permeiar as reais necessidades dos cidadãos, viabilizando seus direitos básicos, com vista na preservação desta dignidade e/ou possibilitando mecanismos para o pleno exercício.
3. A situação dos cadeirantes: o caso em Sousa ­ PB A cidade de Sousa está localizada no alto sertão do Estado da Paraíba, com uma população de aproximadamente 58.679 habitantes 9 , dentre as populações urbana e rural. É uma cidade pólo que serve de intercâmbios com os Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte para o desenvolvimento de seus produtos comerciais, industriais, agrícolas, e, por que não dizer sócio­econômico e cultural da localidade limítrofe. Percorrendo os principais órgãos públicos e privados na cidade de Sousa – Paraíba, verificamos que a realidade pela qual está inserida a pessoa que faz uso de uma cadeira de roda, ou seja, o(a) cadeirante é de extrema emergência. Inicialmente, os órgãos públicos e priados na cidade de Sousa – PB foram divididos por setores, conforme elencados: a) Setor Bancário: Banco do Brasil S/A; Banco Bradesco S/A; Banco Real; Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste do Brasil, tendo sido constatado que há rampas de acesso para deficientes físicos e não há banheiros adequados a situação dos mesmos. b) Setor Judiciário: Justiça Federal (8ª. Vara – Seção Judiciária de Sousa). As Condições do ambiente: estrutura totalmente condizente com a necessidade da minoria dos portadores de deficiência física. Banheiros adaptados e ambiente com rampas de acesso. 8 9 Op, cit., p. 108. IBGE. Censo Demográfico. 2000.
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Fór um Estadual Dr. J osé Mar iz (J ustiça Estadual). As condições do ambiente: há acesso mediante rampa e, por outro lado, os banheiros não são adaptados. Segundo informações da secretaria daquele fórum, futuras reformas vão se voltar mais precisamente a tais questões. Ministér io Público Estadual. É a mesma situação do Fórum Estadual. Pr ocur ador ia Ger al da República. Não dota de qualquer acesso aos portadores de deficiência. Observa­se que os órgãos do Judiciário, já que têm a função primacial de promover a cidadania mediante a jurisdição, têm falhado, em algumas situações, na sua missão de promotor da justiça social. Ora, o tema concernente à inclusão e ao respeito pelos direitos das minorias é presente nos mais variados discursos da atualidade e, por isso, desperta interesse da comunidade jurídica em geral. No entanto, resguardar os direitos e garantias da dignidade da pessoa portadora de deficiência física, não pode ficar atrelado à mera abstração. Nesse sentido, é curial que as estruturas físicas desses órgãos veladores da regularidade das instituições sociais acompanhem os imperativos de justiça social e não se apresentem como algo de difícil acesso e inatingível – quando se busca justiça. c) Setor Executivo Pr efeitur a Municipal de Sousa e o Ministér io do Tr abalho e Empr ego não dotam de rampa para acesso dos deficientes físicos. Segundo a chefia da agência de atendimento do Ministério do Trabalho e Emprego, o prédio não é próprio da administração e, dado a contenção dos gastos referentes ao dinheiro público, não há possibilidade de reformas naquele ambiente. d) Setor de Educação Centr o de Ciências J ur ídicas e Sociais, da Univer sidade Feder al de Campina Gr ande, com dois cursos superiores: ciências jurídicas e ciências contábeis. As condições de ambiente: há estrutura com rampas, no entanto, não há adaptação nos banheiros daquele Centro. e) Atendimento ao Público em ger al Cor r eios. Não há adaptação alguma para deficientes físicos, segundo o diretor da Agência, uma reforma já programada irá beneficiar os deficientes físicos, em especial.
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63 Lojas Comerciais em geral também não há adaptação para o acesso das pessoas com deficiências físicas. 4. Conclusão Os preceitos que normatizam os direitos humanos estão interligados e são referendos para que o Estado democrático de direito intervenha e assegure a dignidade da pessoa humana em todas as suas condições de violações aos denominados direitos fundamentais da pessoa humana, sobretudo o direito de ir e vir, de todos os cidadãos, independentemente da condição social, econômica, social, religiosa, de gênero, entre outros. Percebem­se que os cadeirantes na cidade de Sousa – PB possuem todas as dificuldades para usufruir de direito de ir e vir. Somente com ajuda de terceiros é que, na sua grande maioria, os cadeirantes têm o direito de fazer comprar, ir ao médico ou até mesmo atender um a chamado dos órgãos da Justiça. As autoridades, algumas demonstraram conhecer a situação e estão buscando resolver o problema de acesso aos cadeirantes. Diferentemente de outros órgãos, sobretudo públicos, que seus dirigentes não demonstraram quaisquer interesses na resolução do referido problema. Como se vê, a situação dos cadeirantes na cidade de Sousa – Paraíba tem sido objeto de desrespeito aos direitos fundamentais e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, além de cessar o direito do cadeirante de ir e vir, sem ajuda de terceiros. Refer ências BONAVIDES, P. Cur so de Dir eito Constitucional. 11. ed. Revista, atualizada e ampliada. ­ São Paulo: Malheiros Editores, 2001. CANOTILHO, J.J. GOMES & MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra Editora. Coimbra, 1991. GUERRA FILHO, W. S. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: _______________(coord.) et al. Dos Dir eitos
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Humanos aos Direitos Fundamentais. ­ Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – I BG E . Censo demogr áfico. 2000. MIRANDA, Jorge. Manual de Dir eito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Coimbra Editora. Coimbra, 2000. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.
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65 A DIMENSÃO POLÍTICA DO PODER
JUDICIÁRIO NO NOVO CONSTITUCIONALISMO:
NOTAS ACERCA DA LEGITIMAÇÃO
DEMOCRÁTICA DA SUA ATUAÇÃO Flávia Danielle Santiago Lima*
Resu mo O presente artigo descreve o incremento da função judicial, como um fenômeno, abordando a questão a partir do aspecto da sua legitimidade democrática. Discute os argumentos mais relevantes acerca da repercussão desta nova abordagem no sistema político, no que concerne à sua compatibilização com os ideais democráticos e, ainda, quanto às responsabilidades dos membros do Poder Judiciário nesta conjuntura. Trata­se de pesquisa teórica, mas com vistas às conseqüências do problema no sistema jurídico­político brasileiro. Abstr act This work describes the increase of judicial function, as a phenomenon, from the aspect of its democratic legitimacy. It discusses the most relevant arguments about the repercussion of this new trend in the political system, their compatibilization with democratic ideals and, still, about the responsabilities of the members of the Judicial Power in this conjuncture. It is a theoretical research, but it concerns to the consequences of the problem in brazilian judicial and political system. 1. Notas introdutórias: o Judiciário no Estado Social e Democrático de Direito 2. Inserção política do poder judicial e seu relacionamento com os demais poderes 3. Neoconstitucionalismo e atuação judicial na tutela dos direitos fundamentais 4. Carência de legitimação democrática e substancialismo: críticas ao incremento da dimensão política da função judicial 5. O Judiciário enquanto poder de garantia e o sistema de checks *Advogada da União, Mestre em Direito pela UFPE, Professora de Lógica e Hermenêutica das Faculdades Integradas Barros Melo 66 PARAHY BA
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and balances 6. Conclusões: o desafio da independência do Poder Judiciário como requisito para a manutenção do processo democrático 7. Referências 1. Notas intr odutór ias: o J udiciár io no Estado Social e Democr ático de Dir eito O fortalecimento do Poder Judiciário, fenômeno típico do século XX, é hoje um dos temas mais palpitantes do Direito Constitucional e da Ciência Política. Tal importância pode ser atribuída ao próprio Estado Social e sua perspectiva de intervenção nas relações sociais, instrumentalizada a partir dos procedimentos jurídicos. Neste modelo institucional, o Direito prepondera sobre as demais formas de controle social, fazendo do Judiciário, tradicionalmente uma instância monopolizadora da interpretação jurídica, o foco das expectativas políticas e sociais (VIANNA et alii, 1999, p. 20). Há quem se refira, como Perez Luño, à idéia de “direito judicial”, caracterizado pelo protagonismo dos magistrados na elaboração do Direito, que resulta da necessidade de adaptar o sistema jurídico às exigências das transformações sociais, ainda que em prejuízo do princípio liberal da segurança jurídica (PEREZ LUÑO, 1996, p. 14). Na verdade, o Judiciário passou a “regular o circuito da negociação política”, ao controlar a constitucionalidade dos atos de governo e até privados. Passou Responsabiliza­se, ainda, pela manutenção do “caráter democrático das regulações sociais” (CAMPILONGO, 1994, p. 49). Os magistrados, no julgamento das questões constitucionais, acabariam por decidir, indiretamente, sobre os próprios fundamentos da organização social (LOPES, 1997, p. 138). O papel protagônico do Direito e do Judiciário inaugurado pelo Estado de Bem­Estar tende a permanecer como uma exigência da sociedade, diante dos inúmeros conflitos oriundos da evolução tecnológica, como a regulação da atividade empresarial, os direitos dos consumidores e a garantia de preservação do meio­ambiente (CAPPELLETTI, 1993, p. 133) O presente artigo insere­se neste contexto, ao trazer um panorama do incremento da função judicial, perquirindo acerca do problema da sua legitimidade. Serão, portanto, expostos os argumentos mais relevantes acerca da repercussão desta nova abordagem do poder judicial no sistema político, no que concerne à sua compatibilização com os ideais democráticos, e ainda, quanto às responsabilidades de seus membros. Deve­se consignar que tal discussão respalda­se em aspectos teóricos, mas com vistas às conseqüências concretas das questões aqui referenciadas, com breve atenção ao sistema jurídico­político brasileiro.
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67 2. Inserção política do poder judicial e seu relacionamento com os demais poderes A inclinação ao agigantamento das funções jurisdicionais tem permitido ao Poder Judiciário tomar decisões que tradicionalmente são da alçada dos outros poderes, a partir do controle das atividades destes. As expectativas populares em torno dos conteúdos normativos são canalizadas ao Judiciário, na tentativa de que este poder assegure sua efetivação. A Teoria da Constituição, neste contexto, encarrega­se da discussão da interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, que encerram, hoje, as discussões em torno da dimensão política do direito (BERCOVICI, 2003, p. 109 e 112). Pode­se afirmar, assim, que o denominado Estado Democrático e Social alterou a relação entre Política e Direito e, por conseguinte, entre legislação e jurisdição. Torna­se difícil separar o que é questão afeita ao Direito, e submetida aos seus conteúdos, ou política, demandando discussão na arena pública. Como já ponderava Schneider, em 1982, não se pode afastar a jurisdição constitucional de suas instâncias políticas, uma vez que ela é uma justiça política, a partir do momento em que se depara com um objeto político, o direito constitucional, seus membros são geralmente escolhidos por critérios políticos e suas sentenças têm efeitos sobre a política (SCHNEIDER, 1982, p. 39). O quadro político brasileiro, por sua vez, não destoa da tendência mundial. A Constituição de 1988, em proporção mais avançada do que outros sistemas democráticos, destinou ao Supremo Tribunal Federal e aos juízes ordinários o controle e a mediação nos embates entre as instâncias políticas. Isto porque a Constituição Brasileira, além de definir o Supremo Tribunal Federal como órgão de cúpula do Poder Judiciário, também o encarrega do controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos. Diante deste fato, conclui­se que o Judiciário ocupa posição privilegiada frente aos demais poderes, acentuada por deter a prerrogativa de, em última instância, dar a palavra final sobre seus próprios atos (DANTAS, 2003, p. 259). Assim, a partir do momento em que o Judiciário passou a ter poder sobre o Legislativo e o Executivo, sendo­lhe permitido anular os seus atos sob o irrefutável argumento de defender a Constituição, os fundamentos do relacionamento e da coordenação entre os órgãos do Estado foram alterados. Para Karl Lowenstein, “quando os tribunais proclamam e exercem seu direito de controle, deixam de ser meros órgãos encarregados de executar a decisão política e se convertem por direito próprio num detentor de poder semelhante, quando não superior, aos outros detentores do poder instituídos”.
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(LOWENSTEIN, 1976, p. 309) São defendidas, neste contexto, novas hipóteses de controle da atividade do Poder Executivo. Além disso, à função judicial ainda caberia, na interpretação da legislação, corrigir possíveis equívocos no exercício da função legislativa, no confronto da legislação ordinária com os parâmetros constitucionais (SCHNEIDER, 1982, p. 46). 3. Neoconstitucionalismo e atuação judicial na tutela dos dir eitos fundamentais O novo constitucionalismo tem entre seus pontos mais relevantes a legitimação da atuação do Poder Judiciário, a partir do parâmetro constitucional. Isto porque, enquanto os outros poderes são justificados pelos processos eleitorais, o Judiciário extrairia sua legitimidade da realização dos fins prescritos nas constituições. Definidas, nos textos constitucionais, regras que acordam uma auto­censura estratégica das deliberações majoritárias para evitar divisões irreconciliáveis, são protegidos geralmente os direitos fundamentais e os mecanismos institucionais que possam ser condição para a garantia destes direitos, tais como a separação de poderes. No Brasil, afirma­se que a atuação judicial, em maior grau, estaria respaldada no art. 3° da Constituição Federal de 1988 1 , que seria uma espécie de norma de direito material programática em relação à jurisdição e ao direito processual. Esta é a posição de Jônatas Moreira de Paula, que defende que o mencionado dispositivo encerra os paradigmas essenciais para a interpretação e concretização da Constituição. Se uma questão submetida ao poder judicial refere­se àqueles fins, não há que se falar em neutralidade na sua atuação,sendo possível, portanto, discutir o mérito da atuação dos demais órgãos. (PAULA, 2002, p. 57­61) Os valores e preceitos previstos na Constituição constituiriam, desta forma, vetores para as decisões judiciais, trazendo a necessidade de que o Judiciário atribua a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. (MIRANDA, p. 283­284) O recurso às instituições jurídicas, neste contexto, mostrou­se uma conseqüência quase que natural da adoção do Estado Democrático e Social. Os movimentos sociais, respaldados pela doutrina constitucional comprometida com as finalidades constitucionais, vêem no Direito uma ponte de acesso às prestações típicas de um 1 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I ­ construir uma sociedade livre, justa e solidária; II ­ garantir o desenvolvimento nacional; III ­ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV ­ promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
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69 Estado Social. (FARIA, 1991, p. 53­96) Assim, o papel ativo do Poder Judiciário na tutela dos parâmetros constitucionais, assegurando a eficácia dos direitos prestacionais, é defendido por expressivos constitucionalistas. No Brasil, destaca­se Andreas Krell, ao afirmar que a noção de cidadania “reivindicatória” compatibiliza­se com uma instituição judicial apta a cumprir sua função constitucional. (KRELL, 2002, p. 15) Neste sentido, o juiz não poderia limitar­se a declarar um direito material. Se necessário for, deve constituir o direito objetivo, protetivo de direito subjetivo, que se torna eficaz em virtude da possibilidade de ser cometida uma sanção jurídica. Considera­ se, deste modo, o processo como instrumento de efetivação da ordem jurídica, pois é através dele “que se confere eficácia forçada a direitos materiais espontaneamente ineficazes”. (PAULA, 2002, p. 51; 112). Ademais, partindo­se do consenso acerca da crise dos sistemas de representação democrática tradicionais, o Direito constitui­se num dos meios de fiscalização popular da atividade estatal, através dos seus procedimentos. Como pondera Faro de Castro, deve­se considerar a possibilidade de que decisões tomadas por autoridades do Executivo causem injustiças extremas, ainda que respeitem uma determinada interpretação de textos legais infraconstitucionais relevantes (CASTRO, 2002, p. 10). Inegável, portanto, que este poder acabaria por dar a última palavra sobre os fundamentos da atuação do governo. Verifica­se, a partir destes parâmetros, os impactos das decisões judiciais sobre os mais diversos temas. Os reflexos do controle judicial das políticas de governo e dos atos da vida econômica em geral, por exemplo, são bastante questionados pela doutrina. E o mesmo ocorre quando uma questão política relevante, sobre a qual ainda não há consenso, é submetida ao Poder Judiciário, para avaliação de seus pressupostos. Tremps atenta para a hipótese de que um tribunal, diante da posição superior da constituição, estenda sua atuação de modo a prejudicar os demais operadores jurídicos, especialmente o legislador e os tribunais ordinários. Assim, o jurídico acabaria por sufocar as próprias estruturas do sistema político. (TREMPS, 1985, p. 272­273) 4. Car ência de legitimação democr ática e substancialismo: cr íticas ao incr emento da dimensão política da função judicial As repercussões em torno da viabilidade da alargada influência do Judiciário geralmente gravitam em torno do problema de sua legitimação democrática, da Separação de Poderes e, por fim, da sua responsabilidade
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perante a sociedade. Isto porque o Judiciário não tem respaldo popular para, no julgamento das atividades dos outros poderes, interpretar e escolher os valores inegociáveis. (CAPPELLETTI, 1996, p. 45) A “centralização da ‘consciência’ social na Justiça”, em prejuízo das formas tradicionais de representatividade democrática, é objeto das críticas de autores como Ingeborg Maus. A autora questiona a introdução de conteúdos morais na atividade jurisprudencial, pois, além de legitimar a atividade dos juízes, presta­se a liberar a justiça de qualquer vínculo que assegure sua efetiva sintonia com a vontade popular. É o que ocorre quando os membros da instituição passam a tratar seus próprios pontos de vista morais como regras jurídicas, podendo transformar em matéria juridicamente relevante qualquer tema, mesmo os que eram deixados, em acordo com a concepção liberal, à “problematização social imanente”. Assim, tende­se ao desaparecimento dos “espaços jurídicos autônomos”, ampliando­se a esfera do decidível por critérios jurídicos, aos quais o formalismo jurídico constituía­se uma barreira. (MAUS, 2000, p. 128­129; 135;154) A determinação de uma esfera indiscutível de valores a justificar a atuação das cortes constitucionais é discutida mesmo se referida aos problemas que afetam a própria instituição da representação. Para Vidal Gil, implica numa considerável limitação aos princípios do relativismo, tolerância e autonomia sobre os quais se assenta o regime democrático, convertendo­se numa séria ameaça para sua legitimidade (VIDAL GIL, 1994, p. 240). Ademais, a viabilidade das democracias nas sociedades plurais dependeria de uma certa restrição da liberdade dos grupos minoritários, especialmente nas questões que não estejam diretamente relacionadas com o núcleo fundamental de direitos. (GARZÓN VALDÉZ, 2000, p. 20) Alguns autores questionam essa exigência de politização da magistratura. Por ser guardião ético dos princípios jurídicos, a neutralização política do Judiciário asseguraria a prudência. Como expõe Tercio Ferraz, com a responsabilização da instituição pelas finalidades do Estado, a atividade jurisdicional passa a ser “regida por relações de meio e fim”, o que chega a afetar, de alguma forma, o conteúdo “moral” do direito.
O Judiciário não estaria apto a dividir, com os demais poderes, a carga política do sucesso dos programas normativos impostos, diante próprias características da sua atuação, uma vez que suas “decisões são programadas, mas não programantes”, e só pode agir quando provocado. (FERRAZ JUNIOR, 2000, p. 354­358) Ademais, por não ser um poder majoritário, seu controle dos demais poderes contrariaria a própria noção de democracia. Isto porque escolhas importantes, como as que implicam no alocamento dos recursos públicos, teriam sua decisão final
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71 concentrada no poder não sujeito ao procedimento eleitoral. Assim, os juízes devem restringir­se à avaliação da compatibilidade das leis com a Constituição, numa visão negativa das funções judiciais quadros do Estado Democrático. Não poderiam emitir normas substitutivas das declaradas inconstitucionais, ainda que provisoriamente, ou ditar ao legislador as normas que deve emitir para substituí­las. Sua atuação é limitada pela “reserva do legislador”. O mesmo ocorre com as omissões inconstitucionais, que devem ser verificadas, mas não supridas. O juiz constitucional deve ter consciência, por conseguinte, de que “é um contralegislador, não um legislador”. (MOREIRA, 1993, p. 196­198) 5. O Judiciário enquanto poder de garantia e o sistema de checks and balances Como se vê, a legitimidade da atuação do Judiciário enquanto realizador das exigências baseadas no texto constitucional não é vista de maneira unânime. Critica­ se ainda a atividade judicial quando extrapola os limites do direito, inserindo­se nas discussões antes relegadas à solução privada, interferindo no âmago das relações sociais. As maiores dificuldades no relacionamento com os demais poderes, porém, resultam das decisões de grande alcance político, como as pertinentes ao controle de constitucionalidade. (LLORENTE, 1988, p. 46­50) Verifica­se, assim, a premência de estabelecer critérios que diferenciem a função judicial das demais atividades estatais, de modo que a atuação política fique, em maior grau, destinada ao Legislativo e Executivo. Outrossim, a interpretação do Direito não é privativa do Judiciário. Executivo e Legislativo, no âmbito estatal, também concretizam a Constituição. O Executivo, inclusive, determina o conteúdo da legislação ordinária. Já os cidadãos, mediante o processo de deliberação pública e nas suas atividades privadas, também participam do processo público de compartilhamento do objeto constitucional. No sentido da manutenção da supremacia do sistema político, deve­se salientar que os mecanismos de escolha dos membros das cortes constitucionais, geralmente recrutados pelo Executivo, trazem a possibilidade de que a composição do tribunal representasse a corrente política e ideológica preponderante num dado momento. A Corte seria, assim, um “componente da aliança política dominante no país”. Referido argumento, também proposto por Cappelletti, desta vez inspirado na obra de Robert Dahl, pode ser objeto de severos questionamentos, ao vincular o problema da legitimidade judicial ao Executivo, poder que já conduz, naturalmente, o processo
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político. (CAPPELLETTI, 1993, p. 94­97) Por fim, destaque­se que o Judiciário tem precisamente a função de controlar os demais poderes hipertrofiados. Como poder de garantia, a partir do tradicional sistema de checks and balances, assegura a própria continuidade do processo democrático. Assim, sua legitimidade estaria assentada na capacidade de garantir as condições de efetivação dos procedimentos substancialmente democráticos. Ademais, os defensores da legitimidade do Judiciário direcionam suas energias à crítica do modelo de representação política tradicional. Tendo em vista que, em muitos casos, as decisões políticas do governo não espelham a opinião dos cidadãos, ou que, a despeito da maioria, constituem­se em violações aos direitos fundamentais, não seria possível opor a legitimidade da atuação destes poderes ao Judiciário recorrendo­se ao viés democrático. A responsabilidade dos juízes pode ser verificada em função dos muitos vínculos que os conectam com seu tempo e a sociedade da qual fazem parte. Tais vínculos, obviamente, podem se acentuar diante da forma de nomeação dos juízes, que depende de cada ordenamento jurídico. O procedimento judicial é, por natureza, altamente participativo, pois está baseado em casos reais e só pode ser exercido nos limites estabelecidos pelas partes interessadas. Isto sem falar nos controles exercidos pela opinião pública. Pode­se afirmar, assim, uma responsabilidade judicial não política ou legal, mas social. (CAPPELLETTI, 1996, p. 38­39) 6. Conclusões: o desafio da independência do Poder J udiciár io como r equisito para a manutenção do processo democr ático Em que pese toda esta discussão, deve­se ponderar que a postura comum às Cortes Constitucionais e aos tribunais em geral é a de evitar tais confrontos. Os tribunais, ao redor do mundo, reconhecendo as dificuldades e limitações da sua atividade, como a possibilidade de que os Governos e Parlamentos simplesmente descumpram suas decisões, optam por uma postura mais tímida no exercício da sua função, também conhecida pela doutrina norte­americana do “self restraint” judicial. (WOODHOUSE, 1996, p. 423) De modo a manter sua independência, as Cortes assumem uma posição “estratégica”, no sentido de acomodar os entraves externos e, paralelamente, perseguir seus próprios entendimentos da Constituição. (WHITTINGTON, 2003, p. 446­447)
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73 É uma espécie de autolimitação dos tribunais constitucionais, balizada pela observância ao princípio da Separação de Poderes, com vistas à garantia da “racionalidade” das decisões. Hans­Peter Schneider mostra que esta prática geralmente ocorre sob os argumentos da liberdade de configuração do legislador e da dicricionariedade do governante, sempre com o objetivo de não questionar os pactos políticos firmados (SCHNEIDER, 1982, p. 58­61). O próprio tribunal, portanto, acabaria por respeitar a competência dos demais poderes, resguardando o núcleo essencial das suas atividades. Infere­se, portanto, a afirmação de uma real independência do Judiciário é um problema político complexo, que decorre da própria inserção da função jurisdicional no campo das discussões políticas, sobretudo porque as instituições sociais e políticas freqüentemente tornam a vida mais difícil para quem possui o poder político. (WHITTINGTON, 2003, p. 446) As repercussões da função judicial na atuação dos outros poderes, que podem chegar ao ápice da invalidação de políticas públicas capitais para a continuidade de determinado projeto político, ou ter sérias conseqüências na execução dos orçamentos públicos cada dia mais limitados na sua capacidade de investimento, certamente trazem aos “prejudicados” o interesse em limitar a independência judicial. Não são despropositados os muitos instrumentos de garantia do exercício da função judicial, que geralmente gozam de status constitucional. A Constituição de 1988, por exemplo, dotou o Judiciário de amplas garantias, tais como a vitaliciedade e a inamovibilidade dos seus membros e a irredutibilidade de seus subsídios, como decorre do seu art. 95. Saliente­se que, juntamente com as garantias são impostas algumas limitações aos magistrados, todas com vistas a assegurar, também, a independência dos membros da instituição. A independência do Poder Judiciário, que se reveste dos mais variados aspectos, é requisito indispensável do Estado Democrático de Direito. Trata­se de assegurar, assim, a liberdade para que os juízes sejam comparativamente livres das preocupações pelas preferências políticas ou entendimentos constitucionais dos demais atores políticos. Esta necessidade de independência do Judiciário é diretamente proporcional às inúmeras expectativas em torno da sua atuação. Neste sentido, a manutenção do processo democrático depende de um Judiciário livre de imposições, pois a garantia dos direitos fundamentais e dos mecanismos institucionais de controle do poder político, horizontais e verticais, pressupõe uma instância decisória afastada das inconstâncias do processo político majoritário, a salvaguardar os direitos das minorias excluídas dos processos decisórios.
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Talvez por isso, da análise da experiência constitucional brasileira, seja plausível concluir que a independência do Poder Judiciário sofreu abalos justamente nos momentos de suspensão da ordem democrática. (SADEK, 1995, p. 14) Portanto, a questão da legitimidade democrática do Poder Judiciário deve ser analisada sob a ótica da funcionalidade da instituição para a democracia, permitindo a preservação dos procedimentos. O caráter aberto de uma constituição traz ao Judiciário a obrigação de determinar e defender as regras da competição política, mas não de dirigir os debates. A necessidade de que a jurisdição assegure a liberdade e participação no processo político torna­se vetor da interpretação constitucional, a. (ZAGREBELSY, 1999, p. 53­54) Porém, a construção do conteúdo constitucional pela comunidade histórica, no sentido de efetivamente participar da interpretação das normas jurídicas, também exige a utilização dos instrumentos processuais e procedimentais para a garantia da aplicabilidade dos direitos fundamentais. Deste modo, pode­se afirmar que o problema da compatibilização dos ideais democráticos com um tribunal constitucional não está em fórmulas abstratas, mas na análise das peculiaridades de cada sistema político e jurídico, e do comportamento de seus atores. Refer ências Livr os CAMPILONGO, Celso. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Safe, 1993. DANTAS, Ivo. Constituição & processo (vol. I): introdução ao direito constitucional processual. Curitiba: Juruá, 2003. FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? Anuário dos Cursos de Pós­Graduação em Direito. Recife: Universitária (UFPE), n. 11, p. 345­359, 2000.
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DO PROCESSO: O PAPEL DA
PRÉ-COMPREENSÃO DA JUDICATURA
Danielle Menezes Evangelista Florencio* R esumo o presente trabalho tem por objetivo traçar a relevância que a pré­ compreensão da judicatura assume, no campo da hermenêutica jurídica, para o alcance da efetividade do processo, demonstrando, para tanto, os principais aspectos da hermenêutica, suas vertentes, técnicas e evolução. Abstr act this paper analyzes the relevance of the daily pre­understanding of the judicature assumes, in the field of the legal hermeneutics, as a way to contribute for procedural effectiveness, demonstrating, for in such a way, the main aspects of the hermeneutics, its forms, techniques and evolution. Sumár io: 1. Advertência preliminar; 2. Bases hermenêuticas; 2.1. A Hermenêutica enquanto teoria da interpretação; 2.2. A Hermenêutica enquanto ontologia; 2.3. A Hermenêutica Jurídica; 3. A interpretação judicial e a efetividade do processo; 4. Conclusão; 5. Bibliografia. 1. Adver tência pr eliminar Desde que a iudex in sua causa (autodefesa e heterotutela) foi substituída pela iudex in summa potesta (processo judicial), assumindo o Estado o monopólio da Jurisdição e, em conseqüência, da iuris dictio, o “problema hermenêutico”, na feliz expressão de Richard E. Palmer 1 , em sede de ciências jur ídicas, se expandiu em complexidade. *Procuradora da Fazenda Nacional, pós­graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP 1 Cf. PALMER, Richard E. Hermenêutica. Trad. Maria Luísa Ribeiro Ferrreira, Lisboa: Edições 70, 1996. 78 PARAHY BA
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É que a constante evolução humana, com a conseqüente multiplicação de regras jurídicas ­ e aqui se está a considerar os países de tradição romano­germânica, como o Brasil ­ aliada à tendência, brilhantemente deduzida por J. Elias Dubard de Moura Rocha, de burocratização da Justiça, transformaram a “arte” judicial de interpretar em tarefa árdua, cuidadosa, já que efetuada através de pré­compreensão complexa, formada não só pelo conhecimento da ordem jurídica, mas também por noções sociais, políticas, científicas ou econômicas, através das quais a interpretação busca conduzir ao ideal da decisão justa. Se, até o século XIX, a interpretação cingia­se aos estritos termos da lei, aos quais os magistrados estavam adstritos, apenas podendo explicitá­los, em nítida materialização da idéia de bouche de la loi de Montesquieu, nos dias atuais, os juízes, em atenção à complexidade da vida moderna, devem complementar os dados, sejam sociais, políticos, científicos ou econômicos, que lhe ajudam a formular o juízo, conforme concebido na visão aristotélica 2 . É dizer: a pré­compreensão multifacetária dos magistrados, hoje, imprime colorido farto às três tarefas hermenêuticas sugeridas pelo já citado doutrinador Richard E. Palmer, quais sejam: dizer, explicar e traduzir. Ora, superadas as balizas das antigas escolas hermenêuticas ligadas ao dogmatismo jurídico, fundadas na concepção de infalibilidade do sistema normativo, que seria capaz de solucionar, de maneira completa, a generalidade de situações conflituosas mundanas, cujo principal método interpretativo era o literal, surge um novo horizonte interpretativo, vislumbrado por escolas recentes, como a do Direito Livre, da Livre Pesquisa Científica e Sociológica Americana 3 , através do qual é banido o mito da plenitude lógica da lei, e surge a idéia de que a interpretação do Direito deve ser informada por concepções axiológicas, sociais e até subjetivas, incrementando­se, desta feita, o “círculo hermenêutico”. E tal mudança de perspectiva é decorrência direta da própria natureza humana, que, diante da constante mutação, transforma o “círculo hermenêutico” em uma espir al. Ocorre que, conforme adverte Heidegger, já que se está a falar de hermenêutica jurídica, é preciso notar que o horizonte significativo do qual o intérprete parte é delimitado pelas estruturas intelectivas próprias da ciência jurídica, que, in casu, são as normas postas. Sendo assim, ainda que a pré­compreensão, hoje, seja informada por noções oriundas de diversas áreas do conhecimento, o resultado da interpretação 2 Consoante Aristóteles, a hermenêutica seria a operação da mente responsável pela formulação de juízos, informados pela verdade ou falsidade das coisas. Assim, ao interpretar, formula­se juízo verdadeiro sobre algo. 3 Cf., neste sentido, HERKENHORFF, João Baptista. C omo a plicar o dir eit o: (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico­política). Rio de Janeiro: Forense, 2004.
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79 jurídica há de sempre se conter nos lindes do ordenamento jurídico posto. Neste sentido, Margarida Maria Lacombe Camargo adverte: “Não se trata, na realidade, de aceitar as leis como verdades impostas, mas de aceitá­las como limite ao processo criativo do intérprete” 4 . A interpretação, na esfera judicial, assume, então, três dimensões: a dimensão política, que compreende a pré­compreensão da judicatura; a dimensão teleológica, formada pela significação do direito e a dimensão normativa, que atribui à norma o papel limitativo do horizonte significativo do intérprete. O objetivo do presente estudo é, pois, demonstrar o quanto o uso, pelos magistrados, desta moderna hermenêutica, informada pela liberdade racional na interpretação, pode contribuir para a efetividade processual. Estudar­se­á, pois, nestas linhas, a hermenêutica jurídica enquanto ciência, sua vinculação à evolução social, a atual configuração do “círculo hermenêutico”, e, por fim, as contribuições oferecidas ao acesso à justiça. 2. Bases her menêuticas 2.1 A Hermenêutica enquanto teoria da interpretação Etimologicamente, o verbo grego hermeneuein, no qual a palavra hermenêutica deita suas raízes, significa “interpretar” e o substantivo hermeneia , “interpretação”. Segundo informa Richard E. Palmer, tais vocábulos aparecem inúmeras vezes em textos da Antiguidade, como em Aristóteles, Platão, Xenofonte, Plutarco, Eurípedes, Epicuro, Lucrécio e Longino, daí exsurgindo a tradição milenar da atividade interpretativa 5 . Teoria interessante a justificar a origem das ditas palavras deita­se no mito do Deus Hermes, o qual sintetiza, de forma singela e precisa, a atividade do hermeneuta. Para os gregos, Hermes era responsável por trazer aos humanos as mensagens divinas, adaptando­as da linguagem divina para a linguagem mundana, de forma a torná­las compreensíveis aos homens e transformar “tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em algo que essa inteligência consiga compreender” 6 . Assim, interpretar, em termos perfunctórios, seria conhecer e tr ansfor mar o objeto interpretado em algo inteligível (compreensível) àquele que não o conhece. 4 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Her m enêutica e ar gum ent ação: u ma contr ibu ição ao estudo do dir eito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 52. 5 PALMER, 1996, p. 23. 6 Idem, p. 24.
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Nesse processo dialético, o intérprete relaciona­se com o objeto, dele se apropriando e definindo­o de acordo com as suas próprias estruturas intelectivas, que são as pré­compreensões de cada ciência. Por isso, diz­se que a hermenêutica é o conhecimento formado pela inter­subjetividade, complexidade e instabilidade, na medida em que sujeito e objeto se aproximam, em oposição ao pensamento cartesiano, que, imbuído pela simplicidade, estabilidade e objetividade, prega o afastamento radical entre sujeito e objeto 7 . Conforme já se deu breve notícia no intróito do presente estudo, Richard E. Palmer, ao apresentar as três vertentes básicas do significado de hermeneuein e hermeneia , oferece salutar contribuição à compreensão do seu sentido, a qual há de ser aqui reproduzida em razão de sua irrefutável utilidade. Segundo ele, as tarefas específicas da hermenêutica tradicionalmente considerada são dizer, explicar e traduzir . Os três significados podem ser resumidos pelo verbo português “interpretar”, no entanto, cada um deles representa “um sentido independente e relevante” 8 do citado termo. O dizer significa anunciar ou proclamar algo, relacionando­se com a função anunciadora de Hermes de trazer notícias fiéis das divindades. Seria uma etapa em que não haveria explicação, mas em que a interpretação estaria presente no modo como a coisa se exprime, ou seja, no “estilo” ou na “performance” com que ela é expressada. Daí o autor atribuir valor inestimável à palavra falada, em detrimento da linguagem escrita, que retiraria o poder as palavras, extirpando­lhes sua expressividade. Na seguinte passagem, o consagrado autor nos dá uma idéia da importância do dizer : No Ion de Platão, o jovem intérprete recita Homero e através das suas entoações ‘interpreta­o’, exprimindo­o e mesmo explicando­o subtilmente, transmitindo mais do que ele próprio constata ou compreende. Assim, torna­se tal como Hermes, num veículo da mensagem homérica 9 . Já no sentido de explicar , tem­se que as palavras, na interpretação, não se limitam a expressar algo, vão além e passam, então, a clarificar, a mostrar o significado, ganhando ênfase o aspecto discursivo da compreensão. Dita orientação significativa 7 Neste sentido, Richard E. Palmer esclarece no que tange à hermenêutica: “Podermos dizer que um objeto não tem sentido fora de uma relação com alguém e que a relação determina o significado. Falar de um objecto independentemente de uma sujeito que o perceba é um erro conceptual causado por um conceito realisticamente inadequado, quer da percepção quer do mundo...”, Idem, p. 34. 8 Idem, pp. 24/25. 9 Idem, p. 26.
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81 já era vislumbrada por Aristóteles, em seu tratado “Peri Hermeneias”, para o qual a interpretação seria responsável pela formulação de juízos sobre a verdade ou falsidade das coisas. Ao formulá­los, estaria a mente humana a entender seu significado e, como tal, a transformá­los em explicação. Aqui, mister ressaltar que, consoante brilhantemente revelou a lição de Aristóteles, se a interpretação já está presente na própria formulação de juízos, antes mesmo da produção de qualquer análise lógica, isto é, da comparação dos juízos formulados, deve­se necessariamente concluir que toda atividade interpretativa já está previamente moldada por esta interpretação anterior, preliminar, à qual se atribui a denominação de pré­compreensão. Mais uma vez, as palavras de Richard Palmer são salutares: Portanto, a explicação tem que ser vista no contexto de uma explicação ou interpretação mais funda, a interpretação que já ocorre no modo como nos voltamos para o objecto. A explicação apoiar­se­á certamente nas ferramentas da análise objectiva, mas a selecção das ferramentas relevantes é já uma interpretação da tarefa compreensiva. A análise é interpretação; sentir a necessidade da análise é também uma interpretação. Assim, a análise não é realmente uma interpretação básica mas sim uma forma deriva; montou primeiro o palco com uma interpretação essencial e primária, antes mesmo de começar a trabalhar com os dados 10 . Ora, o horizonte significativo do qual o sujeito faz parte, formado pelas estruturas intelectivas de cada ciência, determina a maneira como aquele vai previamente compreender o texto interpretado. É que toda interpretação parte de um conhecimento prévio, a que Aristóteles chamou de juízo, que se apresenta apenas como parcial diante do que se vai compreender. Em linguagem figurativa, é como se se estivesse diante de um quebra­cabeças e, por uma compreensão anterior, já se pudesse prever a peça faltante. Ou seja, “para que o intérprete faça uma ‘performance’ do texto tem que o compreender; tem que previamente compreender o assunto e a situação antes de entrar no horizonte de seu significado” 11 . Assim, partindo­se da pré­compreensão, é possível penetrar­se no âmbito do significado do texto e, a partir daí, compreendê­lo, dando origem ao “círculo hermenêutico”. A propósito, Margarida Maria Lacombe Camargo leciona: 10 11 Idem, p. 33. Idem, p. 35.
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Entendemos, portanto, que a compreensão serve de base à interpretação, como produto final, uma vez que nos exprimimos sobre aquilo que compreendemos. Mas, se por outro lado aceitamos que a intepretação servirá como fundamento para a compreensão total do fenômeno, há que se falar também em pré­compreensão 12 . Por fim, a hermeneuein como traduzir se apresenta nas situações em que o objeto a ser interpretado encontra­se em língua estrangeira e o intérprete deve, tal como Hermes, tornar compreensível o que é estrangeiro, estranho ou ininteligível, utilizando­se não apenas de sinônimos, mas também penetrando nas perspectivas e contrastes daquele outro mundo. Segundo Palmer, “o tradutor é um mediador entre dois mundos diferentes” 13 . A partir de tudo o quanto se disse, é possível vislumbrar a hermenêutica como uma reconstrução, pelo intérprete, através de suas próprias estruturas intelectivas, do objeto criado pelo autor. Destarte, demonstradas as balizas da hermenêutica enquanto interpretação, urge conhecer, ainda que a breve trecho, a hermenêutica enquanto ontologia, construída principalmente a partir da obra de Heidegger. 2.2 A Hermenêutica enquanto ontologia. Em termos ontológicos, Heidegger concebeu a hermenêutica como o estudo do compreender . Sua função, para ele, seria revelar aos homens o sentido das coisas, fazendo­os realizar­se enquanto ser . A atividade de compreensão seria tão importante para a existência humana que dela faria parte, a aproximando da filosofia. Margarida Maria Lacombe Camargo assevera: Para Heidegger, a compreensão consiste no movimento básico da existência, no sentido de que compreender não significa um comportamento do pensamento humano entre outros que se possa disciplinar metodologicamente e, portanto, conformar­se como método científico. Constitui, antes, o movimento básico da existência humana. Compreender , para Heidegger, ‘é a forma originária de realização do estar aí, do ser­ no­mundo’” 14 . 12 CAMARGO, 2003, p. 50. PALMER, 1996, p. 37. 14 CAMARGO, 2003, p. 29.
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83 Assim, segundo Heidegger, a compreensão seria tão vital que, apenas através dela, poder­se­ia afirmar a própria existência humana. Daí o caráter ôntico da hermenêutica. Heidegger foi o responsável pelo desenvolvimento da idéia do “círculo hermenêutico”, noção a partir da qual se funda a hermenêutica moderna, e que traz como ponto crucial a pré­compreensão. Conforme já se explicitou linhas atrás, de acordo com tal concepção, a atividade interpretativa se basearia numa visão prévia, a partir da qual algo se tornaria compreensível, “sendo que esse círculo da compreensão não é um cerco em que se movimenta qualquer tipo de conhecimento; ele pertence à estrutura do sentido: exprime a estrutura prévia inicial própria da presença” 15 . Assim, a pré­compreensão estaria marcada pelo tempo, variando de acordo com a faticidade, haja vista que o ser determina­se pelo horizonte do tempo. Gadamer, filósofo que deu continuidade à proposta de Heidegger, acrescentou à compreensão o dado histórico, demonstrando que a consciência da situação histórica é determinante para o indivíduo, o qual, por meio das experiências do passado, constrói o horizonte do presente e, a partir daí, a sua pré­compreensão. 2.3 A Hermenêutica Jurídica. Adentrando­se no campo específico do atual estudo, que se volta à interpretação no campo judicial, mister conhecer os alicerces da hermenêutica jurídica. Segundo um dos maiores expoentes dessa vertente no Brasil, Carlos Maximiliano, a hermenêutica jurídica é a teoria científica que tem por objeto o estudo dos métodos aplicáveis para a determinação do sentido e do alcance das expressões do Direito. Para ele, as normas jurídicas possuem caráter geral, de maneira que ao executor cabe investigar o seu verdadeiro sentido e, ainda, o seu âmbito de aplicação, para que possa aplicar­lhes ao caso concreto. Neste ponto, urge esclarecer, na esteira da lição de Eduardo J. Couture, que interpretar a lei não é interpretar o Direito, na medida em que eles se diferenciam numa relação de parte e todo. No entanto, a parte deve ser interpretada de acordo com o todo, já que entre eles existe necessária relação de coordenação. Nas palavras do doutrinador: A questão inicial consiste, portanto, em sublinharmos que interpretar a lei não é interpretar o Direito, mas um fragmento deste. Interpretar o Direito, isto é, averiguar o sentido de uma norma em sua acepção integral, pressupõe 15 Idem, p. 54 (sem destaque no original).
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o conhecimento do Direito em sua totalidade, bem como a necessária coordenação entre a parte e o todo 16 . A doutrina diverge, conforme dá notícia João Batista Herkenhoff, no que tange à real acepção da expressão hermenêutica jurídica . Para alguns, ela seria utilizada como sinônimo de interpretação da lei; para outros, abrangeria também a aplicação. Ocorre que, diante da quase unanimidade, adotar­se­á, aqui, o sentido majoritário, que a atrela apenas à interpretação. O desenvolvimento de técnicas de interpretação do Direito é contemporâneo ao próprio pensamento jurídico, mas a hermenêutica apenas alcançou relevo a partir do Código Civil Napoleônico. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., somente a partir do século XIX, é que a interpretação passou a ser objeto de reflexão, tendo em vista a constituição de uma teoria. Diversas escolas hermenêuticas surgiram com este intuito, cabendo tão­somente observar, haja vista os limites da presente exposição, que se diferenciaram de acordo com o maior ou menor apego do intérprete à lei, sendo classificadas por João Batista Herkenhoff em escolas de estrito legalismo ou dogmatismo (Escola da Exegese, Escola dos Pandectistas e Escola Analítica de Jurisprudência), escolas de reação ao estrito legalismo ou dogmatismo (Escola Histórica do Direito, que se subdivide em Escola Histórico­Dogmática e Escola Histórico­ Evolutiva, e Escola Teleológica) e escolas que se abrem a uma interpretação mais livre (Escola da Livre Pesquisa Científica, Escola do Direito Livre, Escola Sociológica Americana, Escola da Jurisprudência da Interesses, Escola Realista Americana, Escola Egológica e Escola Vitalista do Direito) 17 . Couture leciona que o objeto da hermenêutica jurídica é o Direito, materializado sob a forma de Constituição, lei, regulamento, sentença, contrato, testamento, enfim, todas as manifestações normativas; sujeitos da hermenêutica são aqueles que projetam sua atividade sobre a vida social, cabendo destacar o legislador, o juiz e o professor; e, por fim, o resultado da hermenêutica é a própria interpretação, ou seja, a revelação do conteúdo da norma. Por fim, adotando­se a famosa teoria de Savigny, pode­se apontar, como métodos (ou processos) tradicionais da hermenêutica, o gramatical, responsável pela perquirição do sentido literal das palavras; o lógico, segundo o qual se investiga a ratio legis através de um conjunto de regras tradicionais e específicas tomadas de empréstimo à 16 COUTURE, Eduardo J. Int er pr etação das Leis Pr ocessua is. Tradução de Dra. Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 02. 17 Para um maior aprofundamento do assunto, cf. HERKENHORFF, João Baptista. Como aplicar o d ir eito: (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico­política). Rio de Janeiro: Forense, 2004.
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85 lógica geral; o histórico, para o qual a perquirição das raízes históricas da norma ganha essencial relevo e, por último, o sistemático, que considera o caráter estrutural do Direito e determina uma interpretação condizente com o todo. 3. A interpretação judicial e a efetividade do processo Dado que o interesse, consoante lição de J. Elias Dubard de Moura Rocha fundada na obra de Francesco Carnelutti, é inexorável à natureza humana e apresenta­ se como a relação heterogênea de complementariedade entre sujeito e objeto, na qual este é capaz de satisfazer uma necessidade daquele, inexorável concluir­se que, acaso disputado por dois ou mais sujeitos, exsurge um conflito (ou relação heterogênea secundária), que há de ser dirimido, seja por meio da iudex in causa sua (autodefesa e heterotutela), seja através da iudex in summa potesta (processo judicial), de forma a se fazer voltar à normalidade os fluxos da vida em sociedade. Sendo assim, desde que expurgada a autotutela e assumido pelo Estado o monopólio da Jurisdição, incontrastável se tornou a utilidade da Justiça, a qual sequer é necessário demonstrar­se. Ao Judiciário, por conseguinte, atribui­se o primordial papel de pacificar a sociedade, aplicando o Direito de maneira eficaz. E dita eficácia tem como passo inicial – e aqui se pretende demonstrar tal ilação ­ uma interpretação consentânea com as premências da vida atual, informada, em sua pré­compreensão, não apenas por critérios nitidamente jurídicos, mas também extra­dogmáticos. Ora, toda a engrenagem que é o processo judicial, responsável pela sustentação da paz social, apenas funcionará satisfatoriamente acaso comandada por um artífice que tenha consciência de sua importante missão e que maneje as normas jurídicas, interpretando­as, de maneira a atender aos ditames de uma Justiça efetiva. Por isso, a preocupação com o passo anterior à aplicação da norma, qual seja, a interpretação, ressai sobremaneira pertinente, na medida em que, de seu produto, pode exsugir solução eivada – ou não – de efetividade. Urge, então, conhecer as novas tendências hermenêuticas e perquirir sobre o melhor uso de suas técnicas para alcançar o desiderato da efetividade. Superadas as balizas das antigas escolas hermenêuticas legalistas ou dogmáticas, que se fundavam na idéia de perfeição do ordenamento jurídico e vinculação absoluta à lei, cujo método de interpretação era, basicamente, o literal, foram surgindo novas orientações, decorrentes da própria evolução social, que culminaram na gestação de escolas voltadas à liberdade – temperada – na
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interpretação. Ditas escolas, dentre as quais ora se destaca a do Direito Livre, partindo da premissa comum de que a realização do Direito sofre influências extra­dogmáticas, passaram a pregar a utilização de métodos consentâneos com a complexidade social. Consoante a Escola do Direito Livre, o Direito não deve ser criação exclusiva do Estado, já que a vida social é mais rica que a norma. Assim, a interpretação deve ser confiada à pesquisa sociológica, de forma a se identificar as convicções do que a sociedade, em dado tempo e em certo lugar, entende por justo. Apenas a partir daí, é que se buscaria a fonte motivadora da solução encontrada. Prega, portanto, o alcance, em primeiro lugar, da decisão justa de acordo com os parâmetros do grupo social, para, ao depois, perquirir­se da existência da norma, às vezes, até, afastando­se desta. Partindo desse raciocínio, porém expurgando seus excessos, mister realçar, como premissa inicial, que, nos dias atuais, considerada a complexidade em que imergiu o mundo moderno, com relações intersubjetivas cada vez mais intrincadas, faz­se inexorável que o magistrado, atualizando suas estruturas intelectivas, expanda a sua pré­compreensão, de sorte a abarcar valores sociais, políticos, científicos e econômicos, a ponto de eleger, entre as diversas interpretações possíveis de uma norma, a mais consentânea, não só com o ordenamento jurídico, mas com a realidade a sua volta. E tal se dá por uma necessidade da própria efetividade processual, tão propalada e almejada.
De nada adianta, além de ser contraproducente, interpretar­se a lei de maneira estritamente dogmática, sem uma perquirição dos dados decorrentes da vida em sociedade, a ponto de a aleijar e não resolver o conflito de interesses. Imagine­se, apenas como exemplo (polêmico, é verdade), a cega proibição de aborto ou de transplante de órgãos de bebê anencéfalo, quando há risco de vida para a mãe e para o possível receptor do órgão. Considerando­se a comprovação científica de que bebês anencéfalos não sobrevivem mais que três meses, qual a melhor interpretação a se aplicar à norma? Aquela que privilegia a aplicação cega da letra da lei, ou a que, fundada em princípios como o da ponderação de interesses e da coerência, admite a aplicação da garantia constitucional do direito à vida? Em situações como esta, e em muitas outras, percebe­se a relevância de um upgrade na pré­compreensão da judicatura, de sorte a que esta possa abarcar, enquanto conhecimento prévio à interpretação, não apenas as estruturas intelectivas do Direito, mas também da política, sociologia, economia, medicina, etc. Não se está aqui a defender o afastamento completo e absoluto da lei e a criação de um direito praeter legem, até mesmo porque, nas três dimensões em que a interpretação judicial se encaixa, encontra­se a dimensão normativa , segundo a qual o horizonte significativo do intérprete está limitado ao ordenamento jurídico, mas
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87 não se pode deixar de perceber que, na interpretação do Direito, diante da necessidade de se dar efetividade às normas, é preciso que a solução encontrada seja a mais consentânea com a Justiça, o que apenas se dá se o responsável pela interpretação tiver conhecimento das diversas áreas do saber humano. Assim, a segunda premissa do raciocínio aqui desenvolvido diz respeito à limitação do intérprete ao direito posto, ainda que se valha de dados outros fora da ciência jurídica para efetuar o mister interpretativo. Neste diapasão, deveras pertinentes e adequadas ao que aqui se defende são as diretrizes (ou cânones) desenvolvidas por Emilio Betti para a interpretação, as quais conformam a atividade interpretativa dos magistrados a limites previamente orientados, de forma a se afastar o arbítrio judicial, a saber: o cânone da autonomia hermenêutica do objeto, segundo o qual o próprio objetivo interpretado apresenta significado que foge ao controle do autor; o cânone da coerência do sentido (princípio da totalidade), que requer uma interpretação da parte coerente ao todo; e o cânone da atualidade da compreensão, para o qual as leis devem ser atualizadas de acordo com o contexto situacional distinto (note­se, neste ponto, a necessidade de se atualizar a pré­compreensão da judicatura, em consonância com o aqui defendido). Destarte, desde que, observados certos limites (ou cânones) interpretativos, é absolutamente recomendável que o magistrado tenha pré­compreensão dilargada (que abarque noções de ciência, sociologia, política e economia), a fim de que possa interpretar as leis de maneira a encontrar a solução justa ao caso. Como diria Francesco Ferrara: Tem­se dito que o julgamento é um silogismo em que a premissa maior está na lei, a menor na espécie de facto e o corolário ma sentença. E isto é verdade, embora se não deva acreditar que a atividade judicial se reduz a uma simples operação lógica, por que na aplicação do direito entram ainda fatores psíquicos e apreciações de interesses, especialmente no determinar o sentido da lei, e o juiz nunca deixa de ser uma personalidade que pensa e tem consciência e vontade, para se degradar num autômato de decisões 18 . Ora, as leis, por mais inovadoras que sejam, apenas têm eficácia, diante de situações litigiosas, quando corretamente manejadas pelos seus aplicadores. A discussão sobre efetividade do processo passa, portanto, necessariamente pela postura que os magistrados devem adotar para garanti­la. De que valeria 18 FERRARA, Francesco. Int er pr etação e ap lica ção d as leis. Coimbra: Armindo Amado Editor, 1978, p.112.
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toda a preocupação com o acesso à justiça aos menos abastados, se o magistrado não vislumbrasse a gritante situação de desigualdade existente no processo? O processo será tanto mais efetivo quanto mais as normas forem corretamente interpretadas pelo magistrado (por meio de pré­compreensão da judicatura formada por estruturas intelectivas oriundas de várias áreas do conhecimento), enquanto maestro da orquestra. José Carlos Barbosa Moreira ratifica: O que se acaba de dizer põe de manifesto quão importante, para a efetividade social do processo, é a maneira por que conduza o órgão judicial. A lei concede ao juiz muitas oportunidades de intervir no sentido de atenuar desvantagens relacionadas com a disparidade de armas entre litigantes. Todavia, uma coisa é o que reza a lei, outra o que dela retira o órgão processante 19 . 4. Conclusão O principal mote desta obra se cingiu à demonstração de como o uso adequado das técnicas de hermenêutica jurídica pelos magistrados pode contribuir para a efetividade da prestação jurisdicional. Para tanto, apresentou­se a hermenêutica, suas vertentes, técnicas e evolução, para, enfim, demonstrar­se o quanto a pré­ compreensão pode contribuir para o alcance do ideal de efetividade da função jurisdicional. Sabe­se que a pré­compreensão, enquanto conjunto de conceitos e conhecimentos prévios, é imprescindível como passo inicial à atividade hermenêutica. No processo jurídico decisório, fala­se em pré­compreensão da judicatura. Ao longo do presente trabalho, ficou claro o quanto a pré­compreensão da judicatura sintonizada com os dados da ciência, sociologia, economia e política, é capaz de proporcionar uma interpretação tendente ao alcance da decisão justa, já que, nos dias atuais, diante da complexidade das relações intersubjetivas, o magistrado não deve apenas conhecer as estruturas intelectivas de sua ciência. Ocorre que, na hermenêutica jurídica, o intérprete está condicionado à dimensão normativa da interpretação, isto é, ao arcabouço normativo formador do ordenamento jurídico, de sorte que, mesmo em se considerando dados provenientes de diversas áreas do conhecimento humano, o juiz deve se adstringir ao direito posto, utilizando cânones interpretativos como os sugeridos por Emilio Betti.
19 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de d ir eito pr ocessual civil: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25. PARAHY BA
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89 Ao final de todas estas constatações, vê­se o quanto a intensa transformação social, ocasionada pela evolução das ciências e das idéias, provocadora do surgimento de relações jurídicas cada vez mais complexas e pertinentes a objetos antes inimagináveis, tem total implicação na maneira como o magistrado deve se comportar. Este deve estar pronto para assimilar todas estas inovações e as jurisdicizar, sem deixar margem ao envelhecimento, e conseqüente inocuidade, das previsões normativas. O papel do juiz, neste contexto, é crucial, vez que é de sua responsabilidade trazer ao processo, com sensibilidade, os anseios sociais. Sendo assim, quanto mais consciente for de sua missão, mais efetiva será sua contribuição ao alcance do ideal acesso à justiça. Carlos Rodrigues Zahlouth Júnior arremata: Caso não haja uma oxigenação do pensamento da magistratura nacional, em especial na cúpula do Poder Judiciário, que por meio de Provimentos, Orientações, Precedentes, Instruções Normativas e na própria Jurisprudência, adequar e transmutar a legislação ao pensamento coletivo e a vontade da sociedade, não teremos de fato um corpo judicial firme, coeso e efetivo, quando se perenizará o infeliz adágio “ganhou, mas não levou” 20 . Bibliogr afia BETTI, Emílio. A H er menêutica como metodologia ger al das geist eswissenschaft en. In BLEICHER, Josef. Hermenêutica Contemporânea. Tradução de Carlos Morujão. Lisboa: Edições 70, 2002 CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. H er menêut ica e ar gumentação: uma contr ibuição ao estudo do dir eito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. COUTURE, Eduardo J. I nter p r etação das L eis Pr ocessuais. Tradução de Dra. Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro: Forense, 2001. GARCIA, Juvênio Gomes. Função cr iador a do juiz. Brasília, DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996. 20 ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos Rodrigues. A culpa dos Juízes (a interpretação inadequada da legislação pela cúpula do Poder Judiciário, como obstáculo à eficiência e efetividade da tutela jurisdicional). Disponível na Internet: «http://www.mundojurídico.adv.br». Acesso de 01.01.2006.
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FERRARA, Francesco. Inter pr etação e aplicação das leis. Coimbra: Armindo Amado Editor, 1978. HERKENHORFF, João Baptista. Como aplicar o direito: (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico­política). Rio de Janeiro: Forense, 2004. MAXIMILIANO, Carlos. Her menêutica e aplicação do dir eito. Rio de Janeiro: Forense, 1995. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual civil: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. PALMER, Richard E. Her menêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1996. RIGAUX, François. A lei dos juízes. Tradução Edmir Missio; revisão da tradução Maria Ermantina Galvão; revisão técnica Gildo Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ROCHA, J. Elias Dubard de Moura. Inter esses Coletivos. Curitiba: Juruá, 2004. ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos Rodrigues. A culpa dos J uízes (a inter pr etação inadequada da legislação pela cúpula do Poder J udiciár io, como obstáculo à eficiência e efet ividad e da t utela jur isd icional). Disponível na Internet: «http://www.mundojurídico.adv.br». Acesso de 01.01.2006.
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91 DO RACIONALISMO À INSTRUMENTALIDADE DO
PROCESSO: CONTRIBUIÇÕES DOS MAGISTRADOS
AO ACESSO À JUSTIÇA Danielle Menezes Evangelista Florencio*
R esumo O presente trabalho tem por objetivo analisar o primordial papel do magistrado contemporâneo na consecução do ideal de acesso à justiça, efetuando­se, para tanto, uma breve incursão no paradigma da efetividade processual e explorando­se a evolução histórica do processo. Abstr act This paper analyzes the primordial paper of the contemporary magistrate in the achievement of the ideal of access to justice, accomplishing, for in such a way, one brief incursion in the paradigm of procedural effectiveness and exploring the historical process evolution. Sumár io:1. Intróito; 2. A evolução do Direito Processual Civil: do racionalismo à instrumentalidade do processo; 2.1. O Direito Processual Civil no Estado­Liberal Clássico; 3. A contribuição do Juiz para o acesso à justiça; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas. 1. Intr óito Interessante observar o quanto as reflexões oriundas do movimento de acesso à justiça contribuíram para o aperfeiçoamento do Direito Processual. Mais empolgante, ainda, verificar a intensidade de suas repercussões nos pensamentos de doutrinadores e operadores do direito, mormente os juízes, responsáveis pela prestação da tutela jurisdicional. *Procuradora da Fazenda Nacional, pós­graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP 92 PARAHY BA
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Em países com índices de desenvolvimento humano, seja em termos educacionais, seja no aspecto econômico, tão baixos quanto o Brasil, as preocupações com o acesso à justiça ganham uma relevância tão profunda quanto aquelas voltadas ao atendimento das necessidades básicas da sociedade. É que, em tempos de multiplicação de relações jurídicas, nascidas em uma sociedade cada dia mais complexa em virtude da modernização tecnológica, faz­se mister assegurar, além dos direitos formalmente reconhecidos na Carta Maior e nos instrumentos legais que desta derivam, o acesso aos meios jurídicos capazes de proporcionar a pacificação social, para que todos consigam alcançar o ideal de justiça. Sendo assim, o movimento de acesso à justiça e, como sua derivação, a preocupação com a efetividade do processo, adquire grandeza tamanha a ponto de implicar na própria transformação da sociedade. Desde que Mauro Cappelletti 1 , nos idos de 1978, voltou suas atenções para o que, em relação às ciências jurídicas, seria uma novidade, mas, em termos empíricos, não passava de mera constatação, vêm se desenvolvendo verdadeiras transformações nas ações e, o que é mais importante, no pensamento dos responsáveis pela elaboração e aplicação das leis. Neste contexto, identifica­se, numa macro dimensão, além das fronteiras do processo, a valorização de meios alternativos de pacificação social, na feliz expressão de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinarmaco 2 , ou de medios para la solucion de los litígios, como pretende Niceto Alcalá­Zamora Y Castillo 3 , tais como a conciliação e a arbitragem, mas também, desta feita no âmbito reduzido do procedimento processual, o nascimento de uma nova configuração do processo, com a assimilação de mecanismos capazes de garantir a tutela adequada, específica ou diferenciada, nas dicções de estudiosos do tema, como Luiz Guilherme Marinoni 4 e Ricardo Rodrigues Gama 5 , a direitos materiais diversos. Ao lado dessa transformação nas formas, isto é, nos meios de alcance 1 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. 2 Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teor ia Ger al do Pr ocesso. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. 3 Cf. ALCALÁ­ZAMORA Y CASTILHO, Niceto. P r oceso, a u t ocom p osición y a u t od efesa (cont r ib ucion al estúd io de los fines d el pr oceso). México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2000. 4 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica pr ocessual e tutela dos dir eitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 5 Cf. GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do Pr ocesso Civil. Campinas: Bookseller, 2002.
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93 de solução de conflitos, surge – ou deve surgir ­ também uma reviravolta na mentalidade dos operadores do direito e, aqui, os holofotes voltam­se ao principal artífice da alternativa estadual de pacificação social, o juiz. Surge uma questão de alta relevância nesta seara: será que bastam mudanças nos instrumentos para que se garanta um acesso à justiça efetivo? Parece que não. A experiência mostra que a maneira como os homens interpretam e fazem uso dos mecanismos à sua volta é determinante para o resultado final de suas ações. Desta forma, é de se atentar, desde agora, que tão mais efetivos serão os processos, quanto mais consciência tiverem os juízes da função pacificadora que se lhes atribui. A contribuição humana ao paradigma de efetividade apresenta­se, nesta perspectiva, como essencial. Mister, pois, que os juízes se desvencilhem da concepção mecânica de que estão supra partes, como os classificou o já citado doutrinador mexicano Niceto Alcalá­Zamora Y Castillo, e, por isso, distanciados das pessoas e das vicissitudes práticas do processo ­ convicção esta oriunda das próprias raízes dos sistemas processuais romano­germânicos, nos quais os magistrados se apresentavam apenas como uma mera bouche de la loi ­, para se autoproclamar aptos a contribuir, efetivamente, para a dilargação do acesso à justiça. E não uma contribuição arbitrária ou atentatória do dogma da imparcialidade judicial, que é inquebrantável, visto que essencial à manutenção do próprio Poder Judiciário, que dele retira sua legitimidade, mas destinada tão­ somente a facilitar o alcance dos ideais da instrumentalidade do processo. Realizar­se­á, pois, nestas breves linhas, uma viagem pela tão estudada evolução do direito processual civil, analisando­se o primordial papel do magistrado contemporâneo nesta empreitada. 2. A evolução do Direito Pr ocessual Civil: do r acionalismo à instr umentalidade do pr ocesso 2.1 O Direito Processual Civil no Estado Liberal­Clássico Cumpre destacar, como observação inicial, que as primeiras manifestações de independência do Direito Processual Civil remontam ao século XIX, época de predomínio do modelo das ciências biológicas, arquitetado pelos grandes pensadores da época, os quais eram, antes de tudo, matemáticos, como Leibniz e Descartes. Tal noção é primordial para se entender o porquê dos contornos
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que o Direito Processual Civil assumiu a partir daí. Até então, o direito de ação possuía dependência intrínseca do direito material, de sorte a se lhe negar qualquer autonomia. A jurisdição era concebida apenas como uma função predisposta a garantir a tutela dos direitos. Havia verdadeira confusão entre os ramos material e processual. Na feliz lição de Cândido Rangel Dinamarco: Tinha­se, até então a remansosa tranqüilidade de uma visão plana do ordenamento jurídico, onde a ação era definida como o direito subjetivo lesado (ou: o resultado da lesão ao direito subjetivo), a jurisdição como sistema de tutela aos direitos, o processo como mera sucessão de atos (procedimento) 6 . Tais concepções passaram a ser revistas, a partir do século XIX, por pensadores como Bernhard Windscheid e Von Bülow, sob o influxo da conjuntura político­social da época e do movimento conhecido como Iluminismo. Sustentava­ se que a ação não se confundia com a actio romana, dada a sua natureza processual, em contraposição ao caráter material desta, sendo dirigida ao juiz, e não ao adversário, e tendo por objeto a prestação jurisdicional, e não o bem litigioso. Assim, a partir do inconformismo do jurista moderno com a subserviência da ciência processual às antigas concepções privatistas chegou­se à consciência da autonomia dos institutos processuais frente ao direito material, de sorte a se vislumbrar as relações jurídicas de direito privado e de direito processual como realidades distintas. Seguiram­se, a partir daí, importantes formulações acerca dos institutos próprios do direito processual, campo até então inexplorado e, portanto, fértil para doutrinadores como Mortara e Chiovenda. Em torno das concepções deste último, inclusive, formou­se uma escola, denominada sistemática, ou ainda de histórico­ dogmática, e consolidou­se a noção publicista do processo, passando­se a entender a ação como direito autônomo de natureza pública, voltado a fazer valer a autoridade da lei. Segundo Luiz Guilherme Marinoni: Essa escola, ao se preocupar em desvincular o direito processual civil do direito material e evidenciar a natureza pública do processo, importou­se em delinear conceitos que, segundo sua concepção, seriam capazes de conferir autonomia e dignidade científica ao direito processual civil, antes concebido como simples procedura civile 7 . 6 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instr umentalidade do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 18. 7 MARINONI, 2004, p. 53.
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95 Ocorre que estas concepções foram formuladas enquanto vigente a ideologia política do Estado Liberal­Clássico, que tinha como principal preocupação a garantia da liberdade dos cidadãos, através da delimitação rígida dos poderes estatais, por meio de leis que assegurassem tão­somente a igualdade formal entre os indivíduos. Consagraram, pois, o compromisso do Direito Processual Civil com o paradigma racionalista , a que se refere Ovídio A. Baptista da Silva, o qual impôs que aquele se apresentasse como instrumento puramente formal, abstrato e desconectado com as mudanças sociais, voltado à aplicação da lei ao caso concreto e garantidor, portanto, de uma estabilidade jurídica conveniente aos interesses da burguesia então dominante, à qual não convinha ser surpreendida com novas formas de tutela processual. Na seguinte passagem, o mencionado doutrinador revela a força que o racionalismo exerceu sobre o pensamento de renomados juristas: Andrea Proto Pisani, jurista italiano consagrado por suas valiosas contribuições à moderna doutrina processual, em recente conferência pronunciada no Brasil, iniciou a exposição com estas palavras: ‘Os institutos de direito material estão destinados, diria que naturalmente, a mudar de acordo com o surgimento e a diferente avaliação dos interesses em conflito em relação à fruição dos bens materiais e imateriais. Diferentemente dos institutos materiais, os institutos de direito processual que visam a garantir a tutela jurisdicional dos direitos ´nascem, por assim dizer, não apenas com o selo terreno, mas com aquele da eternidade, que lhes é aposto por seu próprio destino de garantir a realização da justiça ´’. O período grifado que encerra o parágrafo reproduz uma afirmação de Satta, que Proto Pisani aceita como ‘substancialmente exata’, embora considere que poucas são as categorias processuais que realmente são ‘eternas’, porque, segundo ele, ‘a historia do direito é também a história dos processos’. Mesmo assim, a proposição revela o compromisso do Direito Processual Civil com o paradigma racionalista e, conseqüentemente, com a ideologia que concebe este ramo do conhecimento jurídico como um instrumento puramente formal, abstrato e sem qualquer compromisso com a História. Em última análise, concebe­se o Direito Processual Civil como algo dotado da mesma eternidade de que se vangloriam as matemáticas 8 . 8 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Racionalismo e tutela pr eventiva no pr ocesso civil. Disponível na internet: «http: //www.mundojurídico.adv.br». Acesso de 14 de maio de 2005, p. 1.
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Houve, assim, um excessivo desapego da ciência processual à realidade do direito material, do que resultou uma prejudicial indiferença do direito processual frente às necessidades substanciais. Partiu­se do pressuposto de que a ação, vista abstratamente, não deveria ter qualquer ligação com o direito material e que, neste diapasão, a uniformidade de procedimentos seria suficiente para atender às diversas demandas. Vê­se, aqui, a aplicação da igualdade formal que tanto preconizavam os liberalistas: o processo, independentemente das peculiaridades das situações materiais a ele submetidas, deve ser um só. Tal postura se fez sentir também no papel atribuído ao juiz, cuja tarefa se resumiu apenas a uma reprodução mecânica das palavras da lei, o que levou Montesquieu a defini­lo como a bouche de la loi (a boca da lei). As sentenças, neste contexto, fundadas em uma cognição exauriente, eram destinadas apenas a declarar a vontade da lei e estavam destituídas de qualquer força executiva, a qual, inclusive, sequer era concedida ao magistrado, estando na seara de atribuições do executivo, “de modo que a gênese do processo de conhecimento, concebido como palco da verificação dos fatos e da declaração da lei, está justamente na tentativa de nulificação do poder do juiz” 9 . Se o juiz não tinha poder de imperium para executar a sentença, que dirá no que tange à efetivação de decisões interlocutórias baseadas em juízos de verossimilhança. Todas estas construções, como ressai evidente, tiveram por desiderato a estabilização do processo e da atividade judicial, de sorte a garantir, declaradamente, a liberdade dos cidadãos, e, implicitamente, a segurança jurídica que os burgueses precisavam para empreender seus negócios. A doutrina supôs, erroneamente, que a total dissociação entre direito material e processual seria a única capaz de garantir a autonomia deste último ramo do Direito. Confundiu, porém, autonomia com indiferença e logrou o grande equívoco de imaginar que poderia desprezar as mais diversas situações conflituosas ao construir as bases do processo. Na realidade, a despeito da incontestável autonomia do direito processual, o que existe é uma intensa interdependência entre ele e o direito material, de sorte que, para tutelar este último de forma adequada, aquele deve estar atento às suas peculiaridades. Com o surgimento, no entanto, das reflexões tangentes ao movimento de acesso à justiça, paralelas ao surgimento de direitos e deveres sociais, impulsionadores da nova configuração ideológica do Estado, que passa a ser conhecido como welfare state, viu­se que, se o processo não se aproximasse do direito material, jamais poderia 9 MARINONI, 2004, p. 39.
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97 ser efetivo. Surge, assim, o que Cândido Rangel Dinamarco denomina de terceiro movimento metodológico do direito processual, através do qual o processualista adquire a consciência de que a instrumentalidade do processo implica em visualizá­lo externamente e, mediante preocupações de ordem jurídicas, sociais e políticas, buscar dotá­lo da máxima efetividade, de forma que alcance os objetivos que o legitimam. Nas palavras do doutrinador: Pois a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar­lhes a liberdade 10 . Sendo assim e considerando os reflexos que essa mudança de paradigma introduz no direito processual civil e na própria mentalidade dos operadores do direito, mister conhecer­se seus contornos. 3. A contribuição do Juiz para o acesso à justiça. Conforme dito alhures, toda essa engrenagem que é processo, responsável pela sustentação da paz social, apenas funcionará satisfatoriamente acaso comandada por um artífice que dela conheça profundamente e que tenha consciência de sua importante missão. As leis, por mais inovadoras que sejam, apenas têm eficácia, diante de situações litigiosas, quando corretamente manejadas pelos seus aplicadores. A discussão sobre efetividade do processo passa, portanto, necessariamente pela postura que os magistrados devem adotar para garanti­la. De que adiantaria, pois, a consagração legislativa de institutos como a tutela antecipada ou a tutela inibitória, se não aplicadas por juízes refratários à sua existência? E de que valeria toda a preocupação com o acesso à justiça aos menos abastados, se o magistrado não vislumbrasse a gritante situação de desigualdade existente no processo? O processo será tanto mais acessível quanto mais for interpretado pelo magistrado, enquanto maestro da orquestra, como apenas um instrumento 10 DINAMARCO, 1993, p. 271.
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predestinado a determinados fins, dentre os quais se destaca como o mais importante a pacificação social. José Carlos Barbosa Moreira ratifica: O que se acaba de dizer põe de manifesto quão importante, para a efetividade social do processo, é a maneira por que conduza o órgão judicial. A lei concede ao juiz muitas oportunidades de intervir no sentido de atenuar desvantagens relacionadas com a disparidade de armas entre litigantes. Todavia, uma coisa é o que reza a lei, outra o que dela retira o órgão processante 11 . Está­se a tratar aqui de verdadeira postura mental, que não se obtém nos bancos de faculdade ou na leitura acrítica de livros como preparação para o concurso de ingresso na carreira. Ela advém de uma sensibilidade à realidade social em que se vive e, principalmente, da consciência de que se é peça fundamental a contribuir para a pacificação social. Corroborando o que aqui se afirma, José Renato Nalini aduz: Imbuir­se do espírito de juiz que se propõe a ampliar o ingresso das pessoas à proteção da Justiça é resultado de desforço meramente pessoal. É o íntimo de suas convicções, a cena de batalha em que se contrapõem argumentos propendentes à visão clássica do julgador passivo e neutro e a assunção de um compromisso real com a concretização da justiça 12 . A visão de que se está a exercer um munus publico de destaque para garantir o funcionamento harmônico da sociedade há de ser o vetor da atuação judicial e a paz social, seu lema. Neste diapasão, mister, pois, superar a ilação equivocada, em que incorrem muitos magistrados, de que a postura supra partes, formulada tão tecnicamente por Niceto Alcalá­Zamora Y Castillo, porém muitas vezes desvirtuada, coloca­os, pessoalmente, em situação de superioridade frente às partes. Em outras palavras, é preciso afastar­se a vaidade que acomete alguns membros da magistratura e que deveras os distancia, infelizmente, da população mais humilde. 11 MOREIRA, 2004, p. 25. NALINI, José Renato. O ju iz e o acesso à just iça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p.53.
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99 Ora, em termos pessoais, juízes e partes estão num mesmo plano. Inexistem graus de mérito ou de hierarquia que os diferenciem. Colocar­ se o juiz em patamar superior, forjado em razão do cargo que ocupa, constitui­se em postura atentatória aos interesses sociais que legitimam a sua atuação. Tal comportamento acarreta um indesejável, porque perigoso, isolamento do magistrado e o conseqüente afastamento de pessoas, porque intimidadas, do Poder Judiciário, em claro prejuízo ao pleno acesso à justiça. Destarte, afastadas as mencionadas influências psicológicas, resta ao magistrado, na qualidade de servidor público, valer­se de seu poder­ dever, devidamente consciente da relevância de sua função, para prestar da forma mais eficaz possível o seu mister, servindo, é claro, de agente facilitador do acesso à justiça. E, aqui, para além de uma efetividade do processo, está­se a tratar de uma instrumentalidade da jurisdição, que é o que pretende demonstrar Cândido Rangel Dinamarco, ao formular suas reflexões em sua famosa obra 13 . Adotando comportamentos como os de orientar a população quando demandado fora do processo; imbuir­se de conhecimentos de outros ramos do saber humano, tais como sociologia e ciência política; utilizar­se plenamente de seus poderes de instrução ex officio para compensar as desigualdades entres os litigantes – isto é, aplicar o ideal da justiça aristotélica; empenhar­se em uma conciliação vantajosa para ambas as partes; sensibilizar­se aos apelos do meio­ambiente, todos são exemplos do quanto pode a atuação judicial se aproximar da efetividade da jurisdição, pois, “na verdade, nenhum sistema processual, por mais bem inspirado que seja em seus textos, se revelará socialmente efetivo se não contar com juízes empenhados em fazê­lo funcionar nessa direção” 14 . Não se está aqui, conforme esclarecido na introdução desta obra, a fechar os olhos ao postulado da imparcialidade, que, de tão intrínseca à função jurisdicional, sequer pode ser desta imaginariamente dissociada, como verdadeira cláusula pétrea a ela aderida. Relevadas as dificuldades que a realidade do sistema judiciário brasileiro impõe, tanto em termos de volume excessivo de processos, quanto 13 Segundo o autor, “inicialmente, a instrumentalidade de que se fala não é a do processo, como instituto do direito processual, a um outro instituto do próprio direito processual, que é a jurisdição”, op. cit., p. 265. 14 MOREIRA, 2004, p. 26.
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no que pertine à falta de estrutura, o alcance do ideal de efetividade da jurisdição está a depender, em grande parcela, da mudança de postura judicial aqui vislumbrada, cujo alcance apenas a vontade do próprio magistrado pode determinar. 4. Consider ações finais O principal mote desta obra se cingiu à preocupação com o acesso à justiça e sua conformação na realidade sócio­jurídica brasileira, com enfoque na primordial contribuição do magistrado ao ideal de efetividade da função jurisdicional. Buscou­se traçar um panorama da evolução do direito processual civil, passando pelas primeiras manifestações da preocupação com o acesso à justiça, voltando­se, neste particular, um olhar sobre a perspectiva brasileira e as mudanças introduzidas na legislação nacional para facilitar a tutela de direitos, para, enfim, chegar­se às reflexões acerca da postura do magistrado como agente facilitador do acesso. Ao final de todas estas constatações, vê­se o quanto a intensa transformação social, ocasionada pela evolução das ciências e das idéias, provocadora do surgimento de relações jurídicas cada vez mais complexas e pertinentes a objetos antes inimagináveis, tem total implicação na maneira como o sistema jurídico deve se comportar. Este deve estar pronto para assimilar todas estas inovações e as jurisdicizar, sem deixar margem ao envelhecimento, e conseqüente inocuidade, de suas previsões. O Direito deve, assim, acompanhar as novas composturas da civilização, num intenso processo dialético. Numa dimensão mais particularizada, a assimilação das alterações deve se fazer presente também no Direito Processual Civil, cuja resposta às mudanças sociais deve ser tão expedita quanto estas. Este reclamo vem como conseqüência de seu principal escopo, a pacificação social, que apenas será alcançada quanto mais especificamente o processo tratar as novas situações. O papel do juiz, neste contexto, é crucial, vez que é de sua responsabilidade trazer ao processo as inovações legislativas por que este passa. É o magistrado o principal artífice da “adaptação” do processo aos anseios sociais. Sendo assim, quanto mais consciente for de sua missão, mais efetiva será sua contribuição ao alcance do ideal acesso à justiça.
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101 Refer ências bibliogr áficas AL CALÁ­ ZAM OR A Y CAST ILH O, Nicet o. P r oces o, autocomposición y autodefesa (contr ibucion al est údio de los fines del pr oceso). México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2000. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teor ia Ger al do Pr ocesso. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. DI NAM AR CO, Câ ndido Ra ngel. A in st r u men t a lid a d e d o pr ocesso. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. GAMA, Ricar do Rodr igues. E fet ivid a d e d o Pr ocesso C ivil. Campinas: Bookseller, 2002. GRECO, Leonardo. O acesso ao Dir eito e à J ustiça. Disponível na Internet: «http://www.mundojurídico.adv.br». Acesso de 14 de maio de 2005. MARINONI, Luiz Guilherme. T écnica pr ocessual e tutela dos dir eitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. _____________. Novas L inhas do Pr ocesso Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. __ __ ___ __ ___ _. O C u st o e o Tem p o d o P r ocess o C iv il Br asileir o. Disponível na internet: «http: //www.mundojurídico.adv.br». Acesso em 12 de maio de 2005. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas d e dir eito pr ocessual civil: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
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103 A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE REGRAS E
PRINCÍPIOS EM HART, DWORKIN E ÁVILA Renan Paes Felix*
R esumo O presente estudo pretende analisar a evolução do conceito de regras e princípios nas obras de Herbert Hart, Ronald Dworkin e Humberto Ávila, pois representam diferentes gerações de estudiosos do assunto. Tenta­se demonstrar como ocorre a construção da doutrina dos princípios a partir de necessidades emergentes de uma sociedade cada vez mais complexa e pluralista. Para isso, nós ressaltamos as principais características da doutrina de cada autor, enfatizando a contribuição dada por eles para a evolução da teoria geral do direito, no que toca às regras e os princípios, facilitando a aplicação do direito ao caso concreto, especialmente nos chamados hard cases. Palavras­chave: regras; princípios; interpretação; casos difíceis; positivismo; lei. Abstr act The present study intends to analyze the evolution of the concept of rules and principles in the vision of Herbert Hart, Ronald Dworkin, and Humberto Ávila because they represent different generations of people who study this subject. We try to show the construction of the doctrine of the principles starting from the emerging needs of such a complex and pluralist society. For this, we highlighted the principal characteristics of the doctrine of each author, emphasizing the contribution that each one gives for the evolution of the general law theory, concerning rules and principles, facilitating the enforcement of the law to the concrete case, specially in the hard cases. Keywords: rules; principles; interpretation; hard cases; positivism; law. Sumário: 1. Introdução; 2. As regras para Herbert Hart; 3. As regras e os *Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Sócio do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional Estagiário da Defensoria Pública da União na Paraíba 104 PARAHY BA
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princípios para Ronald Dworkin; 4. As regras e os princípios para Humberto Ávila; 5. Considerações finais; 6. Referências. 1. Introdução Uma das notas características do direito é sua constante dinâmica. Constantemente emergem teorias que aperfeiçoam as anteriores e visam melhor descrever e equacionar a problemática do direito nos diversos ordenamentos jurídicos. Assim o foi desde a Antigüidade Clássica. Até hoje percebemos resquícios do tradicional direito romano, que estendeu sua esfera de influência por toda a plataforma européia e ainda perpetua suas idéias inclusive em nosso país, especialmente no direito privado. Como se sabe, a partir dos textos romanos, surgiram, na Idade Média, os glosadores, que passaram a comentá­los e estudá­los minuciosamente e a doutrina começa pouco a pouco a tomar forma. Nesse sentido, e reconhecendo que o direito se relaciona intrinsecamente com a sociedade e acompanha as suas mudanças, para buscar uma harmonia possível, as teorias jurídicas evoluíram. Diante das idéias iluministas, que alcançaram seu auge na Revolução Francesa, desenvolveu­se uma teoria que veio a mudar para sempre o direito: o positivismo. De acordo com os positivistas, o direito se confundia com o direito positivo, ou seja, com a lei. Desse modo, a legislação passou a ocupar um espaço de destaque no meio jurídico, e o Estado, através de seus legisladores, ficou incumbido do dever de criar o direito. Em decorrência dessa centralidade das regras jurídicas nos ordenamentos jurídicos modernos, não foram poucos os doutrinadores que se debruçaram sobre o tema, principalmente quando se percebeu que a doutrina positivista não era suficiente para disciplinar certas questões que surgiam no dia­a­dia das sociedades cada vez mais complexas. Com efeito, a multiplicidade de situações fáticas que emergem em um mundo extremamente dinâmico torna hercúlea a tarefa do legislador em criar regras sobre questões por vezes imprevisíveis. As possibilidades são infinitas, e os legisladores não podem ter o conhecimento de todas as possíveis circunstâncias que o futuro pode trazer. Por isso, o estudo sobre as regras jurídicas e sua aplicação é ponto nodal quando se fala em direito. 2. As regr as par a Her ber t Har t Herbert Hart, emérito professor da Universidade de Oxford, foi um dos estudiosos do direito que se deteve sobre o tema das regras. Sua obra
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105 paradigmática levou a um estudo mais aprofundado do tema, com críticas bastante construtivas de seus leitores, principalmente de Ronald Dworkin. Para Hart, o direito consistia apenas em regras jurídicas, com validade no sentido “tudo­ou­nada”. Essas regras, por buscarem a generalidade, possuem uma indeterminação de finalidade, estabelecendo, assim, as condições necessárias para que qualquer situação que se achar dentro de seu âmbito de aplicação se subjugue ao que determina seu conteúdo. De acordo com Hart, para aumentar o âmbito de aplicabilidade das regras, o Poder Legislativo pode estabelecer nelas padrões gerais de conduta e imprimir uma textura aberta, uma certa indeterminação de conceitos que venha a ser cuidadosamente interpretada durante a aplicação da regra ao caso concreto. A textura aberta do direito, segundo Hart (1994, p. 148), significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelo Judiciário, o qual determina a solução, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes, que variam em peso. O professor inglês ensina que diante de casos juridicamente não regulados onde não há decisão ditada pelo direito, ele apresenta­se parcialmente indeterminado ou incompleto, deixando­se aberto esse domínio para o exercício do poder discricionário pelo magistrado. Assim, para ele, em tais casos, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido, através do exercício de seu poder discricionário. É nesse ponto que deixa a desejar a emblemática doutrina de Hart, pois as atuais exigências de segurança jurídica em um Estado de Direito não chancelam tal discricionariedade. Faz­se mister que haja uma limitação, uma restrição para que o magistrado possa atuar com segurança, mesmo nos casos imprevisíveis. Surge, nesse ponto, a genialidade de Dworkin, para aperfeiçoar a teoria hartiana, trazendo à baila a discussão sobre os princípios jurídicos. Tema esse que veio a mudar completamente os paradigmas dos sistemas jurídicos contemporâneos. Para isso, ele fez um ataque geral ao Positivismo. O delineamento entre normas do tipo regra e normas do tipo princípios foram um marco na sofisticação da teoria normativa. 3. As regras e os princípios para Ronald Dworkin Para Dworkin, os princípios jurídicos desempenham um papel importante e distintivo no raciocínio jurídico e no julgamento de casos concretos trazidos ao Poder Judiciário. Ele propõe um conceito forte de princípio, considerando sua importância no sistema jurídico para exercer o controle nas decisões judiciais nos casos difíceis, onde as regras não foram suficientes para pôr termo ao conflito. Dworkin
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combate implacavelmente o positivismo, que seria um modelo para um sistema de regras, e essa noção de uma única fonte de direito (a lei) obrigaria os juristas a desprezarem outros padrões que não as regras para a solução dos problemas. Como dito, o positivismo propugna a existência do exercício da discricionariedade judicial, reconhecendo a possibilidade de o juiz criar o direito, pois o conjunto de regras válidas esgotaria o conceito de direito. Indo de encontro a essas idéias, Dworkin entende que o sistema de princípios deve permitir que exista uma resposta correta também nos casos em que as regras não determinam a resposta para o caso. E essa resposta estaria limitada pelos princípios jurídicos que se aplicam ao caso, reduzindo, assim, a margem de discricionariedade em que o magistrado vai atuar, e trazendo maior segurança, certeza e eqüidade para as relações jurídicas. De acordo com o seu pensamento, as regras são aplicáveis em forma de tudo­ ou­nada, de modo que existem apenas duas possibilidades: ou a regra é válida, e deve­ se aceitar suas conseqüências jurídicas, ou não é válida e não influencia na decisão (1977, p. 25). Já os princípios não determinam necessariamente a decisão, mas proporcionam razões aplicáveis para uma ou outra decisão. O princípio argumenta em uma direção, mas não exige uma decisão em particular. É relevante ressaltar, ainda, que, para Dworkin, os princípios teriam uma dimensão de peso, que as regras não possuiriam, e essa dimensão mostrar­se­ia clara na colisão entre princípios, pois seria aplicado o princípio que tiver maior peso para solucionar o caso difícil. A dimensão de peso presente nos princípios permite uma argumentação diferenciada para a aplicação efetiva destes. Todo esse pensamento de Dworkin, que quebrou paradigmas, foi melhor sistematizado por Robert Alexy, conceituando melhor os princípios e esboçando uma metodologia para sua aplicação. Um grande avanço nesse sentido, de acordo com Cezne (2006, p. 60), foi o reconhecimento da aplicação da proporcionalidade aos conflitos entre princípios, pois abre­se espaço para uma aplicação mais balizada dos princípios, através de parâmetros racionais dirigidos ao julgador para a solução dos hard cases, temperando, assim, a discricionariedade e afastando o legalismo extremo. 4. As regras e os princípios para Humberto Ávila A dogmática jurídica evolui sempre no sentido de proporcionar maiores meios de controle da atividade estatal. Nesse prisma, representando excepcionalmente a doutrina nacional, o professor Humberto Ávila desenvolve um estudo sobre a teoria dos princípios, expondo criteriosamente essas espécies normativas e os parâmetros
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107 para sua aplicação, após um meticuloso levantamento da doutrina sobre a matéria. Para ele, as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Já os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção, conforme ensina Ávila (2005, p. 70). Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de uma finalidade. Porém, em sua obra, as regras não são desprezadas 1 . Humberto salienta que as regras possuem uma rigidez maior, na medida em que, para superá­las, é preciso que haja razões extraordinárias, com uma avaliação que perpassa o postulado da razoabilidade. Por isso, se houver um conflito entre um princípio e uma regra de mesmo nível hierárquico, deverá prevalecer a regra, e não o princípio, dada a função decisiva que qualifica a primeira. A regra, diz ele, consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de interesses e, por isso mesmo, deve prevalecer em caso de conflito com uma norma imediatamente complementar, como é o caso dos princípios (2005, p. 83). Como as regras possuem um caráter descritivo imediato, o conteúdo do seu comando é muito mais inteligível do que o comando dos princípios, cujo caráter imediato é apenas a realização de determinado estado de coisas. Com essa argumentação, Humberto Ávila desmonta aquelas afirmações que se tornaram lugar­comum na doutrina quando se afirma, por mera retórica, por vezes infundada, que violar um princípio é mais grave do que violar uma regra, pois os princípios condensam valores. Esse fato não justifica a afirmação em comento, pois os princípios e as regras possuem diferentes funções e finalidades e as regras não apenas incorporam valores, elas cristalizam­nos. Refletindo com acuidade, quanto maior for o grau de conhecimento prévio do dever, maior deve ser a reprovabilidade da transgressão. Nas regras, o grau de conhecimento do dever a ser cumprido é mais nítido do que no caso dos princípios, pois as regras descrevem comportamentos a 1 Na obra de Ronald Dworkin, o ataque às regras é mais incisivo pois se tratava de uma quebra de paradigmas, onde a crítica precisa ser bastante contudente. A assunção dos princípios não quer dizer que as regras perderam o seu valor para o direito, pelo contrário, continuam com sua importante função no sistema jurídico, como veremos adiante.
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serem seguidos. Assim, descumprir o que se sabe dever cumprir é mais grave do que descumprir uma norma cujo conteúdo ainda carece de maior complementação. A doutrina normalmente ensina que no conflito entre regras e princípios, deve prevalecer o princípio. No entanto, a argumentação de Ávila segue o percurso inverso. Para ele, se as normas forem de mesmo nível hierárquico e ocorrer um autêntico conflito, deve ser dada primazia à regra. Mas esse entendimento não é absoluto. Existe exceção plausível para se dar prevalência a um princípio constitucional em detrimento de uma regra constitucional. É o caso de ser constatada uma razão extraordinária que impeça a aplicação da regra. Ilustra­se. Em um conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e a regra que estabelece a ordem de pagamento dos precatórios. Nesse caso, propugna Ávila (2005, p. 85), a regra deixaria de ser aplicada, pois existe uma razão extraordinária que impede sua aplicação, levando em consideração o postulado da razoabilidade. Destarte, fica nítido que os princípios são normas cuja qualidade frontal é a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que a característica dianteira das regras é a previsão do comportamento. São normas com diferentes funções, mas que se complementam, com o desiderato de trazer uma efetiva aplicação do direito em qualquer caso concreto que aparecer. Por isso que os princípios, na visão de Humberto, não têm pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão. Já as regras são normas preliminarmente decisivas, pois têm a pretensão de gerar uma solução específica para dado conflito. São exatamente os casos difíceis, os hard cases, que todas essas teorias do pós­positivismo vem buscar solucionar. Frente a eles, o positivismo se viu impotente e tornou­se ultrapassado. Assim, o objetivo desse minucioso estudo das regras e princípios é, principalmente, o de determinar a decisão mais adequada, mais razoável para os casos difíceis, evitando o arbítrio para o magistrado e trazendo maior segurança e justiça para os jurisdicionados. Por isso que o pós­ positivismo desloca, de acordo com Amorim (2006, p. 100), o centro de atenção do legislador para o magistrado, ou mais precisamente, para a decisão jurídica. Além disso, no pós­positivismo, há uma reaproximação entre Direito e Moral, mostrando que as questões morais são importantes para o raciocínio jurídico. Foi nesse ponto que os princípios jurídicos alcançaram a tão badalada normatividade, como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana, que tem sido invocado em inúmeros casos jurídicos.
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109 5. Considerações finais As regras e os princípios vieram para revolucionar a aplicação do direito, trazendo soluções mais racionais e razoáveis para os casos difíceis e, ainda, valorizando a materialidade do direito, não apenas seu formalismo. Desse modo, o juiz, ao decidir um caso difícil, estará limitado pelos princípios, que condensam os valores norteadores do ordenamento jurídico, condicionam a atividade do intérprete e, na medida do possível, dão unidade ao sistema jurídico. Por todo o exposto, percebe­se a essencialidade da distinção entre regras e princípios como espécies de normas jurídicas para a solução de todos os casos que são trazidos ao Poder Judiciário, pois neste sistema, como defende Manzato (2006, p. 161) há maior segurança e certeza jurídicas, além de uma valorização da Moral e da Ética na aplicação do direito. Tudo isto para que este, o direito, se consolide como um instrumento de efetivação da justiça e de proteção à dignidade da pessoa humana. 6. Refer ências AMORIM, Letícia Balsamão. O princípio do Estado de Direito à luz do pós­positivismo. in Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 52. 2006. pp. 91­112. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005. CEZNE, Andréa Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: uma análise comparativa das perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. in Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 52. 2006. pp. 51­67. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University Press, 1977. HART, Herbert. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1994.
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111 A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL QUANDO
REJEITADOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS PELO
TRIBUNAL A QUO: BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA
DO PREQUESTIONAMENTO
Dimitri Luna de Oliveira* R esumo O presente artigo tem por objeto a análise prática do requisito do prequestionamento, para admissibilidade do recurso especial, quando rejeitados embargos declaratórios pelo tribunal a quo. Sugere­se a argumentação a ser desenvolvida no apelo raro, tendo­se em vista o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca daquele requisito de admissibilidade, fazendo­se, ao final, uma ponderação entre a postura do STJ e do STF sobre o prequestionamento, considerando­se a hipótese de a instância ordinária persistir em não sanar a omissão indicada no recurso integrativo. Abstr act The objective of this article is to analyse the pragmatism of the requirement of the prequestioning for the admission of special appeal when declaratory embargoes are rejected by court a quo. In this case, it is suggested that the argumentation should be developed in rare appeal, having in sight the doctrinal and jurisprudencial positioning concerning that requirement of admission, becoming, to the end, a balance between the position of the STJ and the STF on the prequestioning, considering the hypothesis of the ordinary instance to persist in not curing the omission indicated in the declaratory embargoes. 1. Consider ações iniciais Como se sabe, para o conhecimento do recurso especial, assim como para o recurso extraordinário, impõe­se a satisfação de vários requisitos de admissibilidade, dentre os quais se destaca o do prequestionamento. Assessor de Procurador Regional da República, Advogado. 112 PARAHY BA
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Dito pressuposto deita r aízes no texto constitucional, mais precisamente no art. 105 1 da Constituição, onde se confia ao Tribunal Superior o mister de “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância”, exigindo, de tal sorte, que a matéria já tenha sido objeto de apreciação prévia. A par da disposição constitucional, seu disciplinamento também se faz através de sedimentada jurisprudência, condensada que se encontra no enunciado n. 282 2 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe ser “inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. De se ver que o prequestionamento advém do próprio conceito de causa decidida, seja em última ou única instância, como prevê a Constituição. Logo, para que o Tribunal Superior possa conhecer do apelo raro, é indispensável que a questão tenha sido objeto de apreciação pela instância a quo, tendo­se esgotadas todas as espécies recursais cabíveis perante aquele grau de jurisdição, sob pena de não se poder conhecer do recurso por ausência de prequestionamento. Do contrário, estar­se­ia a empreender indevida supressão de instância, apreciando­se e decidindo­se sobre pontos estranhos à decisão verberada e, portanto, insusceptíveis de impugnação pela via especial ou extraordinária. Vicente Greco Filho (1995, p. 323­324), discorrendo sobre este pressuposto, ressalta que: O prequestionamento refere­se à matéria objeto do recurso e, também, ao fundamento da interposição. Não é possível, portanto, a apresentação de matéria ou fundamentos novos, por mais relevantes que sejam, que não tenham sido objeto de exame expresso na decisão recorrida do tribunal a quo. A questão tormentosa, objeto do presente estudo, exsurge quando o tribunal recorrido, instado por meio de embargos de declaração, queda­se renitente em suprimir eventual omissão no acórdão a ser impugnado pela via do recurso especial, pois o STJ, ao contrário do que entende o STF, não tem acatado o prequestionamento ficto, devendo o recurso, por tal razão, desdobrar­se em duas frentes sucessivas, atacando a decisão que negar provimento aos embargos, bem como o próprio acórdão embargado, que constitui o pronunciamento principal, continente da matéria de fundo.
1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br
/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 14 nov. 2006.
2
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 282. Disponível em: <http://www.stf.gov.br /
jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 14 nov. 2006.
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113 2. Da interposição de recurso especial por contrariedade ao art. 535, II do CPC Quando o acórdão recorrido omitir­se em determinado ponto, sobre o qual deveria pronunciar­se, deverá a parte interessada, para fins de prequestionar a matéria, interpor embargos declaratórios, com espeque no art. 535, II 3 do CPC, para que, desta forma, possa satisfazer o requisito necessário para o manejo do recurso especial pretendido. Se não for oposto o recurso integrativo, a causa não estará madura para ser alçada, pela via do especial, à instância superior. Entretanto, interpostos os embargos, e não acolhidos pelo tribunal, surge para o interessado um obstáculo de ordem processual, posto que a matéria principal, que deveria ser objeto do apelo extremo, não poderá subir ao STJ, já que esta Corte Superior, através da súmula n. 211 4 , entende não haver o necessário prequestionamento “quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. Desta forma, se a instância ordinária, mesmo com a interposição de recurso integrativo, não suprimir a omissão reportada nos declaratórios, incorrerá em contrariedade ao art. 535, II, do CPC, que determina a integralização do julgado quando o órgão julgador omitir­se sobre ponto cujo pronunciamento era dado fazê­lo. A jurisprudência do STJ, inclusive, já pacificou o seu entendimento sobre o tema, podendo­se colher de seu repositório a informação de que, se a omissão persistir, malgrado a interposição dos embargos declaratórios, o recurso especial deverá “dirigir­ se contra eventual violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sob pena de se concluir que a matéria debatida não restou decidida” 5 . Na mesma linha, segue importante precedente do STJ 6 , no qual o Relator, Ministro Franciulli Netto, entendeu que o recurso especial deve suscitar contrariedade ao art. 535, II do CPC, quando o tribunal a quo, provocado por embargos declaratórios interpostos com o fim de prequestionar a matéria, não extirpar a omissão do julgado recorrido, sendo de rigor a transcrição de trecho da ementa, assim vazado:
3
Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) [...]
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.950,
de 13.12.1994). BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 14 nov. 2006.
4
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 211. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/
pesquisar.jsp>. Acesso em: 14 nov. 2006.
5
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp - Recurso Especial – 603171.
Processo: 200301987175. Segunda Turma. Data da decisão: 03/08/2004. Relator(a) Franciulli Netto.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=603171&&b=ACOR&p=
true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 14 nov. 2006
6
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AGRESP - Agravo Regimental no Recurso Especial – 465075.
Processo: 200201171441. Segunda Turma. Data da decisão: 04/05/2004. Relator(a) Franciulli
Netto.
Disponível
em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/
doc.jsp?livre=465075&&b=ACOR&p= true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 14 nov. 2006..
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[...] Ante a omissão do acórdão recorrido, ao recorrente cabia interpor embargos de declaração e, caso persistisse tal omissão, imprescindível a alegação de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando da interposição do recurso especial com fundamento na alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, sob pena de incidir no intransponível óbice da ausência de prequestionamento. Dess a f or ma, ainda que o pr equ est ionament o decor r a do pronunciamento do Tribunal a quo, em razão dos limites estabelecidos pelo pedido e pela causa de pedir, certas matérias, necessariamente, devem ser suscitadas pelas partes, de modo que, caso não argüidas, não há omissão real a ser suprida. Agravo interno a que se nega provimento. (grifo nosso) Destarte, não há dúvidas quanto ao cabimento do especial para sanar a violação ao art. 535, II do CPC, quando a instância inferior, rejeitando embargos declaratórios oportunamente oferecidos, persistir omissa em apreciar questão sobre a qual deveria se pronunciar, seja em decorrência do princípio dispositivo (se a causa for de sua competência originária) ou do efeito devolutivo (se a matéria tiver sido devolvida ao conhecimento do tribunal através do recurso competente). Assim, o recurso especial, na hipótese em apreço, deverá suscitar, inicialmente, contrariedade ao art. 535, II do CPC, para que o STJ, em acolhendo a pretensão primeira, anule o acórdão recorrido e determine a baixa dos autos para que o tribunal a quo se pronuncie sobre o ponto omisso, já que àquela Corte Superior é defeso apreciar matéria não prequestionada, na forma das súmulas ns. 282 do STF e 211 do STJ. 3. Da inter posição de r ecur so especial com a impugnação da matér ia de fundo Como visto, entende o STJ, na esteira da súmula n. 211, que a rejeição dos embargos de declaração prejudica o conhecimento da matéria principal, de modo que a parte deve suscitar, no recurso especial, ofensa ao art. 535, II do CPC, cujo resultado prático, se provido o apelo raro, poderá ser a desconstituição do acórdão para que outro seja proferido
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115 pelo tribunal a quo, desta vez, com a apreciação do ponto omisso. Entretanto, apresenta­se imperioso verificar que a questão de fundo, mesmo com a rejeição dos declaratórios, pode ser objeto de recurso especial, em que pese o entendimento expresso na súmula n. 211 do STJ. De fato, é preciso considerar que as conseqüências da rejeição do recurso integrativo não podem ser expiadas pela parte recorrente, pois culpa alguma tem ela no posicionamento da instância inferior, a qual, entendendo não haver omissão a colmatar, dificultou a obtenção, desejada pelo interessado, do manifesto prequestionamento. Há de se obtemperar o entendimento jurisprudencial de que, rejeitados os embargos declaratórios, não se teria o prequestionamento da matéria de fundo, inviabilizando a sua discussão pela via do recurso especial. A necessidade de satisfação de tal requisito de admissibilidade não pode suplantar a instrumentalidade, celeridade e eficiência processual, tampouco cercear a Corte Superior de seu precípuo mister, conforme revela a doutrina de José Saraiva (2002, p. 251): É mais importante a tentativa de reparar erro nas decisões inferiores do que preocupar­se com situação até certo ponto secundária. Os Tribunais – Supremo ou Superior – não podem ficar cerceados em suas missões relevantíssimas, deixando persistir resultado contrário à ordem jurídica por omissão apenas imputável a uma das partes do processo, que não agiu como tinha a faculdade. A finalidade precípua de um recurso é sanar erro na decisão atacada ou então mantê­la, dando­lhe mais força para ser executada. Logo, o tão decantado prequestionamento não deverá ter influência decisiva na solução do processo, obstando o andamento normal com o julgamento final do tema debatido. Não se pode negar à parte a faculdade de buscar o STJ, a fim de ver reapreciada a matéria principal, devendo flexibilizar­se, sutilmente, o requisito do prequestionamento, pois se foram interpostos embargos declaratórios contra a omissão detectada, e o tribunal insiste em não suprimi­la, ao interessado não se deve obstar a via do recurso especial para se discutir a questão, pois a parte, diligente em sua pretensão, valeu­se dos instrumentos processuais de que dispunha, não restando mais nada a fazer, diante da relutância em integralizar o julgado, senão buscar a Corte Superior de Justiça para ver apreciada a quaestio juris.
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No ponto, adverte Mancuso (2003, p. 239): Sem embargo, alguns doutrinadores seguem manifestando justificado inconformismo ante a praxis judiciária que, no plano prático, acaba por fazer repercutir sobre o recorrente as conseqüências da omissão ou do error in procedendo do Tribunal a quo, renitente em pronunciar­se acerca da matéria federal ou constitucional, apesar de a tanto ser instado pelos embargos declaratórios. Para ilustrar o argumento, imagine­se a seguinte hipótese: Considere­se que determinado recorrente, supondo não haver prequestinamento quanto à matéria omitida, haja vista a rejeição dos embargos declaratórios pelo tribunal recorrido, interponha, no prazo legal, recurso especial sustentando, apenas, violação ao art. 535, II do CPC, tendo em vista o teor da referida súmula n. 211. Processado o feito, decide o STJ não haver qualquer omissão no acórdão hostilizado, julgando desprovida a pretensão recursal. Diante da hipótese acima, verifica­se um ônus insuportável que à parte não pode ser atribuído. Com efeito, se se entendeu inexistente a omissão alegada nos embargos, é porque a matéria, supostamente omissa no acórdão recorrido, fora enfrentada pelo tribunal a quo. Portanto, haveria o necessário prequestionamento, mesmo que implícito fosse, como já entendeu o próprio STJ (REsp 106.671 7 ). Em vista disto, a parte, de todo inocente, seria prejudicada, porque não mais teria a oportunidade processual para, pertinente à questão objeto dos embargos, interpor o recurso especial, pois “ uma vez já exercido o direito de recorrer, consumou­se a oportunidade de fazê­lo” (NERY JÚNIOR, 2004, p. 192). De outro norte, frustrar­ se­ia a apreciação, pelo STJ, da matéria federal supostamente não prequestionada. É por esta razão que se deve interpor o recurso especial, em casos que tais, com dupla fundamentação, alegando­se, primeiramente, a contrariedade ao art. 535, II do CPC, pleiteando­se a nulidade da decisão guerreada, para que outra seja proferida com a apreciação do ponto omisso, evitando­se, desta forma, que a pretensão, com base no art. 557 8 do CPC, inclusive, possa ser, de pronto, denegada por ofensa à súmula n. 211. Na mesma peça, sucessivamente, deve­se provocar o conhecimento da matéria de fundo, pois se o STJ entender inexistente qualquer omissão, sendo, portanto, evidente
7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP - Recurso Especial – 106671 Processo: 199600558191.
Terceira Turma. Data da decisão: 10/03/1997. Relator(a) EDUARDO RIBEIRO. Disponível em:
< h t t p : / / w w w . s t j . g o v . b r / S C O N / j u r i s p r u d e n c i a /
doc.jsp?livre=106671&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 16 nov. 2006.
8
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal,
do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998). BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 14 nov. 2006.
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117 o prequestionamento, poderá ele debruçar­se sobre a questão principal; razão maior do recurso especial. Ao cuidar da temática, em que, interposto recurso integrativo, não se colmatou a omissão suscitada, adverte Nery & Nery (2003, p. 238­239) que: Persistindo o tribunal na omissão, cabem novos EDcl ou, por derradeiro, Resp por ofensa ao CPC 535. Neste último caso, o Resp deve ter como matéria de mérito a violação ao dispositivo legal sobre o qual o acórdão se omitir de decidir [...], bem como a violação do CPC 535, sob pena de não conhecimento pelo STJ. (grifo nosso) A cautela recomenda, como se apreende, que a parte colha da oportunidade de recorrer ao STJ e o faça com dupla fundamentação, invocando ofensa ao art. 535, II do CPC e, sucessivamente, promovendo o conhecimento da questão principal, a ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça se este negar provimento à primeira alegação, já que, inexistindo omissão, ter­se­á o prequestionamento da matéria e, satisfeito este requisito de admissibilidade, poderá ela ser objeto de análise pela instância ad quem. 4. Da necessidade de se admitir o prequestionamento ficto no recur so especial Na prática forense, a prudência aconselha que se interponha o recurso especial na forma acima indicada, isto é, suscitando contrariedade ao art. 535, II do CPC, bem como devolvendo ao STJ o conhecimento dos pontos primordiais da irresignação. Todavia, a posição daquele Tribunal Superior quanto ao requisito do prequestionamento precisa ser revista, a fim de que a exigência de tal pressuposto seja flexibilizada, a exemplo do que o Supremo já vem fazendo. Neste sentido, tratando da mesma questão, entende o STF que, rejeitados os embargos declaratórios, interpostos em face da omissão, tem­se por prequestionada a matéria, sendo cabível o recurso extraordinário, conforme se depreende da interpretação, contrariu sensu, da súmula n. 356 9 , cuja inteligência revela que “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Extrai­se do referido enunciado que, existindo omissão no acórdão, dito pressuposto de admissibilidade resta atendido no instante em que a parte interpõe os devidos embargos de declaração, não sendo necessário, por isso, sustentar
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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 356. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/
jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 14 nov. 2006.
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eventual negativa de prestação jurisdicional, ou, no caso do recurso especial, contrariedade ao art. 535, II do CPC, sendo este o chamado prequestionamento ficto, aceito pelo STF na súmula n. 356 e rejeitado pelo STJ na súmula n. 211. A respeito, leciona Miguel Francisco Urbano Nagib (2003, p. 238): [...] embora não exista no acórdão recorrido, tem­no a Suprema Corte por satisfeito, enquanto pressuposto recursal, se a parte procurou obter a explicação dos temas debatidos no extraordinário, através da pertinente oposição de embargos declaratórios. Nesta mesma linha, afirma Jorge Tosta (2003, p. 239) que se deve “[...] considerar preenchido o requisito do prequestionamento com a simples oposição dos embargos declaratórios, já que a persistência na omissão não pode ser atribuída à parte”. A jurisprudência do STF, doutra ponta, é pacífica em aceitar o prequestionamento ficto quando a questão, reavivada nos embargos declaratórios, não é enfrentada pela instância ordinária, tendo­se “por pr equestionada a matér ia, par a viabilizar o r ecur so extr aor dinár io, ainda que se r ecuse o Tr ibunal a quo a manifestar ­se a r espeito” 10 (grifo nosso). Nesta mesma linha, eis o precedente abaixo 11 : EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração. A rejeição dos embargos não impede que, no julgamento do recurso extraordinário, se considere prequestionada a matéria neles veiculada, como resulta, a contrario sensu, da Súmula 356, desde que sobre essa matéria tivesse de pronunciar­se o órgão julgador. A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recusa a suprir a omissão, por entendê­la inexistente, nada mais se pode exigir da parte. [...] (grifo nosso)
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 266397/PR – Recurso Extraordinário. Relator(a): Min.
Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. Publicação: DJ Data-07-05-04. Disponível em: <http://
www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 16 nov. 2006.
11
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 214724/RJ – Recurso Extraordinário. Relator(a): Min.
Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. Publicação: DJ Data-06-11-1998. Disponível em: <http://
www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 16 nov. 2006.
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119 Conforme se vê a “olhos desarmados” 12 , o Supremo, através da súmula n. 356, assentou o entendimento, diversas vezes reiterado, de que o prequestionamento satisfaz­se, tão­só, com a interposição de embargos declaratórios contra o ponto omisso no acórdão recorrido, sendo irrelevante o seu acatamento para a interposição do competente recurso extraordinário, o que, inegavelmente, pode­se aplicar ao caso do recurso especial, posto que ambos retiram da constituição o mesmo requisito de admissibilidade, não sendo razoável haver duas interpretações para um mesmo pressuposto. Com o denodo de costume, o Ex­Ministro do STJ, Athos Gusmão Carneiro (2001, p. 33), tratando da divergência jurisprudencial existente entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, destaca que: Rogando vênia, quer­me parecer seria altamente conveniente a adoção, também pelo Superior Tribunal de Justiça, da orientação do Pretório Excelso, a bem da celeridade, instrumentalidade e eficiência do processo – objetivos maiores que devemos sobrepor a considerações de ortodoxia doutrinária. (grifo nosso) Em verdade, seria interessante que o STJ adotasse o entendimento do STF sobre o prequestionamento, admitindo­se, assim como o faz a Corte Suprema, a sua satisfação com o oferecimento do recurso integrativo, não se impondo à parte um ônus que não lhe cabe, frustrando o acesso às instâncias superiores por meio de uma interpretação formalista de um pressuposto constitucional, que o próprio STF, guardião da Carta Política, já cuidou em flexibilizar. 5. Consider ações finais À vista do exposto, pode­se concluir que o recurso especial, quando rejeitados, pelo tribunal a quo, embargos declaratórios com desiderato prequestionador, deve desdobrar­se em dupla e sucessiva fundamentação. Primeiramente, faz­se necessário suscitar contrariedade ao art. 535, II do CPC, para que o acórdão hostilizado venha a ser desconstituído a fim de que outro seja lavrado pela instância ordinária, tendo em vista o que dispõe a súmula n. 211, a partir da qual o STJ, em tais circunstâncias, exige que o recurso especial enfrente a negativa de integralização do julgado pelo tribunal recorrido, pois, do contrário, a pretensão recursal corre o risco de ser peremptoriamente desprovida, mediante decisão do próprio relator, que poderá aplicar, ao caso, o art. 557 do CPC.
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Expressão cunhada pelo Ministro do STJ César Asfor Rocha no julgamento dos Edcl. REsp. 43.232.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=43232&&b=
ACOR&p=true&t =&l=10&i=3>. Acesso em: 14 nov. 2006.
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Consecutivamente, deve devolver­se ao STJ a discussão jurídica do ponto supostamente omisso, pois se aquela Corte não der provimento ao primeiro pleito, entendendo, assim, que o acórdão atacado não incorreu em omissão, ter­ se­á por prequestionada a matéria, encontrando­se a questão, portanto, apta a ser submetida a julgamento pelo Tribunal ad quem. Por fim, cabe a reflexão de que o entendimento sobre tal requisito de admissibilidade deve ser uniformizado, conferindo­se ao prequestionamento um alcance simétrico e invariável, o que será possível mediante a flexibilização da súmula n. 211 do STJ, a qual, para este propósito, deveria se harmonizar ao enunciado n. 356 do STF, aplicando­se, em ambos os Sodalícios, a inteligência do prequestionamento ficto, que se constitui com a simples interposição dos embargos de declaração, sendo indiferente, para a admissibilidade do recurso, a negativa do tribunal em extirpar a lacuna apontada nos declaratórios. 6. Refer ências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 14 nov. 2006. ________. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 14 nov. 2006 _______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 211. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/ pesquisar.jsp>. Acesso em: 14 nov. 2006. ________. Superior Tribunal de Justiça. REsp ­ Recurso Especial – 603171. Processo: 200301987175. Segunda Turma. Data da decisão: 03/08/ 2004. Relator(a) Franciulli Netto. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/ S C O N / j u r i s p r u den ci a / d o c. js p ?l i vr e= 6 0 3 1 7 1 & & b = A C O R & p = true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 14 nov. 2006. ________. Superior Tribunal de Justiça. AGRESP ­ Agravo Regimental no Recurso Especial – 465075. Processo: 200201171441. Segunda Turma. Data da decisão: 04/05/2004. Relator(a) Franciulli Netto. Disponível em: <http://www.stj.gov.br /SCON/jur ispr udencia/ doc.jsp?livre=465075&&b=ACOR&p= true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 14 nov. 2006.
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121 ________. Superior Tribunal de Justiça. RESP ­ Recurso Especial – 106671 Processo: 199600558191. Terceira Turma. Data da decisão: 10/03/1997. Relator(a) EDUARDO RIBEIRO. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/ S C O N / j u r i s p r u d e n c i a / doc.jsp?livre=106671&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 16 nov. 2006. ________. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 282. Disponível em: <http://www.stf.gov.br /jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 14 nov. 2006. ________. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 356. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 14 nov. 2006. ________. Supremo Tribunal Federal. RE 266397/PR – Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. Publicação: DJ Data­07­05­04. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 16 nov. 2006 ________. Supremo Tribunal Federal. RE 214724/RJ – Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. Publicação: DJ Data­06­11­1998. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ jurisprudencia/nova/pesquisa.asp>. Acesso em: 16 nov. 2006. CARNEIRO, Athos Gusmão. Recur so especial, agr avos e agr avo inter no. Rio de Janerio: Forense, 2001. p. 33. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil br asileiro. 9ª ed., v. 2, São Paulo: Saraiva, 1995. p. 323­324. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recur so extr aor dinár io e r ecur so especial. 8ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 239. NERY JÚNIOR, Nelson. Teor ia ger al dos recur sos. 6 ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 192. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Apud. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 238­239. NAGIB, Miguel Francisco Urbano. Apud. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 238.
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SARAIVA, José. Recur so especial e o STJ . São Paulo: Saraiva, 2002. p. 251. TOSTA, Jorge. Apud. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Idem, p. 239.
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123 A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL Ana Carolina Nóbrega de Paiva Cavalcanti*
Resu mo O presente trabalho visa a entender o instituto da coisa julgada quando eivado do vício de constitucionalidade, defendendo a possibilidade de desconstituição da decisão judicial quando não compatível com o ordenamento constitucional. A relativização da coisa julgada, por inconstitucionalidade, se dá por meio uma interpretação literal do próprio texto da Constituição Federal que mais se amolde aos anseios de justiça e de igualdade que tanto inspiram o Direito em todo o mundo. Em nenhum momento, há intenção de extinguir a coisa julgada, ou mesmo de retirar sua força, afinal ela é um dos canais de materialização do Princípio da Segurança Jurídica, imprescindível ao Estado Democrático de Direito. A fundamentação jurídica da coisa julgada inconstitucional baseia­se no Princípio da Supremacia da Constituição, no Princípio da Harmonia e Equilíbrio entre os Poderes do Estado, vedando tratamento diferenciado a qualquer dos Poderes e no Princípio da Ponderação, o qual preceitua que quando houver colisão entre princípios constitucionais deve­se aplicar aquele que têm maior peso e relevância para solucionar o conflito, da maneira mais justa e correta de todas. Por fim, toda essa abordagem só é possível porque se acredita que o instituto da coisa julgada tem natureza infraconstitucional, bem como seu caráter de imutabilidade, salvo os casos de irretroatividade da lei, por se tratar de uma garantia fundamental, assegurada na própria Carta Magna. Palavras­chaves: Coisa julgada. Inconstitucionalidade. Desconstituição. Princípio da Constitucionalidade. Princípio da Ponderação. Abstr act The relativization of the thing judged, by inconstitutionality, happens by means of a literal interpretation of the text of the Federal Constitution itself that best suits the wishes for justice and equality which inspire Law all over the world. In no moment is there the purpose of extinguishing the thing judged, or even to withdraw its force. * Formada pela Universidade Federal da Paraíba Advogada; Juíza Conciliadora da 7ª Vara da Justiça Federal seccional Paraíba Especializanda em Direito Processual Civil pela Universidade Amec Trabuco 124 PARAHY BA
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After all, it is one of the channels of materialization of the Principle of Juridical Security, which is indispensable in the Democratic State of Law. The juridical basis of the thing that is judged as inconstitutional relies on the Principle of Supremacy of the Constitution, on the Principle of Harmony and Balance between the Powers of the State, prohibiting differentiated treatment to any of the Powers and on the Principle of Weighing, which establishes that when there is collision between constitutional principles one should apply that which is more relevant for resolving the conflict, in the fairest and most correct way of all. Finally, all this approach is only possible because one believes that the institute of the thing judged has an infraconstitutional nature, except in the cases of iretroactivity of the law, as it is a fundamental guarantee assured in the Magna Carta itself. Key words: Thing judged. Inconstitutionality. Desconstituition. Principle of Constitutionality. Principle of Weighing 1. Noções de Coisa J ulgada Antes de iniciarmos o estudo sobre a Coisa Julgada Inconstitucional, é importante lembrarmos o que é a coisa julgada e quais as suas principais peculiaridades, para, então, compreendermos a sua posição quando eivados de vícios constitucionais. Sabe­se que cabe ao Poder Judiciário a função de jurisdição, proferindo uma decisão a fim de dirimir o conflito levantado pelas partes do processo. A decisão do juiz monocrático encerra a atividade jurisdicional nesta instância, podendo a questão ser levada à instância superior, por meio de recurso adequado. Enquanto houver possibilidade de modificação da decisão por meio do recurso, o Estado não terá concluído seu objetivo maior que é promover a pacificação dos conflitos. Porém, a partir do momento que a decisão não puder mais ser alterada, diz­ se que a mesma transitou em julgado e fez coisa julgada. Segundo Chiovenda “a coisa julgada é a eficácia própria da sentença que acolhe ou rejeita a demanda, destinada a agir no futuro, com relação a processos futuros” (Apud MACHADO, 2005, p.52). Liebman, por sua vez, discorda do entendimento de Chiovenda, afirmando que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas sim uma qualidade de seus efeitos, concedendo imutabilidade ao ato (Liebman apud MACHADO, 2005). Seguindo o raciocínio de Liebman, Dinamarco diz ainda que a coisa julgada é uma qualidade especial da sentença que imuniza os efeitos substancias desta,
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125 concedendo uma estabilidade a tutela jurídica, não possuindo, pois, dimensões próprias, mas as dimensões que tiverem os efeitos da sentença (DINAMARCO, 2001, p.11). 2. A Coisa J ulgada e seu aspecto constitucional 2.1 A Coisa Julgada e a Constituição Federal Analisado brevemente o conceito de coisa julgada, passemos a estudá­la tomando por base a Constituição Federal. Formou­se ao redor da coisa julgada a idéia de intangibilidade e imutabilidade absoluta da mesma, de maneira que tudo que estiver abarcado por ela será tido como verdade absoluta, insuscetível de qualquer discussão a seu respeito. A fim de compreender o alcance do art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, o qual determina in verbis que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, surgiram duas correntes conferindo­lhe interpretações distintas. A corrente mais clássica é contra a flexibilização da coisa julgada, interpretando a norma de maneira ampliativa, de modo que nada nem ninguém poderá afetar o que está salvaguardado pela coisa julgada 1 . A corrente diametralmente oposta, mais moderna, elucida que o legislador ordinário pretendeu, ao redigir o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição, delimitar o alcance da lei nova, impedindo que esta prejudique a coisa julgada formada. Esta regra resume­se em proibir que a lei nova retroaja, prejudicando a coisa julgada.Tem como principais defensores Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Júnior, Juliana Cordeiro, Ministro José Augusto Delgado, Carlos Valder do Nascimento, Alexandre Freitas Câmara, Teresa Arruda Alvim. Concluem que “a preocupação do legislador constituinte foi apenas de pôr a coisa julgada a salvo dos efeitos da lei nova que contemplasse regra diversa de normatização da relação jurídica objeto de decisão judicial não mais sujeita a recurso, como uma garantia dos jurisdicionados” (THEODORO JR; CORDEIRO, 2002, p.30). Malgrado o exposto, não se pode considerar que algo inconstitucional seja tido como conforme a Constituição só porque a decisão já transitou em julgado. Estar­se­ia dando um poder ao ato jurisdicional que não lhe é inerente, quebrando princípios constitucionais, dentre o quais o princípio da harmonia entre os poderes,
1 Defensores dessa corrente Ovídio A. Baptista da Silva, Leonardo Greco, Luiz Guilherme Marinoni, Nelson Nery Jr. 126 PARAHY BA
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colocando­o acima dos demais Poderes do Estado. Não há dúvidas de que a coisa julgada é uma garantia fundamental, não o sendo, portanto, a sua característica de intangibilidade e imutabilidade, conferidas por meio da legislação infraconstitucional. Logo, diante da preocupação do legislador de apenas resguardar a coisa julgada dos efeitos de uma lei nova, não podendo sobre a coisa julgada atuar, conclui­se que o princípio da intangibilidade da coisa julgada “não tem sede constitucional, mas resulta, antes de tudo, de norma contida no Código de Processo Civil (art. 457 do CPC), pelo que de modo algum pode estar imune ao princípio da constitucionalidade, hierarquicamente superior” (THEODORO JR; CORDEIRO, 2002, p.30). Deste modo, não há de falar em conflito de princípios constitucionais quando envolver o princípio da intangibilidade da coisa julgada, posto que este é criação da lei ordinária processual, e não constitucional. Então, a coisa julgada só poderá ser revestida de intangibilidade se a mesma estiver conforme os preceitos constitucionais. 2.2 Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo: Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo­lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o reconhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes de todo o unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (MELLO, 2000, P.79) Em uma mesma situação fática, pode incidir dois ou mais princípios constitucionais, que apontem para caminhos diversos, gerando dúvidas na hora de aplicá­los, não sabendo que caminho seguir. O magistrado, sempre que possível, deverá tentar primeiro aplicar os dois princípios, sacrificando um pouco de cada, adotando o Princípio da Concordância Prática. Não sendo possível, deverá ser feita a Ponderação, escolhendo o princípio que tenha maior peso para solucionar o problema. Conforme explica Dinamarco: Nenhum princípio ético ou político tem valor absoluto no universo dos valores e atividades de uma nação ou da própria Humanidade, nem valor suficiente
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127 para impor­se invariavelmente sobre outros princípios e sobre todas as legítimas necessidades de uma convivência bem organizada. O culto exagerado a determinado princípio ou idéia fundamental resolve­se em fetichismo e presta­ se a aniquilar outros princípios ou idéias fundamentais de igual ou até maior relevância científica ou social, a dano de valores que clamam por zelo e preservação. (DINAMARCO, 2001, p. 25) Quando o juiz fundamenta sua decisão com base na ponderação, não quer dizer que esses princípios sejam opostos, mas que as direções que eles apontam no caso prático é que são diferentes, afinal oposição se configura como carga valorativa antagônica, o que não seria verdade. Há, portanto, a primazia de um princípio sobre o outro. É o que se dá com a coisa julgada inconstitucional. Por exemplo, se numa ação de paternidade julgada procedente contra “A”, antes do advento do exame de DNA, em que o suposto pai, inconformado com o deslinde da causa, resolve fazer o exame para rever a decisão, mesmo após o trânsito em julgado, uma vez que na época em que foi julgada não havia ainda este meio de prova. No caso em tela, o juiz afasta o Princípio da Segurança Jurídica e o da Intangibilidade das Decisões Judiciais, para preservar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garantia também constitucional, utilizando­se da ponderação para tanto 2 . Nota­se que este princípio teve peso maior nesse caso do que outro. 2 Tal entendimento já se encontra bastante consolidado na jurisprudência do STJ e de outros Tribunais, apesar de existirem ainda algumas posições contrárias, impedindo o ajuizamento de uma nova ação de investigação de paternidade, com oportunidade de se realizar o DNA. Em seu voto, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, referenda esse novo posicionamento: PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite­se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza” na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.
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2.2.1 Princípio da Supremacia da Constituição No Brasil, bem como em outros países do mundo, todos os atos praticados, em qualquer esfera do Poder Público, devem estar em conformidade com os preceitos Constitucionais. De forma que nenhum ato do legislativo ou do executivo ou do judiciário poderá ser válido se contrário à Constituição Federal, este é o Princípio da Supremacia da Constituição ou Princípio da Constitucionalidade. Vale lembrar que “não basta que a Constituição outorgue garantias, tem por seu turno, de ser garantida” (MIRANDA, 1996). Da mesma forma que os atos do Poder Executivo e do Legislativo podem servir de objeto para o controle de constitucionalidade, seja difuso ou concentrado, pode­se afirmar, que o controle de constitucionalidade das decisões judiciais também acontece. Afinal, todos os atos do poder público estão submissos ao direito, não sendo diferente com os atos judiciais (NASCIMENTO, 2005). A despeito do controle dos atos jurisdicionais, a situação é um tanto diferente. Nenhum problema existirá enquanto o processo estiver em andamento, tendo em vista que qualquer violação à Carta Política o processo poderá chegar ao STF, mediante recurso extraordinário previsto no art. 102, III, ‘a’, da CF. Ou por meio da ação rescisória, devendo estar atento ao seu prazo decadencial (art. 485, V do CPC) 3 . Mesmo depois de escoado o prazo da rescisória, a sentença poderá ser retirada do mundo jurídico, haja vista que uma decisão inconstitucional não pode se tornar imutável. Isso porque, conforme salienta Dinamarco, “a irrecorribilidade de uma sentença não apaga a inconstitucionalidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente legítimos, que a Constituição repudia.” (DINAMARCO, 2001, P.25). Os atos eivados de inconstitucionalidade, decorrentes de qualquer dos poderes, nunca se convalidam. E entender de maneira diversa, é retirar todo o valor e importância inerente à Constituição Federal. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo a realização do processo justo, “a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum. (STJ, Resp n. 226.436/PR, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo, 4ª Turma. DOU 04.02.2002, p. 370). 3 Como será visto oportunamente, no caso de coisa julgada inconstitucional esse prazo poderá ser desconsiderado.
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129 Segundo Paulo Otero: O princípio da supremacia constitucional determina que os atos do poder público, sejam do Legislativo, Executivo ou Judiciário, somente serão válidos se conformes à Constituição. Em decorrência disso, as decisões judiciais que contrariem a Carta magna redundarão inválidas, acarretando, por conseguinte, a invalidade da coisa julgada que sobre elas se forme. (OTERO apud MACHADO, 2005, p.90) Ao defender a mitigação da coisa julgada inconstitucional, não há qualquer interesse que as sentenças judiciais passem pelo crivo do legislativo ou do executivo, ou mesmo que seja retirada a autoridade da coisa julgada, mas que seja assegurado ao Judiciário a possibilidade de rever suas decisões, em caráter excepcional, para que a coisa julgada possa, então, se tornar imutável 4 . 2.2.2 Segurança jurídica, justiça das decisões e a coisa julgada inconstitucional O Princípio da Segurança Jurídica é imprescindível ao Estado Democrático de Direito, desenvolvendo­se, conforme afirma J.J. Canotilho, em torno de dois preceitos: o da estabilidade das decisões dos poderes públicos, apenas passíveis de modificações quando concorrerem fundamentos relevantes e por meio de 4 STF, RE n. 105.012/RN, Relator Ministro Néri da Silveira, 1ª Turma. DJ 01.07.1988. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENOS DA ATUAL BASE AEREA DE PERNAMERIM, EM NATAL, RN. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DETERMINAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO. HIPÓTESES EM QUE O STF TEM ADMITIDO NOVA AVALIAÇÃO, NÃO OBSTANTE, EM DECISÃO ANTERIOR, JÁ TRANSITA EM JULGADO, SE HAJA DEFINIDO O VALOR DA INDENIZAÇÃO. Diante das peculiaridades do caso concreto, não se pode acolher a alegação constante do recurso extraordinário de ofensa, pelo acórdão, ao art. 153, parágrafo 3, da Constituição Federal, em virtude do deferimento de nova avaliação dos terrenos. O aresto teve presentes fatos e circunstâncias especiais da causa a indicarem a injustiça da indenização, nos termos em que resultaria da só aplicação da correção monetária, a contar da Lei n. 4686/1965, quando a primeira avaliação aconteceu em 1957. Critério a ser seguido na nova avaliação. Decreto­Lei n. 3365/1941, art. 26. Questão que não constituiu objeto do recurso extraordinário da União. Relativamente aos juros compensatórios, havendo sido fixado, em decisão transitada em julgado, o percentual de 6% a.a., não caberia, no acórdão recorrido, estipular seu cálculo a base de 12% a.a. A Incidência do percentual de 6% a.a. dar­se­á, a partir da ocupação do imóvel. Nesse ponto, o acórdão ofendeu o art. 153, parágrafo 3, da Lei Maior. No que respeita aos honorários advocatícios, estabelecidos em quantia certa, a vista da primitiva avaliação, não vulnera o art. 153, parágrafo 3, da Carta Magna, o acórdão, ao estipular novo critério para seu cálculo, em determinado nova avaliação do imóvel expropriado. Conhecimento, apenas, em parte, do recurso extraordinário, quanto aos juros compensatórios, para, nesta parte, dar­lhe­provimento.
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procedimentos legalmente exigidos; e o da previsibilidade, que é a certeza passada para os cidadãos (CANOTILHO apud WAMBIER, 2004). Por isso que a coisa julgada, corolário da segurança jurídica, tem um papel fundamental no ordenamento jurídico pátrio, por meio da estabilidade e definitividade trazidas consigo, afinal ela “evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir” (THEODORO JR, 2002, p.28). A sensação de incerteza jurídica causa um mal­estar tanto às partes que estão litigando, como à sociedade, que não querem a perpetuação de seus litígios. No entanto, para que a sentença torne­se imutável e intangível é mister que se acate o mais alto requisitos de validação da sentença, qual seja a sua conformação aos preceitos da Constituição Federal. Portanto, não há como justiça e segurança entrarem em confronto, posto que esta não existe sem aquela. Que segurança poderá ser trazida com a manifestação de inconstitucionalidade em uma sentença? Nenhuma. Mas, se existir a possibilidade de rever a questão, aí sim todos estarão seguros, posto que os desvios de poder ou excesso deste não se perpetuarão no âmago do nosso sistema jurídico. A justiça aqui mencionada não alude ao sentimento de inconformação trazida com a perda da lide, mas sim àquela justiça representada no seio dos princípios e normas constitucionais, buscada sempre pelo Direito. A coisa julgada não pode ficar à deriva de meros conceitos subjetivos, sem nenhum respaldo objetivo, concreto. E como todas as normas e princípios constitucionais são infestados dos valores de justiça, é com base neles que poderemos desconstituir o instituto em estudo, alegando injustiça, fraude ou inconstitucionalidade. Barbosa Moreira explica o seguinte: Uma coisa é o respeito à lei por parte do juiz não menos que por parte de todos os membros da comunidade; outra, bem distinta, é o fetichismo do texto legal. Afigura­se bastante, em geral, o espaço deixado por este ao trabalho hermenêutico; e por via de interpretação não raro se chega a resultado suscetível de conjugar em casamento harmonioso legalidade e justiça. Atente o juiz, como é mister, no mandamento do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil; aplique a lei com os olhos postos nos fins sociais a que ela se dirige e nas exigências do bem comum – e o dilema, na maioria esmagadora, se mostrará mais aparente que real. Minha experiência pessoal de julgador, por quinze anos, no Tribunal de Justiça de meu Estado, persuadiu­me de que, quando
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131 supunha defrontar­me com angustiosa necessidade de escolher entre solução injusta e solução ilegal, a raiz do pr oblema quase nunca se situava na realidade, mas em meu própr io espírito: era eu que não estava sabendo dar à lei inter pr etação cor r eta – nem, por tanto, equacionar devidamente a questão (grifo meu). Refazendo os passos do raciocínio, não se tornava difícil, em regra, achar saída que me livrasse da terrível opção. (MOREIRA apud LOPES, 2004, p.19) Dessa forma, caberá ao juiz pacificar a demanda com justiça, moldando a lei ao caso concreto, promovendo uma interpretação que alcance, ou chegue mais perto da justiça. O juiz ou tribunal deve pautar­se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, já que todas as decisões devem ser devidamente motivadas e fundamentadas. Dessarte, o princípio da proporcionalidade (ou princípio do devido processo legal em sentido substantivo ou princípio da proibição do excesso) constitui meio idôneo a solucionar conflitos entre direitos fundamentais, sendo a maneira legítima que possui o magistrado, para afastar um preceito de tal monta para impor outro de igual valor, porém, mais adequado à situação em apreço. Serve também como meio de conter a arbitrariedade do Estado, evitando interpretações que se afastem do conceito de justiça. O princípio, ora em análise, comporta três subprincípios, instituídos por Canotilho: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. A adequação significa dizer que o meio escolhido é capaz de produzir o resultado desejado; a necessidade indica a indispensabilidade da medida adotada, devendo ser esta a menos gravosa para o cidadão ou a coletividade, conforme seja o caso, isto é, a opção é insubstituível por outro mecanismo menos gravoso e de mesma eficácia; por último, a proporcionalidade em sentido estrito prevê uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de restrição do princípio contraposto.
Ao conjugar esses três subprincípios e sobrepô­los numa problemática real, obteremos o fim maior do direito: justiça, sempre buscada por meio legítimos, que asseguram o equilíbrio entre a mesma e a segurança jurídica. Humberto Ávila afirma que a razoabilidade é aplicada quando se está diante de um caso em que se manifeste conflito entre o geral e o individual, entre a norma e a realidade por ela regulada, e entre um critério e uma medida. A proporcionalidade, por outro lado, é posta em prática quando existe uma relação de causalidade entre um meio e um fim. (ÁVILA apud NASCIMENTO, 2005, p. 152)
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A desconsideração da coisa julgada será decidida mediante análise minuciosa do caso, devendo­se buscar as regras e os princípios constitucionais que podem ser aplicadas à lide em apreço, para que sejam sopesados, e decida quais devem ser afastados. 2.3 Diferença entre Coisa Julgada Ilegal e Coisa J ulgada Inconstitucional É importante distinguir a sentença transitada em julgado que aplicou lei declarada inconstitucional pelo STF e a sentença que recusou aplicação à lei, por considerá­la inconstitucional, quando o Supremo, em decisão posterior, a declarou constitucional. Quando a sentença aplica lei inconstitucional, declarada como tal pela Corte Suprema, a ofensa é cometida diretamente contra a Constituição Federal, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade atingem a coisa julgada, retirando­a do mundo jurídico. No caso do magistrado que recusa aplicar a norma por considerá­la inconstitucional, sendo a mesma declarada pelo Supremo como constitucional, também com efeitos retroativos, poderá haver desconstituição da coisa julgada, no prazo para interposição da rescisória, posto que a ofensa é dirigida à lei infraconstitucional, inexistindo violação à Constituição. 3. Instr umentos pr ocessuais de contr ole da Coisa J ulgada Inconstitucional 3.1 Natureza Jurídica da Decisão Judicial Inconstitucional Os atos maculados pelo vício da inconstitucionalidade são atingidos não no plano da existência, mas no plano da validade. Tomando com premissa básica que todos os atos contrários à Constituição serão inválidos, tal caracterização insere­se no sistema das nulidades. Portanto, a sentença inconstitucional é nula de pleno direito. A nulidade presente na sentença inconstitucional é classificada como nulidade absoluta, incapaz de ser convalidada. Contudo, tal vício não tem o condão de invalidar todo o processo, até porque pode ser que o vício esteja incorporado apenas na decisão do magistrado, de forma que os demais atos praticados no curso do processo, por estarem conforme os preceitos constitucionais e legais, não serão atingidos. Entender de maneira diversa seria um atentado a tudo que foi defendido até o momento,
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133 confrontando, principalmente, com o princípio da segurança jurídica, da economia e da duração razoável do processo. A sentença eivada de nulidade não permite a sua materialização no mundo jurídico, sendo também ineficaz. No caso dos atos judiciais contrários aos preceitos da Constituição Federal, não há vinculação ao manejo da rescisória, ou seja, esse vício poderá sanado a qualquer tempo, posto que nunca se convalida. Enquanto da decisão não for retirada a qualidade da coisa julgada, que torna os efeitos substanciais da sentença imutáveis ao longo do tempo, depois de findo o processo, continuará a produzir seus efeitos. Afinal, o ato existe até que seja desconstituído. Uma maneira de evitar que o ato inconstitucional tenha conseqüências na vida das partes e de terceiros envolvidos seria o pedido de suspensão dos efeitos da sentença, em caráter cautelar. A coisa julgada inconstitucional, como tentam sustentar alguns doutrinadores, não se molda ao plano da inexistência. Isso porque o ato reúne os requisitos necessários para existir, Pontes de Miranda esclarece dizendo: “se a sentença é inexistente, não é sentença: não cabe rescindir, seria cindir o nada”. Se a “sentença é nula, sentença existe, porém não vale de pleno direito” (MIRANDA apud NASCIMENTO, 2005, p.77). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já formou posicionamento quanto ao assunto, conforme se abstrai do julgamento da ADI 652/92­MA, Relator Ministro Celso de Mello 5 . Essa nulidade será tida por absoluta, e, como tal, não se sujeita aos prazos prescricionais ou decadenciais. 3.2 Os Instr umentos Pr ocessuais de Contr ole A casuística nos leva a concluir que os Tribunais Superiores têm admitido variadas vias processuais para esse casos, não sendo este o problema central, não tão difícil de se resolver. A Ação Rescisória é o único meio previsto no Código de Processo Civil para
5 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ­ CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO ­ NATUREZA DO ATO INCONSTITUCIONAL ­ DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ­ EFICÁCIA RETROATIVA ­ O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO “LEGISLADOR NEGATIVO” – [...]. ­ O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de “menor” grau de positividade jurídica guardem, “necessariamente”, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na carta política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. ( ADIn 652/92­MA, Relator Ministro Celso de Mello, 2ª Turma. DOU 2.04.1993). 134 PARAHY BA
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o controle e desconstituição da coisa julgada, tão­somente nas hipóteses prevista na lei infraconstitucional, artigo 485 e incisos. Para suscitar a inconstitucionalidade da sentença transitada em julgado, a ação rescisória deverá ser ajuizada fundada no art. 485,V, do Código de Processo Civil, que permite a rescisão da sentença de mérito quando “violar literal disposição de lei”. Poderá ser dada uma interpretação extensiva a este dispositivo, para abranger também todos os tipos normativos no sistema, inclusive os princípios jurídicos. O problema da rescisória seria o seu prazo decadencial de dois anos, estipulado no art. 495 do CPC. Devido à nulidade de inconstitucionalidade ser absoluta, não está sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Alexandre Freitas Câmara propõe um novo sistema para as ações rescisórias, a fim de abarcar a hipótese da coisa julgada inconstitucional (CÂMARA, 2004, p.27­ 28). Dinamarco também defende um redimensionamento da ação rescisória e dos limites de sua admissibilidade (DINAMARCO, 2001). Um outro meio de atacar a coisa julgada inconstitucional seria pela utilização da Querella Nullitatis Insanabilis ou Ação Declar atór ia de Nulidade. A sobrevivência deste instituto, em sua forma primitiva, restringiu­se aos casos de vícios da citação, que não se submete ao regime rescisório, por referir­se à inexistência da ação 6 . Alguns doutrinadores, como Teresa Arruda Alvim Wambier, defendem que essa ação só é compatível quando o vício residir no plano de existência do processo (por exemplo, ausência de citação).
6 Tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça entendem que persiste a querella nullitatis no direito brasileiro. AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR SER NULA A CITAÇÃO DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI PROFERIDA. 1. Para a hipótese prevista no artigo 741, I, do atual CPC – que é a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia – persiste, no direito positivo brasileiro – a “QUERELA NULLITATIS”, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese. 2. Recurso extraordinário conhecido, negando­se­lhe, porém, provimento. ( STF, RE n. 97589/SC, Relator Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno. DJ de 3.06.1983). PROCESSUAL CIVIL ­ NULIDADE DA CITAÇÃO (INEXISTENCIA) – QUERELA NULLITATIS. I ­ A tese de querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso. II – Recurso não conhecido. ( STJ, Resp 12586/SP, Relator Ministro Waldemar Zveiter. DJ de 04.11.91) PARAHY BA
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135 Por outro lado, há os que entendem que este instituto é também remédio hábil à impugnação de erros graves cometidos no âmbito da jurisdição, incapazes de serem convalidados, ou seja, não comporta preclusão, contudo o vício não será sanado. Também poderá ser levantada a questão de inconstitucionalidade da coisa julgada na Impugnação à execução (substituiu os embargos à execução com o advento da lei nº 11.232/05), com fulcro no art. 475­L, II do CPC, isto é, a impugnação poderá versar sobre a inexigibilidade de título. Complementando o conceito de título inexigível, o § 1º do art. 475­L do CPC considera também inexigível o título fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. E nos casos da Fazenda Pública, por meio do art. 741, parágrafo único do CPC. Com esta alteração, a relativização da coisa julgada material passou a ser admitida expressamente pelo CPC 7 . Por fim, a coisa julgada inconstitucional poderá ser levantada através da Exceção de Pré­executividade que é uma espécie excepcional de defesa, específica do processo de execução, consistindo num incidente processual neste, no qual o executado não poderá impugnar o quantum debeatur , cabendo­lhe alegar a nulidade da execução por carência dos requisitos formais do título executivo, pressupostos de validade do processo e da pretensão deduzida em juízo, aspectos estes inseridos no plano da validade, podendo ser analisadas em sede de pré­executividade. Seu objetivo primordial é dotar o magistrado de um instrumento hábil que lhe permita averiguar a existência de vícios materiais ou formais do título executivo judicial. No entanto, a mesma só será admitida mediante prova pré­ constituída, capaz de inibir por si só a pretensão de crédito do credor, de modo a prescindir qualquer outro meio de prova.
7 O Supremo Tribunal Federal já proferiu decisão com base no antigo parágrafo único do art. 741 do CPC, o qual se segue: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REAJUSTE DE VENCIMENTOS NO PERCENTUAL DE 11,98%. ADI N. 2.323. LAPSO TEMPORAL. ADI N. 1.797. 1. O Supremo Tribunal firmou orientação no sentido de que os servidores públicos que recebiam antecipadamente seus vencimentos têm direito ao reajuste na razão de 11,98% (onze vírgula noventa e oito por cento), percentual este excluído da remuneração dos agentes públicos em virtude da errônea conversão dos seus estipêndios em URV (ADI n. 2.323, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ de 20.04.01). 2. A decisão de mérito proferida em ação direta de inconstitucionalidade tem efeito vinculante e erga omnes, portanto, em decorrência desse julgamento (ADI n. 1.797), ao juízo da execução cumprirá, no ponto, assentar a inexigibilidade do título judicial (CPC, artigo 741, parágrafo único). Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AI­AgR 553.669/SP, Relator Ministro Eros Graus, 2ª Turma. DJ 12.05.06). 136 PARAHY BA
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4. Conclusão O presente estudo, ao contrário do que se possa pensar, pretende prestigiar a coisa julgada, propondo sua sistematização, respaldada sempre na Constituição Federal, como também na realidade atual da sociedade, evitando a banalização do processo e atitudes arbitrárias por parte do Estado. Não há como aceitar a imposição do dogma da coisa julgada de braços cruzados sem fazer nada a respeito, é preciso interpretar, buscar soluções que estejam ao alcance dos operadores do direito. Tendo em vista que o direito é uma ciência dinâmica e não estática, evoluindo e modificando­se a todo o momento. Refer ências AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ASSIS, Araken de. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional. Revista J ur ídica. Rio Grande do Sul: Nota Dez, 2002, p. 7­29. BASTOS, Celso Ribeiro. Cur so de Dir eito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa J ulgada Mater ial. In: DIDIER, Fredie (coord.). Relativização da Coisa Julgada. Salvador: Jus Podivm, 2004. DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os pr incípios constitucionais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 103, 2001, p. 9­36. DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 358, 2001, p. 11­32. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administr ativo. São Paulo:
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139 O NOVO INSTITUTO DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Cláudio Antônio de Carvalho Xavier*
Resumo O artigo trata das inovações trazidas pela Lei 11.232/2005, notadamente do novo instituto do cumprimento da sentença. Discorre, ainda, sobre a defesa do executado no novo sistema, destacando as diferenças apontadas pela doutrina entre os embargos do devedor e a impugnação ao cumprimento da sentença. Mostra, por fim, a importância da reforma realizada pela Lei 11.232/2005 para a aceleração do processo e efetivação da sentença condenatória. Abstr act The current article deals with the innovations brought by the law number 11.232/2005, notably, from the new institute of the execution of the sentence. It still discourses on the defense of the executed new system, pointing out the differences shown by the doctrine on the judgement debtor embargo and the impugnation to the sentence execution. It shows, inevitably, the importance of the reform brought by the law number 11.232/2005, which accelerates the effectuation of the condemnatory sentence.
O Código de Processo Civil vem sendo objeto de reformas pontuais nos últimos anos. Só entre 2005 e 2006, foram sancionadas cinco leis 1 que alteraram significativamente o processo civil. A Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que trata do cumprimento de sentença, representa um grande avanço no sistema processual civil, à medida que modifica a execução da sentença condenatória, considerada um dos entraves para a consecução plena da prestação jurisdicional. Com a edição da referenciada lei, o processo civil passou a ser sincrético, pois já não se encerra mais com a sentença, mas com a satisfação do titular do direito. *Juiz de Direito no Estado da Paraíba e pós­graduado pela Escola Superior da Magistratura – ESMA/PB. 1 Lei 11.187/2005 (Recurso de Agravo); Lei 11.232/2005 (Execução); Lei 11.276/2006 (Súmula impeditiva de recursos); Lei 11.277/2006 (Ações Idênticas) e Lei 11.280/2006 (Alterações esparsas do CPC). 140 PARAHY BA
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Doravante, a tutela executiva realizar­se­á de forma seqüenciada, sem intervalo, no próprio processo de conhecimento, tal como ocorre no procedimento do Juizado Especial Cível. Em regra, não há a necessidade de uma nova citação, muito embora fique a depender de provocação do credor, consoante estabelece o art. 475­J, caput, do CPC. O importante disso tudo é que o demandado não será chamado a se defender novamente, tendo em vista que já houve citação no início do processo. Daí porque não se fala mais em processo de execução, mas em fase executiva. A sentença, por isso, passa a ter uma nova definição. Não é mais o pronunciamento do juiz que põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa, já que o processo prosseguirá com a fase de cumprimento do julgado. Por igual motivo, já não vigora o texto segundo o 2 qual, “ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional” . Com o novo regramento, o devedor tem um prazo de quinze dias para cumprir espontaneamente a obrigação. A esse prazo, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO 3 denominou de tempus iudicati . Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento), nos termos do art. 475­J do CPC. Por se tratar de norma cogente, a multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Trata­se, portanto, de medida executiva coercitiva (e não punitiva). Assim, segundo WAMBIER (2006, p. 422), nada impede a cumulação da multa do art. 475­J com a do art. 14, V e parágrafo único, do CPC, de natureza sancionatória. É de se observar que a citação será necessária, quando se tratar de sentença penal condenatória (na maioria das vezes, ilíquida), sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – incisos II, IV e VI do art. 475­N, pois a citação do réu, no processo penal e no processo arbitral, não se estende à execução civil. O pedido de execução deverá ser feito mediante simples requerimento, que deverá ser instruído com o demonstrativo do débito atualizado (art. 614, II), podendo o exeqüente indicar, desde logo (e é bom que o faça), os bens a serem penhorados (art. 475­J, § 3º), além de requerer a citação do executado, nas hipóteses dos incisos
2 O texto revogado era do seguinte teor: “Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá­la:”. 3 CARNEIRO, Athos Gusmão. D o ‘cu mp r iment o da Sen tença’ confor me a L ei 11.232/2005. P ar cial r et or n o ao m ed ieva lism o? P or q ue n ão? PARAHY BA
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141 II, IV e VI do art. 475­N. Deferido o requerimento, o juiz determinará a expedição de mandado de penhora e avaliação, fixando, desde logo, os honorários de advogado. Realizada a penhora, o devedor será intimado para oferecer impugnação no prazo de quinze dias, intimação esta que tem efeito de citação e deverá ser feita preferencialmente na pessoa do advogado (art. 475­J). Observe­se que, muito embora se desenvolva por impulso oficial, a execução da sentença fica a depender de requerimento do credor. Penso que o legislador poderia ter ido mais além, a ponto de permitir que a execução pudesse ser processada de ofício, como acontece no processo trabalhista (CLT, art. 878). A Lei 11.232/2005 também trouxe mudanças no “processo” de liquidação. Na sistemática anterior, a decisão que resolvia o processo de liquidação de sentença tinha natureza de sentença. Todavia, com a alteração da Lei 11.232/05, não haverá mais a instauração de um processo de conhecimento para fixação do valor da obrigação (quantum debeatur ), ou seja, a liquidação vai passar a se desenvolver por uma simples fase processual, que se encerrará por decisão interlocutória, de modo que o recurso cabível contra essa decisão será o agravo na modalidade de instrumento e não mais apelação. Não obstante, a decisão interlocutória que põe fim à fase liquidativa pode ser desconstituída através de ação rescisória, porquanto tal decisão, mesmo não sendo de mérito, faz coisa julgada material, vale dizer, não havendo interposição de recurso, opera­se a preclusão pro iudicato (com força de coisa julgada). O novo sistema também aboliu o instituto da nomeação de bens pelo devedor, devendo a indicação dos bens a serem penhorados ser feita pelo exeqüente, ao requerer o cumprimento da sentença, como, aliás, já vinha sendo feito na prática. Interessante é que, a partir da Lei 11.232/05, o sistema processual civilbrasileiro passou a conviver com duas formas de contraditório nas execuções por quantia certa, uma válida para títulos executivos judiciais e outra aplicável para títulos executivos extrajudiciais. Assim, tratando­se de execução fundada em título extrajudicial, a defesa será feita por via da ação de embargos do executado. Tratando­se de execução fundada em título judicial, o executado deverá valer­ se da impugnação incidental. Convém lembrar que não existe distinção entre título executivo judicial e título executivo extrajudicial, no que diz respeito à eficácia, pois tanto um como outro é dotado de força executiva, ou seja, tem aptidão para autorizar o credor a promover a ação executiva. O que distingue, fundamentalmente, um título executivo judicial de um título executivo extrajudicial é a carga de cognição. Nos títulos executivos judiciais,
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formados com a intervenção de órgão do Poder Judiciário – à exceção da sentença arbitral –, a atividade de identificação da norma concreta já foi objeto de cognição, enquanto que, nos títulos executivos extrajudiciais, o processo de cognição é instaurado posteriormente, já que o título é formado, segundo expressão utilizada por Alexandre F. Câmara (2005, p. 178), “fora do processo”. Há, portanto, uma inversão (parcial) da ordem da atividade jurisdicional, em que a cognição antecede a execução. Daí porque, em se tratando de título executivo extrajudicial, a defesa é ampla, ou seja, os embargos do devedor podem trazer a juízo tanto matéria posterior à formação do título, quanto matéria anterior a ela. Algumas diferenças podem ser apontadas entre os embargos à execução e a impugnação trazida pela Lei 11.232/05. A primeira delas diz respeito ao prazo: o prazo para o oferecimento dos embargos do devedor continua sendo de dez dias, enquanto que o prazo para o oferecimento da impugnação é de quinze dias. A principal diferença é que o recebimento dos embargos acarreta a suspensão total ou parcial da execução, enquanto que a impugnação, de acordo com o art. 475­ M, não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir­lhe tal efeito, desde que sejam relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Nos embargos, a suspensão da execução decorre da lei (ope legis). No caso da impugnação, a suspensão total ou parcial da execução passa a ser ope iudicis, ou seja, depende de pronunciamento do juiz. Outra diferença que se pode apontar é que os embargos à execução correm em autos apartados, enquanto que a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos, se houver sido conferido efeito suspensivo ao incidente. A decisão que resolver a impugnação, por sua vez, é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução (art. 475­M, § 3º), enquanto que a decisão que julgar os embargos ou rejeitá­los liminarmente é impugnável mediante recurso de apelação. No que diz respeito à natureza da impugnação, não há consenso. Parte da doutrina entende que a impugnação à execução tem natureza jurídica de defesa, enquanto que outra parte defende que a impugnação tem natureza jurídica de ação. Para NELSON NERY JÚNIOR (2006, p. 645), a impugnação tem natureza híbrida, sendo um misto de ação e defesa (lato sensu). Com a criação do instituto da impugnação, é de se indagar se o devedor ainda poderá valer­se da exceção de pré­executividade como instrumento de defesa. À primeira vista, pode­se imaginar que a exceção de pré­executividade não será mais cabível com a entrada em vigor da Lei 11.232/05.
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143 Contudo, o fato do devedor poder opor­se na execução por meio de impugnação ao cumprimento de sentença não significa que não possa valer­se de outros meios de defesa, quando isso se fizer necessário, como, por exemplo, quando o juízo for absolutamente incompetente para processar o cumprimento de sentença, hipótese em que o devedor poderá ingressar com objeção de pré­executividade, por se tratar de matéria de ordem pública, a qual pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição. Aliás, como bem enfatiza NELSON NERY JÚNIOR (2006, p. 643), a objeção de pré­executividade é o primeiro meio de defesa de que dispõe o devedor na execução, até porque, para opor a impugnação, o devedor precisa segurar o juízo pela penhora ou depósito da coisa (CPC, 475­J, caput e § 1º). Ressalte­se que, mesmo já tendo sido oposta impugnação ao cumprimento de sentença, o devedor poderá opor objeção de pré­executividade, alegando matéria de ordem pública. Portanto, muito embora a exceção de pré­executividade não seja mais necessária em algumas situações, como nas hipóteses dos incisos IV e VI do art. 475­L, continuará sendo cabível nos casos em que o juiz puder conhecer a matéria de oficio. Em relação aos feitos fazendários, é relevante observar que a execução contra a Fazenda Pública continuará a ser feita por processo autônomo 4 , haja vista que a execução (por quantia certa) contra a Fazenda Pública, quer se funde em título judicial, quer em título extrajudicial, está sujeita ao regime especial previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, que não foram revogados pela Lei 11.232/05. Ademais, a redação do art. 741, trazida pela Lei 11.232/05, prevê a possibilidade de oferecimento de embargos pela Fazenda, o que não ocorre na execução sujeita ao regime comum, em que toda e qualquer objeção do réu deverá ser veiculada mediante mero incidente de impugnação, nos próprios autos do processo. Ademais, prevendo a lei a possibilidade de oferecimento de embargos pela Fazenda, significa dizer que a Fazenda deverá ser citada para opor embargos, havendo, portanto, a formação de uma nova relação processual. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO entende que a nova lei é compatível com as prerrogativas da Fazenda Pública, de modo que a Fazenda terá um prazo de trinta dias para o cumprimento da sentença condenatória (prazo em dobro), podendo o juiz, após esse prazo, determinar a expedição de precatório. Na opinião de WAMBIER (2006, p. 442), A manutenção do sistema tradicional para a execução contra a Fazenda Pública, com necessidade de nova citação para a execução e a
4 Nesse sentido, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, As novas reformas do Código de Processo Civil, n. 17, p. 107. 144 PARAHY BA
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possibilidade de apresentação de embargos à execução dotados de efeito suspensivo ope legis (cf. art. 739, § 1º, que estabelece que os embargos são sempre recebidos com efeito suspensivo), contribui para que esta modalidade de execução tenha duração extremamente excessiva, e não favorece a realização de um dos principais objetivos das reformas realizadas nos últimos tempos. A reforma realizada pela Lei 11.232/05, que entrou em vigor no dia 24.6.2006, foi muito bem recebida pela doutrina e, certamente, contribuirá para a aceleração do processo civil e a efetivação da sentença condenatória, permitindo que a prestação jurisdicional seja entregue de forma integral. Mas, as mudanças não se farão rapidamente. É preciso que haja também uma mudança de mentalidade dos operadores do Direito, em especial, dos magistrados, que deverão ter o cuidado de não utilizar os novos institutos como se fossem os revogados, afinal, “não se coloca vinho novo em odres velhos”. Refer ências Bibliogr áficas CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8. ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, vol. II. CARNEIRO, Athos Gusmã o. Do ‘cumpr imento da Sentença ’ conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?. Material da 2ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil ­ UNISUL–IBDP–REDE LFG. NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 9. ed. São Paulo: RT, 2006 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil, 1. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2006. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquida çã o e cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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PROPAGAÇÃO DO TERROR? Luiz Guedes da Luz Neto* R esumo O novo milênio começa em crise, em uma fase de mudanças, incertezas e medo do porvir, tudo isso decorrente do processo de globalização, no qual as fronteiras físicas entre os países parecem não mais existir. Os fatos ocorridos em uma região do globo terrestre logo é transmitido para as demais, em pouco tempo. Essa facilidade nas comunicações também facilita a disseminação do medo, matéria prima útil para as indústrias, bem como para os representantes dos Governos, que, com o apoio das empresas multinacionais, empregam a noção de medo para justificar a política de combate aos ditos inimigos, estes sempre eleitos pelas classes dominantes, que, em muitos casos, sem saberem os motivos, encontram­se rotulados de inimigos por serem de uma etnia, religião ou cidadãos de um país eleito como tal pelas potências econômico­ político­militar. Em tal panorama ressurge, com vigor, a teoria do Direito Penal do Inimigo, cujo maior expoente moderno é o jurista alemão Günther Jakobs, doutrina essa que preconiza tratar as pessoas que não ofereçam garantia de um comportamento pessoal dentro da lei como não­pessoas, como inimigo. Passa­se, após, a uma pequena análise do conflito entre essa doutrina e o Estado Democrático de Direito, bem como das diferenças entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão. Após, discussão sobre o prazo de vigência que deve ter esse tipo de legislação, se deve ser aplicada somente em momentos de crise, ou se deve ser perene, sem prazo predeterminado para o seu término. Por ultimo, uma breve reflexão sobre o futuro dessa doutrina, analisando a tendência, pela conjuntura internacional hodierna, segundo a ótica de alguns doutrinadores, do temor de que essa doutrina se torne permanente, sendo aplicada de forma indiscriminada, transformando, de forma conceitual, um estado de emergência, em um de eterna emergência. Palavras­chave: Direito Penal. Direito Processual Penal. Direito Penal do Inimigo. Teorias. Pena. Direitos Humanos. Abstr act The new milenium starts in crisis, in a phase of changes, uncertainties and fear *Advogado e especialista em ciências criminais.
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of the future, because of the globalization process, in which the physical borders between the countries seems not to exist anymore. The facts occurred in a region of the earth globe soon are transmitted for the other ones, in little time. This easiness in the communication also facilitates the dissemination of the fear, useful substance for the industries, as well as for the representatives of the Governments, that, with the support of the multinational companies, use the fear notion to justify the politics of combat of the enemy, that are always elect by the ruling classes, that, in many cases, without knowing the reasons, meet friction of enemies for being of a etnia, religion or country elect as such for the economic­politician­military power. In such panorama, resurges, with vigor, the theory of the Criminal law of the Enemy, whose modern greater illustrious representative is the German jurist Günther Jakobs, doctrine this that praises to treat the people who do not offer guarantee of a personal behavior of the law as not­people, as enemy. It is transferred, after, to a small analysis of the conflict between this doctrine and the Democratic State of Right, as well as of the differences between the Criminal law of the Enemy and the Criminal law of the Citizen. After quarrel on the validity stated period that must have this type of legislation, if must only be applied in crisis moments, or if it must be perennial, without stated period predetermined for its ending. To conclude, a brief reflection on the future of this doctrine, analyzing the trend, for the hodiern international conjuncture, according to optics of some doctriners, the fear that this doctrine becomes permanent, being applied in an indiscriminate form, transforming, in conceptual form, an emergency state in one of perpetual emergency. Key­words: Criminal law. Criminal Procedure law. Criminal law of the Enemy. Theories. Penalty. Human Rights. 1. Introdução O mundo hoje vivencia uma fase de mudanças, incertezas e medo decorrentes do processo de globalização, do surgimento de praticamente apenas uma potência mundial bélica, sem seu contraponto, da excessiva concentração de renda e da disseminação da miséria entre os países, quer de primeiro, quer de terceiro mundos. Vivencia­se a cultura do ter e do acumular riquezas. E em uma das faces da moeda, do lado menos favorecido, encontra­se a maioria da população mundial lutando pela sobrevivência diária na selva denominada de capitalismo neoliberal, onde, para se alcançar o maior lucro, sacrificam­se as políticas sociais,
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147 colocando a população ainda mais à mercê da força descomunal do capital. Atrelado ao descompasso entre a parcela detentora das riquezas e a que nada possui, ou a que tem apenas o mínimo para não morrer, está a escalada progressiva da criminalidade. Tratar­se­á da problemática do combate ao terrorismo frente aos direitos humanos, com a difícil conceituação do termo terrorismo em razão da diversidade de significados da palavra de acordo com cada cultura, da tensão gerada pelo combate a esse mal com as garantias e direitos fundamentais das pessoas consolidados nas constituições democráticas. Abordar­se­á, de forma sucinta e apenas a título de ilustração, um pensamento que ganhou força depois dos atentados do dia 11 de setembro de 2001, denominado Direito Penal do Inimigo, que tem em uma de suas bases de fundamentação o criminalista alemão Günther Jakobs, que encara quem comete atos criminosos como inimigo, e como tal deixa de ser cidadão, com todas as conseqüências que advém desse fato, como ver­se­á adiante. O intuito desse trabalho é traçar linhas gerais sobre o tema, sem esgotar o assunto, na tentativa de compreender o fenômeno do terrorismo em contraposição aos direitos humanos, bem como confrontar a reação do Estado aos atos terroristas com os direitos do ser humano (direitos fundamentais). Direitos estes declarados nas constituições como fundamentais à pessoa humana, pois, como o próprio nome indica, não são criados pela legislação, mas sim declarados em seu texto porque são inerentes ao ser humano, à sua qualidade de humano, nascendo com o surgimento da própria humanidade; a lei apenas estabelece os mecanismos de sua garantia. Assim, direitos humanos são os que asseguram ao ser humano a possibilidade da própria existência, de desenvolver­se e de participar plenamente da vida. Percebe­se que não é privilégio apenas do Brasil o Estado desrespeitar os denominados direitos humanos, mesmo que seja através de lei, o que é singularmente grave, pois nem tudo que é legal é moral e, sob a pecha de legalistas, vários Estados cometeram verdadeiras atrocidades contra a humanidade. A história dá vários exemplos, dentre eles a II Guerra Mundial, o massacre dos Curdos no Iraque, entre outros fatos. Eis o panorama mundial em que se encontra a população global, em meio a uma crise sem precedentes, provavelmente, na opinião dos historiadores e especialistas, crise esta de longo prazo e que demandará dos Estados uma nova forma de pensar as suas posturas social, política, econômica e de combate à criminalidade, especialmente, o combate ao terrorismo.
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2. Conceituação de terrorismo Em todo e qualquer estudo, para uma melhor compreensão de seu objeto, necessário se faz a análise e a compreensão dos conceitos básicos acerca do tema a ser abordado. Pois, as palavras costumam ter várias acepções, devendo, o interessado no estudo, escolher, dentre a variada gama de significados, aquele que abarca o vocabulário técnico específico da matéria a ser estudada. Aparentemente tarefa fácil, mas que em alguns ramos se torna extremamente árdua por não ter um sentido técnico ainda sedimentado na tradição, ou por ter vários significados. A matéria a ser tratada é relativamente nova, ou melhor dizendo, o termo terrorismo, da forma como vem sendo encarado, é novo, tomando evidência após o atentado ocorrido em setembro de 2001, em território dos Estados Unidos da América, que teve como alvos símbolos da cultura e do poder desse país. Os estudiosos do tema, bem como as diversas legislações, quer de âmbito internacional, quer interno, ainda não chegaram a um consenso sobre o que significa o termo terrorismo e, por conseguinte, o que são atos terroristas e quem é terrorista. Terrorismo, como facilmente se pode constatar, advém do termo terror. Porém, para uma melhor compreensão da origem da palavra terrorismo, advinda do termo terror, interessante observar a história, especialmente a da França, bem antes da Revolução Francesa, passando por esta, o que não poderia deixar de ser, pois esse momento histórico foi importante para a civilização ocidental. Historiadores afirmam que a palavra terror apareceu na língua francesa em 1335, vindo do latim terror, e designava, em sua origem: “um medo ou uma ansiedade extrema correspondendo, com mais freqüência, a uma ameaça vagamente percebida, pouco familiar e largamente imprevisível.”(PELLET, 2003, p. 10). Eis, pois, os caracteres do aludido medo. Mais adiante na história, no final do século XVIII, com a Revolução Francesa, o termo torna­se a designação de uma forma de governo. Esta forma de governo denominada de Terror privou os acusados de defensores, suprimindo toda e qualquer garantia processual, decretando somente a pena de morte, sem possibilidade de qualquer espécie de recurso. Porém, em um determinado momento da Revolução Francesa, as autoridades cessaram de praticar a tal política, o que ocasionou a queda de um dos seus líderes, Robespierre. Porém, para não caírem em contradição, eles não puderam condenar Robespierre pela prática do terror, já que esse sistema de governo fora defendido pelos líderes revolucionários. Para sair desse dilema conceitual, que tinha implicações políticas sérias, as autoridades
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149 revolucionárias o condenaram por terrorismo. Com esse episódio, “o Terror, meio de legítima defesa da ordem social estabelecido pela Revolução, foi substituído pelo terrorismo, visando unicamente o terror exercido abusivamente pelo Estado.” (PELLET, 2003, p. 11). Com isso, surge o novo termo denominado terrorismo. Mais tarde, no final do século XIX, reaparece a palavra terrorismo, adquirindo um novo sentido, qual seja, o que visava aterrorizar o Estado, provocando, incitando a sociedade contra os órgãos do Estado e utilizavam, para esse fim, a propaganda. Segundo a observação de Pellet (2003, p. 11), “o terrorismo era então utilizado por agrupamentos políticos como um meio de ação cujo objetivo era derrubar o poder vigente em um determinado país”. Esses agrupamentos políticos, no território de um país, tinham o objetivo de derrubar o poder vigente e a essa prática denominavam de terrorismo. Percebe­se que nesta fase histórica os atentados eram dirigidos exclusivamente contra o poder vigente de um determinado país, contra a ordem interna na qual atuavam. Era um terrorismo doméstico, interno, nacional. O terrorismo internacional somente surgiu no interstício das duas grandes guerras mundiais. No começo, os debates acerca do tema não tiveram muito sucesso, pois os países não aderiram aos documentos elaborados pelas Conferências Internacionais para a Unificação do Direito Penal a partir de 1927. Mais tarde, nos anos 60, a comunidade internacional, através da ONU, reata a luta contra esse crime. Os fatos que desencadearam essa reaproximação dos membros da ONU em torno da discussão do problema do terrorismo internacional foram os vários seqüestros de aviões naquela década. Diante desse panorama internacional, surge a necessidade de se ter uma definição do terrorismo que possa ser adotada pela comunidade internacional para que se realizem políticas de combate mais eficazes. Eis aí o grande problema. Até agora nenhuma convenção internacional definiu a palavra terrorismo. Até a presente data não há uma convenção que defina o termo em questão. Fala­se que por trás disso está um espírito defensivo que traduz uma escolha deliberada de conter a reação da comunidade internacional em seguida aos atentados terroristas ocorridos. A essa conclusão chega a doutrinadora francesa Pellet (2003, p. 15), em artigo denominado “A Ambigüidade da Noção de Terrorismo”, quando afirma: “Assim, na linha de proliferação dos atos terroristas, os instrumentos internacionais foram adotados limitando­se a condenar o terrorismo, sem jamais procurar antecipá­los”. Partindo agora para o âmbito interno das nações, a definição adquire múltiplas possibilidades, com cada país adotando um significado para o termo de acordo com a sua experiência interna e a sua evolução histórica. Ainda no mesmo texto acima
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indicado, assim a escritora sintetiza a introdução da palavra terrorismo e seus significados nas várias legislações internas, da seguinte forma: “(...) o terrorismo foi introduzido em várias legislações internas porque se tratava, em sua origem, de ações relevantes exclusivamente para a ordem interna do Estado no qual ele se exercia e reprimido sob outras qualificações penais relevantes do direito comum, tais como homicídio, assassinato etc”(PELLET, 2003, p. 15/16). Já que as legislações internas e as normas internacionais não conseguiram uma uniformidade de definição em relação ao termo analisado, a doutrina tenta realizar esse trabalho. Das definições encontradas nas diversas doutrinas, uma que parece englobar de forma mais satisfatória o problema é a de autoria do juiz Gilbert Guillaume, que assim considera: (...) uma atividade criminal não pode ser vista como terrorista a não ser que três elementos estejam reunidos: ­ a realização de certos atos de violência com intuito mortes ou a causar danos corporais graves; ­ uma empresa individual ou coletiva tendendo à realização destes atos; ­ o objetivo perseguido: criar o terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou, de maneira geral, no público. (PELLET, 2003, p. 18). Em um esforço no combate ao terrorismo, a Grã­Bretanha editou o Terrorism Act 2000 (INGLATERRA, 2000), que é considerada a legislação mais eficaz da União Européia e define o terrorismo como uma ação ou omissão quando o uso da força é feito com propósitos políticos, religiosos ou ideológicos. Interessante observar que a ação ou omissão deve compreender uma séria violência contra uma pessoa, ou sérios danos a uma propriedade, ou cria um sério risco à saúde ou à segurança do público ou de uma parte deste. Na França, o Código Penal, no art. 421­1 (FRANÇA, 2003), tipifica os atos terroristas como infrações contra uma empresa individual ou coletiva, tendo por objetivo perturbar a ordem pública por intimidação ou por terror. No Brasil há algumas leis e decretos que tratam da matéria, entre os quais pode­se citar os seguintes: Lei nº 10.309, de 22 de novembro de 2001 ­ Dispõe sobre a assunção pela União de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados
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151 terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras; Lei nº 10.744, de 09 de outubro de 2003 ­ Dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo; Dec. nº 70.201, de 24 de fevereiro de 1972 – Promulga a Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves; Dec. nº 72.383, de 20 de junho de 1973 – Promulga a Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil (1971); Dec. nº 3.018, de 6 abril de 1999 ­ Promulga a Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos Contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem Eles Transcendência Internacional (1971); Dec. nº 3.976, de 18 de outubro de 2001 – Dispõe sobre a execução, no território nacional, da Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Encontra­se, no art. 1º, § 4º, da Lei de nº 10.744/2003 (BRASIL, 2003), a seguinte definição sobre terrorismo: “ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional”. Não se pode falar em terrorismo sem vir à mente a palavra grupo terrorista, pois, pela complexidade dos atos, é muito difícil, quiçá impossível, apenas uma pessoa, organizar e perpetrar um ataque de tal tipo. E o que se constata são verdadeiras organizações constituídas, de fato e ao arrepio da lei e do direito, com o fito de praticar agressões tidas como terroristas. Em conferência proferida no Seminário Internacional “Terrorismo e violência: segurança do Estado, direitos e liberdades individuais”, realizado nos dias 27 e 28 de maio de 2002, no auditório do STJ, o ministro Naves (1997, p. 07) 1 deu uma breve definição acerca de grupos terroristas, como sendo: denominação que inclui um conjunto de pessoas que, ao revés da lei e do Direito, dispõem­se a provocar um clima de instabilidade e terror no meio social por intermédio de ações violentas pelas quais visam à morte de alguns e à destruição de patrimônio, ignorando qualquer consideração de ordem ética. Como se pode perceber pela diversidade de matizes que o problema pode assumir e se apresentar para o mundo, a abordagem do tema é complicada 1 Nilson Naves, ministro do STJ, membro da 3ª Seção, 6ª Turma e da Corte Especial.
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e repleta de nuances, algumas delas ainda desconhecidas ou ainda pouco estudadas em todo o mundo. Constata­se que o conceito adotado pelos diplomas legais dos diversos países foi o político, ou seja, realçando a índole política dos atos tipificados como terroristas ou, mesmo quando expressamente a legislação não utiliza esse termo, os atos reprovados possuem uma conotação eminentemente política, a exemplo da legislação brasileira de segurança nacional, que descreve condutas consideradas nocivas para o Estado de Direito e a ordem constituída como crimes, crimes esses que tem essencialmente aquela natureza. 3. Constituição versus ter r or Interessante em qualquer texto jurídico a análise do direito constitucional correlato à matéria estudada para se ter uma noção mais abrangente, bem como os limites do campo de atuação dos diversos órgãos envolvidos, porque a Constituição é a lei fundamental de qualquer Estado de Direito, devendo ser observada as normas nela contida para a prática de atos pelos órgãos do Estado, como também para saber os limites do poder constituinte derivado, pois, consoante a doutrina constitucional, este poder é limitado pelo originário. Na nossa constituição o terror não tem um sentido preciso. No texto constitucional não se encontra uma definição clara sobre o tema em questão, o que dificulta sobremaneira o estudo e, mormente, o tratamento legal e judicial sobre os atos terroristas porventura praticados em território brasileiro. O que se encontra no diploma constitucional vigente no Brasil é o repúdio total aos atos terroristas e, conseqüentemente, aos sujeitos que os praticam ou praticaram, negando­se guarida, asilo, proteção ou qualquer outra forma de apoio, direto ou indireto, a terroristas, quer estes sejam patrocinados por particulares, quer por Estados. 4. Conflito entr e a r epr essão ao ter r or e a defesa dos dir eitos fundamentais da pessoa humana Na dialética entre os fatos e as normas jurídicas é natural que surjam pontos de tensão, contraditórios, em um mesmo sistema jurídico. A solução desses conflitos, em muitos casos, é uma tarefa árdua, que exige um período de
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153 análise, estudo e meditação sobre os pontos controvertidos com vistas à busca da eliminação, do sistema, dessa falha, para que o ordenamento jurídico possa voltar a responder de forma satisfatória aos fatos que lhe são apresentados pela história humana. Então, diante da problemática do terrorismo, a comunidade jurídica se vê diante de um conflito, a que alguns doutrinadores o chama de transação de valores constitucionais que garantem a vida, a intimidade, a privacidade, o direito de ir e vir, ou seja, direitos fundamentais assegurados nas constituições dos países democráticos. Essa transação é defendida como a única forma de se combater os referidos atos, haja vista a gravidade destes, que foge ao padrão normal dos demais crimes, pois aqueles atingem pessoas indeterminadas ou Estados constituídos como um todo, pondo em risco a sua população. Mormente após os atentados terroristas do dia 11 de setembro de 2001, em território dos Estados Unidos da América, houve uma retomada dos cuidados com possíveis atentados, com uma produção de políticas e atos normativos visando ao combate deste mal que assola o século XXI, logo em seu limiar. Aparentemente, as garantias fundamentais contidas nas cartas políticas dos Estados Democráticos de Direito do Ocidente são um óbice ao combate efetivo desse crime contra a humanidade. Os países combatentes, liderados pelos EUA e Inglaterra, defendem a supressão ou suspensão dos direitos fundamentais dos suspeitos. Para tanto, os ordenamentos internos dos países devem mudar, permitindo que tais direitos, secularmente consolidados em suas Cartas Magnas e em sua cultura de liberdade, sejam suspensos ou suprimidos, dependendo do caso e da força da reação estatal necessária para a repressão. A adoção de tal postura, com a limitação das garantias fundamentais clássicas, assusta a todos, principalmente quando se medita sobre o problema e se aventa a possibilidade de que qualquer cidadão possa ser considerado um suspeito, e uma vez sendo classificado como tal, perde a qualidade de cidadão e passa a ser encarado pelo aparelho estatal como inimigo. Pois, o poder discricionário dos aparelhos repressores é muito amplo e, no caso dos Estados Unidos, aparentemente ilimitado. Em outubro de 2006, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Comissão Militar de 2006, que é um excelente exemplo de uma legislação típica do Direito Penal do Inimigo, na qual há previsão de prisão perpétua com base unicamente nas ordens do presidente, sem possibilidade de recurso judicial. Nela o inimigo é classificado como “combatente inimigo ilegal”. Ocorre uma antecipação da tutela penal, de modo a neutralizar, ou, até
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mesmo, a eliminar o inimigo. Porém, as garantias fundamentais contidas na norma constitucional não podem ter vigência plena para a proteção do suspeito de terrorismo porque criariam uma crise de legalidade na atuação estatal, que poderia ensejar a propositura de ações tutelares por parte do ofendido contra o agressor, no caso o Estado. Para que isso não ocorra, necessário mitigar a eficácia de tais garantias através de emendas constitucionais, ou de outro processo de modificação do texto constitucional, que prevejam a possibilidade de edição de leis infraconstitucionais que regulem esse processo sumário de investigação e de julgamento dos terroristas e de seus colaboradores. Entretanto, a insegurança é grande e está a inquietar muitas pessoas, pois não se sabe até que ponto o Estado pode ir sob o manto da busca da segurança nacional contra os inimigos, quer sejam estes internos, quer sejam externos. A grande maioria dos doutrinadores defende a tese de que o Direito Penal do Inimigo deve vigorar apenas em momentos de emergência, de crise, a exemplo de Silva Sánchez (2002, p. 150): (...) Daí por que, nesses âmbitos, em que a conduta delitiva não somente desestabiliza uma norma em concreto, senão todo o Direito como tal, se possa discutir a questão do incremento das penas de prisão concomitantemente a da relativização das garantias substantivas e processuais. Porém, em todo caso convém ressaltar que o Direito Penal da terceira velocidade não pode manifestar­ se senão como o instrumento de abordagem de fatos ‘de emergência’, uma vez que expressão de uma espécie de ‘Direito de guerra’ com o qual a sociedade, diante da gravidade da situação excepcional de conflito, renuncia de modo qualificado a suportar os custos da liberdade de ação. (grifo nosso). Interessante seria manter as garantias individuais fundamentais, mantendo o dito Direito Penal do Inimigo para as situações excepcionais e com bastante cautela em sua implementação, porque a história é rica em exemplos que demonstram a facilidade da prática do terror por parte do Estado em território onde não existam tais garantias. Não se pode tolerar qualquer tipo de ameaça dessa natureza, seja essa realizada por organizações de pessoas, quer por Estado­Nação. 5. Terrorista como inimigo do Estado De forma sucinta, quem pode ser classificado como terrorista? O terrorismo pode ter como sujeito ativo um grupo de indivíduos isolados, sem qualquer vinculação
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155 a um Estado. Como pode também ter no pólo ativo as forças de segurança do Estado, quando se envolvem em ataques violentos contra setores da própria população deste Estado, ou da população de um Estado diverso. Como lutar então contra o sujeito ativo, isto é, o terrorista, sem infringir os ordenamentos jurídicos interno e internacional que garantem os direitos fundamentais da pessoa humana e os mecanismos de garantia desses direitos ? Eis o problema a ser enfrentado por aqueles que possuem o dever de combate ao terrorismo, pois eles também são, em sua maioria, signatários dos tratados realizados no âmbito da ONU e têm o dever de zelar pela preservação das cláusulas pactuadas, especialmente as que tratam dos direitos humanos. Uma das alternativas encontradas foi a que considera o terrorista como inimigo e como tal deixa de ser cidadão, ou pessoa, e, por conseguinte, não mais é titular dos direitos fundamentais assegurados pelas Constituições Nacionais e pelos tratados internacionais. Assim, aquele que pratica atos considerados como terroristas, deixa de ser considerado uma pessoa, um cidadão, para ser considerado meramente como inimigo, em verdadeiro ato de guerra. Porém, quem vem a ser o inimigo? No dizer de Silva Sánchez (2002, p. 149), quando fala da definição de inimigo dada por Jakobs, assim expõe: Se nos restringirmos à definição desse autor, o inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização. Abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta. 6. Dir eito Penal do Cidadão “Bür ger str afr echt” versus Dir eito Penal do Inimigo “Feindstr afr echt” Da comparação entre o Direito Penal do Inimigo e o do cidadão constata­ se um antagonismo. Uma das mais claras diferenças encontra­se no fato daquele direito não possuir as garantias básicas inseridas nas constituições dos Estados de Direito. Outra diferença, apontada esta por Jakobs, é que o Direito Penal do Inimigo deve viger apenas em períodos de emergência, excepcionais, onde se
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faz necessária a supressão dos direitos democráticos para que se possa restabelecer a ordem e neutralizar os indivíduos que deixaram de ser cidadãos para se tornarem inimigos porque não seguem a lei, colocando em perigo toda a sociedade. Além dos caracteres acima apresentados, pode­se sintetizar que o Direito Penal do Inimigo é dirigido àquele que atenta permanentemente contra o Estado, não oferecendo nenhuma garantia de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao direito, cuja pena procura predominantemente a eliminação do perigo, que deve ser feita pelo maior tempo possível, para tanto, as garantias penais e processuais perdem a vigência e a sua área de abrangência não o alcança, haja vista que este deixou de ser cidadão quando rompeu o pacto social firmado entre os cidadãos (povo) e contido na Carta Magna. Para o direito penal do cidadão, o criminoso, mesmo após o delito, continua gozando das garantias constitucionais e processuais, devendo ser submetido a um processo e julgamento conforme os ditames constitucionais e do devido processo legal para que lhe seja aplicada uma pena, tendo esta uma função contrafática, ou seja, a função de resposta do Estado contra o ato que infringiu o ordenamento jurídico para garantir o restabelecimento do próprio sistema jurídico. Eis, pois, em síntese, as diferenças entre o Direito Penal do Inimigo e o do cidadão, sendo assim, dois direitos penais contrapostos, com as suas peculiaridades, merecendo ainda serem objetos de estudos mais aprofundados, especialmente na conjuntura internacional atual, onde se percebe, nitidamente, por parte de algumas nações, como os Estados Unidos da América, em relação à guerra contra o terror deflagrada após os atentados do dia 11 de setembro de 2001, como também entre o Estado de Israel e a Palestina, que adotaram a postura do Direito Penal do Inimigo para o enfrentamento e anulação daquelas pessoas e organizações que atentem contra os seus ideais. 7. Considerações finais Tratou­se neste trabalho do problema do terrorismo, com uma noção sobre sua controvertida definição, história, conflitos do combate com as garantias constitucionais presentes nos Estados Democráticos, os sujeitos envolvidos, a definição do inimigo, e, por derradeiro, uma noção do Direito Penal do Inimigo e de seu contraponto. Um problema já antigo para a humanidade, porém, ganhou maior relevo após o atentado terrorista do dia 11 de setembro de 2001, em território dos Estados Unidos da América.
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157 Da necessidade do combate efetivo contra esse mal que assola a comunidade internacional, ganhou força uma doutrina penal denominada de Direito Penal do Inimigo, que tem como maior defensor o alemão Günther Jakobs. Defende­se nessa linha de raciocínio que a pessoa que não oferece garantias cognitivas de que vai cumprir com as normas e que não vai atentar contra o ordenamento jurídico, bem como contra as pessoas, deixa de ser considerada pessoa, cidadão, recebendo o rótulo de inimigo e, por conseguinte, não goza dos direitos e garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório, prisão temporária, direito a defensor de sua escolha, dentre outros direitos constitucionais fundamentais. O problema está posto e, em uma era globalizada como a atual, o problema ultrapassa os limites territoriais dos países e coloca todos em risco, pelo menos de forma potencial. Resta agora à população mundial, através de seus representantes nos órgãos internacionais, buscar a solução mais adequada para a resolução dessa crise de insegurança gerada tanto pelos terroristas quanto pelos responsáveis pelo combate a essa modalidade de crime. Analisou­se, também, que esse Direito Penal do Inimigo só deve ser implementado e mantido em momentos de emergência, de crise, devendo perder sua vigência quando o status quo retornar à normalidade, pois, destarte, em tese, o inimigo já teria sido anulado ou neutralizado, restando apenas os crimes cometidos pelos cidadãos, e sobre estes deve ser aplicado o direito penal do cidadão, o “Bürgerstrafrecht”, com todas as garantias constitucionais e infraconstitucionais pertinentes. Porém, há o risco do Direito Penal do Inimigo ser mantido mesmo após o período emergencial justificador da sua adoção, manutenção esta temida pelos doutrinadores, e que geraria um estado de insegurança para a população, pois, sem as garantias constitucional­penais clássicas inerentes aos direitos humanos, qualquer um pode ser surpreendido com uma prisão sem observância a qualquer garantia processual, meramente cautelar, por tempo indeterminado e sem possibilidade de comunicação com familiares ou com o advogado. Mesmo diante do alerta dos estudiosos do assunto, ainda se está no começo da discussão, necessitando que a história siga o seu curso para que, no futuro, possa­se fazer uma reflexão retrospectiva para avaliar as vantagens e inconvenientes da adoção do Direito Penal do Inimigo por parte dos Estados, seja qual for o inimigo eleito. E sobre a tendência atual acerca da adoção ou não em definitivo do Direito Penal do Inimigo por parte dos Estados, Silva Sanchez (2002, p. 151) demonstra a sua preocupação, que mui provavelmente é a da maioria dos penalistas, quando afirma: Pois bem, em minha opinião isso não está se verificando, senão que os Estados, ao contrário, vêm gradativamente acolhendo comodamente a lógica, que
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Moccia criticara com agudeza, da perenne emergencia. À vista de tal tendência, não creio que seja temerário prognosticar que o círculo do”. Compartilho da opinião e do receio apresentado por Sanchez na citação acima, pois, a postura do combate ao terrorismo por diversos países que se vêem como vítimas aponta para a adoção do Direito Penal do Inimigo de forma permanente, e não como uma legislação provisória, de emergência. Assim, pode­se perguntar, sem exagero, pois respaldado no temor gerado pela insegurança do combate ao terrorismo nos moldes apresentados neste texto, o seguinte: quem será realmente o inimigo da população? Apenas o terrorista eleito pelas nações dominantes? Ou elas próprias (as nações) também não podem se enquadrar no termo? Refer ências bibliogr áficas BRASIL. Lei nº 10.744, de 09 de outubro de 2003. Dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo. Disponível em <http://www.mj.gov. br/drci/legislacao/ LEI%20N%BA%2010.744,%20DE%209%20DE% 0OUTUBRO%20DE% 202003.pdf>. Acesso em 14 de agosto de 2006. FRANÇA. Código Penal. Disponível em <http://www.legifrance.gouv. fr/ html/codes_traduits/penal_textE.htm>. Acesso em 14 de agosto de 2006. INGLATERRA. Terrorism Act 2000 . Disponível em: <http:// w w w. o p s i . g o v. u k / c g i ­ b i n / h t m _ h l . p l ? D B = o p s i & S T E M M E R =en&WORDS=terror+act+2000+&COLOUR=Red&STYLE=s&URL=http:// www.opsi.gov.uk/acts/acts2000/00011—b.htm#muscat_highlighter_first _match>. Acesso em 14 de agosto de 2006. PELLET, Sarah. O desafio da comunidade inter nacional frente ao terrorismo in: CALDEIRA, Leonardo Nemer et ali. Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Coordenador: Leonardo Nemer Caldeira Brant. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Revista CEJ – Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. n. 1 (1997­) – Brasília : CEJ, 1997. Revista nº 18. 2002. SILVA SÁNCHEZ, Jesús­Maria. A expansão do direito penal : aspectos da política criminal nas sociedades pós­industriais. São Paulo : Ed. RT, 2002.
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159 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA NÃO INCORPORAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL Eddla Karina Gomes Pereira*
R esumo Este trabalho monográfico tem por objetivo o estudo da responsabilidade do Poder Público diante da não incorporação ao direito interno de tratados que regulamentam os direitos fundamentais. Assim, tendo em vista que o Estado foi instituído com a atribuição de promover garantias mínimas em favor dos seus jurisdicionados, suscita­se como poderia haver sua responsabilização por não agir de modo satisfatório na realização do seu mister. Para tanto, é pertinente arrazoar acerca da postura assumida pelo presente Estado democrático de direito. Vê­se, inicialmente, que os direitos fundamentais compõem a própria razão de ser da democracia. Assim, de nada adianta ponderar sobre democracia se o próprio Estado se posiciona de modo a confrontar com a propagação da cidadania. Dessa forma, é imperiosa a necessidade de criação de um mecanismo para compelir o legislador inadimplente a se posicionar no momento em que é submetida a seu crivo a incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao direito interno. Destaca­se, entretanto, que o presente estudo não visa a instituição da incorporação automática dos diplomas internacionais – por simples ato do presidente da República, ou, muito menos, o estabelecimento da obrigatoriedade de incorporar ao direito interno diplomas internacionais cujo Brasil participou da negociação dos seus termos. Compreende­se, porquanto, a vital necessidade de participação do parlamento nesse procedimento, até como meio de democratizar de modo mais enfático tal processo. Todavia é importante ter em mente que a intenção de maior participação popular na incorporação dos acordos internacionais – por meio de representantes eleitos, não pode se traduzir num fardo irrealizável a ponto de não haver o reconhecimento dos direitos contidos naquele instrumento internacional por omissão do Poder Público. Por essa razão, deve o Legislativo realizar esforços no sentido de se posicionar, favoravelmente ou não, à interiorização de um diploma internacional, sob pena de responsabilidade em virtude da sua inação. Assim, no afã de se conferir maior * Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Professora de Direito em cursos preparatórios para concursos. 160 PARAHY BA
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relevância aos tratados internacionais, notadamente no que se refere aos diplomas relativos aos direitos humanos, tema elementar no bojo de um Estado Democrático de Direito, propõe­se a criação de uma ação de indenização por omissão legislativa. Pretende­se, portanto, por meio deste instrumento, coibir a inércia parlamentar quando houve o dever jurídico de agir e, por simetria, garantir ampla aplicabilidade às normas internacionais relativas aos direitos fundamentais, com a responsabilização civil do Estado por eventual lesão causada a determinado sujeito em virtude da não incorporação à legislação nacional de determinado tratado internacional. Palavras­chave: Tratados internacionais. Direitos Humanos. Responsabilidade Civil. Abstr act This monographic work has as mean objective the study of responsibility of the power public in face of no incorporation to the internal treats that regulate the fundamental rights. Thus, having the view that the State was instituted with the attribution to promote minims guarantees in favor of its juridical people, we excite how could it have responsibility for not act in a satisfactory way in the accomplishment of its mister. It is pertinent to look about the view assumed by the actual democratic state of law. We can seat least that the fundamental rights composes the own way of be of democracy. Then it does not worth to ponder about democracy if the state put itself against the citizenship. In this way, it is imperious the necessity the creation of a mechanism to compel the defaulter legislator and to locate in the moment where it is submitted to its bolder to an incorporation of an international treat of humans rights to the domestic law. We detach, however, that the present study does not aim at the automatic corporation institute of international diplomas­ by simple act of the President of the repulblic, or, much less the establishment of the obligatoriness to incorporate into the internal right of international diplomas whose Brazil participated of negotiation of its terms. We understand that it is vital the necessity of the parliament participation in this proceed , as a way of democratize in a way more effective that process. However it is important to have in mind that the intention of major popular participation in the incorporation of the internationals agreements ­ by means of elect representatives, we can not translate in a unrealizable pack in a point of that there is not a recognition of its rights inside that international instrument by the public power omission. For this reason the legislative must do efforts in a sense of make a position in favor or not to
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161 interiorize the international diploma, duly warned responsibility in virtue of its inaction. Thus, in the eagerness to confer the major relevance in the international treats. We consider a creation of an action of give money for legislative omission. We intent to restrain the parliamentary inertia where there is a legal obligation of act and guarantee the applicability of the international norms with civil relative to the basic rights with the State responsibility about any lesion provoked by a determined person due the no incorporation to the national legislation of a determined international treat. Key Wor ds: International treats; Human rights; Civil responsibility. 1. Consider ações I niciais A evolução das discussões acerca da implementação dos direitos fundamentais impulsiona o desenvolvimento de estudos preocupados com a postura do Estado perante a realização desses valores. Por essa razão, é imperiosa a ampliação do estudo, do ponto de vista do Direito Internacional, a propósito da responsabilidade de cada ordenamento jurídico quando da promoção dos valores inerentes à condição humana, notadamente no que se refere à incorporação de instrumentos internacionais. Assim sendo, o presente trabalho elegeu como interessante meio de garantir o respeito aos direitos fundamentais, estudar a responsabilidade civil do Estado pela não incorporação de tratados internacionais de direitos humanos. Vê­se, desse modo, que a grande problemática a ser enfrentada é a atuação do poder público, através do Legislativo, no instante da incorporação de tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico pátrio. Verifica­se, nesse contexto, a imprescindibilidade da instituição de meios que cobrem do Congresso Nacional o comprometimento com a promoção de valores eleitos como objetivos fundamentais desta República Federativa. Propõe­se, pois, para satisfazer o anseio social de concretização dos direitos fundamentais, a instituição de uma ação de indenização por omissão legislativa. A partir desse instrumento, objetiva­se minorar os efeitos nocivos das condutas passivas e descomprometidas do parlamento, que, não raras vezes, queda­se inerte quando chamado a se manifestar acerca da viabilidade de incorporação de determinado instrumento internacional.
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2. Conceito Moder no de Estado A noção moderna do conceito de Estado foge à regra de que Estado é meramente o governo independente, constituído de um aglomerado de indivíduos que se organiza sobre um dado território. Mais que isso, tal entidade caracteriza­se por ser o agente responsável pela promoção e tutela dos direitos e garantias fundamentais. Prima­se, desse modo, por uma instituição comprometida com a gestão e o reconhecimento de direitos mínimos essenciais à existência e coexistência razoável dos indivíduos. Houve, pois, uma relevante modificação na postura da entidade estatal, ocasionada por uma mudança de paradigma das finalidades do Estado. Se outrora tal instituição se preocupava com sua afirmação política, atualmente, a mola propulsora dos atos da entidade estatal passou a ser implementação e a tutela dos direitos fundamentais. Uma instituição com tais objetivos deve se posicionar de modo operacional no que tange a realização das garantias individuais e coletivas. Essa postura, mais que um objetivo, constitui a própria essência do Estado contemporâneo. É imprescindível, pois, não apenas reconhecer juridicamente direitos e deveres dos jurisdicionados, mas, buscar a conscientização de que a preocupação em desenvolver instrumentos de efetivação das garantias essenciais à digna existência humana é fator elementar para o incremento de uma entidade estatal arrojada, eficiente e, sobretudo, justa. No que concerne aos valores democráticos no âmbito de um Estado com novos horizontes, entende­se a democracia como elemento primordial para a realização dos direitos inerentes à condição humana. Isso porque ela tem o condão de erigir o povo à categoria de personagem principal da história da formação político­social de um Estado.
Até mesmo ao Estado Democrático moderno atribui­se outra roupagem. Supera­se, portanto, o clássico espectro de ser simplesmente o tipo de governo no qual a base é o povo; entendendo­se, contemporaneamente, como aquele regime em que a pluralidade é a estirpe; no qual, em regra, existem valores contrapostos, porém harmonizáveis. Ser democrático é muito mais que escoltar a maioria. É respeitar a minoria. Em meio a uma sociedade pluralista é que germina a acepção de cidadania. O quão mais próxima do direito estiver a cidadania, mais democrática será a estrutura da nação.
Se existe, pois, um ambiente favorável ao desenvolvimento prático dos valores essenciais da pessoa humana, esse recinto pode nem constituir um Estado do ponto de vista jurídico­formal (em sua acepção tradicional – povo, território, governo); mas,
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163 com certeza, tal habitat terá atributos assemelhados a uma democracia, pela sua natureza e, sobremaneira, pelos seus fins. 3. Responsabilidade Civil do Estado A Responsabilidade civil do Estado consiste na obrigação estatal de reparar os danos a que eventualmente tenha dado causa, quer por comissão, ou em virtude de omissão, desde que, nesse último caso, se tenha o dever jurídico de agir 1 . Tal responsabilidade poderá ser proveniente, portanto, de duas situações distintas: conduta positiva do Estado, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá­lo. A responsabilidade civil da Administração se exprime através da obrigação de recompor eventual dano patrimonial – físico ou moral, causado a terceiro por agentes públicos, no cumprir de suas atribuições ou a pretexto de exercê­las. O Estado, pois, reconhece seu dever de reparar os danos a que tenha dado causa por duas razões: com vistas a estimular aos agentes públicos a praticar suas atribuições com prudência, evitando violações às garantias dos jurisdicionados; e, para dar exemplo aos governados, no que tange à prática dos atos que estes pratiquem perante a Administração Pública, bem como diante dos demais cidadãos, demonstrando que, assim como o Estado deve reparar os danos que provocar, o particular também o fará. Há, então, um caráter punitivo ou inibitório (exemplary or punitive damages) e uma natureza compensatória ou reparatória. Em se tratando de dano provocado por omissão do Estado, quando o serviço não funcionou, funcionou tardiamente ou de modo ineficaz, aplica­se a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado 2 . Assim como o Estado não agiu, não pode ser autor do dano; se não foi o autor do dano, só deverá arcar com as conseqüências caso tenha obrigação de impedir a incidência daquela lesão. Se em se tratando de ato omissivo do Estado, deve o prejudicado demonstrar a culpa ou o dolo, de outro, versando a controvérsia sobre ato comissivo,
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Dir eito a dministr ativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 617. passim. 2 Sobre o assunto há duas posições: uma seguindo os argumentos de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, continuada por Celso Antônio Bandeira de Mello – pactuada por este estudo, que defende que a responsabilidade do Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base legal no artigo 15 do antigo Código Civil, restando, portanto, como de natureza objetiva apenas a responsabilidade por condutas comissivas. Outra vertente defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a conduta comissiva como para a omissiva, aplicando­se, para ambos, a norma do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. 164 PARAHY BA
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incidirá a responsabilidade objetiva. É importante salientar que a conduta omissiva estatal que cause falta, insuficiência ou mau funcionamento do serviço deriva, necessariamente, de um comportamento ilícito por parte do Estado. Inicialmente, porque a partir do instante em que couber o dever de impedir o advento do dano, a omissão dá margem à recomposição patrimonial, calhando responsabilização imputável em virtude da inação. De modo reflexo, uma vez incidindo a obrigação do Estado de agir, a omissão caracteriza o inadimplemento do Estado, o que tem o fito de gerar direito à reparação. Em ambos os casos, há conduta ilícita do Estado. Para a caracterização do dever de reparação derivado da omissão, todavia, não é suficiente a simples ausência do serviço e a demonstração de dano. Porque do contrário, mesmo nas mais esdrúxulas e irreparáveis situações poder­se­ia cobrar do poder público uma reparação por omissão. É imprescindível, sobretudo, a existência de culpa, por negligência, imperícia ou imprudência no serviço, ou de dolo, através da comprovação da intenção da administração pública em agir de modo omissivo, quando era obrigado a atuar com eficiência. Devem, pois, coexistir a conduta, o dano, a culpa ou dolo, e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Diz Celso Antônio Bandeira de Mello 3 : Se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando­se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá­lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê­lo. (...) Reversamente, descabe responsabilizá­lo se, inobstante atuação compatível com as possibilidades de uma serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia. Compreende­se que a solução indicada deva ser a acolhida. De fato, na hipótese cogitada o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fator que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado. É razoável e impositivo que o Estado responda objetivamente pelos danos que causou. Mas só é razoável e impositivo que responda pelos que não causou quando estiver de direito obrigado a impedi­los. 3 MELO, Celso A. B. de. Cur so de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 796.
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165 Portanto, para ser aferido o dever de reparação, observar­se­á se a omissão estatal foi decisiva para a ocorrência do dano, se cabia ao poder público evitar esse dano e, por fim, se o dano era razoavelmente previsível. Restando afirmativas as referidas indagações, há incidência da responsabilidade subjetiva do Estado por omissão. No que tange aos atos legislativos, só há responsabilização após a demonstração de culpa manifesta, ilegítima e lesiva. Isto porque a própria Carta Magna, quando trata da responsabilidade objetiva do Estado, se refere apenas aos atos praticados por agentes administrativos, não fazendo menção aos agentes políticos, que são membros de determinada função do Estado, não servidores da administração pública. No tocante às ações ou omissões do legislativo, incide a teoria subjetiva, devendo, por conseguinte, para haver reparação por parte do poder público, coexistir a conduta, o dano, a culpa ou dolo, e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Quando da análise de responsabilização estatal por danos provenientes do dever de legislar, parte da doutrina argumenta não subsistir a responsabilidade civil pública com base na idéia de que o ato de legislar é o exercício soberano de uma função exercida pelo próprio povo através de representantes. Diz­se, ainda, que, por ser a lei ato geral e abstrato, editado para benefício de todos, não suscetível de causar lesão a indivíduo determinado, não há que se falar em responsabilidade estatal por prejuízo causado a determinado indivíduo ou grupo destes, tendo em vista que a reparação civil do poder público visa ao restabelecimento do equilíbrio rompido com o dano causado individualmente a uns ou alguns membros da comunidade. No caso de leis inconstitucionais, porém, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 153.464, concluiu que “o Estado responde civilmente por danos causados aos particulares pelo desempenho inconstitucional da função de legislar” 4 . Essa foi a exteriorização do reconhecimento estatal da possibilidade de haver agressão a determinado(s) indivíduo(s), por parte de um instrumento legislativo. Em conseqüência, tornou­se incontestável que o Estado deve responder pelos atos lesivos que seus agentes políticos produzirem. No que tange à negligência legislativa ensejadora de responsabilidade, ela pode derivar tanto da omissão legislativa, quanto da omissão regulamentar. Em ambos os casos, comprovando­se a concomitante existência da conduta, do dano, da culpa ou dolo e do nexo causal, calha o dever de reparação. O reconhecimento da responsabilidade civil por omissão legislativa, contudo, não tem o fito de gerar o desenfreado dever de indenizar. Quer­se, com o bom emprego desse instrumento, utilizar­se do caráter inibitório que a reparação visa repercutir. Tal instituto é um meio de inibir a antiquada mora legislativa que prejudica o desenvolvimento do Estado e impede o exercício de direitos fundamentais aos jurisdicionados – já que 4 RDA 189, 1992. p. 305­306
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inúmeras garantias em prol dos indivíduos, por um considerável lapso temporal, não são mais que projetos. Então, a responsabilização civil do Estado em virtude de conduta legislativa, tem, sobretudo, a intenção de moralizar a atuação parlamentar. Entende­se, desse modo, que os representantes populares devem ser compelidos no sentido de desenvolver o satisfatório desempenho de suas atribuições, sob pena de o Estado, diante da omissão não punível, findar por estimular a tão comum lesão omissiva ao interesse público. 4. Dir eitos Humanos fr ente às Per spectivas Internacionais Embora seja reconhecida a incontestável valia dos direitos fundamentais, a problemática elementar não é tanto justificá­los, mas protegê­los. Trata­se de um problema não filosófico, mas jurídico e, em sentido mais amplo, político. O interessante, pois, não é buscar sua natureza jurídica ou seus fundamentos de validade. Vale discutir mecanismos de efetivação desses direitos, para repressão da violação das declarações editadas com o escopo de promover os valores essenciais aos indivíduos. A expressiva notoriedade que a Constituição Federal de 1988 conferiu aos direitos fundamentais advém do imperioso comprometimento de reconhecer o valor que o desenvolvimento dessas garantias possui para a real concretização deste Estado como uma efetiva democracia. A necessidade de fomento dessas garantias é algo incontestável, tanto pelos próprios indivíduos, beneficiados sob tal perspectiva, como por este Estado democrático de direito, por sua natureza e atributos. Pelo fato de o Brasil se tornar signatário de diversos textos redigidos com a intenção de difundir ideais humanitários, observa­se o intento deste ordenamento jurídico em promover a propagação e promoção dos direitos fundamentais. Por tal razão, pretende­se, de modo cada vez mais veemente, ventilar mecanismos que tenham o fito de dar vida aos textos internacionais de direitos humanos pactuados pelo Brasil. Assim, o anseio de executar as normas internacionais referentes aos direitos humanos torna­se imperioso frente às necessidades do direito interno, o que impulsiona a discussão acerca da obrigação, na ordem interna e internacional, do Brasil de implementar tanto o seu próprio Texto Constitucional, como também os textos convencionais que aquiesceu. Inobstante os preceitos normativos vigentes sejam reconhecidamente arrojados do ponto de vista teórico, o Brasil real, concreto, assume dimensões sociais deploráveis. Por isso, há crescente problematização do desafio que enfrenta esta nação frente ao
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167 abismo existente entre os direitos abstratamente tutelados e a sua respectiva realização. Na órbita internacional, a abertura do sistema jurídico brasileiro com vistas à promoção dos direitos humanos, é revelada pela Carta Magna quando se analisa a intenção do sistema constitucional de resguardar o princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II), inclusive quando se trata de axiomas que aderiram ao complexo normativo pátrio por meio de tratados internacionais. Em conseqüência desse posicionamento, vê­se que, nos moldes da legislação brasileira vigente, nas relações do direito internacional com o direito interno prevalecerá aquele ordenamento que prestigiar de modo mais contundente os direitos relativos aos indivíduos. A incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno deve ser precedida de um procedimento formal específico. Todavia, a partir da ocasião em que o Brasil assina, por meio do presidente da República ou de quem quer que tenha os plenos­poderes 5 , um tratado internacional, já decorre o dever jurídico de manifestação do posicionamento do Congresso Nacional sobre a incorporação do instrumento, sob pena de responsabilização no âmbito interno e internacional. O direito internacional moderno vem desenvolvendo a tendência de firmar compromissos internacionais em diversas áreas da política externa. Ampliam­se, dessa forma, as relações diplomáticas travadas com o escopo de desenvolver ações integracionistas, o que faz brotar o crescimento vertiginoso de instrumentos instituídos com o fim de aglutinar os interesses internacionais, os tratados internacionais. Até a constituição de um tratado internacional há que se observar determinadas fases procedimentais. Inicia­se com a negociação, seguida pela assinatura ou adoção, que é escoltada pela aprovação legislativa no âmbito interno. Depois há a ratificação, a adesão, e por fim há a promulgação e publicação, com o registro do instrumento aderido na Organização das Nações Unidas 6 . Para um Estado se submeter a um diploma internacional, o elemento essencial a ser invocado é o livre consentimento. Todavia, a pactuação no plano internacional não tem o condão de eximir o Estado de incorporar a norma ao direito interno. Assim, cada Estado­Parte com seu procedimento próprio, deverá submeter o tratado à anuência da ordem jurídica nacional, como meio inescusável de submeter os jurisdicionados ao 5 A Convenção de Viena diz, já no art. 2º, 1, c, que plenos­poderes “designa um documento emanado da autoridade competente de um Estado que indica uma ou mais pessoas para representar o Estado na negociação, na adoção ou na autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado ou para praticar qualquer outro ato respeitante ao tratado”. Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/Conv_Viena/Convencao_Viena_Dt_ Tratados­1969­PT.htm>. Acesso em: 20 out 2006. 6 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Cu r so de d ir eit o in t er na cion al. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 229­230.
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cumprimento dos preceitos contidos no texto internacional. Incorporado ao direito interno o acordo, deverão cumpri­lo os nacionais e seus governantes, sob a vigilância do Judiciário, órgão responsável por velar pela fiel realização dos diplomas normativos vigentes no Brasil. Para a sistemática de incorporação de acordos internacionais adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, a manifestação tanto do Executivo, como do Legislativo é imprescindível. Isto porque a representação popular se torna mais contundente com a manifestação do Legislativo, além de que há uma maior democratização das decisões encabeçadas pelo Executivo. O presidente da República, pois, não tem competência suficiente para determinar a incorporação do diploma internacional. A manifestação do Congresso Nacional é inescusável. Vê­se, pois, que “a vontade nacional afirmativa quanto à assunção de um compromisso externo, repousa sobre a vontade conjugada dos dois poderes políticos. A vontade individualizada de cada um deles é necessária, porém não suficiente 7 .” Posicionando­se o Congresso no sentido da incorporação do tratado, ele expedirá um decreto legislativo, que será promulgado pelo presidente do Senado Federal, e publicado no Diário Oficial da União 8 . Todavia, se o Congresso Nacional rejeitar o tratado, apenas a comunicará ao presidente da República por mensagem. Em seguida, prossegue­se a publicação do inteiro teor do tratado internacional no Diário Oficial da União, após autorização do ministro das Relações Exteriores, quando, então, pode­se garantir a introdução do texto internacional no ordenamento jurídico pátrio. Ao fim do citado procedimento, confere­se aos juízes e tribunais a atribuição de garantir vigência do texto incorporado, assim como ocorre aos demais diplomas normativos vigentes no âmbito interno. Destaca­se, a primordial importância das ações do Judiciário no controle do cumprimento dos tratados incorporados à legislação nacional. Frise­se, ainda, que quando da verificação do cumprimento dos termos constantes no diploma internalizado, deve o Judiciário agir tendo por base não meramente o texto incorporado, mas os fins sociais a que aquele texto se dirige 9 . Quer­se, dessa maneira, incentivar uma “justiça de valores, em defesa da paz e dos princípios humanitários” 10 , e não uma justiça calcada na aplicação positivista dos direitos e garantias individuais. 7 REZEK, Francisco. Dir eito int er nacional público. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 64. BRASIL. Constituição Federal de 1988. C on st it u içã o d a R ep úb lica Fed er a t iva do Br a sil. Brasília, DF: Senado, 1988. Artigo 57, § 5º. 9 BRASIL. Lei de Intr odução ao Código Civil. Decreto­lei n.º 4.657/42. Artigo 4. 10 CANOTILHO, J. J.. J ur isd içã o const itu cion al e int r an q üilid a de d iscur siva : perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: 1996. p. 879. v. I.
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169 5. Postura do Legislativo diante da incorporação de tratados internacionais e a ação de indenização por omissão legislativa Apesar da nítida contribuição advinda dos pactos internacionais, muitos desses acordos não são incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro ou, na maioria das vezes, esperam diuturno lapso temporal para que haja a manifestação do parlamento. Esta omissão provoca a não fruição de garantias que, se vigentes no âmbito interno, poderiam contribuir para a elevação da qualidade de vida dos indivíduos. Por essa razão, é forçosa a criação de mecanismos que cobrem a manifestação legislativa sobre a internalização de acordos internacionais. Assim, mesmo não havendo obrigatoriedade no que se refere à incorporação de tratados, já que o parlamento pode se manifestar contrário à recepção do acordo, há, todavia, o dever de pronunciação do Legislativo acerca da aceitação ou não da incorporação do instrumento. A citada omissão, pois, deve ser combatida, ou, ao menos minorada, através da criação de instrumentos que garantam o direito de reparação aos indivíduos que comprovarem danos oriundos da omissão legislativa. Incidentes, então, os pressupostos para a responsabilização civil do Estado é imprescindível a recomposição patrimonial do prejudicado, sob pena de tal postura omissiva do Congresso Nacional tornar­se corriqueira, prejudicando, dessa forma, a fruição dos direitos constantes no instrumento não incorporado. A imprescindibilidade de manifestação do parlamento deriva do anseio constitucional de auferir maior representatividade popular neste procedimento. Assim, para que o povo participe, por meio de seus representantes, da incorporação de tratados ao direito interno brasileiro, dispôs a Constituição Federal, em seu artigo 49, I, ser da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Tal perspectiva vem repercutindo de modo desvirtuado de sua finalidade. Isto porque, conquanto seja evidente o anseio de democratizar o procedimento em pauta, a referida participação popular vem acarretando, ao longo das últimas décadas, a relativização do exercício dos direitos fundamentais constantes nos diplomas internacionais, em virtude da demora de pronunciamento do Congresso Nacional. Sob tal perspectiva, importa destacar que, se por um norte espelha uma postura democrática exigir que o parlamento se manifeste acerca da incorporação de um instrumento dessa categoria, não é nada democrático, em
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virtude de omissão do Legislativo, não exercer um direito fundamental em nome da própria democracia. Por essa razão, é imperiosa a fixação de um lapso temporal para a manifestação parlamentar, sob pena de responsabilização civil do Estado em favor de todos os jurisdicionados que demonstrarem real desvantagem em face da não internalização de um dado instrumento internacional. Nesse contexto é que se faz cogente a existência de uma ação de indenização por omissão legislativa. Este instrumento representaria um meio de coação à postura passiva e negligente do parlamento, o que poderia reverter o contexto vigente no que tange à incorporação de tratados. Dessa forma, tal instituto pode resultar numa maior celeridade do Congresso Nacional quando da manifestação do entendimento dos parlamentares, no que tange à incorporação ou não determinado tratado. Frise­se, pois, que o referido mecanismo não visa implantar a obrigatoriedade da ratificação de um tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro. A discricionariedade da postura a ser adotada pelo Congresso Nacional a respeito da incorporação ou não do texto internacional é elemento essencial para prestigiar a independência entre o Executivo e o Legislativo. Quer­se, porém, privilegiar os direitos essenciais à pessoas humana, através da cobrança de um posicionamento tempestivo do parlamento. Por meio desse mecanismo, o cidadão, ou quem lhe represente em juízo, demonstrando cabalmente dano oriundo da omissão legislativa (ilícito civil, e nexo causal entre a referida omissão e o prejuízo), adquire direito à reparação. Espera­se, pois, que por meio da instituição desse procedimento, a Câmara e o Senado Federal se sintam compelidos a manifestar sua postura, ou, em sentido contrário, o Estado terá de arcar com a negligência dos seus órgãos, de modo a minorar os efeitos acarretados pela inação legislativa. O proposto instituto visa, então, preservar os indivíduos de ter de suportar os danos aos quais eles não deram causa, diretamente, já que no instante em que elegem seus representantes delegam a função cumprir as atribuições para as quais se dispunham a enfrentar de modo pleno e satisfatório. Assim, evita­se que os cidadãos sejam, mais uma vez, os maiores desprivilegiados diante da falta de postura responsável e equilibrada por parte dos executores das funções estatais. Além do mais, “a tramitação burocrática e vagarosa pelo Legislativo confronta a celeridade e o dinamismo das relações internacionais, e, não raro, compromete a efetivação de compromissos do Estado que certos momentos internacionais exigem” 11 .
11 SCHUELTER, Cibele C.. Tr at ad os int er na ciona is e a lei inter n a br asileir a : o problema da hierarquia das normas. Florinópolis: OAB/SC, 2003. p. 106. PARAHY BA
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171 É inadiável, portanto, a criação de mecanismos com vistas a fomentar a manifestação célere e eficaz do Congresso Nacional frente a determinado diploma internacional passível de incorporação. Do contrário, a intenção constitucional de promover a internalização democrática dos tratados terá efeito reverso, passando a ser um instrumento impeditivo ao reconhecimento de direitos essenciais aos indivíduos. É conveniente, ainda, à justiça do instrumento proposto que, restando caracterizado que o dano causado partiu de conduta negligente ou fraudulenta de um parlamentar específico, ou grupo destes, haverá direito de regresso em favor da União. Vê­se, pois, ser plenamente possível a proposição de ação regresso da União em face do parlamentar desidioso na incorporação de pactos internacionais. Assim, o ressarcimento do dano será procedido pelo sujeito que de fato lhe deu causa, não havendo oneração do poder público em virtude de fato para o qual não concorreu. A Lei n.º 4.619/65 regulamenta o direito de ressarcimento da União, dispondo sobre a ação regressiva da União contra seus agentes. O referido diploma legal atribui a titularidade dessa ação aos Procuradores da República, e o prazo estipulado para ajuizamento da ação regressiva de sessenta dias a partir da data em que transitar em julgado a condenação imposta à Fazenda 12 . 6. Consider ações Finais O presente trabalho teve por escopo discutir acerca da responsabilidade do Estado diante da omissão danosa do Legislativo em virtude da não incorporação de tratados internacionais de direitos humanos. A responsabilidade civil do Estado perante inação parlamentar tem por escopo, num primeiro momento, desincentivar atitudes passivas e omissivas do parlamento quando se estiver diante de valores maiores no bojo deste Estado democrático de direito. De modo reflexo, a aludida responsabilização tem o fim de impulsionar o poder público na luta pela efetivação dos direitos humanos, tendo em vista que é impossível constituir um ordenamento jurídico­social humanitário e eqüitativo sem prestigiar de modo satisfatório os interesses individuais e coletivos. 12 BRASIL. L ei n .º 4.619 de 28 de a br il de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 nov 2006.
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A instituição de uma ação de indenização por omissão legislativa se funda na vontade incessante da sociedade de ver prosperar a justiça diante de condutas danosas e inconseqüentes dos agentes políticos. Quer­se, dessa forma, compelir os representantes do povo a agirem em favor dos jurisdicionados, de modo a garantir­lhes uma digna existência. Para tanto, cobra­se uma manifestação célere e eficaz do parlamento acerca da incorporação de tratados de direitos humanos, como um meio de ampliar o rol de direitos afetos aos indivíduos. Enfim, conclui­se que não obstante o Legislativo não poder ser compelido a agir, os danos oriundos da inação parlamentar devem ser reparados. Por essa razão, a inoperância do Estado deve ser peremptoriamente combatida uma vez que o poder público deve agir de modo a promover os direitos fundamentais, combatendo qualquer modalidade de ação ou omissão que desconsidere os princípios essenciais deste Estado democrático de direito. Refer ências AZAMBUJA, Darcy. Teor ia ger al do Estado. 28. ed. São Paulo: Globo, 1990. BASTOS, Celso Ribeiro. Cur so de teor ia ger al do Estado e ciência política. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BARROSO, Luís Roberto. Inter pr etação e aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BOBBIO, Norberto. A Er a dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Feder ativa do Br asil. Brasília, DF: Senado, 1988. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Direito Constitucional Passa; O Direito Administrativo Passa Também. In: Estudos em homenagem ao Pr of. Doutor Rogér io Soar es. Studia Iuridica. Nº 61. Coimbra, 2001.
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175 O §3º DO ART. 515 DO CPC À LUZ DO PRINCÍPIO DO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E DA EFETIVIDADE DO
PROCESSO Tarsila Ribeiro Marques Fernandes*
Sumár io: 1. Intr odução; 2. Gar antia de acesso à justiça – dir eito fundamental à tutela jur isdicional efetiva e tempestiva; 3. Duplo gr au de jur isdição per ante a Constituição Feder al; 4. O §3º do ar t. 515 do CPC 4.1. Disposições ger ais 4.2. Faculdade ou dever do r elator e aplicação de ofício 4.3. Refor matio in pejus; 5. Consider ações finais; 6. Refer ências. Palavr as­chave: 1. Princípios. 2. Duplo grau de jurisdição. 3. Celeridade 4. Efetividade. 5. Segurança jurídica. R esumo A Lei 10.352/2001 introduziu ao Código de Processo Civil o §3º do art. 515, permitindo ao Tribunal, no caso de o processo ter sido extinto sem resolução do mérito, julgar desde logo a lide, se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. Diante desse preceito, muito se discute na doutrina se o princípio do duplo grau de jurisdição teria sido desrespeitado. De um lado, alguns estudiosos consideram que tal posição afetaria tal princípio, além de haver outros inconvenientes quanto a sua aplicação. Em sentido oposto, outros doutrinadores entendem louvável a disposição contida no §3º do art. 515 do CPC, que veio atender aos anseios por uma tutela jurisdicional efetiva, argumentando que a sua aplicação deveria ser ampliada, sobretudo em virtude de a celeridade processual ter alcançado status de princípio constitucional expresso com a Emenda Constitucional 45/2004. O presente artigo se projetará com vistas à análise do instituto, buscando o concreto posicionamento de tal previsão diante do Código de Processo Civil e perquirindo os efeitos da sua aplicação. *Técnica Judiciária do TRF 5ª Região Bacharela em Direito pela UFPE Pós­graduanda em Direito Público 176 PARAHY BA
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Abstr act The Act 10.352/2001 introduced a §3.º to the art. 515 of the Civil Procedure Code (CPC) allowing the Courts of Appeal to decide the substance of a demand, in a process extinct by the original Judge in grounds of lack merit, if the cause is merely about a matter of law and if it is ready for a trial. There is a doctrinary discussion whether that rule breakes the principle of double grade of jurisdiction or not. Some scholars consider that the §3.º of the art. 515 of the CPC both affects such principle and is somewhat inconvenient. On the other hand, some praise it for its contribution for an effective jurisdictional protection, claiming its range should be widened, mostly because of the outcoming benefits for the lawsuits in terms of time saving. In fact, with the Amendment 45/2004 to the Constitution, a reasonable duration of the cases has now the status of a constitutional principle. This work proposes an analysis of the above mentioned rule, to try and reach the real dimension of such stipulation of law towards the provisions of the CPC, seeking the consequences of its enforcement. 1. Intr odução Até a edição da Lei 10.352/2001 o Tribunal, ao julgar uma apelação dirigida contra sentença extintiva do processo sem julgamento do mérito, acaso entendesse por dar provimento ao recurso, não poderia prosseguir no julgamento do mérito da causa, inapreciado na instância inferior. Cabia­lhe, assim, determinar a baixa dos autos à primeira instância, a fim de que o juiz a quo prosseguisse na realização da causa final da jurisdição, que é a definição do litígio (FUX, 2004, p. 1040). No entanto, em busca de imprimir uma maior efetividade da prestação jurisdicional, a Lei 10.352/2001 inseriu o §3º ao art. 515 do Código de Processo Civil, o qual permite o Tribunal julgar desde logo o meritum causae no caso de o processo ter sido extinto sem resolução do mérito e a causa estiver madura para julgamento. Exige ainda o novel dispositivo que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito. Diante dessa alteração, muito se discute na doutrina se o princípio do duplo grau de jurisdição foi desrespeitado – havendo, assim, uma supressão de instância – e, portanto, se seria inconstitucional tal dispositivo. Deste modo, para responder às inquietudes doutrinárias, necessário se faz um maior aprofundamento sobre o tema.
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177 2. Gar antia de acesso à J ustiça – Dir eito Fundamental à Tutela J ur isdicional Efetiva e Tempestiva Tradicionalmente, o acesso à justiça sempre foi tido como um direito fundamental, uma vez que em virtude da proibição de autotutela pelo Estado, este arrogou para si, com exclusividade, a função jurisdicional, ao mesmo tempo em que garantiu o direito de ação aos particulares. No entanto, hodiernamente, tal direito passou a ser visto não apenas como um direito a uma sentença de mérito, mas sobretudo um direito à prestação jurisdicional efetiva e tempestiva. A efetividade representa a concretização do direito, a verdadeira atuação da norma do mundo dos fatos, fazendo com que prevaleçam os valores e interesses por ela tutelados. Nesse sentido, a efetividade simboliza a íntima aproximação entre o dever ser da norma e o ser da realidade social (BARROSO, 2004, p. 374). Pretende­ se, então, a instrumentalidade do processo, a verdadeira proteção do direito material, sobretudo através da tutela específica. Por sua vez, o direito à prestação jurisdicional tempestiva se relaciona com o uso racional do tempo no desenvolver do processo tanto pelas partes quanto pelo Estado­juiz. É que o processo, do modo como foi concebido, se preocupou demasiadamente com a segurança jurídica, prevendo formalidades excessivas. No entanto, essa maneira de pensar o processo foi perdendo força quando se percebeu que o excesso de formalidades servia como forma de procrastinar o desenrolar do processo, e consequentemente beneficiar a parte – na maioria dos casos o réu – que não tinha razão. Passou­se, então, a considerar a prestação jurisdicional tempestiva como um direito fundamental, tendo em vista que é por meio dela que se faz respeitar os demais direitos (MARINONI, 2005). Diante dessa realidade, coube ao legislador buscar paulatinamente criar mecanismos para combater a morosidade da justiça, contudo, sem ignorar o direito à defesa do réu e à segurança jurídica. A própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, estabelece no seu artigo 8º, 1, que “toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável”. Nesse mister, a Emenda Constitucional nº. 45, de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. É certo, porém, que, antes mesmo de haver tal alteração, já se poderia inferir da Constituição o direito à tutela tempestiva em diversos dispositivos,
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como o inciso XXXIV, “a”, do art. 5º, que prevê o direito de petição aos Poderes Públicos – e consequentemente o direito à resposta; o inciso XXXV do mesmo artigo, o qual garante o acesso à justiça e o inciso LIV também do artigo 5º, quando estabelece a observância obrigatória do devido processo legal, além do próprio art. 37, caput, que prevê o princípio da eficiência, o que decerto abrange a presteza na solução dos conflitos de interesses (SLAIBI FILHO, 2005, p. 25). A razoável duração do processo está relacionada com o princípio da razoabilidade, buscando o respeito de todas as garantias individuais, no entanto, sem dilações indevidas e inoportunas (NOTARIANO JÚNIOR, 2005, p. 61). Assim, “prazo razoável é a expressão, que embora pareça ter conceito indeterminado, deve ser visto, em cada caso concreto, como o absolutamente necessário para a solução do litígio com segurança” (DELGADO, 2005, p. 371). Destarte, diante do novo dispositivo constitucional, ganham relevância os meios criados pelo legislador visando atingir a racional duração do processo, a exemplo do que ocorre com o §3º do art. 515 do Código Processual Pátrio. 3. Duplo gr au de jur isdição per ante a Constituição Feder al Grande celeuma existe em torno de se saber se o duplo grau de jurisdição está consagrado pela Constituição Federal de 1988 ou se decorre apenas do sistema infraconstitucional brasileiro 1 . A importância de tal questionamento não é apenas acadêmica, mas sobretudo prática, uma vez que não sendo previsto constitucionalmente, nem ao menos de modo implícito, é facultado ao legislador infraconstitucional limitar ou até excluir algumas hipóteses de sua incidência, obviamente respeitando os casos já regulados na Constituição. Parte da doutrina considera que o duplo grau de jurisdição decorre dos preceitos contidos da Constituição Federal. Assim, a Carta Magna, ao prever os tribunais estaduais e federais, além dos tribunais superiores, aponta o duplo grau como uma diretriz a ser seguida pelo legislador infraconstitucional (JORGE, 2004, p. 186). Ademais, o art. 5º, LV, da Constituição, ao dispor que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
1 Diferentemente da Constituição do Império, de 1824, a qual garantiu ilimitadamente o duplo grau de jurisdição ao prever, em seu artigo 158, que a causa seria decidida em segunda e última instância pelo Tribunal de Relação, as Constituições posteriores não repetiram tal dispositivo, restando a dúvida se o duplo grau não teria mais base constitucional. PARAHY BA
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179 e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” também estaria implicitamente antevendo o duplo grau de jurisdição. Por outro lado, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart defendem que a Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição, porquanto nem sempre os recursos são inerentes à ampla defesa, devendo ser observado o direito à tempestividade e a efetividade da tutela jurisdicional (ARENHART, MARINONI, 2003, p. 523­526). Assim, caberia ao legislador infraconstitucional verificar os casos em que é justificável a dispensa do duplo juízo em favor do direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdicional. Tal posicionamento se justifica também pelo fato de a própria Constituição Federal prever hipóteses em que não há o duplo grau de jurisdição, como no caso de julgamento de processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I) e de decisões do Tribunal Superior Eleitoral, as quais são irrecorríveis, salvo quando contrariar a Constituição (art.121 §3º). Aliás, pode­se afirmar que a Constituição em vigor até incentivou o legislador ordinário a restringir as hipóteses de duplo grau de jurisdição, ao admitir o cabimento de recurso extraordinário contra quaisquer decisões, diferentemente da Carta Política anterior, que o admitia apenas contra decisões de Tribunais. Assim, a supressão do direito de apelar não ofenderia o devido processo legal, tendo em vista que estaria garantido o acesso aos Tribunais Superiores, a fim de proteger os direitos fundamentais (LASPRO, 1995, p. 159). O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, tem o posicionamento no sentido de que o duplo grau de jurisdição não tem previsão constitucional, esclarecendo que o direto ao contraditório, ao devido processo e à ampla defesa são exercidos de acordo com o disposto na lei processual 2 . Ademais, é de se esclarecer que não são todas as hipóteses de recurso que efetivam o duplo grau de jurisdição, tendo em vista que os recursos extraordinário e especial têm como objetivo, respectivamente, a proteção da Constituição e a uniformidade de interpretação da lei federal, não se prestando ao mero reexame da causa. É a apelação, portanto, no processo civil brasileiro, o recurso que propriamente realiza o duplo grau de jurisdição, visto que devolve a outra instância matéria impugnada (PEREIRA, 2003, p. 58­59). De fato, o duplo grau de jurisdição não parece ser um princípio constitucional,
2 RHC 79.785/RS, Pleno, Rel. Min. Sepúlvida Pertence, j. 29/03/00, DJ 22/11/02; RMS 23285/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 20/04/99, DJ 03/09/99; e do RE 317847/SP, Primeira Turma., Rel. Min. Moreira Alves, j. 09/10/01, DJ 16/11/01. 180 PARAHY BA
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não se podendo interpretá­lo como sinônimo de possibilidade de recurso. O recurso em si, na verdade, é que é garantido pela Constituição Federal no art. 5º, inciso LV. Pode­se afirmar que a Lei Maior garantiu o duplo exame, e não o duplo grau de jurisdição, uma vez que este, pela própria terminologia, exige que haja superposição de órgãos de diferentes hierarquias. Assim, não se pode confundir o duplo grau de jurisdição com o efeito devolutivo, porquanto há casos em que o efeito devolutivo está presente e o duplo grau não está, bastando citar como exemplos os embargos infringentes em execuções fiscais de valor não acima de 50 ORTN e os Juizados Especiais, em que o recurso é julgado por uma Turma Recursal, composta de juízes de primeiro grau. Destarte, pode­se dizer que precipuamente os recursos realizam o duplo grau de jurisdição, mas nem sempre isso ocorre, o que é perfeitamente admissível no ordenamento jurídico brasileiro. É de se ter mente ainda que sendo o objetivo do duplo grau de jurisdição efetivar o binômio segurança­justiça, garanti­lo ilimitadamente iria de encontro ao seu próprio mister, afinal, para que haja justiça e segurança, os litígios não podem se perpetuar no tempo. Ademais, com a Emenda Constitucional nº. 45/2004, a razoável duração do processo passou a ser princípio constitucional expresso, motivo pelo qual mesmo que se considerasse o duplo grau como princípio constitucional implícito, dever­ se­ia ponderá­lo com a razoabilidade e celeridade. Nesse sentido, o duplo grau de jurisdição passa a ser entendido como uma questão de política legislativa processual, de forma a ser possível conciliar o devido processo legal e a garantia de ampla defesa com os princípios da tempestividade e efetividade do processo. E foi corroborando tal entendimento que o art. 518, §1º do Código de Processo Civil, incluído pela Lei 11.276/2006, criou um óbice à apelação, qual seja, a súmula impeditiva de recursos. Assim, sempre que o juiz sentenciante houver decidido com base em súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, não se receberá o recurso de apelação. Ora, é inegável que esse novel parágrafo restringiu ainda mais o duplo grau de jurisdição no mister de alcançar o acesso à justiça de forma mais célere. Tal dispositivo, portanto, “insere­se num contexto de racionalização do acesso aos Tribunais, imprimindo maior celeridade à conclusão definitiva dos processos, pela supressão de etapas jurisdicionais, que, ao final, seriam infrutíferas” (FÉRES, 2006, p. 80). Ademais, ao conjugar tal dispositivo com o novo art. 285­A do CPC, acrescido pela Lei 11.277/2006, percebe­se que eventual recurso dessa sentença poderá não ser nem recebido. Assim, se o magistrado decidiu de plano pela improcedência do pedido com base no referido art. 285­A e esse entendimento estiver de acordo com
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181 súmula do STF ou do STJ, o processo vai poder ter fim naquele juízo sem ter sido sequer triangularizada a relação processual. 4. O §3º do Ar t. 515 do CPC 4.1 Disposições ger ais Buscando atenuar a questão da morosidade da justiça, através da chamada “segunda fase da reforma do Código de Processo Civil”, a Lei nº. 10.352/2001 introduziu o §3º ao art. 515, com o seguinte teor: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”. O §3º do art. 515 do CPC passou, então, a permitir que o Tribunal julgue o meritum causae, sem que o juízo de primeiro grau assim tenha feito previamente, desde que preenchidos certos requisitos, quais sejam, o de a causa versar sobre questão exclusivamente de direito e de estar madura para julgamento. Quanto à primeira exigência do mencionado parágrafo, já residem nesse ponto críticas por parte da doutrina. É que se afirma que inexiste causa exclusivamente de direito, uma vez que sempre vai ser necessária a presença de elementos fáticos. Afinal, o direito nasce dos fatos. Um exemplo disso seria o reconhecimento da ocorrência de prescrição; ora, mesmo sendo a prescrição uma matéria eminentemente de direito, para decretá­la é necessário observar a data dos fatos (CAMBI, 2002, p. 183). Conforme registra Nelson Rodrigues Netto, rigorosamente, só é possível a ocorrência de causas exclusivamente de direito nas hipóteses de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, previstas no art. 102, I da Constituição Federal, uma vez que versam sobre questões de direito em tese, desvinculadas de quaisquer pretensões subjetivas (NETTO, 2004, p. 94). Ademais, apesar da expressão da norma fazer menção à “questão exclusivamente de direito”, a interpretação literal não seria a mais correta, porquanto acabaria por limitar demasiadamente a aplicação prática do dispositivo em comento. Dever­se­ia, então, utilizar por analogia o disposto no art. 330, I do CPC, o qual se refere à possibilidade de julgamento antecipado da lide quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (MARCATO, 2004, p. 1557­1558). Dessa maneira, o §3º do art. 515 abarcaria também as hipóteses de matéria de
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direito e de fato, desde que os fatos já estejam provados e submetidos ao necessário contraditório, não tenham suscitado divergência entre as parte ou que não necessitem de prova. A jurisprudência pátria, inclusive, também partilha dessa tese 3 . Ressalte­se ainda que apesar de o legislador ter utilizado a conjunção aditiva “e” no tocante à exigência de ser a matéria exclusivamente de direito e estar em condições de imediato julgamento, parte da doutrina considera que tal expressão deve ser interpretada como se houvesse a conjunção disjuntiva “ou”. Bastaria, então, que estivesse presente uma das duas situações para que o §3º do art. 515 pudesse ser aplicado (DIDIER JÚNIOR, JORGE, RODRIGUES, 2003, p. 79). Inclusive, essa não seria a primeira vez que o legislador teria utilizado erroneamente tais conjunções, uma vez que o art. 286 do CPC, caput, apesar de determinar que o pedido deve ser certo ou determinado, é certo que tais requisitos são cumulativos (MARCATO, 2004., p. 883). Por seu turno, causa madura para julgamento é aquela em que não é mais necessária a produção de provas, ou seja, é quando o feito se encontra regularmente instruído e pronto a fim de que seja proferida sentença de mérito. Para que a causa esteja madura para julgamento é preciso, então, que tenha sido assegurado o contraditório e a ampla defesa, porquanto o objetivo de legislador, ao se referir a questões exclusivamente de direito e em condições de imediato julgamento, foi respeitar os direitos constitucionalmente assegurados às partes. Nesse sentido, o §3º do art. 515 não pode ser aplicado, por exemplo, no caso de indeferimento de plano da petição inicial, uma vez que sequer houve a citação do demandado para apresentar defesa, sendo necessária a anulação da sentença pelo Tribunal, para que outra seja proferida pelo juízo a quo. Interessante questão é no tocante a extinção do mandado de segurança sem resolução do mérito, quando já findo o prazo para a autoridade apontada como coatora prestar as informações e para o Ministério Público ofertar parecer. Ora, estando regular o processo, sempre poderá o Tribunal julgar o meritum causae, visto que no writ of mandamus a prova tem que estar pré­constituída, não sendo cabível dilação probatória. Tal entendimento, ressalte­se, não vinha sendo albergado pelo STJ, por entender que sua competência em sede de recurso ordinário em mandado de segurança manifestava­se secundum eventum litis4 . No entanto, o mesmo tribunal tem
3 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª Região, Décima Turma, Rel. Des. Federal Galvão Miranda, AC 575882­SP, DJ 18/10/2004, p. 593. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, Quinta Turma, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, AC 413511­RS, DJ 27/08/2003, p. 648. 4 A esse respeito, conferir o acórdão unânime da 1ª Turma do STJ no ROMS 14.645/SC, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 18/06/2002, DJ 26/08/2002, p. 164. PARAHY BA
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183 considerado viável a análise imediata do mérito, no caso de reforma de acórdão que extingue o processo sem resolução do mérito, desde que presentes os demais requisitos do art. 515, §3º do CPC 5 . O STF, por sua vez, entende inaplicável o disposto no §3º do art. 515 às hipóteses de recurso ordinário em mandado de segurança de sua competência, visto que esta decorre diretamente da Constituição Federal 6 . 4.2 Faculdade ou dever do relator e aplicação de ofício Inicialmente é interessante indagar se a aplicação do §3º do art. 515 é uma faculdade ou um dever do relator ao apreciar o recurso de apelação, para então se perquirir se o Tribunal poderá utilizar o dispositivo em comento de ofício ou se ele depende da manifestação expressa do apelante. É certo que o legislador utilizou o verbo “poder” no tocante a aplicação pelo Tribunal do §3º do art. 515, no entanto, a mera leitura da norma não é suficiente para interpretá­la no sentido de que a aplicação de tal dispositivo é simples faculdade conferida ao relator. Conforme salienta Humberto Theodoro Júnior, em matéria de prestação jurisdicional, o termo “poder” se refere à competência de determinado órgão para prática de um ato, sendo, a princípio, um dever de atuar (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 270). Desse modo, não haveria simplesmente uma faculdade do órgão judicante, e sim um poder­dever. É que nenhuma decisão judicial pode ser entendida como um ato discricionário, porquanto ela deve circunscrever­se especificamente àquilo que o legislador previu para determinada circunstância (DORIA, 2003, p. 66). Nessa linha de pensamento, a aplicação do §3º do art. 515 deve ser feita sempre que estejam presentes os requisitos previstos no CPC, porquanto não se trata de mera liberalidade concedida ao órgão julgador. Por sua vez, maiores discussões existem quanto à possibilidade de o Tribunal adentrar no meritum causae no caso de haver requerimento da parte apelante exclusivamente no tocante à anulação da sentença terminativa, sem postulação no sentido de se julgar o mérito.
5 Nesse sentido: ROMS 19269/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 26/04/2005, DJ 13/ 06/2005, p. 215; ROMS 16961/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03/05/ 2005, DJ 23/05/2005. 6 RMS 24789/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. 23/10/2004, DJ 26/11/2004, p. 176­178; RMS 24309/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 17/02/2004, DJ 30/04/2004, p. 49. 184 PARAHY BA
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Por um lado, argumenta­se que a aplicação do §3º do art. 515 sem expressa manifestação do apelante atentaria contra o princípio dispositivo, o qual está relacionado à inércia da jurisdição e à congruência da providência jurisdicional, não podendo o Tribunal ir além dos limites pelos quais foi acionado 7 (OLIVEIRA, 2002, p.256). Destarte, o caput do art. 515 do CPC estabelece a matéria que pode ser objeto de análise por parte do Tribunal ao prever que “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Cabe, então, exclusivamente ao recorrente delimitar a extensão do efeito devolutivo da apelação, razão pela qual afrontaria direito das partes se o Tribunal adentrasse do mérito sem haver pedido para tanto (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 271­272). Leonardo Cunha acrescenta ainda que, se Tribunal examinar o mérito da causa sem que tenha havido pedido expresso da apelante, o julgamento estaria eivado de nulidade, porquanto seria extra ou ultra petita (CUNHA, 2002, p. 85­86). Ademais, caso inexistisse manifestação do apelante no sentido de ser aplicado o §3º do art. 515, a parte apelada, em suas contra­razões, não iria se defender sobre o mérito da demanda, o que atentaria contra o contraditório (KOZIKOSKI, 2004, p. 176). Em contrapartida, argumenta­se que em virtude da eficiência e da celeridade da prestação jurisdicional, fontes inspiradoras para o surgimento do §3º do art. 515 do CPC, não seria necessário pedido da parte para que seja julgado desde logo o mérito. Afinal, não há interesse legítimo na morosidade dos processos, devendo prevalecer o interesse público (MEDINA, WAMBIER, WAMBIER, 2005, p. 143­144). Diz­se ainda que o legislador utilizou a expressão poder justamente para permitir o julgamento pelo Tribunal independentemente de pedido na apelação, caso contrário, o §3º do art. 515 seria expresso no tocante a necessidade de manifestação da parte (ORIONE NETO, 2002, p. 289). Não há quebra do due processo of law nem exclusão do contraditório, porque o julgamento feito pelo tribunal incidirá sobre o processo precisamente no ponto em que incidiria a sentença do juiz inferior, sem privar as partes de qualquer oportunidade para alegar, provar ou argumentar – oportunidades que elas também já não teriam se o processo voltasse para ser sentenciado em primeiro grau jurisdicional. (DINAMARCO, 2003, p. 170). Assim, para esta última corrente doutrinária, as partes, quando da interposição do recurso de apelação, já estarão conscientes de que o Tribunal, presentes os requisitos
7 No mesmo sentido, Oreste Nestor de Souza Laspro. In Nova r efor ma pr ocessual civil: comentada. Alberto Camiña Moreira... ( et al.). São Paulo: Método, 2003, p. 259­260. PARAHY BA
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185 para análise do mérito, poderá examiná­lo. Deste modo, deve o apelante sopesar os seus interesses quando da interposição do recurso, porquanto ele sabe que o mérito poderá vir a ser analisado 8 . De fato, parece ser este último posicionamento o mais condizente com o objetivo do §3º do art. 515, caso contrário, a atividade jurisdicional poderia ficar à mercê de interesses puramente protelatórios do apelante ou até não ser requerida sua aplicação por mero desconhecimento. Ademais, não se pode esquecer que as modificações em matérias processuais têm eficácia imediata, e, considerar necessário pedido expresso do apelante, impediria a aplicação do §3º do art. 515 aos processos que se encontravam pendentes de julgamento nos Tribunais quando da inserção de tal dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro. 4.3 Reformatio in pejus Em razão dessa possibilidade de o Tribunal modificar o decisum recorrido, de forma a julgar o mérito, parte da doutrina entende que houve uma relativização – e até uma violação – do princípio da proibição da reformatio in pejus (KOZIKOSKI, 2004, p. 172). Apesar de não existir regra específica no Código de Processo Civil sobre a proibição da reformatio in pejus, decorre do sistema a impossibilidade de o Tribunal, quando do julgamento do recurso, agravar a situação daquela parte que recorreu, o que está em consonância com o princípio dispositivo. Afinal, de acordo com o caput do art. 515 do CPC, a regra é que apenas os capítulos da sentença que foram objeto de inconformismo pelo apelante podem ser objeto de análise pelo órgão ad quem. Caso o Tribunal aplique o §3º do art. 515 do CPC, inevitavelmente poderá advir uma decisão menos favorável ao apelante que a proferida pelo juiz a quo. Note­se que tendo sido o processo extinto sem resolução do mérito, nada impede que o autor intente outra ação com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, porquanto na anterior haverá apenas a chamada coisa julgada formal. No entanto, se o Tribunal julgar o mérito da causa, a sentença terminativa será substituída por uma de cunho definitivo, a qual faz coisa julgada material, impedindo a reprodução posterior da mesma ação. Nesse sentido, defende­se que o §3º do art. 515 permite a reformatio in pejus, a qual será absolutamente legítima, porquanto o Tribunal estará apenas adiantando o pronunciamento de mérito (CÂMARA, 2003, p. 92­93). Isso de qualquer forma 8 Afinal, a lei é de conhecimento de todos, a ninguém aproveitando a escusa de não conhecê­la, conforme art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil.
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seria feito posteriormente, porém com maior gasto de tempo, acaso fosse determinado que o juiz a quo proferisse nova sentença, e a parte que se sentisse prejudicada a impugnasse. É de se ressaltar que o autor que apelar de sentença terminativa já estará ciente do risco que corre, e que a piora da situação é inerente ao sistema. Assim, pelo fato de não constituir surpresa alguma, o §3º do art. 515 do CPC não colide com a garantia constitucional do due processo of law (DINAMARCO, 2003, p.171­172). Parece correto o entendimento de que neste caso não haverá a reformatio in pejus proibida pelo sistema processual brasileiro. A piora que poderá advir com a análise do mérito decorre do efeito translativo do recurso de apelação, tendo em vista que o §3º do art. 515 tratou de matéria de ordem pública, que o magistrado deverá conhecê­la de ofício. Assim, terá liberdade de julgar a demanda de acordo com o seu livre convencimento, seja para, conhecendo do mérito, dar ou negar provimento à apelação.
Afinal, a proibição da reforma para pior decorre do princípio dispositivo, enquanto que a análise de questões de ordem pública se relaciona com o princípio inquisitório. Ademais, não se pode ignorar que a tutela jurisdicional tempestiva e efetiva é um direito fundamental, motivo pelo qual deve haver os meios processuais aptos a garanti­ lo. Assim, é uma ilusão achar que será melhor para a parte ter o seu processo baixado para ser julgado novamente pelo juízo a quo e só então o Tribunal, por força de novo recurso, poder adentrar no meritum causae a fim de lhe negar o direito pleiteado. Ora, não se pode ignorar que uma prestação jurisdicional demasiadamente lenta é injusta por si só. A esse respeito, contudo, a jurisprudência dos Tribunais ainda é vacilante, havendo casos em que se deixa de aplicar o §3º do art. 515 do CPC em virtude da possibilidade de reforma da sentença para pior 9 . 5. Consider ações finais A despeito da inegável importância e necessidade do duplo grau de jurisdição – seja por causa do fator de natureza política, seja por questões psicológicas – consideramos o §3º do art. 515 do CPC um dispositivo extremamente positivo para o
9 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, Segunda Turma, Rel. Des. Antônio Cruz Netto, AMS 35787­RJ, DJ 07/11/2002, p. 181. No mesmo sentido: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO, Primeira Turma, Rel. Des. Francisco Wildo, AC 285598­PB, DJ 09/10/ 2003, p. 981. PARAHY BA
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187 ordenamento jurídico brasileiro, visando diminuir a morosidade na prestação jurisdicional. Efetivamente, não se pretendeu, aqui, pôr fim à clássica discussão entre qual dos valores é mais importante, se a celeridade ou a segurança jurídica. Entretanto, é de se ter em mente que mesmo para aqueles que consideram o duplo grau de jurisdição um princípio constitucional implícito, ele não pode ser visto de forma absoluta, como se fosse um dogma. Caso contrário, o seu próprio objetivo – conferir justiça na decisão – não seria alcançado, pois uma decisão tardia por si só já é injusta. Ademais, o acesso à justiça é princípio jurídico fundamental, exigindo o efetivo exercício desse direito, o que abrange a tutela jurisdicional tempestiva. Destarte, na hipótese de ocorrer conflito entre princípios constitucionais, conforme salientado por J. J. Gomes Canotilho, diferentemente do que acontece com as regras, não haverá uma relação antinômica, de exclusão entr e eles, podendo os dois coexistirem (CANOTILHO, 1998, p.1085). Assim, os princípios vão ser prestigiados na medida de suas importâncias para aquela hipótese, motivo pelo qual os princípios do duplo grau de jurisdição e o da celeridade devem ser ponderados em busca de garantir, de um modo geral, o acesso à ordem jurídica de forma justa. Ademais, com o novo inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, introduzido pela Emenda nº. 45/2004, a razoável duração do processo, com os meios que garantam a celeridade em sua tramitação, passou a ser direito fundamental explicitamente contido na Constituição, o que significa que tanto o legislador quanto os magistrados devem buscar mecanismos para agilização da prestação jurisdicional. É de se ressaltar, contudo, que nenhuma alteração legislativa irá surtir efeitos positivos sem que seja acompanhada de uma mudança de mentalidade por parte dos aplicadores do direito. Dessa forma, a utilidade do §3º do art. 515 só irá se fazer presente quando os relatores efetivamente o puserem em prática, o que vem ocorrendo paulatinamente e de forma positiva por parte de alguns, os quais, inclusive, ampliam o alcance de tal dispositivo 10 , o que finda por otimizar a prestação da tutela jurisdicional, sem que sejam desrespeitados o contraditório e a ampla defesa. 10 Cf. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª R. Quarta Turma. Rel. Des. Federal Marcelo Navarro. AMS 82509­AL , DJ 22/11/2004, p. 223.
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191 ARGUMENTOS FALACIOSOS NA DECISÃO DO STF:
O CASO DO HC N.º 71.373-4/RS Eveline Lucena Neri*
Resu mo O estudo da jurisprudência pátria tem revelado incongruências temerosas na interpretação e aplicação do direito. Em geral, os intérpretes não apresentam uma linha argumentativa clara, tornando confusa a discussão e diminuindo as possibilidades de controle da decisão. No intuito de identificar algumas dessas contradições, realizou­ se a análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em tema do Habeas Corpus n.º 71.373­4/RS, com base no modelo argumentativo oferecido por Manuel Atienza. Palavras­chave: Decisão. Argumentação jurídica. Falácias. Abstr act The study of Brazilian jurisprudence has disclosed fearful incoherences within legal argumentation. The interpreters, generally, do not present a clear argumentative line, confusing the discussion and diminishing the possibilities of decision’s control. In order to identify some of these contradictions, it was proceeded an interpretation from the decision pronounced by Brazilian Supreme Court – the Habeas Corpus n.º 71.373­ 4/RS – , on the basis of Manuel Atienza’s argumentative. Key words: Decision. Juridic Argumentation. Fallacies. Intr odução Nas sociedades democráticas contemporâneas, a exigência por transparência e legitimidade da atividade jurisdicional é cada vez maior. Reconhecidos os âmbitos político e moral que incorporam as decisões jurídicas, especialmente aquelas proferidas por cortes constitucionais, a produção judicial do direito também necessita passar pelo crivo da legitimidade democrática. *Mestranda em Direitos Humanos na UFPB 192 PARAHY BA
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Tradicionalmente, a atividade dos tribunais legitimava­se na crença da sistematicidade e da completude do ordenamento jurídico, aliada a uma concepção formalista da interpretação e aplicação do direito, para a qual os magistrados não criam direito no caso concreto, tão­somente traduzem o sentido da norma ou o desejado pelo legislador numa operação de mera inferência lógica. Todavia, a pluralidade dos fenômenos sociais e do jurídico em particular tem alimentado incertezas que, consideradas conjuntamente, levam ao descrédito desse modelo. Hodiernamente, têm recebido adesão as concepções anti­formalistas que, afirmando a dimensão criativa na atividade interpretativa e argumentativa dos juízes, localizam­se entre dois extremos: fornecer teorias normativas que permitam chegar à única decisão correta ou negar totalmente a possibilidade de racionalidade nas decisões judiciais. Essas questões são colocadas no primeiro tópico para situar a posição de Manuel Atienza sobre a argumentação jurídica apresentada no segundo momento. Embora Atienza entenda que em casos trágicos não há decisão correta, comportando qualquer solução aceitável aspectos positivos e negativos, não abre mão da racionalidade das decisões jurídicas. Para ele, se por um lado nem sempre é possível explicar os motivos que formam o consentimento do juiz, por outro lado o processo de justificação das decisões possibilita certo controle da determinação do conteúdo jurídico através do acompanhamento e da crítica às argumentações do aplicador, isto é, às razões práticas que apóiam as decisões. E com base no referencial oferecido por Atienza opera­se, num terceiro momento, a análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em tema do Habeas Corpus n.º 71.373­4/RS no intuito de identificar e superar algumas falácias jurídicas, como propostas por Atienza, estimulando, assim, a discussão e o controle das decisões judiciais. 1. Interpretação e aplicação do Direito Os enunciados jurídicos, enquanto expressões lingüísticas, são compreendidos nos contextos em que se inserem, requerendo uma interpretação que lhes atribua significado no caso concreto. Nesse sentido, interpretação é a atividade através da qual se dá sentido a um texto legal e a norma é o produto, isto é, o resultado desse processo.
Os jusfilósofos, em geral, ressaltam a interdependência entre interpretação e aplicação do direito. Embora alguns elaborem teorias distintas para cada um desses
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193 processos, respectivamente, interpretativas e argumentativas, estas se encontram e se completam no momento de construção da decisão jurídica, em que criação e aplicação do direito se entrelaçam, inclusive, comungando os mesmos problemas metodológicos e lingüísticos. Desde o final do século XVIII, as concepções interpretativas e argumentativas do direito situam­se entre concepções juspositivistas­formalistas e concepções anti­formalistas (SESMA, 2003, p. 18). O paradigma juspostivista­formalista é marcado pela idéia de certeza, traduzida no império do silogismo judicial e na crença acerca da sistematicidade e completude do ordenamento jurídico. As normas e os fatos são dados preexistentes e a interpretação de ambos consiste na mera dedução de uma conclusão a partir de certas premissas, isto é, determinadas as premissas de fato e de direito, chega­se ao momento final da decisão de maneira mecânica ou lógica. Assim, as decisões dispensam maiores argumentações, impondo­se um modelo abstrato e ideal de decisão judicial, em que a motivação se demonstra mais que se justifica, já que a solução apresenta­se como a única possível (SESMA, 2003, p.18). Atualmente, poucos autores defendem uma concepção formalista da interpretação e aplicação do direito, pois, tendo aberto mão a teoria jurídica da pretensa neutralidade, para assumir a influência de outros campos dos saberes, como a moral, a política, a sociologia e a filosofia em seu conteúdo, descortinou­se a “pseudo­ segurança” fornecida pelas correntes formalistas. De fato, na produção e aplicação jurídica, legisladores, administradores, juízes e demais envolvidos na prática jurídica precisam enfrentar a incerteza derivada do pluralismo epistemológico (diversos paradigmas científicos), moral (concepções particulares do bem, isto é, as quais variam em cada sociedade) e político (sociedades fragmentadas em que se inserem diferentes concepções de cidadania, como entendidas por grupos ou movimentos específicos) próprio das sociedades contemporâneas. Isso tudo agravado pela profusão de direitos que se dá, principalmente, com a descentralização da produção legislativa (além da criação proveniente do Legislativo de per se, há produção judicial, administrativa e costumeira de direitos, por exemplo) e pelo processo de juridificação, em que o direito tem assumido a resolução de conflitos outrora solucionados nos campos moral e político. Nesse contexto, as concepções anti­formalistas procuram lidar com a incerteza no do fenômeno jurídico, estabelecendo teorias da interpretação e da argumentação do direito que respondam mais adequadamente a essas dificuldades. De modo geral, entende­se que os enunciados jurídicos admitem vários significados, sendo a escolha de um dos sentidos possíveis resultado da atividade interpretativa e argumentativa.
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Em conseqüência, as normas jurídicas só se completam no caso concreto – a norma não mais se confunde com o texto legal – com a dimensão criativa dos juízes. É o que ensina Sesma quando afirma que as normas jurídicas não preexistem à interpretação, mas sim são resultados desta e os sistemas jurídicos não são necessariamente completos nem consistentes e frente às lacunas e antinomias os juízes criam direito (2003, p. 19). Por outro lado, as formulações anti­formalistas têm gerado uma séria discussão quanto à existência de métodos ou critérios que assegurem a racionalidade das decisões judiciais. Com a crise da hermenêutica tradicional, o método e a racionalidade, até então encarregados de legitimar o direito, deixaram de ser tidos como crenças, para serem redimensionados por alguns teóricos e desacreditados por outros como capazes de cumprir essa função. O fato é que na maioria dos sistemas políticos democráticos o Judiciário não deriva sua legitimidade da autoridade (ao contrário dos Poderes Legislativo e Executivo que têm representantes eleitos pelo povo), e sim a sustenta, principalmente, na pretensão de racionalidade das decisões judiciais, hoje bastante criticada. Por isso, autores como Perelman, Alexy e MacCormick tentam prescrever modelos de racionalidade para as decisões jurídicas, elaborando teorias interpretativas e argumentativas do direito, ou esclarecer aspectos das mesmas. Para Robert Alexy, por exemplo, a teoria interpretativa deve se unir a uma teoria argumentativa a fim de se resolver o problema da interpretação correta. Contudo, não basta o apelo a uma teoria argumentativa empírica (que descreve argumentações jurídicas existentes) ou analítica (que classifica os argumentos encontrados numa argumentação jurídica, analisando sua estrutura), pois o reconhecimento da interpretação como escorreita e racional exige, ainda, uma teoria normativa que fixe a força ou o peso dos diferentes argumentos e a racionalidade de uma fundamentação jurídica (1995, p. 46­47). A teoria argumentativa normativa proposta por Alexy é a teoria do discurso racional consistente num discurso prático cuja correção e racionalidade é alcançada quando nele se respeitam as condições de argumentação prática racional. Sendo, nas palavras de Alexy, a teoria do discurso racional uma teoria processual de correção prática (1995, p. 48) fundada em um sistema de regras do discurso. Todavia, adverte o próprio autor que sua a teoria discursiva racional não oferece um procedimento que permita alcançar sempre um resultado demasiado exato, pois não determina o ponto de partida do processo, isto é, as respectivas convicções normativas existentes e os interesses interpretativos dos participantes, nem estabelece todos os passos da argumentação e porque há uma série de regras do discurso que têm caráter ideal e por isso só podem ser satisfeitas aproximadamente. A teoria do discurso, portanto, uma teoria de decisão não definitiva (ALEXY, 1995, p. 51­52).
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195 No que tange às teorias argumentativas, como bem pontua Victoria Sesma (2003, p. 13), a discussão sobre a argumentação jurídica em geral e a judicial em particular tem se situado entre dois extremos: admitir que para qualquer caso individual sempre exista uma única solução correta e, nesse sentido, a tarefa do juiz consistiria em descobri­la a partir do texto legal ou tratar todos os casos como difíceis e, assim, a aplicação do direito seria inseparável da atividade criativa dos juízes. Dentro desse espectro, Manuel Atienza, em As razões do direito (2000), acredita que, ao menos em casos difíceis (casos trágicos), não há interpretação correta ou totalmente boa. Qualquer decisão tomada será, simultaneamente, boa e ruim. Em nada contribuindo o recurso a “eufemismos”, a exemplo, da proporcionalidade ou razoabilidade. Isso não implica, contudo, destituir qualquer possibilidade de racionalidade na tomada de decisão por parte do juiz, pois como sustenta Atienza: É possível que, de fato, as decisões sejam tomadas, pelo menos em parte, como eles sugerem, isto é, que o processo mental do juiz vá da conclusão às premissas e inclusive que a decisão seja, sobretudo, fruto de preconceitos; mas isso não anula a necessidade de justificar a decisão e tampouco converte essa tarefa em algo impossível; do contrário seria preciso negar também que possa ocorrer a passagem das intuições às teorias científicas ou que, por exemplo, cientistas que ocultam certos dados que se ajustam mal às suas teorias estejam por isso mesmo privando­as de justificação (2000, p. 26). A seguir, detalhar­se­ão as posições de Atienza, esclarecendo o que significa motivar uma sentença para o autor e como o processo justificatório pode ajudar a fixar parâmetros de racionalidade e controle do conteúdo do direito nas decisões judiciais. 2. Argumentação jurídica em Manuel Atienza Em Derecho y Argumentación (2005), Atienza entende o direito como argumentação, sob esse enfoque o direito seria uma técnica direcionada à solução de determinados problemas práticos provenientes de conflitos sociais e individuais. Sendo que, num Estado de Direito, exige­se que a resolução dos conflitos se dê não somente pela autoridade, mas também com legitimidade. Dessa forma, na atividade de produção e aplicação do direito, legisladores, administradores, juízes e demais envolvidos na prática judicial precisam argumentar, para justificar suas decisões. Dentro dessa
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perspectiva, a principal função da dogmática jurídica seria fornecer argumentos, de forma geral, mais gerais e sistemáticos para a tomada de decisão pelas instâncias de produção e aplicação das normas. O autor ressalta que decidir não se confunde com argumentar, pois os argumentos não são as decisões, senão as razões ou certo tipo de razões, dadas em favor da decisão (ATIENZA, 2005, p. 32). Distinguindo as espécies de razões em explicativas (que pretendem responder qual a causa e com que finalidade se tomou certa decisão) e justificativas (destinadas a fazer com que a decisão seja aceitável ou correta), Atienza afirma que motivar uma sentença significa oferecer uma justificação, e não uma explicação, à decisão em questão. Muito embora, nem sempre seja fácil ou desejável separar as atividades de explicar e justificar, especialmente porque a justificação de uma decisão, muitas vezes, passa pelo silogismo judicial, na medida em que se estabelecem enunciados empíricos (premissas possíveis) através de razões explicativas adequadas. Mas dizer que argumentos são razões e distingui­las em explicativas e justificativas nada esclarece sobre que concepção da argumentação (atividade) e do argumento (enquanto resultado deste processo) se está adotando. De fato, conforme observa Atienza, apesar de haver uma série de elementos comuns a qualquer concepção de argumentação ou argumento – sempre há uma linguagem, um enunciado que encerre o argumento e o estabelecimento de premissas e certa relação entre as premissas e a conclusão – existe uma multiplicidade de concepções, dentre as quais: a formal, a material e a pragmática (2005, p. 38­39). Tais concepções, assinala Atienza (2005, p. 50), devem ser entendidas como complementares numa teoria da argumentação jurídica. Com efeito, elas não se opõem necessariamente, na verdade, fornecem enfoques distintos do mesmo fenômeno ao enfatizarem mais certo aspecto: a validade formal das premissas e da conclusão (formal), o conteúdo dos argumentos (material) e o processo argumentativo e comportamento dos participantes (pragmática). É o entendimento também de Victoria Sesma, para quem as várias concepções da aplicação do direito não são opostas, fazem senão sobrepor diferentes tipos de discurso, constituindo uma tarefa prévia a qualquer análise acerca da aplicação e da argumentação jurídica distinguir as diferentes aproximações à questão (2003, p. 23). Atento à importância de tais enfoques, Atienza defende a tipologia e a relação mútua entre os aspectos formal, material e pragmático como ferramenta a ser utilizada numa teoria da argumentação jurídica, não apenas para fixar parâmetros que permitam reconhecer os bons argumentos, mas também identificar os maus argumentos, especialmente um tipo insidioso: os maus argumentos que parecem bons, a que chama
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197 de falácias (ATIENZA, 2005, p. 60). Na falácia formal, o sentido da premissa de que se parte é modificado, de modo não facilmente perceptível, para se chegar a uma conclusão que não deriva das premissas iniciais, mas da versão modificada (ATIENZA, 2005, p. 61). No exemplo dado por Atienza, analisando­se logicamente, percebe­se a falácia em que incorreu o aplicador ao haver passado, sem maiores razões, da premissa de que “a liberdade de configuração do legislador nesta matéria é reduzida” para “o legislador não tem nesta matéria nenhuma margem de configuração” e ter sua conclusão (seu argumento) derivado desta premissa modificada (2005, p. 64). No caso das falácias materiais, o problema não é percebido na relação lógica entre premissas e conclusão, mas no conteúdo das premissas quando não constitui uma boa razão ou porque se equivocou no balanço de razões (ATIENZA, 2005, p. 64). Assim, não seria errado converter as mulheres em objeto sexual porque estariam pior que os homens, senão porque tratar uma pessoa como objeto sexual vai contra sua dignidade, qualquer que seja seu sexo (ATIENZA, 2005, p. 64­65). E quanto à falácia pragmática, igualmente não se trata de uma contradição lógica. Os envolvidos no processo argumentativo divergem, nesse caso, quanto à finalidade ou alcance do conteúdo jurídico, sem que isso represente uma oposição. O exemplo de falácia pragmática dado por Atienza coincide com a situação apresentada na ação que será analisada adiante. 3. Estudo de caso Se bem que não elabora uma teoria da argumentação pronta e acabada, o que, diga­se de passagem, não é sua pretensão, Manuel Atienza oferece parâmetros a serem observados numa teoria argumentativa, como o estabelecimento de critérios que distingam os bons dos maus argumentos, dentre estes as falácias jurídicas. Na esteira do lecionado por Manuel Atienza, a análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em tema do Habeas Corpus n.º 71.373­4/RS, em 10/ 11/1994 não terá por fim concluir pela correção ou não da decisão, mas tão­somente, submetendo­a ao modelo escolhido, identificar os problemas nela contidos e modos de superá­los. No decisum em questão, os ministros do Supremo Tribunal Federal acordaram em deferir o pedido de habeas corpus, por maioria dos votos, contra decisão proferida pela Oitava Câmara Cível do TJRS, que, nos autos da ação de investigação de paternidade promovida por Thais Marques Rosa e Lívia Marques Rosa, irmãs gêmeas,
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ordenou a condução forçada do investigado, José Antônio Gomes Pinheiro Machado, ao laboratório, para fins de realização de coleta de sangue necessária ao exame do DNA. O cerne dos debates jurídicos na referida decisão está em determinar o valor conferido à negativa do investigado em submeter­se à prova biológica da paternidade, levando­se em consideração que: os demais meios de prova têm sua importância para demonstrar a pertinência da ação de investigação de paternidade, mas não possuem o condão de provar por si só a paternidade, capacidade esta que se poderia atribuir ao exame de DNA, dada a ínfima margem de erro atrelada à técnica utilizada a ser levada em consideração pelo magistrado; e que a única razão alegada pelo investigado para justificar sua negativa é a violação dos seus direitos à intimidade, à integridade física e à dignidade com a extração forçada de uma pequena quantidade de sangue de seu corpo. Capitanearam a discussão os argumentos sustentados pelos ministros Francisco Rezek, relator na ocasião, que se posicionou pelo indeferimento do pedido, e Marco Aurélio, que votou pela concessão da ordem de habeas corpus, havendo, ainda, votado pelo indeferimento do pedido os ministros Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence e votado pelo deferimento os ministros Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves e Octavio Gallotti (presidente). Organizada a posição dissidente, os seguintes argumentos podem ser realçados: 1. A questão é apresentada como uma colisão entre o direito das crianças de saberem suas ‘reais’ identidades e o direito do investigado a ver preservada sua intangibilidade física a ser resolvida pela regra da preponderância; 2. Essa ‘real’ identidade ou a ‘verdade real’ dos fatos poderia ser estabelecida pelo magistrado a partir do exame de DNA, dada a ‘certeza científica proporcionada pela nova técnica’; 3. Afirmou­se que o julgador deve valorar a insubordinação do investigado a submeter­se à prova junto aos demais elementos de prova e que essa recusa induz à presunção de paternidade, facilitando o desfecho da demanda, mas resolvendo de modo insatisfatório o tema da identidade do investigante; 4. Adotou­se interpretação do art. 27 da Lei n.º 8.069/90 “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”, de modo que a recusa do investigado em submeter­se ao exame hematológico figure como espécie de restrição ao reconhecimento do estado de filiação vedada pelo referido dispositivo; 5. Entendeu­se que a recusa do investigado implicaria descumprimento de um
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199 dever processual de colaboração com a Justiça, disposto no artigo 339 do CPC: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”; 6. E argumentou­se que o direito à integridade física não é absoluto e que, neste caso, o direito à identidade, que protege um interesse público, deveria preponderar frente ao princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado. Considerado que o sacrifício imposto à integridade física do paciente é ínfimo quando confrontado com o interesse do investigante ou com a certeza que a prova pericial pode proporcionar à decisão do magistrado. Em contrapartida, a posição majoritária apresentou os seguintes argumentos: 1. A ausência de dispositivo legal que discipline a questão especificamente não impossibilita a resolução da questão no plano jurídico, pois é possível o recurso à analogia. Em situações assemelhadas, como é o caso do § 2.º do art. 343 do CPC “Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a confissão”, o legislador tem previsto a admissibilidade ficta da verdade dos fatos; 2. Cabe ao magistrado, utilizando­se do instrumental jurídico disponível, valorar as provas, inclusive, determinar o valor probatório direcionado à recusa do investigado em se submeter ao exame de DNA e as conseqüências jurídicas dela advindas; 3. A recusa do investigado é legítima, já que, obedecido o princípio da legalidade, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. E, ainda que houvesse norma expressa obrigando­o a se submeter ao exame, ele deveria ter protegido seu direito à intangibilidade física e sua dignidade humana, tendo em vista que não se trata de uma questão de interesse público, mas de interesse pessoal e de cunho eminentemente patrimonial. Não se pode dizer como funcionou o raciocínio dos ministros que formaram a posição dissidente, ou seja, se partiram das premissas à conclusão ou vice­versa, mas é possível tecer algumas considerações. A utilização do princípio da proporcionalidade insinuou a presença de um caso trágico em que supostamente estariam em conflito o direito à dignidade das crianças (investigantes) e a intimidade e integridade física do investigado. Todavia, a questão reportada teria sido facilmente resolvida numa etapa anterior, já que tanto os votos vencedores (argumentos 1 e 2) quanto os minoritários (argumento 3) afirmaram que a recusa do investigado induziria à presunção de veracidade da prova, sem obstaculizar o reconhecimento da paternidade. Trata­se, assim, de identificar e valorizar os pontos comuns nas opiniões dos magistrados, o que é especialmente relevante num tribunal constitucional. É o que defende Manuel Atienza:
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O texto de uma sentença (ainda que seja de um tribunal constitucional) não pertence ao mesmo gênero que um artigo doutrinário. E que contribuir a manter o maior grau de consenso possível em torno de uma Constituição que, como a colombiana, contém em forma razoavelmente suficiente os princípios do Estado de Direito e da democracia, constitui um verdadeiro dever constitucional. Esse dever, em minha opinião, haveria sido cumprido se existisse uma oportunidade – o que ignoro – uma fundamentação para essa decisão que houvesse significado um menor grau de dissenso na comunidade jurídica e na opinião pública (tradução nossa) (2005, p.130). Pode­se identificar uma falácia de natureza formal na posição dissidente, qual seja a passagem direta do direito das crianças ao reconhecimento da paternidade ao direito a uma pretensa “verdade real” sobre suas identidades, quando o art. 27 da Lei n.º 8.069/90 “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça” somente assegura o direito irrestrito ao reconhecimento da paternidade e não a uma verdade não objetável sobre a identidade das investigantes. E, por fim, encontra­se uma falácia pragmática em que incorrem ambas as posições, ou melhor, os ministros que votaram na decisão: a suposição de que seriam logicamente opostos os argumentos da necessidade da realização do exame, para comprovar a veracidade das alegações das investigantes, e da legitimidade da negação pura e simples do investigado em se submeter à prova. Na verdade, os intérpretes discordaram pragmaticamente, uns se comprometendo a assegurar a realização do exame ou evitar o benefício do investigado, enquanto outros se comprometeram apenas a não adotar uma decisão que, objetivamente, a este favorecesse (ATIENZA, 2005, p. 68­69). 4. Conclusões A análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em tema do Habeas Corpus n.º 71.373­4/RS revela sérias contradições na argumentação jurídica perpetrada pelos seus ministros. Destacam­se três problemas principais: o desfavorecimento dos argumentos comuns às distintas posições, os quais, caso fossem observados e valorizados poderiam construir uma decisão unânime; a presença de uma falácia formal na posição dissidente,
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201 assinalando equívocos lógicos na argumentação; e uma falácia pragmática em que incorreram ambas as posições e percorreu toda discussão. Em síntese, os argumentos das posições dissidente e vencedora não obedecem a uma mesma linha argumentativa. Isso prejudica não só a clareza da discussão como a possibilidade de controle, por parte dos diretamente envolvidos e do público em geral, sobre a determinação do conteúdo do direitono caso concreto. Aludida análise, contudo, não aponta a arbitrariedade argumentativa das decisões jurídicas. Além de não se poder exigir que todos os intérpretes adotem dada teoria argumentativa, seus critérios não constituem métodos precisos e suficientes capazes de elidir o problema da legitimação da produção judicial. Instrumentos a disposição do intérprete as regras argumentativas são de grande valia no processo interpretativo. Entretanto, como assevera Gadamer (1998), tal momento de “racionalidade discursiva” não garante a verdadeira escuta, quer do texto, quer dos argumentos de outrem, essencial à criação judicial na hermenêutica jurídica e constitucional, em particular. Refer ências ALEXY, Robert. Teor ia del discur so y derechos humanos. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1995. ATIENZA, Manuel. As razões do Direito. Teorias da ar gumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2000. ________. ATIENZA, Manuel. Derecho y ar gumentación. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2005. GADAMER, Hans­Georg. Em conversación com Hans­Georg Gadamer. Trad: Teresa Rocha Barco. Madri: Editorial Tecnos, 1998. SESMA, Victoria Iturralde. Aplicación del derecho y justificación de la decisión judicial. Valença:Tirant lo Blanch, 2003.
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205 Palestra:
O Direito Internacional Privado e o Processo Civil na Itália
Palestrante: Filippo Corbetta
Evento: Simpósio sobre Reforma Processual
Data: 14 de agosto de 2006
Local: Auditório da Justiça Federal na Paraíba - João Pessoa - PB
Promoção: ESMAFE
Per me è un piacere oltre che un grande onore essere invitato da ESMAFE a partecipare all’odiernosimposio. Trovochesi tratti di un’ottima occasione di incontro e confronto tra professionisti, operatori e studiosi del diritto che operano in sistemi giuridici certamente differenti, ma che presentano non pochi aspetti in comune. Il mio contributo questa sera intende solo introdurre l’argomento centrale oggi in trattazione, ossia le profonde riforme che hanno di recente interessato il potere giudiziario ed il diritto processuale civile italiani. Mi limiterò, pertanto, a svolgere alcune considerazioni di carattere generale a proposito del così detto ”diritto processuale civile internazionale” ossia di quelle particolari regole di procedura civile che vengono in rilievo nelle controversie aventi ad oggetto rapporti giuridici transnazionali. Una prima osservazione, fondamentale per capire l’attuale stato di tale materia nell’ordinamento italiano, riguarda le fonti del diritto suscettibili di venire in rilievo: la legge processuale nazionale italiana (quella formulata dal Parlamento nell’esercizio della propria funzione legislativa o dal Governo nei limiti delle funzioni legislative ad esso attribuite dalla Costituzione), non è l’unica fonte regolatrice del processo civile celebrato in Italia che riguardi fattispecie internazionali. Al contrario, la disciplina delle controversie concernenti rapporti non totalmente interni al sistema giuridico italiano va ricercata sempre più spesso in fonti codificate da autorità diverse dal legislatore nazionale. E questo sia sotto il profilo della delimitazione della giurisdizione internazionale e del riconoscimento delle decisioni straniere sia sotto il profilo dell’esecuzione di specifiche attività processuali, quali la 206 PARAHY BA
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notificazione di atti e l’assunzione di prove. Ma procediamo per gradi. Ogni ordinamento giuridico dispone di regole proprie per disciplinare questioni di natura processuale quali la delimitazione della giurisdizione nazionale ed il riconoscimento delle decisioni e degli atti pubblici stranieri. Per quanto concerne l’Italia, la l. 31 maggio 1995 n. 218, recante riforma del sistema italiano di diritto internazionale privato, si propone non solo di stabilire quale sia il diritto applicabile alle fattispecie con elementi di estraneità, ma anche, appunto, di stabilire i confini della giurisdizione nazionale e di regolare il trattamento di decisioni ed atti stranieri. Sul versante della giurisdizione, la l. 218/1995 ha eliminato il requisito dell’universalità della giurisdizione nei riguardi dei cittadini italiani: almeno in linea di principio, la cittadinanza italiana di una delle parti cessa di essere indice di connessione necessaria ai fini dell’attribuzione ai giudici nazionali del potere di decidere la controversia. L’art. 3, infatti, stabilisce che la giurisdizione italiana sussiste in tutti i casi in cui il convenuto abbia domicilio o residenza in Italia, o qualora sia presente nel territorio dello Stato un suo rappresentante processuale. La portata pratica dell’importante novità appena registrata è, tuttavia, fortemente limitata da numerose norme speciali in materia di giurisdizione che, soprattutto in materia di rapporti familiari, attribuiscono la giurisdizione ai giudici italiani sul presupposto della cittadinanza italiana di una delle parti coinvolte. È il caso, ad esempio, dell’art. 9, relativo alle ipotesi di giurisdizione volontaria, dell’art. 32 in materia di separazione personale scioglimento del matrimonio o sua nullità o annullamento, e dell’art. 37 relativo alla giurisdizione in materia di filiazione e rapporti personali fra genitori e figli. La legge di riforma del 1995, inoltre, ammette che le parti deroghino, previo accordo scritto, la giurisdizione italiana: pur essendo limitata alle controversie concernenti diritti disponibili, la facoltà concessa alle parti di sottrarre ai giudici italiani una controversia loro spettante, è stata accolta come uno dei cambiamenti più significativi introdotti dal legislatore del 1995. Alla facoltà di deroga appena richiamata, contenuta nei limiti indicati, si contrappone una ben più ampia facoltà di proroga della giurisdizione italiane: le parti, infatti, possono decidere
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207 consensualmente di estendere i poteri cognitivi dei giudici italiani al di là dei gia vasti confini previsti dalle norme positive, previo semplice accordo scritto e senza limitazioni ratione materiae. La proroga della giurisdizione, d’altra parte, può essere determinata anche dal comportamento processuale del convenuto che si costituisca senza eccepire nel primo atto difensivo la carenza di giurisdizione. Sul versante del riconoscimento delle decisioni straniere, invece, va ricordato che la riforma del 1995, allineandosi con quanto tempo addietro stabilito dalla Convenzione di Bruxelles del 1968, sulla giurisdizione in materia civile e commerciale e sul riconoscimento ed esecuzione forzata delle decisione rese nel territorio degli Stati contraenti, ha introdotto il principio del riconoscimento automatico, essendo necessario l’intervento del magistrato solo nel caso di contestazione della sussistenza dei requisiti indicati dalla legge o qualora sia necessario procedere ad esecuzione forzata. Per quanto concerne la disciplina del processo civile di fronte ai giudici italiani, l’art. 12 l. 218/1995 impone l’applicazione della legge processuale italiana anche in relazione alle fattispecie che presentino elementi di estraneità. E ciò, davvero, non sorprende. Come ogni sistema giuridico statale, infatti, anche l’Italia, impone ai giudici nazionali l’applicazione delle norme procedurali interne, in ossequio al principio della territorialità della legge processuale. La ragione di questa tendenza è evidente: l’esercizio della giurisdizione costituisce una delle funzioni essenziali dei moderni Stati di diritto; di conseguenza, le concrete modalità di esercizio di tale funzione non possono che essere dettate dal legislatore nazionale. Ma l’art. 2 della stessa legge conferma la prevalenza sulle norme nazionali delle convenzioni internazionali in vigore per l’Italia. Ed a maggior ragione risulta confermato il principio della supremazia del diritto comunitario sulle norme di diritto interno, per effetto dell’adesione dell’Italia a quella particolarissima e complessa entità sopranazionale, in costante divenire, oggi nota come Unione Europea. Fino al 1999, la cooperazione internazionale in materia giudiziaria, era perseguita per mezzo di veri e propri accordi tra Stati sovrani, anche all’interno dello spazio giuridico comunitario. In tale contesto, la principale fonte normativa in
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materia processuale civile era senza dubbio la già richiamata Convenzione di Bruxelles del 1968, sulla giurisdizione in materia civile e commerciale e sul trattamento delle sentenze rese nel territorio degli Stati contraenti. Detta Convenzione è tutt’ora in vigore, seppure entro i limiti assai angusti entro i quali è stata relegata dal recente Regolamento n. 44/2001 che le si sovrappone pressoché integralmente. Ad essa si affiancavano, poi, numerose altre convenzioni multilaterali o bilaterali. A partire dal 1999, invece, anno dell’entrata in vigore del Trattato di Amsterdam, la materia della cooperazione giudiziaria tra gli Stati europei fu ”comunitarizzata”: vale a dire che il nuovo articolo 65 del Trattato istitutivo attribuisce al legislatore europeo il potere di disciplinare direttamente diversi aspetti del diritto processuale transfrontaliero da attuare nel territorio dell’Unione. L’autorità cui sono attribuiti tali poteri è il Consiglio, e lo strumento normativo prescelto è il Regolamento, che ha efficacia diretta ed immediata nel territorio di tutti gli Stati membri. La competenza normativa attribuita al Consiglio nella materia processuale civile non è, a ben vedere, né universale né completamente discrezionale: il Trattato prevede espressamente che le disposizioni regolamentari emanate dal Consiglio sono applicabili solo nei processi con implicazioni transnazionali, e che la predetta potestà normativa deve in ogni caso essere esercitata per realizzare i fini propri della comunità e nella misura necessaria al perseguimento di tali fini. Anche con le precisazioni appena svolte, tuttavia, l’importanza della novità introdotta dal nuovo art. 65 del Trattato è evidente: la realizzazione di uno spazio giudiziario comune a tutti gli Stati membri cessa di essere un obiettivo da perseguirsi esclusivamente per mezzo di accordi internazionali tra questi ultimi. Nell’attuale contesto, infatti, un organo sopranazionale è dotato dei poteri necessari per introdurre norme processuali direttamente applicabili nel territorio di ciascuno Stato membro; e così, ogni giudice di ogni Stato comunitario è tenuto ad applicare regole processuali emanate da un’autorità sopranazionale, non oggetto di ratifica da parte del Parlamento del proprio Stato di appartenenza. Ma non solo: ogni giudice di ogni Stato comunitario, infatti, è anche tenuto ad applicare tali norme conformemente ai principi fondamentali del diritto comunitario, oggetto di elaborazione
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209 da parte della Corte di Giustizia di Bruxelles. L’importanza dell’obbligo in capo al giudice nazionale di adeguare la propria applicazione del diritto comunitario ai principi indicati dalla giurisprudenza della Corte di Giustizia è facilmente intuibile se solo si considera che, nell’ambito dell’ordinamento italiano, il giudice è soggetto solo alla legge: vale a dire che egli può discostarsi dai principi in precedenza enunciati dalla Corte di Cassazione italiana, ove ritenga preferibile un’interpretazione alternativa del dato normativo nazionale. Al contrario, il giudice italiano, nell’applicare il diritto comunitario, non può disattendere i principi enunciati da quel particolare organo di giustizia sopranazionale che è la Corte di Giustizia di Bruxelles. Se a ciò si aggiunge che l’obbligo di immediata applicazione del diritto processuale civile comunitario impone anche al giudice di non applicare le disposizioni nazionali che siano incompatibili con le regole dell’Unione, ben si comprendono le perplessità da più parti manifestate circa l’evidente compressione della sovranità nazionale che derivano dallo sviluppo del modello comunitario lungo siffatte direttrici. Ma non è certo questa la sede opportuna per affrontare il complicato argomento della progressiva formazione dell’ordinamento giuridico comunitario, caratterizzato da progressi assai significativi, basti pensare al processo di uniformazione delle regole processuali che, come si vedrà tra breve, fa registrare progressi costanti, ed altrettanto importanti battute d’arresto, come ad esempio il recente rifiuto, tramite referendum, da parte di alcune nazioni della ratifica del così detto Trattato costituzionale dell’ Unione europea. Giungendo così al termine di questa rapidissima rassegna, può essere interessante elencare le principali fonti regolamentari oggi in vigore nel territorio dell’Unione. Come si vedrà, pur utilizzando sempre lo strumento del regolamento, il Consiglio ha di volta in volta perseguito finalità diverse. In alcuni casi, le norme introdotte si sovrappongono alle disposizioni nazionali nella delimitazione della giurisdizione dei giudici dei vari Stati membri e nella disciplina della circolazione nel territorio dell’Unione di decisioni, provvedimenti ed atti resinel territorio di uno Stato membro. È il caso del già citato Regolamento n. 44/2001, concernente la competenza giurisdizionale, il riconoscimento e l’esecuzione delle decisioni in materia civile e
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commerciale e del Regolamento n. 2201/2003, relativo alla competenza, al riconoscimento e all’esecuzione delle decisioni in materia matrimoniale e in materia di responsabilità genitoriale. Altri regolamenti rendono uniforme la disciplina di determinati atti processuali o di determinate azioni: sotto il primo profilo, i regolamenti n. 1206/2001 e 1348/2000 sono rispettivamente dedicati alla cooperazione fra le autorità giudiziarie degli Stati membri nel settore dell’assunzione delle prove in materia civile e commerciale ed alla disciplina della notificazione e della comunicazione negli Stati membri degli atti giudiziari ed extragiudiziali nelle materia civile e commerciale; mentre il regolamento n. 1346/2000 introduce una disciplina uniforme per le procedure d’insolvenza transfrontaliere interne al territorio dell’Unione. Da ultimo, nel 2004, è entrato in vigore il regolamento n. 805/2004, che istituisce il titolo esecutivo europeo per i crediti non contestati. Questi, in breve, i regolamenti comunitari oggi vigenti in materia di cooperazione giudiziale tra Stati membri e diritto processuale civile internazionale. La creazione di uno spazio giuridico comune a tutti gli Stati membri dell’Unione sembra, ad oggi avere le caratteristiche di un vero e proprio work in progress. Con tutte le difficoltà che si possono incontrare verso un obiettivo così ambizioso, l’individuazione dell’obiettivo da conseguire non sembra più essere in discussione. Senza dubbio utile nel progresso verso una sempre più definita zona giuridica comune sarà la, oggi probabile, entrata in vigore di regolamenti disciplinanti i conflitti di leggi in materia di obbligazioni extra­contrattuali e di crisi del matrimonio, cui dovrebbe accompagnarsi la pressoché integrale sostituzione della Convenzione di Roma del 1980 in materia di obbligazioni contrattuali da parte di un nuovo regolamento del Consiglio, sulla falsariga di quanto già avvenuto in relazione alla Convenzione di Bruxelles del 1968 da parte del Regolamento n. 44/2001.
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PROCESSO N.º 2002.8127-4, CLASSE 2.000
MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE(S): ELTON DE CARVALHO BRITO, ASSISTIDO
POR MANOEL BRITO GOMES E ELIANE CARVALHO BRITO, E
MARIA DAS DORES FERNANDES DE MELO
DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO: FREDERICO RODRIGUES VIANA
DE LIMA
IMPETRADO(S): PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE
DE VESTIBULAR – COPERVE E PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO
DA UFPB
SE NTE NÇ A
Apreciando o pedido de liminar, abordei inicialmente a matéria nos seguintes
termos (fls. 34/38):
“Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado
por Elton de Carvalho Brito, menor assistido por Manoel Brito Gomes e
Eliane Carvalho Brito, e Maria das Dores Fernandes de Melo, contra
ato apontado ilegal do Presidente da Comissão Permanente de Vestibular
– COPERVE e Pró-Reitora de Graduação da UFPB, visando à inscrição
dos Impetrantes no Processo Seletivo Seriado – PSS – 2003, sem o
pagamento da respectiva taxa de inscrição, bem como à participação
nas provas do concurso.
Efetivaram suas inscrições para participar no PSS – 2003, nos cursos
de Ciências Econômicas e Nutrição.
O novo regulamento do certame, alterando a sistemática anterior, aboliu
a isenção da taxa de inscrição para os candidatos que concluíram o
ensino médio em escolas públicas.
Os Impetrantes realizaram as inscrições sem o pagamento da respectiva
taxa, no valor de R$ 70,00 (setenta reais), em face de não terem condições
de arcar com o referido valor. Em razão disso, foram notificados pela
COPERVE para proceder ao “complemento do valor pago a menor, sob
pena de indeferimento da inscrição”.
Entendem que houve significativa alteração das regras do certame, no
que se refere ao item 2, do Edital nº. 14/2002, que beneficia com a isenção
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da taxa de inscrição apenas os alunos que estão matriculados na rede
pública de ensino, existindo, desse modo, ofensa ao princípio da isonomia,
suprimindo-se a igualdade no acesso ao ensino superior.
Pedem a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e o
deferimento de liminar, para que “ ... a Comissão Examinadora proceda
à inscrição dos impetrantes no Processo Seletivo Seriado 2003, e permita
que os mesmos realizem as provas do aludido certame;”
Com a Inicial, documentos (fls. 13/30).
É o relatório. Decido.
Os Impetrantes pretendem a inscrição no Processo Seletivo Seriado PSS – 2003, sem o pagamento correspondente da taxa de inscrição,
bem como participação nas provas do concurso.
Insurgem-se contra a cobrança da taxa de inscrição, sob a premissa
de que, a despeito de não se encontrarem matriculados em escola da
rede pública do Estado da Paraíba, nela concluíram o ensino médio,
fazendo jus, desse modo, ao benefício isencional em questão.
Sustentam a ilegalidade do item 02, do Edital nº. 14/2002, que restringe
a isenção da taxa de inscrição aos alunos matriculados no ensino
médio em escola da rede pública estadual, por ocasião da inscrição
no PSS – 2003.
O pedido, em sede liminar, está posto nos seguintes termos, verbis (fls.
11/12):
“b) o deferimento de medida liminar, inaudita altera parte, a fim de que
a Comissão Examinadora proceda à inscrição dos impetrantes no
Processo Seletivo Seriado 2003, e permita que os mesmos realizem as
provas do aludido certame;” (grifei)
Os Impetrantes concluíram o ensino médio em escolas da rede pública
estadual (fls. 18 e 25), sendo:
Impetrante Escola em que Dada da conclusão do concluiu o ensino ensino médio. médio. Elton Brito de Carvalho Lyceu Paraibano 30.12.2001
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Maria das Dores Fernandes de Melo JUDICIÁRIA
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Escola Estadual de Ensino Médio Prefeito 30.12.1999
Osvaldo Pessoa Consta nos autos documento em que o Presidente da COPERVE solicita
aos Impetrantes a complementação da taxa de inscrição, nos seguintes
termos (fls. 22 e 30):
“Ao Senhor(a)
Solicito enviar URGENTE a esta COPERVE o documento abaixo
assinalado:
X Complementação da taxa de inscrição no valor de R$ 60,00 reais
(fazer depósito no Banco do Brasil, em favor da FUNAPE/COPERVE/
PSS-2003, Agência 3277-8, Conta Corrente nº 11.339-5. E enviar
comprovante original desta complementação).
...
Caso o documento solicitado não chegue à COPERVE até o dia 11/10/
2002, sua inscrição não será efetuada.
Atenciosamente,
Prof. João Batista Correia Lins Filho
Presidente da COPERVE”. (grifei)
O item 2 do Edital nº 14/2002, que disciplina o Processo Seletivo Seriado
– 2003, prevê que são isentos da taxa de inscrição os candidatos
matriculados no ensino médio em escola da rede pública do Estado da
Paraíba, nos seguintes termos (fl. 21):
“Pelo presente Edital, torno público que as inscrições ao Processo Seletivo
Seriado – 2003 para ingresso nos cursos de graduação da Universidade
Federal da Paraíba – UFPB e da Universidade Federal de Campina
Grande – UFCG e no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar
do Estado da Paraíba obedecerão às seguintes disposições:
...
2. Isenção da taxa de inscrição para os candidatos matriculados no
ensino médio em escola da rede pública do Estado da Paraíba, bem
como para os candidatos com bolsa integral em escola da rede privada
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do Estado da Paraíba matriculados no ensino médio no ano 2002.” (grifei)
Nos termos do item 2, do anterior Edital nº. 12/2001, relativo ao PSS –
2002, a isenção se estendia aos alunos que haviam concluído o ensino
médio em escola da rede pública estadual:
“2. Isenção da taxa de inscrição para os candidatos matriculados no
ensino médio em escola da rede pública do Estado da Paraíba ou que
concluíram o ensino médio em escola desta mesma rede, bem como para
os candidatos com bolsa integral em escola da rede privada do Estado
da Paraíba matriculados no ensino médio no ano 2001.” (grifei)
A Constituição Federal de 1988 garante a todos o direito de acesso à
educação, visando ao desenvolvimento intelectual, pessoal e profissional
dos indivíduos, como se observa nos arts. 205 e 206, I1 .
Tais situações estão relacionadas à isonomia ou igualdade de condições
na disputa pelo ingresso em instituições públicas de ensino superior, cujos
cursos são concorridos, por sua qualidade e gratuidade.
Ao modificar a regra editalícia anteriormente em vigor, suprimindo de
parcela dos candidatos um benefício decorrente de sua presumida
condição de carên cia econ ômica, o Edital nº. 14/2002 - UFPB
incompatibilizou-se com os aludidos princípios constitucionais do acesso
à educação e da igualdade.
A esse propósito, o precedente, mutatis mutandis:
“ CONSTITUCIONAL. TAXA DE INSCRIÇÃO EM CONCURSO
VESTIBULAR. ART. 206, I, CF.
1. É certo que tem este Egrégio Tribunal entendido que a Constituição
Federal não proíbe a cobrança de taxas para a inscrição em
concurso Vestibular, mas, uma vez que o edital do certame prevê isenção
para os estudantes paraibanos presumidamente carentes, não pode tal
direito ser afastado dos demais estudantes do país que se encontrem na
1
Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua classificação para o trabalho. (grifei)
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola.
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
217
mesma condição.
2. Ao conferir privilégio aos estudantes paraibanos, em detrimento dos
estudantes dos demais estados da federação, o edital do concurso
vestibular em questão afrontou claramente a magna carta, tendo em
vista que a igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola é princípio insculpido no inc. I, do seu art. 206.
3. Hipótese em que restou devidamente comprovada nos autos a situação
de carência do autor, pelo que possui direito de efetuar a inscrição no
certame sem o pagamento de taxa.
4. Remessa oficial improvida.” (TRF – 5ª Região – 4ª Turma, REO 228715,
Relator Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j.
31.10.2000, DJ de 17.11.2000, pág. 499).
Se, por um lado, não cabe ao Judiciário interferir na órbita da autonomia
administrativa e didático-científica das instituições de ensino superior
(CF/88, art. 207 2 ), para correção das regras por elas mesmas
estabelecidas, salvo quando se tratar de ilegalidade, por outro, é dever
do Estado assegurar o pleno desenvolvimento do educando, garantindolhe igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, nos
termos dos arts. 2º e 3º, da Lei n°. 9.394, de 20.12.19963 (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, nominada Darci Ribeiro).
ISTO POSTO:
1) Defiro a gratuidade judiciária;
2) Defiro a liminar para determinar ao Presidente da COPERVE que
proceda à inscrição dos Impetrantes no Processo Seletivo Seriado – PSS
- 2003, sem o pagamento da correspondente taxa de inscrição.
Notifique-se para cumprimento e para as informações, em 10 (dez) dias.
Após, vista ao Ministério Público Federal.
João Pessoa, 21 NOV 2002.
ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE
2
As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
(grifei)
3
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
PARAHY BA
218
JUDICIÁRIA
Juiz Federal” (grifos no original)
A Pró-Reitora de Graduação da UFPB prestou as In for mações,
acompanhadas de documentos, enfocando (fls. 44/61):
- Em preliminar:
A ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que não praticou e nem materializou
o ato apontado ilegal. Requereu a extinção do feito, sem julgamento do mérito, por ser
o Impetrante carecedor da presente ação mandamental.
-No mérito:
Reporta-se a arquivamento de processo administrativo instaurado pelo Ministério
Público Federal, em que se discutia a questão da isenção da taxa do vestibular e os
ônus do custeio de sua realização. Afirma que não era possível à UFPB manter a
mesma sistemática da isenção do pagamento da taxa àqueles alunos que já haviam
concluído o ensino médio na rede pública estadual, porque de outro modo inviabilizaria
a realização do PSS.
Pondera que:
“ Inviabilizaria porque, a uma, não dispõe a UF PB de subvenções
do MEC capaz de lhe auxiliar na realização do processo seletivo seriado,
em comento. Necessário se fez, por isso, a devida adequação desse
sistema, no sentido de impor aos candidatos uma taxa, excetuando-se os
matriculados na rede pública de ensino.
A duas, porque essas taxas de inscrição constituem-se em fonte
ú n ica de receita fin an ceira da UF PB para o cu steio das despesas
próprias desses certames.
É válido que se ressalte o fato de que a média de isenção da taxa
do PSS praticada pela UFPB, nos últimos anos, atingiu a expressiva
marca de 50% (cinqüenta por cento) do número total de inscritos,
constituindo-se, assim, nu dos percentuais mais elevados do país em
termos de isenção dessas taxas.” (grifei)
Sustenta que não houve preterição ao princípio constitucional do acesso
à escola e que, diante da realidade sócio-econômica do país e do PSS, o
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
219
princípio da eficiência foi observado pela UFPB, bem como o da legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade.
O Presidente da COPERVE apresentou as Infor mações dando o
mesmo tratamento de mér ito à questão, como o fizera a Pró-Reitora de
Graduação (fls. 62/77).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pela denegação
da segur ança (fls. 80/82).
É o r elatór io. Decido.
Pr eliminar de ilegitimidade passiva
A Pró-Reitora de Graduação da UFPB suscita a preliminar de
ilegitimidade passiva ad causam, sob a premissa de que não praticou e nem
materializou o ato apontado ilegal, configurado na exigência do pagamento da
taxa no valor de R$ 70,00, para efeito de inscrição dos Impetrantes no Processo
Seletivo Seriado – 2003, da UFPB.
Vê-se que o Edital nº 14/2002/UFPB, disciplinando a inscrição no PSS20034 (fls. 21), fora expedido pela Pró-Reitora de Graduação da UFPB em
conjunto com o Pr esidente da COPERVE. Decorre desta circunstância a
legitimidade passiva ad causam da autoridade.
Rejeito, pois, a argüição de ilegitimidade passiva.
Mér ito
Há pouco a acrescentar ao fundamento que adotei no exame do pedido de
liminar (fls. 34/38).
Os Impetrantes concluíram o ensino médio em escolas da rede pública do
Estado da Paraíba (fls. 18 e 25), respectivamente:
4
O Item 1 do Edital trata do valor da taxa de inscrição, enquanto o Item 2 cuida da isenção para os
candidatos matriculados no ensino médio em escola da rede pública do Estado da Paraíba, bem como
para os candidatos com bolsa integral em escola da rede privada do Estado da Paraíba, matriculados
no ensino médio em 2002 (fls. 21).
PARAHY BA
220
Impetrante Elton de Carvalho Brito Maria das Dores Fernandes de Melo JUDICIÁRIA
Escola em que concluiu Data da conclusão do o ensino médio ensino médio Lyceu Paraibano 30.12.2001 Escola Estadual de Ensino Médio Prefeito 30.12.1999
Osvaldo Pessoa Em face do critério previsto no Edital nº 14/2002/UFPB5 , estariam excluídos
do benefício da isenção do pagamento da taxa de inscrição no PSS-2003, por já
terem concluído o ensino médio na rede pública estadual ao tempo da abertura
da inscrição no vestibular.
As considerações feitas pelas autoridades impetradas acerca das restrições
financeiras para limitar os beneficiários da isenção da taxa cedem diante das garantias
constitucionais do acesso à escola com o correlato dever do Estado em assegurar
este mesmo acesso.
É certo que não cabe ao Judiciário interferir na órbita da autonomia
administrativa e didático-científica das instituições de ensino superior (Constituição
Federal de 1988, art. 2076 ), para correção das regras por elas mesmas estabelecidas,
salvo quando se tratar de ilegalidade. A contrapartida está em que é dever do Estado
assegurar o pleno desenvolvimento do educando, garantindo-lhe igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola, nos termos dos artigos 205 e
206 da Constituição Federal e artigos 2º e 3º, da Lei n°. 9.394, de 20 de dezembro de
19967 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nominada Darci Ribeiro).
5
Edital nº 14/2002/UFPB:
1. Ta xa de inscr içã o, incluído o Ma nua l do ca ndida to, no va lor de R$ 30,00 pa r a a s pr ova s
r efer en tes a pena s à 1ª Sér ie, de R$ 20,00 pa r a a s pr ova s r efer entes a p ena s à 2ª Sér ie, de
R$ 20,00 p a r a a s p r ova s r efer ent es a p ena s à 3ª Sér ie e d e R $ 70,00 pa r a o conj un to de
p r ova s r efer en tes à s t r ês sér ies do en sin o méd io.
2.Isençã o da ta xa de inscr içã o pa r a os ca ndid a tos ma tr icula dos n o ensino médio em escola
da r ed e pú blica d o Esta do da Pa r a íba , bem como p a r a os ca nd ida t os com bolsa in tegr a l
em escola d a r ed e p r iva da do Esta do da P a r a íb a , ma tr icu la dos n o ensin o m éd io no a no
2002.
6
CF:
As universidades gozam de a utonomia didá tico-científica , a dministr a tiva e de gestã o financeir a
e patr imonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (grifei)
7
CF:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
221
Com efeito, a educação é dir eito fundamental inserido no Título VIII
– Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto,
Seção I – Da Educação, da Constituição Federal. Para o Estado e a família
constitui dever , com o fim de assegurar o pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para a cidadania e a qualificação para o tr abalho.
Entre os princípios constitucionais que regem o ensino estão a igualdade de
condições para o acesso e per manência na escola, inclusive nos níveis
mais elevados. Estabelece que a não ofer ta, ou oferta ir r egular , do ensino
obr igatór io pelo Poder Público ensejará a r esponsabilização da autoridade
competente, quando se vislumbra o parâmetro constitucional da eficiência
da Administração Pública8 , introduzido pela neo Emenda nº 19, de 05 de
junho de 1998, dando nova redação ao artigo 37.
O conjunto de princípios constitucionais relativos à educação baliza a
atuação do Poder Público, nas distintas esferas de governo. Preteri-los, ou
mitigá-los, não é conduta que se espera das instituições ou agentes públicos
envolvidos.
Se há restrições orçamentárias da instituição de ensino que impedem a
ampliação do rol de beneficiários da isenção da taxa, significa dizer que as
diretrizes constitucionais da educação são quimera, e que claudica a União
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualda de de condições para o acesso e per manência na escola;
Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições par a o a cesso e per ma nência na escola; (grifei)
8
CF:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência e, também, ao seguinte:
...
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a gar antia de:
...
I – ensino fundamental obr igatór io e gr atuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os
que a ele não tiveram acesso na idade própria;
...
V - a cesso a os níveis ma is eleva d os do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um;
...
§ 1º - O a cesso ao ensino obr iga tór io e gr a tuit o é dir eito público su bjetivo.
§ 2º - O nã o-ofer ecimento do ensino obr iga tór io pelo Poder Público, ou sua ofer ta ir r egula r ,
importa r esponsa bilida d e da autoridade competente.
222
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
em suas obr igações legais de custeio das univer sidades feder ais9 . Uma
vez inadmissível tal comportamento, a ordem jurídico-constitucional e legal
deve ser restabelecida.
A propósito da questão da taxa de inscrição no vestibular, proferi
sentença nos autos da Ação Civil Pública (Pr ocesso nº 92.7296-8) movida
pelo Ministério Público Federal em face da UFPB, adotando o seguinte
fundamento relativo à impr escindibilidade da pr evisão legal da taxa e da
isenção, dado o seu caráter tr ibutár io:
“(...)
Centrada a postulação na assertiva de inconstitucionalidade da cobrança,
em razão da capacidade contributiva em que a exação é indistinta e a
isenção é precariamente estipulada, em prazo e requisitos, merece exame
a compatibilização da exigência com os cânones constitucionais.
O verbete TAXAS ESCOLARES* está assim enunciado:
‘são quantias cobradas pelos estabelecimentos de ensino superior,
antecipadamente ou não, segundo que resolver a CEnE criada junto ao
CEF, e relativos à prestação de serviços específicos, p. ex. inscrições,
matrículas, expedição de documentos etc...(in Dicionário de Legislação
do Ensino, por MOACIR BRETAS SOARES, Ed. F.G.U., p. 190)
Colhe-se do Decreto-Lei nº 532, de 16.04.69, que dispõe sobre a
fixação e o reajustamento de anuidades, taxas e demais contribuições
do serviço educacional a competência do Conselho Federal de
Educação, no âmbito das respectivas competências a fixação e o
reajuste das anuidades, taxas e demais contribuições correspondentes
aos serviços educacionais, prestados pelos estabelecimentos federais,
estaduais e municipais e particulares (Art. 1º).
Na análise e avaliação do comportamento dos preços, os Conselhos
terão por base o princípio de compatibilização entre a evolução de
preços e a correspondente variação de custos, observadas as diretrizes
9
Lei nº 9.394, de 20 de dezembr o de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
Darci Ribeiro):
Art. 55. C a b er á à Un iã o a ssegu r a r , a n u a lm en t e, em seu O r ça m en t o G er a l, r ecu r sos
su ficien t es p a r a ma n u t en çã o e d esen volvimen t o d a s in st it u ições d e ed u ca çã o sup er ior
p or ela m a n t ida s.
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
223
da política econômica do governo F eder al, bem como, a s
peculiaridades regionais e os diversos graus, ramos e padrões de
ensino (Art. 3º).
No caso de aumento de valores acima, das correspondentes alterações
de custos e de falta de atendimento, não justificado das informações
rela cionadas no ar t. 4º, os Conselhos poderã o determinar o
restabelecimento dos níveis de valores anteriores ou a fixação de justo
valor, ou propor a adoção pelos competentes órgãos e entidades da
Administração Pública das providências administrativas, fiscais e
judiciais legalmente cabíveis (Art. 5º).
Ressalvados os casos de gratuidade, a fixação de custos será
simultânea à autorização de funcionamento e o reajustamento, nos
dois meses anteriores à realização das matrículas (Art. 6º).
O Edital oferecendo regulamentação à isenção estabelece entre os
documentos relativos à capacidade constitutiva: comprovante de
ren da familiar, contra ch eque, carteira profissional, carnê de
aposentadoria, pensão ou benefícios, para o período de 10 a 14 de
agosto de 1992. Estabelece, a negativa de isenção além do prazo,
aos já matriculados em instituições e tratamento prioritário a quem
não tiver obtido dispensa de taxa em outros vestibulares (fls. 1170).
A operacionalização do processo de fixação e reajuste de anuidades,
taxas e outros serviços educacionais fora, já então, objeto do Parecer
nº 717/69, do Conselho Federal de Educação (cf. Ensino Superior –
Legislação e J urisprudência, por GUIDO IVAN DE CARVALHO, R.
T. vol. III, pp 338/348).
A taxa de inscrição no vestibular criada pelo aludido Decreto-Lei previu
condições fáticas de majoração ao exame dos órgãos educacionais
envolvidos.
Cuida-se de taxa por definição legal, instituída antes da vigência da
atual ordem constitucional. É taxa por definição legal porquanto a
realização do exame vestibular poderia caber ou não ao Estado, porque
não se trata de atividade estatal específica, a realização do exame de
seleção. No caso, é unificado, convergindo instituição particular de ensino,
o IPÊ – INSTITUTOS PARAIBANOS DE EDUCAÇÃO. Observa, A.
THEODORO NASCIMENTO: ‘Não são taxas cobradas por serviço que
configure indiscutível atividade específica do Estado, não são taxas
exigidas pelo exercício do poder de polícia; nem por despesa provocada.
224
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
Mas ainda assim o legislador atribui o nome de taxa à quantia que o
Estado exige por tais serviços que ele presta são, portanto, taxas por
definição legal’ (in PREÇOS, TAXAS e PARAFISCALIDADE, no
Tratado de Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense, pp. 131/132).
Todavia, observa:...’e a lei denomine de taxa o que o Estado vier a exigir
de cada usuário, taxa será, por definição legal, e isso tem importância,
do ponto de vista jurídico, de vez que se o legislador denomina de taxa a
quantia cobrada por tal serviço, qualquer majoração só poderá ser
feita através de lei, e sua cobrança estará subordinada à autorização
orçamentária’ (ob. cit. p. 133).
E acrescenta, em outro trecho da análise:
‘O próprio Estado pode prestá-los mediante preços quase privados,
públicos, ou políticos, que podem ser majorados através de simples ato
do Executivo, decreto, portaria. Mas se ao decidir que o Estado deles se
incumbirá diretamente, o legislador denomina de taxa a quantia que a
Administração exigir do usuário, taxa será, por definição legal. A
conseqüência será aquela apontada pelo Min. LUIZ GALLOTI, quando
o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgava o ERE nº 564.194, de
Pernambuco; a respeito da impropriamente denominada taxa de água:
se o legislador disser que é taxa sua majoração dependerá de lei e de
autorização orçamentária para a sua arrecadação.’ (ob. cit. p. 135/136).
Independente de eventual discussão sobre a competência do Conselho
Federal de Educação para fixar a majoração da taxa de vestibular, mercê
de legitimação da delegação legislativa, pelo Decreto-Lei nº 532, de
16.4.69, a Constituição vigente não mais contempla o Decreto-Lei como
fonte formal, dos tributos, pois o processo legislativo retirou o DecretoLei de seu âmbito (arts. 59 e 61 da C.F.).
Não evidencia, além, o princípio da recepção, eis que ausente de norma
expressa seja no corpo do Texto Maior ou no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
A isenção aleatória da taxa calcada em parâmetros circunstanciais do
Edital de fls. é desprovida de base legal, como por igual, a própria
majoração, sem prévia demonstração inclusive, do cumprimento do
Decreto-Lei que a houvera instituído. Inobservada, igualmente, a
capacidade contributiva (Art. 145, § 1º da Constituição Federal).
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
225
Por igual, veja-se que não recepcionada a fonte formal, principal, os
critérios de isenção, criados por fontes formais secundárias, e os informais
(Edital) de isenção ilegítimos, sendo a exação denominada taxa de
inscrição no vestibular cobrada pelo Estado – arquia e autarquia,
ilegítima, por ilegal e inconstitucional.
Todavia, a Medida Provisória 290, de 17.12.90 (Lex 1990 – IV, p. 1.393)
revogou o Decreto-Lei nº 532/69, ao estabelecer regras para a fixação e
negociação de encargos educacionais,nos estabelecimentos de ensino
de 1º, 2º e 3º Graus, especialmente arts. 5º, 6º e 20.
Isto Posto, julgo procedente, em parte, a ação civil pública, para confirmar
a liminar, e assegurar a isenção, aos alunos comprovadamente faltos,
que lograram inscrição.
Sem custas, ex lege.
P.R.I.
João Pessoa, 23 de agosto de 1993.
ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE
Juiz Federal da 2ª Vara” 10 (grifos no original)
10
O Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região confirmou a sentença, adotando como fundamento a
questão relativa à carência do candidato e a garantia constitucional do acesso ao ensino para o efeito de
isenção da taxa:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXA DE VESTIBULAR.
ESTUDANTES CARENTES. PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA O ACESSO ÀS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO. O art. 206, IV, da CF/88, veda apenas a cobrança de anuidades, ou
mensalidades, pelas instituições de ensino público, não impedindo a cobrança das chamadas ‘taxas de
expediente’, tais como o fornecimento de histórico escolar, e mesmo a inscrição no concurso vestibular. No
entanto, sendo a hipótese de estudantes comprovadamente carentes, a taxa de vestibular não pode ser
cobrada, sob pena de representar inconstitucional restrição à ‘igualdade de condições para o acesso’ às
instituições de ensino público (art. 206, I da CF/88). Apelação a que se nega provimento.” (AC nº 40.815PB, Relator Desembargador Federal RIDALVO COSTA, 3ª Turma, julgamento em 17.09.1998) (grifei)
Este enfoque vem sendo reiterado pelo TRF-5ª Região, conforme se vê da ementa abaixo:
CONSTITUCIONAL. TAXA DE INSCRIÇÃO EM CONCURSO VESTIBULAR. ART. 206, I, CF.1. É certo que
tem este Egrégio Tribunal entendido que a Constituição Federal não proíbe a cobrança de taxas
para a inscrição em concurso Vestibular, mas, uma vez que o edital do certame prevê isenção para os
estudantes paraibanos presumidamente carentes, não pode tal direito ser afastado dos demais estudantes
do país que se encontrem na mesma condição. 2. Ao conferir privilégio aos estudantes paraibanos, em
detrimento dos estudantes dos demais estados da federação, o edital do concurso vestibular em questão
afrontou claramente a Magna Carta, tendo em vista que a igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola é princípio insculpido no inc. I, do seu art. 206. 3. Hipótese em que restou
devidamente comprovada nos autos a situação de carência do autor, pelo que possui direito de efetuar
a inscrição no certame sem o pagamento de taxa. 4. Remessa oficial improvida.” (REO nº 228715-PB,
Relator Desembargador Federal LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA, 4ª Turma, julgamento em
31.10.2000) (grifei)
226
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
Com efeito, o Decreto-Lei nº 532, de 16 de abril de 1969, dispondo sobre a
fixação e o reajustamento de anuidades, taxas e demais contribuições devidos aos
serviços prestados pelos estabelecimentos de ensino federais, estaduais, municipais e
particulares, fora revogado pela Lei nº 8.170, de 17 de janeiro de 1991, objeto de
conversão da Medida Provisória nº 290, de 17 de dezembro de 1990.11 A Lei nº 8.170,
de 1991, não trata, porém, da questão da taxa de inscrição do vestibular, dado
que seu campo de normatização abrange as mensalidades perante estabelecimentos
particulares.
11
Decreto - Lei nº 532, de 16 de abril de 1969 - Dispõe sôbre a fixação e o reajustamento de anuidades,
taxas e demais contribuições do serviço educacional.
Art 1º Ca be a o Conselho Feder a l de Educa çã o, a os Conselhos Esta dua is de Educa çã o e a o
Conselho de Educação do Distr ito Feder al, no âmbito das r espectivas competências e jur isdições,
a fixação e o r ea juste de anuidades, taxas e demais contr ibuições cor r espondentes aos ser viços
educa ciona is, pr esta dos pelos esta belecimentos feder a is, estaduais, municipais e par ticular es,
nos têr mos dêste Decr eto-lei.
§ 1º Das decisões dos Conselhos Estaduais e do Distrito Federal, proferidas nos têrmos dêste artigo, caberá
recurso, no prazo de 30 (trinta) dias da ciência, para o Conselho Federal de Educação.
§ 2º Os estabelecimentos situados no Território do Amapá ficarão sujeitos à jurisdição do Conselho do Pará;
os dos Territórios de Roraima e Rondônia, ao do Amazonas; e os de Fernando de Noronha, ao de Pernambuco.
Art 2º Haverá junto ao Conselho Federal de Educação, a cada Conselho Estadual de Educação e ao Conselho
de Educação do Distrito Federal, uma Comissão de Encargos Educacionais com finalidade específica de
estudar à matéria referida no art. 1º e opinar conclusivamente para a decisão final do respectivo Conselho.
§ 1º No Conselho Federal de Educação, a Comissão será constituída por um membro do Conselho, escolhido
pelo Plenário, que a presidirá, e pelos seguintes representantes, indicados pelas respectivas entidades:
I - um da Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB);
II - um da Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino;
III - um da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura, da
categoria profissional dos professôres;
IV - um da União Nacional de Associações Familiais (UNAF), em representação dos pais de família.
§ 2º Nos Conselhos Estaduais e no do Distrito Federal, a constituição da Comissão de Encargos Educacionais
poderá adaptar-se às peculiaridades locais, devendo estar, contudo, sempre integrada pelos representantes
da SUNAB, das categorias econômica e profissional interessadas e dos pais de família; cabendo as indicações
às entidades de âmbito regional ou, na sua falta, às referidas nos itens II a IV dêste artigo.
§ 3º Os serviços administrativos das Comissões de Encargos Educacionais ficarão a cargo dos órgãos próprios
dos Conselhos e o assessoramento técnico ser-lhes-á propiciado pelos órgãos específicos do Ministério da
Educação e Cultura e das Secretárias Estaduais, conforme o caso.
Art 3º Na análise e avaliação do comportamento dos preços das anuidades, taxas e contribuições referidas
neste Decreto-lei, os Conselhos terão por base o principio de compatibilização entre a evolução de preços
e a correspondente variação de custos, observadas as diretrizes da política econômica do Govêrno Federal,
bem como as peculiaridades regionais e os diversos graus, ramos e padrões de ensino.
Art 4º Os Conselhos poderão requisitar dos estabelecimentos de ensino, em caráter confidencial, assegurado
o sigilo, o fornecimento de documentos, informações ou esclarecimentos que julgar necessário ao
acompanhamento e à análise de evolução dos preços de que trata êste Decreto-lei.
Art 5º Nos casos de aumento de valôres acima das correspondentes alterações de custos e de falta de
atendimento, não justificado, das requisições previstas no artigo anterior, ou ainda, quando se apurar fraude
de documento ou informações, os Conselhos poderão determinar o restabelecimento dos níveis de valôres
PARAHY BA
JUDICIÁRIA
227
Mais recentemente, a Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, disciplinando
a questão relativa às anuidades e semestralidades junto aos estabelecimentos
particulares de ensino, e revogando a Lei nº 8.170, de 17 de janeiro de 1991, é, também,
anteriores ou a fixação do justo valor, ou propor a adoção pelos competentes órgãos e entidades da
Administração Pública das providências administrativas, fiscais e judiciais legalmente cabíveis.
Art 6º Ressalvados os casos de gratuidade, a fixação do custo dos encargos educacionais será feita simultâneamente
com a autorização do funcionamento dos estabelecimentos de ensino e, seu reajustamento, nos dois meses
anteriores à realização das matriculas.
Art 7º Em relação ao ano letivo de 1969, prevalece a competência da Superintendência Nacional do
Abastecimento (SUNAB) para a fixação e o reajuste das anuidades, taxas e demais contribuições do serviço
educacional, observada a legislação própria daquela autarquia.
Art 8º O presente Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Lei nº 8.170, de 17 de janeiro de 1991 - Estabelece regras para a negociação de reajustes das mensalidades
escolares, e dá outras providências
Art. 1° A fixação dos encar gos educacionais, r efer entes ao ensino nos estabelecimentos par ticular es
de ensino de nível pr é-escolar , fundamental, médio e super ior ser á objeto de negociação entr e
os estabelecimentos, os a lunos, os pais ou r esponsáveis, a par tir de pr oposta a pr esentada pelo
esta belecimento, com ba se nos pla neja men tos peda gógico e econômico-fina nceir o da
instituiçã o de ensino, pr ocedendo, obr iga tor ia mente, à compa tibiliza çã o dos pr eços com os
custos, nestes incluídos os tr ibutos e a cr escidos da ma r gem de lucr o, a té quar enta e cinco dias
antes do início das ma tr ículas, que será considerada acordada, no caso de não haver discordância
manifesta, na forma desta lei.
§ 1° No caso de haver discordância em relação à proposta apresentada, o processo de negociação iniciar-seá no prazo mínimo de dez dias, a partir da data da publicação ou postagem da proposta apresentada pelo
estabelecimento, por iniciativa individual de qualquer pai ou responsável, apoiado por, no mínimo, dez por
cento de outros pais ou responsáveis, com dependentes matriculados na instituição; por iniciativa da
associação de pais da referida instituição, com dependentes nela matriculados por iniciativa da Associação
Estadual de Pais ou por iniciativa da Federação Nacional de Pais; sendo que, para os efeitos desta lei, a
associação de pais, ligada à instituição, deve ser integrada por, no mínimo, quarenta por cento dos pais ou
responsáveis, com dependentes nela matriculados; a Associação Estadual de pais deve ser integrada por, no
mínimo, quarenta por cento das associações de pais, ligadas a cada instituição e a Federação Nacional de Pais
deve ser integrada por, no mínimo, quarenta por cento das associações estaduais existentes no País.
§ 2° A iniciativa de qualquer das associações referidas no parágrafo anterior deverá obter o apoiamento de, no
mínimo, dez por cento dos pais ou responsáveis pelos alunos matriculados na instituição.
§ 3° No caso das instituições privadas de ensino superior, a iniciativa e a representação cabem ao respectivo
diretório acadêmico.
§ 4° Não havendo acordo entre as partes, cabe recurso, em primeiro lugar, para a instância administrativa e,
em segundo lugar, para a instância judicial, nos termos do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal.
§ 5° A instância administrativa, prevista neste artigo, será exercida na Delegacia Regional do MEC, por uma
comissão de encargos educacionais, composta, paritariamente, por três representantes indicados pelos
sindicatos dos estabelecimentos particulares e por três representantes indicados pelas associações estaduais
de pais, ou por três representantes dos diretórios acadêmicos, no caso de estabelecimento de ensino superior
e será presidida pelo Delegado Regional do MEC, sem direito a voto e decidirá no prazo de dez dias úteis.
§ 6° Persistindo o impasse, o presidente da Comissão de Encargos Educacionais dará por encerrada a instância
administrativa, cabendo às partes recorrer ao Poder Judiciário, que deverá apreciá-lo em rito sumaríssimo.
§ 7° A decisão retroage seus efeitos à data do efetivo recebimento dos valores pela instituição de ensino e as
diferenças serão compensadas, devidamente corrigidas, nos meses subseqüentes.
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omissa quanto à taxa de vestibular12 .
Como se vê, no plano do ordenamento jurídico, inexiste previsão legal no
Art. 2° O valor dos encargos a que se refere o artigo anterior, uma vez acordado e homologado em contrato
escrito, poderá ser reajustado pelo repasse de até setenta por cento do índice de reajuste concedido aos
professores e pessoal técnico e administrativo da instituição de ensino, em decorrência de lei, decisão
judicial, acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho, e pelo repasse de até trinta por cento da
variação do índice acumulado do IPC ou outro que o venha a substituir.
Art. 3° No caso de celebração de contratos de prestação de serviços educacionais, os mesmos deverão
obedecer o disposto na Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
Art. 4° São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos de transferências ou o
indeferimento das matrículas dos alunos cuja inadimplência não decorrer de encargos fixados definitivamente
e reajustados nos termos desta lei.
Art. 5° As unidades da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) terão o valor de seus encargos
estabelecidos pelas respectivas diretorias e Conselhos Cenecistas, integrados pelos sócios e pais de alunos.
Art. 6° Nas universidades, em decorrência de prerrogativas constitucionais, a negociação ocorrerá no âmbito
do respectivo Conselho Universitário.
Art. 7° As relações jurídicas decorrentes das Medidas Provisórias n° 176, 183, 207, 223, 244, 265 e 290, de
1990, serão disciplinadas pelo Congresso Nacional, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 62
da Constituição Federal.
Art. 8° Às instituições referidas no art. 213 da Constituição, que descumprirem o disposto nesta lei, é vedado
firmar convênios ou receber recursos públicos.
Art. 9° Esta lei entr a em vigor na da ta de sua publica çã o, r evoga da s toda s as disposições em
contr ár io, especialmente o Decr eto-Lei n° 532, de 19 de abr il de 1969; a Lei n° 8.039, de 30 de
maio de 1990 e o ar t. 8° da Lei n° 8.030, de 12 de abril de 1990.
12
Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999 - Dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras
providências.
Art 1º O valor das anuidades ou das semestr alidades escolar es do ensino pr é-escolar , fundamental
médio e super ior , ser á contr a ta do, nos ter m os desta Lei, no a to da ma tr ícula ou da sua
r enovação, entr e o esta belecimento de ensino e o a luno, o pai do aluno ou o r esponsável.
§ 1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da
anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do
período letivo.
§ 2º (VETADO)
§ 3º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano
e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento
alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos
anteriores.
§ 4º Será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou reajustamento do valor das
parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a um ano a contar da data de sua fixação,
salvo quando expressamente prevista em lei.
Art 2º O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta
de contrato o valor apurado na forma do art. 1º e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de
quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição
de ensino.
Parágrafo único (VETADO)
Art 3º (VETADO)
Art 4º A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, quando necessário, poderá requerer, nos
termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e no âmbito de suas atribuições, comprovação
documental referente a qualquer cláusula contratual, exceto dos estabelecimentos de ensino que tenham
firmado acordo com alunos, pais de alunos ou associações de pais e alunos, devidamente legalizadas, bem
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que concerne à fixação dos valores da taxa do vestibular, no âmbito das instituições
públicas e privadas de ensino. Com isto, e considerando a sua natureza tributária,
como quando o valor arbitrado for decorrente da decisão do mediador.
Parágrafo único. Quando a documentação apresentada pelo estabelecimento de ensino não corresponder às
condições desta Lei o órgão de que trata este artigo poderá tomar, dos interessados, termo de compromisso,
na forma da legislação vigente.
Art 5º Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas,
observado o calendário escolar da instituição, regimento escolar ou cláusula contratual.
Art 6º São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de
quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se contratante, no que
couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os
arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
§ 1º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os
documentos de transferência de seus alunos independentemente de sua adimplência ou da adoção de
procedimentos legais de cobranças judiciais.
§ 2º São asseguradas em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio as matrículas dos alunos,
cujos contratos, celebrados por seus pais ou responsáveis para a prestação de serviços educacionais, tenham
sido suspensos em virtude de inadimplemento, nos termos do caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese de os alunos a que se refere o § 2º, ou seus pais ou responsáveis, não terem providenciado a
sua imediata matrícula em outro estabelecimento de sua livre escolha, as Secretarias de Educação estaduais
e municipais deverão providenciá-la em estabelecimento de ensino da rede pública, em curso e série
correspondentes aos cursados na escola de origem, de forma a garantir a continuidade de seus estudos no
mesmo período letivo e a respeitar o disposto no inciso V do art. 53 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Art 7º São legítimos à propositura das ações previstas na Lei nº 8.078, de 1990, para a defesa dos direitos
assegurados por esta Lei e pela legislação vigente, as associações de alunos, de pais de alunos e responsáveis,
sendo indispensável, em qualquer caso o apoio de, pelo menos, vinte por cento dos pais de alunos do
estabelecimento de ensino ou dos alunos, no caso de ensino superior.
Art 8º O art. 39 da Lei nº 8.078, de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
“XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.”
Art 9º A Lei nº 9131, de 24 de novembro de 1995, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
“Art. 7º-A. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, previstas
no inciso II do art. 19 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, poderão assumir qualquer das formas
admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações serão regidas
pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro.
Parágrafo único. Quaisquer alterações estatutárias na entidade mantenedora, devidamente averbadas
pelos órgãos competentes, deverão ser comunicadas ao Ministério da Educação, para as devidas
providências.
Art. 7º-B. As entidades mantenedoras de instituições de ensino superior, sem finalidade lucrativa,
deverão:
I - elaborar e publicar em cada exercício social demonstrações financeiras, com o parecer do
conselho fiscal, ou órgão similar;
II - manter escrituração completa e regular de todos os livros fiscais, na forma da legislação
pertinente bem como de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação
patrimonial, em livros revestidos de formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
III - conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data de emissão, os documentos
que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem como a realização
de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;
IV - submeter-se, a qualquer tempo, a auditoria pela Poder Público;
V - destinar seu patrimônio a outra instituição congênere ou ao Poder Público, no caso de
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tanto a exigência da taxa como a isenção, estabelecidas no edital do certame, não se
coadunam com o princípio da legalidade tributária 13 , porque sem base legal.
Por outro lado, no caso concreto, a circunstância de ex-alunos da rede pública
estadual conduz à conclusão acerca das limitações para o pagamento da taxa de
inscrição, na forma como previsto no edital de regência do vestibular. A presumida
hipossuficiência econômica, que por si já é excludente no âmbito das relações sociais,
não pode ser causa de exclusão à escola. Ao contrário, exige a intervenção do Estado
para assegurar o ingresso, a construção da cidadania e a inclusão social.
ISTO POSTO, confirmo a liminar e concedo a segurança para garantir a
inscrição dos Impetrantes no Processo Seletivo Seriado – PSS - 2003, da UFPB, sem
o pagamento da correspondente taxa de inscrição.
encerramento de suas atividades, promovendo, se necessário, a alteração estatutária correspondente;
VI - comprovar, sempre que solicitada pelo órgão competente:
a) a aplicação dos seus excedentes financeiros para os fins da instituição de ensino;
b) a não-remuneração ou concessão de vantagens ou benefícios, por qualquer forma ou título, a seus
instituidores, dirigentes, sócios, conselheiros ou equivalentes.
Parágrafo único. A comprovação do disposto neste artigo é indispensável, para fins de credenciamento
e recredenciamento da instituição de ensino superior.
Art 7º-C. As entidades mantenedoras de instituições privadas de ensino superior comunitárias,
confessionais e filantrópicas ou constituídas como fundações não poderão ter finalidade lucrativa
e deverão adotar os preceitos do art. 14 do Código Tributário Nacional e do art. 55 da Lei nº
8.212, de 24 de julho de 1991, além de atender ao disposto no art. 7º-B.
Art 7º-D. As entidades mantenedoras de instituições de ensino superior, com finalidade lucrativa,
ainda que de natureza civil, deverão elaborar, em cada exercício social, demonstrações financeiras
atestadas por profissionais competentes.”
Art 10. Continuam a produzir efeitos os atos com base na Medida Provisória nº 1.890-66, de 24 de
setembro de 1999, e nas suas antecessoras.
Art 11. Essa Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art 12. Revoga m-se a Lei nº 8.170, de 17 de j a neir o d e 1991; o a r t. 14 da Lei nº 8.178, de
1º de ma r ço de 1991; e a Lei n º 8.747, d e 9 de dezem br o de 1993.
13
CF:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos:
I – impostos;
I I – t a x a s, em r a zã o d o exe r cício d o p o d er d e p o líc ia ou p ela u t iliza ç ã o, efet iva ou
p ot encia l, d e ser viços p ú b licos e esp ecíficos e d ivisíveis, p r est a d os a o con t r ib u int e ou
p ostos a su a d isp osiçã o;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas;
...
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou a u men t a r t r ib u t o sem lei q u e o est a b eleça ;
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231
Sem honorários (Súmula nº 512 do STF). Custas ex lege.
P.R.I. Oficie-se.
Decorrido o prazo sem recurso voluntário certifique-se e subam os autos ao
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos termos do artigo 12, parágrafo único, da
Lei nº 1.533, de 1951.
João Pessoa,
ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE
a
Juiz Federal da 2 Var a
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233 Pr ocesso n.º 2005.82.01.000625­0 MEDIDA CAUTELAR INOMINADA N.º 2005.82.01.000625­0 REQUERENTE(S): MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE REQ UERIDO (S): UNIÃO, AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS E PETRÓLEO BRASILEIRO S/A ­ PETROBRÁS SENTENÇA I – RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE propôs ação cautelar inominada contra a UNIÃO, objetivando que lhe fosse determinada a suspensão das inscrições positivas no CADIN e no SIAFI referidas na inicial (indicadas na fundamentação abaixo) e a proibição de ocorrência de novas inclusões nesses cadastros. Alegou que: I – tinha inscrições positivas no CADIN e no SIAFI em função da má gestão de sua anterior Administração, tendo, no entanto, a nova Administração, tomado todas as medidas exigidas por lei para satisfação das obrigações pactuadas e apuração das responsabilidades, sendo essa a razão pela qual pleiteia a tutela jurisdicional acima referida; II – os convênios federais em situação irregular e já inscritos no CADIN e no SIAFI são os de códigos: 425834, 302324 e 358832 (ver correção de erro material às fls. 585/587) firmados com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; 436379 e 438914 firmados com o Fundo Nacional de Saúde; 442436 firmado com o INDESP (CEF/MINISTÉRIO DO ESPORTE) (ver correção de erro material às fls. 585/587); e o 310786 firmado com o Ministério da Integração; III – além desses, tem convênios com constatação de possíveis irregularidades,
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estando as inscrições no CADIN e no SIAFI na iminência de se concretizar, sendo eles os de códigos: 1218/2002, 1247/2002, 1201/2002, 1125/2002, 1199/2002 e 1200/ 2002 firmados com a FUNASA; IV – pediu auditoria completa em todos os convênios indicados nos itens II e III supra, para deflagração de tomada de contas especial nos TCE/PB e TCU, na forma da IN n.º 05/01; V – não tem nenhum elemento documental em seus arquivos nem recebeu da anterior Administração qualquer elemento dessa natureza quanto aos débitos inscritos no CADIN pelas EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL e COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, tendo, também, requerido a instauração de auditoria especializada para que seja deflagrada tomada de contas especial no TCE/PB e TCU para que sejam indicadas as origens dos débitos deixados pela gestão anterior bem como apuradas as devidas responsabilidades; VI – quanto ao débito com a PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A, já foi ele devidamente quitado, sendo, portanto, devida a baixa da inscrição no CADIN; VII – o débito com as CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS não goza de liquidez e certeza, estando, ainda, sendo objeto de ação monitória na 2.ª Vara da Fazenda Pública de Campina Grande, sendo indevida a inscrição no CADIN; VIII – os fatos descritos nos itens acima são suficientes para justificar a ilegalidade da manutenção das inscrições referidas no CADIN e no SIAFI, estando, portanto, presente a fumaça do bom direito em sua pretensão inicial; IX – e o perigo na demora a justificar seu pleito cautelar decorre das restrições resultantes dessas inscrições à pactuação de convênios destinados a realização de obras destinadas a suprir necessidades da população. Requereu a concessão de liminar de idêntico conteúdo ao provimento principal e indicou que a lide principal a ser proposta seria uma ação de nulidade de ato de
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235 inscrição, visando à declaração da nulidade das inscrições constantes do CADIN e do SIAFI.
Juntou os documentos de fls. 13/50. O despacho de fl. 63 determinou a redistribuição desta ação por dependência à ação cautelar n.º 2005.82.01.000001­6. Foi determinado à fl. 66 que o Requerente se manifestasse sobre a possível litispendência entre esta ação e a cautelar referida no parágrafo anterior, bem como requeresse a citação dos credores dos débitos indicados na inicial como litisconsortes passivos. O MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE atendeu ao despacho referido no parágrafo anterior às fls. 67/69, tendo requerido, inclusive, a citação das AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS. A decisão de fls. 82/88 rejeitou a possível litispendência aventada no despacho de fl. 66, determinou a reunião destes autos com os da ação cautelar para decisão simultânea, em face da conexão, e deferiu, em parte, o pedido liminar cautelar para suspender as inscrições positivas no CADIN e no SIAFI até a decisão definitiva da lide principal. A UNIÃO juntou, às fls. 97/107, cópia do agravo de instrumento interposto contra a decisão liminar e apresentou, às fls. 108/117, contestação, juntando os documentos de fls. 118/191 e alegando que: I – é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da lide em relação às inscrições no CADIN, vez que efetuadas por entes dotados de personalidade jurídica própria, bem como quanto às inscrições realizadas no SIAFI pelo FNDE, FUNASA e INDESP; II – as inscrições impugnadas não impedem a descentralização de recursos federais para aplicação em ações sociais, nos termos da MP n.º 2.176­79/01 e da LC n.º 101/2000, razão pela qual não é necessária a sua suspensão para que o Requerente
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firme convênios nas áreas de educação, saúde e assistência social; III – o Requerente não comprovou que esteja sofrendo prejuízo em função das inscrições no SIAFI, servindo este, assim como o CADIN, como sistema de simples consulta, pois uma vez cumpridas pelo Município as exigências do art. 5.º, §§ 1.º, incisos I e II, e 2.º, da IN n.º 01/97, na redação dada pela IN n.º 05/01, não sofrerá prejuízos financeiros; IV – se o Requerente pretendesse o ajuste de convênios em outras áreas que não de educação, saúde e assistência social, não deveria ser atendido seu pleito, devendo ser providenciada a baixa do registro de inadimplência perante o Ministério da Integração, após a instauração de tomada de contas especial, nos termos da normatização citada no item anterior; V – e apenas cumpriu a legislação pertinente em face de sua vinculação ao princípio da legalidade. A COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF juntou, às fls. 199/214, cópia do agravo de instrumento interposto contra a decisão liminar e apresentou contestação às fls. 215/224, juntando os documentos de fls. 225/329 e alegando que: I – os pedidos deduzidos pelo Requerente contra os diversos réus são incompatíveis e, portanto, a petição inicial é inepta, nos termos do art. 295, inciso IV, do CPC; II – a inscrição do Requerente no CADIN foi devidamente comunicada a ele, sendo ela decorrente de débito oriundo do não reembolso das despesas com a remuneração de empregado cedido e tendo o Município de Campina Grande plena ciência desse débito, em face das diversas comunicações a ele feitas; III – essa inscrição não se refere a não prestação de contas, não lhe sendo, portanto, aplicável o art. 5.º, § 2.º, da IN/STN n.º 01/97, com as alterações impostas pela IN/STN n.º 05/01; IV – e não existe o perigo na demora alegado, vez que o repasse de verbas de natureza social se dá independentemente de cadastro negativo no
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237 SIAFI/CADIN, nos termos do art. 26 da Lei n.º 10.522/02 e do art. 25, § 3.º, da LC n.º 101/01. A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT apresentou contestação às fls. 334/340, juntando os documentos de fls. 341/390 e alegando que: I – o Requerente não instruiu a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação e as provas com as quais pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados, devendo, portanto, ser extinto o processo sem julgamento do mérito; II – o débito do Requerente com a ECT refere­se a contrato de prestação de serviços de recebimento e/ou coleta, transporte e entrega domiciliária, em âmbito nacional, de correspondências, encomendas SEDEX NACIONAL e INTERNACIONAL – SEM e a venda de produtos, sendo ele de inequívoca ciência do Município de Campina Grande, vez que firmado por este, bem como tendo o este Município ciência do débito em questão, por ter sido sobre ele notificado extrajudicialmente; III – o Município de Campina Grande, aliás, firmou, em 30.12.2004, termo de confissão de dívida no qual reconheceu seu débito, mas não o cumpriu, tendo seu nome sido mantido no CADIN; IV – a inscrição do Município de Campina Grande no CADIN foi realizada na forma legalmente prevista; V – e deve o Requerente ser condenado em litigância de má­fé em face de sua afirmação de que não sabia a origem do débito, quando ele mesmo o confessou em dezembro/04. A AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL apresentou contestação às fls. 424/432, juntando os documentos de fls. 433/481 e alegando que: I – é inadequada a via processual eleita pelo Requerente, vez que sua postulação cautelar tem, na verdade, a natureza antecipatória da pretensão a ser deduzida na ação principal;
238 PARAHY BA
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II – a falta de interesse de agir na pretensão inicial por ter sido a inscrição realizada no CADIN pela ANATEL retirada em 07.03.2005, antes mesmo de estabelecida a relação processual, tendo essa exclusão sido motivada pela Portaria n.º 280/96 e pelo Parecer n.º 049/PGF/PFE­JCBRJR/ANATEL que prevêem que a inscrição no CADIN só deve alcançar valores acima de R$ 1.000,00 (um mil reais); III – além disso, em reforço à carência de ação, o Requerente pagou, no dia 07.04.2005, a dívida antes inscrita; IV – o débito inscrito no CADIN adveio da inadimplência do Requerente em relação a Serviço Limitado Privado de telecomunicações de interesse restrito e por prazo indeterminado que lhe havia sido autorizado; V – a cópia do procedimento administrativo afasta a alegação do Requerente de que não conhecia a origem da dívida, pois tanto a conhecia que quitou a dívida; VI – não é possível suspender ou impedir inscrições no CADIN com fundamento em necessidade de transferência de recursos, podendo, apenas, ser suspensas as restrições para essas transferências e não, a inscrição; VII – e não demonstrou o Requerente o atendimento a todos os requisitos previstos no art. 5.º, § 2.º, IN n.º 05/01, vez que não prova a “imediata inscrição, pela unidade de contabilidade analítica, do potencial responsável em conta de ativo ‘Diversos Responsáveis’”. A PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A. apresentou contestação às fls. 482/487, juntando os documentos de fls.488/505 e alegando que: I – a Justiça Federal é incompetente para processar e julgar este feito em relação a ela em face de não se enquadrar ela em nenhuma das hipóteses previstas no art. 109, inciso I, da CF/88; II – e a inscrição do Requerente no CADIN aconteceu dentro dos ditames legais em face da existência de débito não quitado, sendo, também, legal a existência dessa espécie de banco de dados.
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239 As CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS apresentaram contestação às fls. 523/535, juntando os documentos de fls. 536/ 565 e alegando que: I – o débito inscrito no CADIN em relação ao Requerente tem origem em direito de reembolso de participação acionária na CELB por ocasião de seu leilão público, não tendo tal direito sido adimplido pelo Requerente quanto à sua terceira parcela; II – havia sido firmado acordo de parcelamento com o Requerente que gerara a retirada da inscrição no CADIN, não tendo, no entanto, sido atendida a exigência de manifestação da Procuradoria do Município sobre esse acordo, o que levou à reinclusão no CADIN e à propositura de ação monitória na Justiça Estadual;
III – apenas comunicou o inadimplemento da avença ao CADIN, na forma da lei, conduta à qual estava obrigada pela Lei n.º 10.522/02; IV – e a simples inclusão de débito no CADIN não traz, em si só, qualquer prejuízo ao devedor, prevendo a Lei n.º 10.522/02 os meios adequados para a exclusão do registro em questão. O Requerente ofereceu impugnação às contestações às fls. 568/571. A decisão de fls. 585/587, em face do pleito do Requerente de fls. 573/575, corrigiu erro material na decisão de fls. 82/88. A decisão de fls. 636/637, em face das manifestações da UNIÃO de fls. 596/ 612 e do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE de fls. 615/622: I ­ declarou a ilegitimidade passiva UNIÃO em relação ao pedido de suspensão da inscrição positiva no CADIN/SIAFI referente ao convênio n.º 358832 fir mado entr e o Requer ente e o FNDE, extinguindo o pr ocesso sem julgamento do mér ito nessa parte; II – e deter minou a intimação do Requer ente par a pr omover o chamamento da CEF como litisconsorte passiva necessária da UNIÃO em
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relação ao contrato de repasse n.º 442436 fir mado entre o Requerente e o extinto INDESP, o que foi atendido às fls. 646/647 e deferido pela decisão de fl. 648, que, também, negou provimento aos embargos de declaração opostos pela UNIÃO às fls. 642/645 contra a decisão de fls. 636/637. A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF apresentou contestação às fls. 653/661, juntando os documentos de fls. 662/681 e alegando que: I – é parte legítima para figurar no pólo passivo desta lide apenas em relação ao contrato de repasse n.º 442436 firmando entre o Requerente e o Ministério do Esporte e Turismo, e não, INDESP; II ­ é inadequada a via processual eleita pelo Requerente, vez que sua postulação cautelar tem, na verdade, a natureza antecipatória da pretensão a ser deduzida na ação principal; III – a inscrição no CADIN do débito referente ao contrato referido no item I supra deveu­se à paralisação pelo Requerente das obras nele previstas antes de sua conclusão, não obstante o recebimento do repasse da verba respectiva; IV – o art. 26 da Lei n.º 10.522/02 garante que as inscrições no CADIN/ SIAFI não são impedimento à transferência de recursos federais destinados a ações sociais, mas não impede a realização dessas inscrições; V – e o Requerente não trouxe qualquer elemento de prova da negativa de celebração de convênios ou contratos pela Administração Federal, nem provou o atendimento a todos os requisitos previstos no art. 5.º, § 2.º, IN n.º 05/01, vez que não prova a “imediata inscrição, pela unidade de contabilidade analítica, do potencial responsável em conta de ativo ‘Diversos Responsáveis’. O Requerente não ofereceu impugnação à contestação da CEF – fl. 685. Em seguida, foram os autos conclusos para sentença – fl. 687 (18.07.2006). Foram juntadas aos autos, às fls. 688/693 e 695/702, cópias das decisões que negaram provimento aos agravos de instrumento interpostos pela UNIÃO e CHESF – COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO.
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241 II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. – QUESTÃO(ÕES) PRELIMINAR(ES) PROCESSUAL(AIS) Nesta lide cautelar, o MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE deduziu pretensões de suspensão de inscrições positivas no CADIN e no SIAFI e de proibição de que novas inclusões ocorram contra 07 (sete) Requeridos: UNIÃO, AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS. As relações jurídicas de direito material existentes entre o Requerente e cada um dos Requeridos, à exceção do caso da CEF e da UNIÃO examinado nas decisões de fls. 636/637 e 648, são distintas entre si, ou seja, entre o Requerente e os Requeridos, excetuando­se a ressalva indicada, há relações jurídicas de direito material que não incluem os demais requeridos, não sendo estes atingidos pela eficácia direta de eventual decisão a cada uma delas individualmente referente. Está­se, na hipótese, portanto, não diante de situação de litisconsórcio passivo necessários entre os Requeridos, mas de cumulação subjetiva passiva de lides distintas, unidas, exclusivamente, pela comunhão parcial de suas causas de pedir, ou seja, conexas entre si, havendo entre os Requeridos apenas litisconsórcio passivo facultativo. A competência da Justiça Federal é de natureza absoluta e, naquilo em que interessa ao caso em exame, estabelece­se, apenas, em relação aos entes previstos no art. 109, inciso I, do CPC, razão pela qual apenas as relações jurídicas e as respectivas pretensões judiciais relativas à UNIÃO, à AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, à EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF podem perante ser objeto de processamento e julgamento, vez que em relação à COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, às CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e à PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS, por se cuidarem se sociedades de economia mista, não se encontram abrangidas pela regra de competência absoluta descrita. Além disso, tendo a competência da Justiça Federal natureza absoluta não é
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ela modificável em virtude da conexão entres as respectivas causas acima indicadas, conforme jurisprudência pacífica do STJ (REsp n.º 43.922/RS), estando­se, ainda, nos termos do art. 292, § 1.º, inciso II, do CPC, diante de hipótese de vedação legal à cumulação de causas pretendida pelo MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE. No caso, está­se diante de hipótese de impossibilidade jurídica da cumulação de causas pretendidas pelo Requerente, impondo­se a extinção do processo sem resolução do mérito, na forma do art. 267, inciso VI, do CPC, em relação às causas indevidamente cumuladas para as quais a Justiça Federal é absolutamente incompetente, ficando, à evidência, ressalvada a possibilidade de o Requerente deduzir novamente as pretensões extintas, desta feita, no juízo competente. O desmembramento do feito em relação às causas indevidamente cumuladas e sua remessa, por cópia, ao Juízo competente não se mostra juridicamente possível em face da violação que esse procedimento ocasionaria ao disposto no art. 262 do CPC. A solução acima exposta para a cumulação indevida de lides realizada pelo Requerente está em consonância com a melhor doutrina (ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações. 4.ª ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp. 203/204 e 279/280) e com a jurisprudência pacífica do STJ (CC n.º 35.157/ SP e Súmula n.º 170 do STJ). Por fim, verifica­se dos autos (fl. 69) que o Requerente postulou a integração à lide da PETROBRÁS e não, da PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A., tendo, inclusive, a carta precatória de fl. 90 sido expedida para citação da primeira e não, da última, mas sido cumprida, equivocadamente, em relação a esta última, que foi quem contestou a pretensão inicial às fls. 482/487. Em face disso, a PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS não chegou a integrar a lide, não sendo devida condenação sucumbencial relativa a honorários advocatícios em relação a ela. Como a integração da PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A. não foi requerida pelo Requerente nem determinada por este Juízo, mas foi fruto de equívoco do Juízo Deprecado, não deve, também, o Requerente arcar com condenação sucumbencial em honorários advocatícios quanto a esta.
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243 Tendo em vista a extinção do processo sem resolução do mérito em relação à Requerida COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, resta prejudicado o exame da preliminar processual deduzida por ela em sua contestação. A legitimidade passiva das Requeridas UNIÃO, AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF restringe­se, por sua vez, apenas às inscrições no CADIN/SIAFI a elas pertinentes, impondo­se a extinção do processo sem resolução do mérito em relação a elas quanto às inscrições que não lhes dizem respeito, na forma do art. 267, inciso VI e § 3.º, do CPC. Dessa forma, quanto às inscrições já realizadas indicadas na inicial, remanesce a legitimidade de cada um dessas Requeridas apenas na forma abaixo explicitada: I – UNIÃO – inscrições no SIAFI: (a) – convênio 442436 (INDESP 2) (fl. 24), nos termos já indicados nas decisões de fls. 636/637 e 648; (b) – convênio 310786 (MI/SECEX/SPOA/ADMINISTRAÇÃO) (fl. 25), vez que tem como credor órgão de sua estrutura interna; II ­ AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL – inscrição no CADIN sob a sigla 8423100000 (fl. 29); III ­ EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT – inscrição no CADIN sob a sigla 8422900000 (fl. 28); IV ­ CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, inscrição no SIAFI referente ao convênio 442436 (INDESP 2) (fl. 24), nos termos já indicados nas decisões de fls. 636/637 e 648. Não são, portanto, nenhuma dessas Requeridas partes passivas legítimas em relação às inscrições realizadas pelas COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS (ou
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PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A.), estas no CADIN (fls. 28/29), nem às seguintes inscrições: I – (no SIAFI) convênios n.º 436379 (fls. 19/20 e 23) e n.º 438914 (fls. 21/22) pertencentes à FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE ­ FUNASA, que detém personalidade jurídica própria; II – e (no SIAFI) convênios n.º 424834 (fl. 24), 302324 (fl. 25) e 358832 (fl. 25 – ver decisão de fls. 636/637) pertencentes ao FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE, que, também, detém personalidade jurídica própria. Ressalvo, ainda, que, em virtude da nova redação do art. 273, § 7.º, do CPC, decorrente da Lei n.º 10.444/02, alterei minha posição anterior sobre a possibilidade de dedução, em ação cautelar, de pedido de natureza antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional postulada na ação principal, passando a entender que a fungibilidade prevista no dispositivo legal antes referido deve ser interpretada de forma ampliativa para agasalhar, também, essa espécie de tutela jurisdicional, razão pela qual deve ser rejeitada a preliminar processual de inadequação da via processual eleita deduzida pela ANATEL e pela CEF em suas contestações. A ANATEL comprovou, à fl. 434, que a inscrição do Requerente no CADIN por ela realizada em 01.09.2004 foi retirada em 07.03.2005, portanto, antes de sua citação neste processo (fls. 332/333 – 10.03.2005), encontrando­se, portanto, supervenientemente à propositura desta ação (fl. 02 ­ 02.02.2005) e antes da triangularização da relação processual em relação à Requerida em questão, esvaziado o objeto da pretensão inicial contra ela deduzida nesta ação cautelar, com a perda do interesse de agir superveniente em relação a ela, razão pela qual deve ser o processo extinto sem resolução do mérito quanto à ANATEL em relação a essas inscrições. No entanto, em face de essa perda de interesse de agir ser superveniente à propositura da ação, mas anterior à triangularização da relação processual quanto à ANATEL, não deve gerar condenação sucumbencial em honorários advocatícios em favor nem do Requerente nem dessa Requerida, vez que a extinção da lide sem resolução do mérito nessa parte não pode ser imputada a nenhum dos dois. Remanesce, ainda, em relação à ANATEL, para fins de exame em seu mérito,
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245 apenas a pretensão inicial de proibição de realização de novas inclusões no SIAFI e no CADIN. Por fim, quanto à preliminar processual de ausência de instrução da inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação deduzida pela ECT, os documentos trazidos pelo Requerente com sua inicial, os quais provam a existência da inscrição no CADIN combatida, são suficientes à instrução inicial da ação, impondo­se, por conseguinte, a rejeição da preliminar processual em questão. II.3. ­ MÉRITO A pretensão inicial remanesce para ser apreciada em seu mérito, em face das questões preliminares processuais acima decididas, quanto aos pedidos de: I – suspensão das inscrições no CADIN e no SIAFI abaixo indicadas: (a) ­ UNIÃO – inscrições no SIAFI: 1. convênio 442436 (INDESP 2) (fl. 24), nos termos já indicados nas decisões de fls. 636/637 e 648; 2. convênio 310786 (MI/SECEX/SPOA/ADMINISTRAÇÃO) (fl. 25), vez que tem como credor órgão de sua estrutura interna; (b) ­ EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT – inscrição no CADIN sob a sigla 8422900000 (fl. 28); (c) ­ CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, inscrição no SIAFI referente ao convênio 442436 (INDESP 2) (fl. 24), nos termos já indicados nas decisões de fls. 636/637 e 648; II – e proibição de ocorrência de novas inclusões nesses cadastros por parte da UNIÃO, da AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF.
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Examino, de início, a primeira pretensão acima referida. O art. 5.º, da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01, dispõe: “Art. 5º É vedado: I ­ celebrar convênio, efetuar transferência, ou conceder benefícios sob qualquer modalidade, destinado a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, ou para qualquer órgão ou entidade, de direito público ou privado, que esteja em mora, inadimplente com outros convênios ou não esteja em situação de regularidade para com a União ou com entidade da Administração Pública Federal Indireta; II ­ destinar recursos públicos como contribuições, auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 1º Para os efeitos do item I, deste artigo, considera­se em situação de inadimplência, devendo o órgão concedente proceder à inscrição no cadastro de inadimplentes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal ­ SIAFI e no Cadastro Informativo ­ CADIN, o convenente que: I ­ não apresentar a prestação de contas, final ou parcial, dos recursos recebidos, nos prazos estipulados por essa Instrução Normativa; II ­ não tiver a sua prestação de contas aprovada pelo concedente por qualquer fato que resulte em prejuízo ao erário. III ­ estiver em débito junto a órgão ou entidade, da Administração Pública, pertinente a obrigações fiscais ou a contribuições legais. § 2º Nas hipóteses dos incisos I e II do parágrafo anterior, a entidade, se tiver outro administrador que não o faltoso, e uma vez comprovada a instauração da devida tomada de contas especial, com imediata inscrição, pela unidade de contabilidade analítica, do potencial responsável em conta de ativo “Diversos Responsáveis”, poderá ser liberada para receber novas transferências, mediante suspensão da inadimplência por ato expresso do ordenador de despesas do órgão concedente.
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247 § 3º O novo dirigente comprovará, semestralmente ao concedente o prosseguimento das ações adotadas, sob pena de retorno à situação de inadimplência.” Por sua vez, a Lei n.º 10.522/02, em seus artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º e 26, §§ 1.º, 2.º e 3.º, dispõe: “Art. 1 o O Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin) passa a ser regulado por esta Lei. Art. 2 o O Cadin conterá relação das pessoas físicas e jurídicas que: I ­ sejam responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, para com órgãos e entidadesda Administração Pública Federal, direta e indireta; II ­ estejam com a inscrição nos cadastros indicados, do Ministério da Fazenda, em uma das seguintes situações: a) suspensa ou cancelada no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF; b) declarada inapta perante o Cadastro Geral de Contribuintes – CGC. § 1 o Os órgãos e as entidades a que se refere o inciso I procederão, segundo normas próprias e sob sua exclusiva responsabilidade, às inclusões no Cadin, de pessoas físicas ou jurídicas que se enquadrem nas hipóteses previstas neste artigo. § 2 o A inclusão no Cadin far­se­á 75 (setenta e cinco) dias após a comunicação ao devedor da existência do débito passível de inscrição naquele Cadastro, fornecendo­ se todas as informações pertinentes ao débito. § 3 o Tratando­se de comunicação expedida por via postal ou telegráfica, para o endereço indicado no instrumento que deu origem ao débito, considerar­se­á entregue após 15 (quinze) dias da respectiva expedição. § 4 o A notificação expedida pela Secretaria da Receita Federal ou pela Procuradoria­Geral da Fazenda Nacional, dando conhecimento ao devedor da existência do débito ou da sua inscrição em Dívida Ativa atenderá ao disposto no § 2 o . § 5 o Comprovado ter sido regularizada a situação que deu causa à inclusão no Cadin, o órgão ou a entidade responsável pelo registro procederá, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, à respectiva baixa. § 6 o Na impossibilidade de a baixa ser efetuada no prazo indicado no § 5 o , o órgão ou a entidade credora fornecerá a certidão de regularidade do débito, caso não haja outros pendentes de regularização. § 7 o A inclusão no Cadin sem a expedição da comunicação ou da notificação de que tratam os §§ 2 o e 4 o , ou a não exclusão, nas condições e no prazo previstos no § 5 o , sujeitará o responsável às penalidades cominadas pela Lei n o 8.112, de 11 de
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dezembro de 1990, e pelo Decreto­Lei n o 5.452, de 1 o de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho). § 8 o O disposto neste artigo não se aplica aos débitos referentes a preços de serviços públicos ou a operações financeiras que não envolvam recursos orçamentários. ... Art. 6 o É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para: I ­ realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos; II ­ concessão de incentivos fiscais e financeiros; III ­ celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica: I ­ à concessão de auxílios a Municípios atingidos por calamidade pública reconhecida pelo Governo Federal; II ­ às operações destinadas à composição e regularização dos créditos e obrigações objeto de registro no Cadin, sem desembolso de recursos por parte do órgão ou entidade credora; III ­ às operações relativas ao crédito educativo e ao penhor civil de bens de uso pessoal ou doméstico. Art. 7 o Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I ­ tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei; II ­ esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei. ... Art. 26. Fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais e ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objeto de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal ­ Siafi. § 1 o Na transferência de recursos federais prevista no caput, ficam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensados da apresentação de certidões exigidas em leis, decretos e outros atos normativos. § 2 o Não se aplica o disposto neste artigo aos débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social ­ INSS, exceto quando se tratar de transferências relativas à assistência
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249 social. (Redação dada pela Lei nº 10.954, de 2004)” Além disso, a LC n.º 101/00, em seu art. 25, prevê: “Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende­se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1 o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
I ­ existência de dotação específica;
II ­ (VETADO)
III ­ observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV ­ comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;
c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;
d) previsão orçamentária de contrapartida. § 2 o É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada. § 3 o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam­se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.” Da legislação acima mencionada, vê­se que: I – não são as inscrições no CADIN e no SIAFI, em si, que obstam à realização de transferências voluntárias federais, mas o fato de que essas inscrições indicam que os entes a que referentes enquadram­se em uma das situações que vedam esses tipos de transferência previstas no art. 25, § 1.º, inciso IV, em interpretação a contrário senso, e no art. 5.º, inciso I e § 1.º, da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01;
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II – mesmo havendo referidas inscrições, não há óbice à realização de transferências voluntárias relativas às ações de educação, saúde e assistência social; III – a exceção prevista no art. 5.º, § 2.º, da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01, para a hipótese de a entidade ter outro administrado que não o faltoso, refere­se, apenas, as situações de não prestação de contas, final ou parcial, de recursos recebidos através de convênio ou de não aprovação pelo órgão/ ente concedente da prestação de contas por qualquer fato que resulte em prejuízo ao erário, conforme previsto nos incisos I e II do § 1.º do mesmo artigo da referida instrução normativa, só sendo, portanto, cabível a suspensão das inscrições no CADIN e no SIAFI em virtude dessa exceção quando a inscrição for oriunda de fato enquadrável nessas hipóteses; III – a suspensão da inscrição no CADIN é possível, apenas, nos termos do art. 7.º da Lei n.º 10.522/02, quando o devedor ajuíze ação com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei, ou quando a exigibilidade do crédito objeto do registro estiver suspensa, nos termos da lei. Quanto à inscrição no CADIN, a jurisprudência do STF tem entendido que é constitucional a utilização do referido cadastro como forma de compelir ao pagamento de débito que seja devido, conforme se depreende da ementa do seguinte precendente, em interpretação a contrário senso: AI­AgR 533646 / DF ­ DISTRITO FEDERAL AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 09/05/2006 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação DJ 02­06­2006 PP­00008 EMENT VOL­02235­08 PP­01469 Par te(s) AGTE.(S): COMERCIAL ORLANDI LTDA ADV.(A/S) : NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES E OUTRO(A/S) AGDO.(A/S) : UNIÃO ADV.(A/S) : PFN ­ IARA ANTUNES VIANNA
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251 Ementa E ME NTA: I . Recur so extr aor dinár io: descabimento: falta de pr equestionamento de dispositivos constitucionais tidos como violados: incidência das Súmulas 282 e 356. II. Cadastro Infor mativo dos Créditos não quitados de órgãos e entidades federais ­ CADIN. Inscrição: validade. 1. É inconstitucional apenas a utilização do referido cadastro como forma de compelir ao pagamento de débito que não seja devido. Precedentes: ADIn 1.155­MC, 15.2.1995, Marco Aurélio e ADIn 1.454­MC, Octavio Gallotti,RTJ 179/1. 2. No caso, afir mou o Tribunal a quo que, embora os débitos que deram ensejo à inscrição no CADIN estejam sendo objeto de discussão, não foi infor mado àquele J uízo se houve a suspensão da exigibilidade desses valor es. 3. É da jur ispr udência do Supr emo Tr ibunal que no r ecur so extr aor dinár io devem ser consider ados os fatos da causa “na ver são do acórdão r ecor r ido”. Precedentes.
Decisão A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Marco Aurélio. 1ª. Turma, 09.05.2006.
Indexação ­ VIDE EMENTA.
Legislação LEG­FED CF ANO­1988
ART­00102 INC­00003 LET­A
CF­1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG­FED SUM­000282
STF LEG­FED SUM­000356
STF
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Obser vação ­ Acórdãos citados: ADI 1454 MC (RTJ­179/105), ADI 1555 MC, AI 130893 AgR (RTJ­146/291), RE 140265 (RTJ­148/550). N.PP.: 7. Análise: 08/06/2006, RMO. Revisão: (JOY). Esse entendimento, em face da natureza símile do CADIN e do SIAFI enquanto cadastros de registro de inadimplência de obrigações no âmbito federal, aplica­se, também, ao SIAFI, razão pela qual não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade na realização das inscrições nesses cadastros (STJ, MS n.º 8.083/DF), salvo se demonstrado que a inadimplência que a motivou não subsiste. Desse modo, a suspensão das inscrições no CADIN e no SIAFI só se mostra cabível em uma das seguintes hipóteses: I – quanto às situações de não prestação de contas, final ou parcial, de recursos recebidos através de convênio ou de não aprovação pelo órgão/ente concedente da prestação de contas por qualquer fato que resulte em prejuízo ao erário, conforme previsto nos incisos I e II do § 1.º do art. 5.º da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01, quando a entidade atender aos requisitos previsto no § 2.º do mesmo artigo, ou seja, (a) ter outro administrador que não o faltoso, (b) comprovar a instauração da devida de tomada de contas especial e (c) comprovar a imediata inscrição, pela unidade de contabilidade analítica, do potencial responsável em conta de ativo “Diversos Responsáveis”, sendo a suspensão da inadimplência realizada por ato expresso do ordenador de despesas do órgão concedente; II – nessas situações e nas demais, se obtida a suspensão da exigibilidade do crédito originador do registro, seja administrativa ou judicialmente, na forma da lei, ou se ajuizada ação para discutir a existência ou o valor desse crédito e oferecida garantia idônea e suficiente ao Juízo, nos termos da lei. Quanto à hipótese indicada no item I do parágrafo anterior, entendo que a norma do art. 5.º, § 2.º, da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/ 01, dirige­se à regulamentação da atuação do ordenador de despesas do órgão concedente em relação à suspensão da inadimplência, devendo, em relação à
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253 postulação judicial desta inadimplência, ser interpretada com algum temperamento em relação aos requisitos ali estabelecidos: I – pois, das exigências ali feitas, apenas a de ter outro administrador que não o faltoso e a de requerer a instauração de tomada de contas especial estão sob a responsabilidade exclusiva da entidade beneficiária do convênio, vez que a instauração em si da tomada de contas especial e a inscrição, pela unidade de contabilidade analítica do concedente, do potencial responsável em conta de ativo “Diversos Responsáveis” são atribuições a serem exercidas pelo concedente; II – e, portanto, em face do explicitado no item anterior, não pode a demora nessas duas últimas providências ser imputada à entidade beneficiária do convênio, razão pela qual, cumprindo ela as outras duas primeiras exigências referidas ou cumprindo ela a primeira dessas duas outras exigências (ter outro administrador que não o faltoso) e já devendo ter sido realizadas pelo concedente as três outras em face do trâmite da fiscalização da execução do convênio, é de ser­lhe concedida a suspensão judicial da inadimplência registrada no SIAFI e/ou no CADIN em virtude das situações previstas nos incisos I e II do § 1.º do art. 5.º da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01. No presente caso, o MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE não ofereceu garantia idônea e suficiente ao Juízo para que fosse cabível a suspensão automática das inscrições no CADIN e no SIAFI acima indicadas como remanescentes no exame do mérito da pretensão inicial, tendo, apenas, sustentado: I – quanto aos registros no SIAFI vinculados à UNIÃO e à CEF, que cumpriu o previsto no art. 5.º da IN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN 05/01; II – e, quanto ao registro no CADIN vinculado à ECT, não saber a origem do débito respectivo e ter cumprido o disposto no art. 5.º da IN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN 05/01. Os documentos de fls. 357/378 e 380/383 indicam que a dívida que levou à inscrição pela ECT do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE no CADIN diz respeito a débitos relativos a prestação de serviços postais, tendo sido esses débitos objeto de notificação extrajudicial ao referido Município, conforme documentos de fls. 385/386, além de ter o Requerente firmado, em sua Administração anterior,
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o termo de confissão de dívida de fls. 388/389. Vê­se, pois, que a inadimplência originadora do registro no CADIN realizado pela ECT não se enquadra nas situações previstas nos incisos I e II do § 1.º do art. 5.º da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01, razão pela qual a alegação do Requerente de cumprimento em relação a essa inscrição das exigências previstas no parágrafo 2.º do referido dispositivo legal não tem qualquer idoneidade para ensejar a sua suspensão pleiteada na inicial. Quanto à afirmação do Requerente de não saber a origem do débito com a ECT em questão, a documentação de fls. 357/378, 380/383, 385/386 e 388/389 demonstra a referida origem, comprovando a existência do débito, inclusive, objeto de confissão de dívida firmada pelo Requerente em sua Administração anterior. Ressalte­se que, nesta ação, não deduziu o Requerente qualquer causa de pedir questionando a prestação dos serviços objeto da documentação referida no parágrafo anterior, razão pela qual, nos limites da lide posta neste feito, mostra­se legal a inscrição dessa dívida pela ECT no CADIN, não havendo razão jurídica para o acolhimento da pretensão inicial do Requerente à sua suspensão, vez que rejeitados os fundamentos por ele trazidos em sua inicial, conforme acima explicitado. No entanto, quanto à postulação da ECT de condenação do Requerente em litigância de má­fé pela afirmação de não ter ciência da origem da dívida geradora da inscrição, como os documentos apresentados pela ECT às fls. 357/378, 380/383, 385/ 386 e 388/389 referem­se todos a atos praticados pela Administração anterior do Requerente e ante à afirmação deste de que a nova Administração não localizou nos arquivos da Prefeitura informações sobre os atos da Administração anterior em relação a essa dívida, fato de notório conhecimento como ocorrente na troca de gestões nos municípios brasileiros, entendo não ter restado comprovada a existência de dolo na afirmação do Requerente acima referida, razão pela qual deve ser rejeitado o pleito de sua condenação em litigância de má­fé deduzido pela ECT. Os documentos de fls. 118/191 apresentados pela UNIÃO demonstram que o registro no SIAFI relativo ao convênio 310786 (fl. 25) ocorreu por irregularidades na prestação de contas de Administradores anteriores ao atual Administrador do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE. Esses documentos indicam, também, que desde o ano de 2002 (fl. 161) até o
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255 ano de 2004 (fl. 145), vêm sendo adotadas, no âmbito do Ministério da Integração Nacional, medidas no sentido da regularização dessa prestação de contas, com sucessivos alertas aos ex­gestores do Requerente de que o não atendimento às solicitações a eles dirigidas ensejaria a instauração de tomada de contas especial e o registro de inadimplência do Município no SIAFI e do responsável no CADIN. A própria inscrição do Requerente no SIAFI (fl. 25) demonstra, portanto, que não foram atendidas as solicitações em questão pelos ex­gestores do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE e, portanto, foram tomadas pelo Ministério da Integração Nacional as providências objeto desses alertas, entre as quais, a instauração do tomada de contas especial. Assim, qualquer inércia quanto à não efetiva instauração da tomada de contas especial quanto a esse convênio e a não, eventual, inscrição, pela unidade de contabilidade analítica do concedente, do potencial responsável (ex­gestores do Requerente) em conta de ativo “Diversos Responsáveis” não é da responsabilidade do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, mas da UNIÃO, razão pela qual é de entender­se cabível a suspensão do registro no SIAFI do convênio 310786 (fl. 25), com a ratificação da liminar anteriormente deferida, vez que presentes a fumaça do bom direito, na forma acima expressa, e o perigo na demora em virtude das conseqüências ao recebimento de transferências voluntárias (fora das áreas de educação, saúde e assistência social) pelo Requerente da manutenção desse registro, em prejuízo da coletividade residente em Campina Grande/PB. Em relação ao convênio (contrato de repasse) n.º 442436 (INDESP 2) registrado no SIAFI (fl. 24), firmado pelo Requerente com o Ministério do Esporte e Turismo, via CEF e gerido por esta, a documentação apresentada pela CEF às fls. 663/681, indica que desde abril de 2004 (fl. 679) foi solicitada a instauração de tomada de contas especial quanto a ele, tendo sido a não prestação de contas final pelos ex­gestores do Requerente a razão da inadimplência registrada no SIAFI. Desse modo, com a instauração da tomada de contas especial (conforme documento de fl. 680 já realizada), eventual não inscrição, pela unidade de contabilidade analítica do concedente, do potencial responsável (ex­gestores do Requerente) em conta de ativo “Diversos Responsáveis” não é da responsabilidade do MUNICÍPIO
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DE CAMPINA GRANDE, mas da UNIÃO e da CEF, razão pela qual aplicam­se a esse registro no SIAFI as mesmas conclusões já acima alcançadas em relação ao do Ministério da Integração Nacional. Por fim, quanto ao pleito de impedimento de futuras inscrições no SIAFI e no CADIN quanto às Requeridas remanescentes na lide após as preliminares processuais acima acolhidas, não sendo a realização dessas inscrições, em si, ato ilegal ou inconstitucional, conforme já referido, nem havendo o Requerente demonstrado, concretamente e de forma individualizada, ilegalidades em relação aos débitos vinculados às potenciais futuras inscrições cuja não realização é por ele objetivada ou, ainda, o cumprimento das hipóteses de suspensão de inscrição no CADIN e no SIAFI acima explicitadas, que, também, seriam óbice à própria realização da inscrição, não merece acolhida a pretensão inicial nessa parte. Ressalte­se, quanto ao explicitado no último parágrafo, que os ofícios genéricos de fls. 15/16 e 17/18 dirigidos, respectivamente, ao TCU e ao TCE/PB solicitando a realização de auditoria especializada no MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, não atendem aos requisitos do art. 5.º, § 2.º, da IN/STN n.º 01/97, na redação dada pela IN/STN n.º 05/01, vez que não estão dirigidos a convênio específico nem indicam fatos que ensejassem a instauração de tomada de contas especial em relação a estes. III – DISPOSITIVO Ante o exposto: I – declaro a extinção do processo sem resolução do mérito em relação aos Requeridos COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS, na forma do art. 267, inciso VI, do CPC; II – julgo prejudicado o exame da preliminar processual deduzida pela COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF em sua contestação; III – declar o a extinção do pr ocesso sem r esolução do mérito, por
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257 ilegitimidade passiva, na forma do art. 267, inciso VI e § 3.º, do CPC, em relação às Requeridas UNIÃO, AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF quanto às inscrições no CADIN/SIAFI a elas não pertinentes, na forma explicitada na fundamentação supra (II.1.), restando, portanto, excluídas da lide as inscrições referentes ao FNDE, à FUNASA, à COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, às CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS e à PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS (ou PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A.); IV – rejeito a preliminar processual de inadequação da via processual eleita deduzida pela ANATEL e pela CEF em suas contestações; V – declaro a extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir superveniente, na forma do art. 267, inciso VI, do CPC, em relação à ANATEL; VI – rejeito a preliminar processual de ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação deduzida pela ECT; VII – julgo improcedente o pedido inicial em relação à causa deduzida pelo Requerente contra a ECT, examinando a lide com resolução do mérito em r elação a ela (ar t. 269, inciso I, do CPC), com a revogação da medida liminar anteriormente concedida contra esta; VIII – rejeito o pleito da ECT de condenação em litigância de má­fé do Requerente; IX – julgo procedente, em parte, o pedido inicial em relação à UNIÃO e a CEF, apreciando a lide com resolução do mérito em relação a elas (art. 269, inciso I, do CPC), par a suspender as inscr ições no SIAFI referentes aos convênios 442436 (INDESP 2) (fl. 24) e 310786 (MI/SECEX/SPOA/ ADMINISTRAÇÃO) (fl. 25), com a ratificação da liminar de fls. 82/88 nessa parte; X – e julgo improcedente o pedido inicial de impedimento a futuras
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inscrições no SIAFI e no CADIN deduzido contra a UNIÃO, a AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, apreciando a lide com resolução do mérito nessa parte (art. 269, inciso I, do CPC). Condeno o Requerente, em face de sua sucumbência total em relação à COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e às CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS, a pagar­lhes, na forma do art. 20, § 4.º do CPC, honorários advocatícios sucumbenciais que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais) para cada uma, bem como a ressarcir à última as custas processuais por ela adiantadas por ocasião da interposição do recurso de fls. 199/214, na forma do art. 14, § 4.º, da Lei n.º 9.289/96. Em face da sucumbência recíproca ocorrida entre o Requerente e a UNIÃO, a AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL e a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF em relação às pretensões iniciais deduzidas por aquele na inicial, na forma do art. 21, cabeça, do CPC, cada uma dessas par tes ar cará com os r espectivos honor ários advocatícios de seus advogados e custas pr ocessuais, estas em r elação aos que não são beneficiários (CEF) da isenção legal prevista no art. 4.º, inciso I, da Lei n.º 9.289/96. Sem condenação do Requerente em honorários advocatícios sucumbenciais em favor da PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS e da PETROBRÁS DISTRIBUIDORA S/A., nos termos da fundamentação supra (II.1.). Sem condenação do Requerente ao pagamento de custas processuais em face da isenção prevista no art. 4.º, inciso I, da Lei n.º 9.289/96. Remetam­se os autos à Distribuição para inclusão da CEF no pólo passivo da lide, nos ter mos das decisões de fls. 636/637 e 648, bem como par a a cor r eta indicação da AG Ê NCIA NACIO NAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL como Requerida, vez que indicada na autuação como UNIÃO (ANATEL). Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475, inciso I, do CPC, na redação dada pela Lei n.º 10.352/01), tendo em vista o valor do
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259 direito controvertido, não incidindo, portanto, o § 2º do art. 475 do CPC, na redação dada pela Lei n.º 10.352/01, RESSALVANDO­SE, CONTUDO, A EFICÁCIA E EXEQÜIBILIDADE IMEDIATA DA MEDIDA CAUTELAR E M FACE DA PRÓ PRI A NAT URE ZA DE SSA E SPÉ CI E DE PROVIMENTO JURISDICIONAL. Publique­se. Registre­se. Intimem­se. Campina Grande/PB, 28 de dezembro de 2006. Emiliano Zapata de Miranda Leitão Juiz Federal da 4ª Vara Federal de Campina Grande/PB
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261 Autos: 2002.82.01.005545­4 Autores: Moizes Alves de Almeida e Iracilda Gomes de Almeida Ré: Escola Agrotécnica Federal de Sousa. Sentença EMENTA: CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ÓBITO DE ALUNA HAVIDO EM DEPENDÊNCIA DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO. CONFIGURAÇÃO DOS ELEMENTOS ETIOLÓGICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES. PROCEDÊNCIA. 1. Ação de indenização material e moral. 2. Óbito de aluna havida na dependência de instituição de ensino. 3. Verificação de responsabilidade civil, tendo em conta a omissão da Administração. 4. Pensão mensal, a título de danos materiais, e valor fixo, a título de danos morais, devidos, com ponderações. 5. Procedência. Vistos... I. Relatório 1. Cuida­se de Ação de Indenização por Danos Morais promovida por MOIZES ALVES DE ALMEIDA e IRACILDA GOMES DE ALMEIDA em face da ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SOUSA (EAFS) e da UNIÃO FEDERAL. 2. Alegam em suma: a) eram pais de GRAZIELE GOMES DE ALMEIDA, falecida em 26.08.2002; b) ela era aluna da EAFS e morreu em virtude de acidente havido naquelas instalações; c) tudo ocorreu quando a vítima estava em intervalo de aulas e deitada junto à grade de proteção do 1º andar, onde localiza­se a sala onde freqüentava, quando, ato contínuo, a estudante levantou­se quando tombou para trás direcionando seu corpo rente à grade, momento em que a tela de proteção rompeu­se e a vítima despencou de uma altura de aproximadamente 6 metros, o que veio a originar traumatismo raquimedular e, consequentemente, a morte; d) houve negligência
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administrativa, posto que a tela de proteção estava avariada há tempos e, se assim não fosse, o acidente não teria havido; e) em razão disso, sofreram danos materiais e morais. Pediram: I) liminar; II) no mérito, a condenação dos réus no pagamento de danos materiais (R$ 1.000,00 ou 5 salários mínimos mensais até os 70 anos ou outro valor a ser arbitrado) e morais (R$ 200.000,00 ou 1.000 salários mínimos); III) demais cominações de estilo. 3. Trouxeram documentos (fls. 13­52). 4. Liminar negada, excluindo­se a UNIÃO da lide (fls. 56­59). 5. Contestação (fls. 80­86) aduzindo­se: a) não houve omissão de sua parte; b) as grades de proteção foram soldadas em 09.07.2002, antes do início das aulas e 47 dias antes do fatídico acidente; c) houve culpa exclusiva de GRAZIELE, que, com vinte anos, deveria saber que não deveria deitar­se sobre uma grade de proteção; d) outrossim, os alunos danificavam propositadamente a grade de proteção para jogar bola, donde existente culpa exclusiva de terceiro; e) ausente responsabilidade civil de sua parte. Pediu a improcedência e as cominações de praxe. 6. Acostou documentos (fls. 87­158). 7. Réplica ofertada (fls. 161­162). 8. Foi ouvida a prova oral na instrução (fls. 181­184 e 190­193), com razões finais remissivas pelas partes. 9. Era o que comportava explicitação. II – Fundamentação A responsabilidade do Estado 10. Incidente a teoria do risco administrativo (teoria objetiva da responsabilidade civil). O réu é prestador de serviço público, sendo pois sua responsabilidade objetiva, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição Federal. 11. Daí porque seus elementos etiológicos são: a) ação; b) dano; c) nexo causal; d) qualidade de agente público. 12. Alvitre­se que, na hipótese de falta ou irregular atuação do poder público (faute de service), prepondera a teoria subjetiva da responsabilidade 1 (ou da culpa 1 Evidencie­se que em sede de omissão, em alguns casos, é subjetiva a r esponsabilização civil da administr ação (cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 8ª. ed., São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 600­604). De fato: “ Quando o comportamento lesivo é omissivo, os danos não são causados pelo Estado, mas por evento alheio a ele. A omissão é condição do dano, porque propicia sua ocorrência. Condição é o evento cuja ausência enseja o surgimento do dano. No caso de dano por comportamento omissivo, a responsa bilidade do Estado é subjetiva ” (TJSP, 4ª. C., rel. Soares Lima, JTJ­LEX 183/76)..
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263 administrativa, no particular), e não a do risco administrativo, nos termos do art. 37, § 6°., da Constituição Federal. 13. A responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes não significa compulsoriamente procedência de dever indenizatório, eis que possível a existência da excludentes/atenuantes legais como a culpa exclusiva ou concorrente da vítima. 14. Na teoria do risco administrativo, o Estado somente se livra da responsabilidade se “provar que o fato ocorreu em virtude de culpa exclusiva, ou concorrente, da vítima, poderá livrar­se por inteiro, ou parcialmente, da obrigação de indenizar” (cf. CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Responsabilidade civil, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 158). O caso concreto 15. A responsabilidade a ser apurada presentemente é de cunho omissivo, havendo de se enfrentar a ocorrência ou não de culpa por parte da Administração Pública. 16. GRAZIELE caiu porque a tela de proteção cedeu. Esse é o fato. O que importa para aquilatar a responsabilidade da ré são as seguintes questões: a) a tela de proteção estava realmente em mau estado? b) houve omissão da ré quanto à conservação da tela de proteção? c) houve culpa, exclusiva ou concorrente, de GRAZIELE? d) houve culpa exclusiva de terceiros? 17. Registro que após o incidente a ré instaurou Comissão Investigante para apurar o ocorrido, onde realizou vistoria no local e ouviu depoimentos (fls. 87­143). Ali verificou­se que a grade de proteção foi reparada em 09.07.2002, antes do início das aulas e 47 dias antes do fatídico acidente (fl. 109). 18. Ou seja, está documentado que existiu atuação razoável por parte da Administração. Resta saber, se, ainda assim, essa conduta foi suficiente. 19. JOÃO PAULO (fls. 183­184), estudante, deu conta que estava com GRAZIELE, ambos deitados, quando ela se pôs sobre os joelhos, desequilibrou­se e caiu por sobre a tela de proteção, que cedeu. Argumentou que era comum que as pessoas se escorassem nessa grade, sem receio algum. Reportou que os alunos costumavam arrancar esses arames, sendo que parte da grade apresentava uma abertura de 20 cm. Informou que o colégio trocava as grades a cada semestre. 20. LADYANE (fls. 192­193), estudante, afirmou que igualmente estava com GRAZIELE no dia do ocorrido. Ressaltou que ela estava deitada com a cabeça do lado onde a tela estava quebrada. Os funcionários da instituição advertiram do perigo que ali existia. LADYANE esclareceu que tinha receio de sentar próximo à tela de
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proteção. 21. O termo de vistoria do Procedimento Investigativo apontou o fato das telas estarem quase totalmente destruídas, ainda que indicando a forte probabilidade disso ter sido acarretado pelos próprios curiosos após o acidente (fls. 94­98). 22. Diante de todo esse quadro apresentado, é coerente supor que havia uma manutenção periódica por parte da ré. Isso ocorria antes do início das aulas de cada semestre. Documentos comprobatórios de serviços e o próprio depoimento de uma aluna, LADYANE, bem atestam isso. 23. Porém, os próprios estudantes cuidavam de danificar, voluntariamente, as telas de proteção. Isso era fato conhecido por todos. Assim como era conhecido também (vide ainda LADYANE) o fato de ser perigoso ficar próximo àquela grade de proteção. 24. Nada obstante, o fato concreto é que GRAZIELE não estava a danificar a grade, muito menos apoiou­se nela. O que foi dito por ambas as testemunhas é que ela estava deitada, pôs­se sobre os joelhos para ficar em pé e, nesse momento, desequilibrou­se e caiu por sobre a grade que, avariada, rompeu, acontecendo a fatalidade que já se sabe. 25. Ou seja, ela foi sim imprudente ao ficar próximo daquele local. Duvido que os demais alunos não soubessem que eles próprios danificavam aquela grade para ali jogarem bola e que, com isso e com a altura, não houvesse perigo. 26. Porém, tirando essa falta de cautela, ela não se apoiou sobre a grade, estava a brincar por sobre ela de forma açodada por sobre ela ou algo assim. Aconteceu que ela estava deitada no chão, desequilibrou­se e no que seria absolutamente normal (a grade suportar o peso de uma garota cujo peso não se cogita de ser excessivo), o objeto não rendeu o que se esperava dele. 27. O fato exclusivo de terceiro é causa aceita como excludente da responsabilidade civil, derivada que é da própria inexistência de culpa e da incidência da exegese conferida ao caso fortuito (arts. 159 e 1.058 do Código Civil). Com efeito, ocorre “o dano, identifica­se o responsável aparente, mas não incorre este em responsabilidade, porque foi a conduta do terceiro que interveio para negar a equação agente­vítima, ou para afastar do nexo causal o indigitado autor” (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, 9 a . ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 301). 28. Fato é que existe maciça jurisprudência no sentido de que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do causador direto do dano, cabendo a
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265 este a via regressiva para reparar o seu desfalque 2 . 29. Mas, há que se ponderar que tal contexto demanda: a) ter havido culpa concorrente do causador direto ou o fato de terceiro não houver sido preponderante para o acidente (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. e p. cits.); b) existir situação legal de responsabilidade que, de toda forma, subsidiariamente mantém o causador direto ou indireto com o ônus (art. 1.521 do Código Civil). 30. Por isso assevera­se que a “matéria desloca­se então para a análise dos extremos da responsabilidade civil, estabelecendo­se que a participação do terceiro altera a relação causal. Ocorre o dano, identifica­se o responsável aparente, mas não incorre este em responsabilidade, porque foi a conduta do terceiro que interveio para negar a equação agente­vítima, ou para afastar o nexo causal o indigitado autor. A participação da pessoa estranha na causação do dano pode ocorrer de maneira total ou parcial, isto é, o dano será devido exclusivamente ao terceiro; ou reversamente este feio apenas co­partícipe, ou elemento concorrente no desfecho prejudicial. Apenas no primeiro caso é que se pode caracterizar a responsabilidade do terceiro, porque somente então estará eliminado o vínculo de causalidade entre o dano e a conduta do indigitado autor do dano” (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. e p. cits.). 31. Extrai­se que a excludente só terá lugar se o fato de terceiro for equiparável ao caso fortuito (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Responsabilidade Civil, 6 a . ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 515). 32. Aqui tal circunstância, culpa exclusiva de terceiro a elidir a responsabilidade da ré, não se deu, na medida em que era fato conhecido o freqüente dano à tela de proteção, o que inclusive acarretava a necessidade de manutenção semestral, como foi verificado. 33. Portanto, nada do que aconteceu (a falta de cautela de GRAZIELE ou a irresponsabilidade de todos os estudantes que propositalmente danificaram a grade de proteção) é suficiente para afastar a culpa da ré, elemento etiológico exigível na espécie. Se os estudantes constantemente danificavam a grade de proteção, tocava à Administração realizar manutenções mais freqüentes, fazer uma campanha educativa, enfim, tomar providências mais efetivas, até que a situação fosse totalmente regularizada. 34. Daí porque ocorrente responsabilidade civil, presentes os seus elementos 2 E.g.: “RESPONSABILIDADE CIVIL ­ Acidente de trânsito ­ Evento decorrente de conduta culposa de terceiro ­ Fato que, não exclui a responsabilidade daquele que efetivamente causou danos em outro veículo Ressalva da via regressiva” (1º TACivSP, in RT 678/122), “SEGURO ­ Acidente de trânsito ­ Responsabilidade civil ­ Veículo conduzido por terceiro com autorização do proprietário ­ Fato que não elide a responsabilidade da seguradora” (1º TACivSP, in RT 748/251)
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etiológicos: a) omissão (ausência de perfeita manutenção); b) dano (o óbito de GRAZIELE e as conseqüências indenizatórias daí oriundas); c) nexo causal (a morte decorreu do óbito); e, d) culpa (não há, como se sabe, gradação de culpa em direito civil, sendo que mesmo a levíssima enseja indenização – cf. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, pp. 71). 35. Vamos à fixação dos valores indenizatórios materiais e morais. Danos materiais 36. As pretensões de indenizações materiais derivam exclusivamente de um dano econômico, que não atinge a esfera da personalidade ou da integridade física do ser humano. Elas podem decorrer da inobservância da lei ou de um contrato. “Justamente por só consistirem em um conteúdo econômico, são as de percepção mais fácil, embora a liquidação em si não seja das mais tranqüilas, conforme se verá adiante. Eles são compostos pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes. O conceito, muito sedimentado na doutrina e na jurisprudência, está expresso no art. 402 do Código Civil (Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar ). Essa redação, como a anterior (art. 1.059, caput) esvazia a discussão sobre a necessidade de ocorrência efetiva de um dano para que ele possa ser reparado. Muito a propósito: “Na maioria dos casos, o dano não se oferece com caráter não definitivo que estabeleça a impossibilidade de alteração futura. Se, tendo isso em vista, se considera depois a irremediável limitação humana quanto ao conhecimento do futuro, então não se pode correr o risco de sustar a avaliação do dano até que se feche o ciclo em que ele se desenvolve, ao influxo dos caprichos do futuro. Pensar assim seria dilatar tão indefinidamente o momento de deferir a indenização que equivaleria a privá­lo de reparação. Mesmo porque, se, porventura, a indenização satisfeita se revela infundada, sempre restará a quem a prestou indevidamente o recurso da ação de locupletamento. De forma que a justa medida do dano se proporciona com a apreciação da cadeia da causalidade que se nos apresenta como definitiva no passado” (JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da responsabilidade civil, vol. II, 10 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 717). 37. Muitas das vezes, mormente na responsabilidade contratual, existem verbas
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267 que já se prestam a suprir o dano causado pela violação do pacto, a saber a cláusula penal (art. 409 do CC) ou as arras (art. 417 do CC), de onde é necessário considerar em eventual indenização se o conteúdo do dano já não foi englobado naquelas cláusulas. 38. A partir daí, em situações puramente patrimoniais oriundas de danos físicos, a jurisprudência passou a entender devida indenização de parentes entre si. 39. A grande dificuldade sempre foi, porém, estabelecer­se o valor da indenização e até quando ela seria devida, considerando­se tratar­se o indenizado genitor, filho(a) ou outra espécie de parente tida como indenizável. 40. O valor indenizatório será aquele obtido a partir da profissão exercida pela vítima e sua provável colaboração para o grupo familiar. No caso de filhos para genitores têm sido aceita a expectativa de vida do brasileiro aferida a partir do IBGE. Verbis: “Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO MENOR. INDENIZAÇÃO. 1. É devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pele vítima. O termo inicial do pagamento da pensão conta­se dos quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, e tem como termo final a data em que a vitima atingiria a idade de sessenta e cinco anos. 2. Entretanto, tal pensão deve ser reduzida pela metade após a data em que o filho completaria os vinte e cinco anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo. 3. Recurso especial provido” (STJ, 2ª T., RESP 653597­AM, rel. Min. Castro Meira, DJ 04/10/2004, p. 276). “Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. INDENIZAÇÃO. PENSIONAMENTO. TERMO AD QUEM. TABELA DO IBGE. CRITÉRIOS. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. RELATIVIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCÍDÊNCIA. MARCO INICIAL. DATA DO PREJUÍZO. ENUNCIADO N. 43, SÚMULA/STJ. RECURSO DESACOLHIDO. I ­ Não obstante ter a jurisprudência desta Corte, na maioria dos casos, fixado, para fins de pensão indenizatória, como tempo provável de vida do falecido, a idade de 65(sessenta e cinco) anos, certo é que tal orientação não é absoluta, servindo apenas como referência, não significando que seja tal patamar utilizado em todos os casos, notadamente naqueles em que a vítima já possuía idade
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avançada ou mesmo superior ao referido patamar. II ­ A correção monetária, em dívida por ato ilícito, incide a partir da data do efetivo prejuízo e, não, do ajuizamento da ação, nos termos do verbete n. 43 da súmula/STJ” (STJ, 4ª T., RESP 72793­SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 06/11/2000, p. 206). 41. E, segundo o site do IBGE consultado em 10.08.2006 (http:// www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese/), a curva de expectativa de vida está em ascendência progressiva. Veja­se: E sp eran ças de V ida ao N asce r ­ 1990­2004 FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais.
42. Portanto, hoje, a expectativa média de vida segundo o órgão oficial brasileiro para tanto, é praticamente 72 anos, tendência ascendente, tendo em vista a melhoria de indicadores sociais e científicos (distribuição de renda, saúde e tecnologia). 43. Já no caso de filhos para pais, o pensionamento tem sido considerado até a idade de 24 anos, data tida como limite para freqüência em curso universitário e obtenção de renda própria, havendo aí uma diminuição: “Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO COM VÍTIMA FATAL, ESPOSO E PAI DOS AUTORES. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. DANO MORAL. FIXAÇÃO. RAZOABILIDADE. DIREITO DE ACRESCER ASSEGURADO. TERMO AD QUEM. IDADE DE FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA. VIÚVA. CASAMENTO. DECISÃO CONDICIONAL. DESCABIMENTO. RESSARCIMENTO. NATUREZA. HONORÁRIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. I. Não padece de nulidade o acórdão que enfrenta, suficientemente, as questões PARAHY BA
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269 essenciais controvertidas, apenas com conclusões desfavoráveis às pretensões da parte ré. II. Dano moral fixado em parâmetro razoável, inexistindo abuso a justificar a excepcional intervenção do STJ a respeito. III. O beneficiário da pensão decorrente de ilícito civil tem direito de acrescer à sua quota o montante devido a esse título aos filhos da vítima do sinistro acidentário, que deixarem de perceber a verba a qualquer título. Precedentes do STJ. IV. O pensionamento em favor dos filhos menores do de cujus tem como limite a idade de 24 (vinte e quatro) anos dos beneficiários, marco em que se considera estar concluída a sua formação universitária, que os habilita ao pleno exercício da atividade profissional. Precedentes do STJ. V. Honorários advocatícios incidentes sobre a condenação, assim consideradas as verbas vencidas e doze das prestações vincendas. VI. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido” (STJ, 4ª T., RESP 530618­MG, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 07/03/2005, p. 260). 44. Daí porque, em resumo, é de se ter como parâmetro: a) a indenização referente a filhos para pais deve perdurar até o fim da vida daqueles, a saber, hoje, 72 anos de idade ou até o óbito do pensionista, o que ocorrer primeiro; b) a indenização referente a filhos para pais deve ser reduzida quando a vítima completaria 25 anos de idade, quando provavelmente constituiria sua família; c) a indenização referente a pais para filhos deve perdurar até os 24 anos de idade, em situações normais, onde presume­se habilitação universitária bastante para exercício profissional. 45. Vamos ao caso concreto. 46. GRAZIELE estava com vinte anos quando faleceu (fl. 14) e cursando o curso técnico agrícola. Ainda estava por se formar, portanto. E conforme colhido da prova testemunhal, somente estudava, não colaborando financeiramente com o lar. E seu curso, técnico, ainda não estava concluído. 47. Sob tal contexto, tenho que há de se considerar como adequados os seguintes parâmetros: a) a indenização será devida a partir de um ano contado do prazo regular de conclusão do curso que GRAZIELE estava freqüentando, interregno esse razoável para se obter emprego; b) o valor mensal a ser considerado será o piso local da categoria a que se refere o curso de GRAZIELE, aferido a partir do Conselho de Classe pertinente na região; c) até os 24 anos, considerando que o pai da autora tem renda fixa de dois salários mínimos (fl. 06),
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a pensão devida será de metade do piso local da categoria a que se refere o curso de GRAZIELE; d) a partir dos 25 anos esse valor será reduzido para 1/5 do piso local da categoria, eis que presume­se a constituição de família própria e gastos com ela. 48. O valor será revisto sempre que houver reajuste pelo Conselho de Classe permanente na região. Deverá haver a inclusão em folha de pagamento da ré, a teor do § 2º do art. 475­Q do Código de Processo Civil. Danos morais 49. De há muito restam superadas, no seio das melhores doutrina e jurisprudência, as discussões sobre o cabimento ou não da modalidade indenizatória por danos morais. A Carta Magna a prevê (art. 5º.) e o Novo Código Civil também (art. 186). Igualmente assentado o entendimento quanto às pessoas jurídicas (Súmula 227, do STJ). 50. Insiste­se, ainda, em discutir o que seria o dano moral. Se o fato for tido como responsável por uma malquerida e forte emoção na pessoa que sofre o dano, ou um dano à saúde, uma deformidade, um aleijão, ou mesmo morte, cabe a indenização. Do contrário, não. Essa, grosso modo, a orientação predominante. O nosso ordenamento sobejamente regra as hipóteses desde há muito tempo (arts. 1537 e ss., especialmente 1.538, todos do Código Civil de 1916, e 948 e 949 do atual Código Civil). 51. No caso vertente, descabida a conduta da parte ré. Ela acarretou o triste falecimento de uma jovem e, antes de tudo, de uma filha. Dizem que a dor da perda de um filho ou uma filha é algo insuperável. 52. Daí que entendo plenamente caracterizados os elementos etiológicos da responsabilidade civil (art. 159, do Código Civil de 1916 e 186 do Código Civil novel): a) dano (à moral); b) ação (inclusão indevida no cadastro negativo); c) o nexo de causalidade (a ofensa à moral do autor decorreu da ação das rés) e a culpa dos seus prepostos. 53. Resta quantificar o valor do dano moral, nos termos e na inteligência do art. 953 do Código Civil. As indenizações por danos morais, se não são modos de enriquecimento, podem ser tidas, no mínimo, como de caráter sancionatório e pedagógico, a fim de serem evitados novos comportamentos prejudiciais a terceiros por parte da ré. 54. Além do mais, a sustentação de que por não se poder medir o sentimento,
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271 a vergonha, o constrangimento a que foi submetida a pessoa, e, como consectário, também não se poderia indenizar ninguém, é frágil e destoante da justiça. Daí já ter dito o jurista alemão JOSEF KOHLER que não é justo que nada se dê, somente por não se poder dar o exato 3 . 55. Dos critérios utilizados em jurisprudência para liquidação 4 , o que vem ganhando maior assento é o do arbitramento judicial, com respaldo no art. 1547 5 do Código Civil, que se reporta à circunstância do ilícito penal. De fato, a Lei nº. 4.117/ 62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), que estabelecia um critério em seu art. 84, foi revogada pelo Dec.­Lei nº. 236/67 6 . Também se fala no uso do art. 51, III, da Lei nº. 5.250/67 (Lei de Imprensa) ou mesmo da conjugação de ambos e ainda dos arts. 4º. E 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. 56. A referida Lei nº. 5.250/67 reza: “Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido”. 57. E a Lei de Introdução ao Código Civil, por sua vez diz: “Art. 4º. Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. 58. Dessarte, de bom tom a utilização do art. 953 do Código Civil, com o ponderamento do art. 53, da Lei n. 5.250/67, e, por fim, dos arts. 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil. 3 4 Apud Galeno de Lacerda, citando Pontes de Miranda, in RT 728. Cfr. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, p.p. 413­418. “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso” 6 TJSP, C. Dir. Privado, Ap., rel. Alexandre Germano, JTJ­LEX 184/64; TJSP, 2ª. C., Dir. Público, Ap., rel. Vanderci Álvares, JTJ­ LEX 199/60. Fonte Rui Stocco, ob. Cit., p. 754.
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59. O valor postulado pela parte autora, contudo, merece ponderações e não encontrou maior respaldo nos critérios antes elencados. 60. Assim é que, considerando (1) o status econômico das partes envolvidas, precipuamente da ré, (2) que houve culpa concorrente da vítima causada pela imprudência em ficar próxima à grade, (3) a dimensão do dano imposto, e (3) que o valor deve ser calculado de forma a que a ré não mais torne a assim proceder 7 , arbitro o valor da indenização em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). 61. E esse quantum encontra­se dentro da sanção penalmente estabelecida (arts. 138, 139 ou 140, do Código Penal, que trata de crimes contra a honra), sendo que a multa rege­se pelos arts. 49 e 60 do Diploma Repressivo. O mínimo do dia­ multa vai de um trigésimo do maior salário mínimo (R$ 11,66 – onze reais e sessenta e seis centavos) até o máximo de cinco vezes o maior salário mínimo, entre o mínimo de dez e o máximo de trezentos e sessenta dias­multa, tudo multiplicado por três, que importam em um teto de R$ 1.890.000,00 – hum milhão oitocentos e noventa mil reais – conforme a exegese dos arts. 49 e 60 do Código Penal. 62. Por fim, em se tratando de indenização por dano moral, e não material, deixo de aplicar o art. 475­Q, uma vez que deve ser imediata e integral o cumprimento da medida. Nessa exegese a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “A satisfação de um dano moral deve ser paga de uma só vez, de imediato” (RSTJ 76/257) 8 . A conclusão 63. Em tais termos, procede o pleito parcialmente. I I I – Dispositivo 64. Ante todo o exposto, J UL GO PROCE DENT E o pedido movido por MOIZES ALVES DE ALMEIDA e IRACILDA GOMES DE ALMEIDA em face da ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE 7 “ A indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida, porém a reparação pecuniária deve guardar relação com o que a vítima poderia proporcionar em vida, ou seja, não pode ser fonte de enriquecimento e tampouco inexpressiva” (2º. TACSP, 7ª. C., rel. S. Oscar Feltrin, RT 742/320). 8 Cfr. Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processua l em vigor , 30. ed., Saraiva, art. 602, nota 1 e, p. 634.
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273 SOUSA para condenar a segunda a: I) a pagar aos primeiros, a título de danos materiais, uma pensão mensal nos seguintes termos: a) a pensão será devida a partir de um ano contado do prazo regular de conclusão do curso que GRAZIELE GOMES DE ALMEIDA estava freqüentando, interregno esse razoável para se obter emprego; b) o valor mensal a ser considerado será o piso local da categoria a que se refere o curso de GRAZIELE, aferido a partir do Conselho de Classe pertinente na região; c) até os 24 anos, considerando que o pai da autora tem renda fixa de dois salários mínimos (fl. 06), a pensão devida será de metade do piso local da categoria a que se refere o curso de GRAZIELE; d) a partir dos 25 anos esse valor será reduzido para 1/5 do piso local da categoria, eis que presume­se a constituição de família própria e gastos com ela; e) o termo final é o óbito dos dois autores (falecendo um, reverte para o outro o remanescente) ou a data em que a vítima completaria 72 anos de idade, o que ocorrer primeiro; f) o valor será revisto sempre que houver reajuste pelo Conselho de Classe da região; g) a ré deverá incluir os autores em folha de pagamento, a teor do § 2º do art. 475­Q do Código de Processo Civil. II) a pagar aos primeiros, a título de danos morais, o total de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), devidamente corrigidos, sendo que sobre eles incidirão juros moratórios no percentual utilizado para cobrança de débitos fazendários tributários (art. 406 do Código Civil), desde a data do evento danoso (fevereiro de 2002, data do falecimento – fl. 14) por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula nº. 54, do STJ 9 ). 65. Em conseqüência, extingo o processo com julgamento do seu mérito, nos conformes do art. 269, I, do Código de Processo Civil. 66. A parte ré arcará com honorários advocatícios de sucumbência em 10% do valor da condenação, assim considerados os valores vencidos e um ano dos vincendos 10 (art. 20, § 4º do C.P.C.), isenta de custas (Lei n. 9.289/96). 9 “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. “Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. INDENIZAÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CÁLCULO. ININCIDÊNCIA SOBRE O MONTANTE DO CAPITAL ASSEGURADOR DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS. DANO MORAL INTEGRANTE DA CONDENAÇÃO. CPC, ART. 20, § 5º. EXEGESE. I. De acordo com a orientação da Corte Especial do STJ no julgamento do EREsp n. 109.675/RJ, Rel. para Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, por maioria, DJU de 29.04.2002, os honorários advocatícios de sucumbência não incidem sobre o capital constituído para assegurar o pagamento das parcelas vincendas da pensão. II. Integrando o dano moral a condenação, ele é de ser considerado no cômputo da sucumbência. III. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido” (STJ, 4ª T., RESP 327158­SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 02/06/2003, p. 299)”.
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67. Sentença sujeita à remessa necessária (art. 475 do Código de Processo Civil). Publique­se. Registre­se. Intimem­se. Sousa, 10 de agosto de 2006. F rancisco Glauber Pessoa Alves
a Juiz Federal da 8 Vara 2002.5545­4 indenização morte aluna escola agrícola pensão mensal danos morais PROCEDÊNCIA
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275 Pr ocesso n. 2005.82.00.009088­4 Natur eza: AÇÃO PENAL Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu: DARÍSIO GALVÃO DE ANDRADE S E N T E N Ç A RELATÓRIO Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL movida pelo Ministér io Público Feder al em face de Dar ísio Galvão de Andr ade, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, dando­o a peça denunciativa como incurso no ar t. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, em razão da suposta conduta de fazer constar de sua declaração ao IRPF a dedução de um serviço odontológico já deduzido em exercício anterior. Narra a denúncia (fls. 02/04) o seguinte: a) O acusado teria apresentado à Receita Federal declaração de ajuste anual do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF referente ao ano­ calendário 1999, exercício 2000, fazendo constar uma dedução tributária relativa a serviços odontológicos não realizados no período de referência, mas no período anterior, tendo sido utilizada a respectiva despesa para dedução na época própria; b) Os serviços teriam sido prestados pelo odontólogo J osé Gisaldo Rolim no ano de 1998, no valor de R$ 1.980,00 (um mil novecentos e oitenta reais), constando da declaração por si prestada no ano­calendário de 1998, exercício 1999. Prestando esclarecimentos à Receita, J osé Gisaldo Rolim disse que realizou um único tratamento no acusado e registrou que não lhe prestou qualquer serviço de odontologia no ano de 1999. Por fim, informou que o denunciado, após entendimento com o Fisco, compareceu a seu consultório e lhe pediu um recibo relativo ao serviço não prestado, não sendo atendido. c) O acusado foi interrogado pela Polícia Federal e disse que realizou um único tratamento dentário, não se recordando em que ano. Sobre a duplicidade da dedução, imputou a responsabilidade a seu contador. Disse ainda que prestou esclarecimentos à Receita em 2004 e que seu débito tributário foi devidamente parcelado em sessenta vezes. d) Segundo o MPF, o parcelamento obtido pelo acusado não o eximiria da responsabilidade penal, a uma, porque a lei não faz a previsão e, a duas, porque o parcelamento suspensivo da pretensão punitiva se aplica apenas a pessoas jurídicas (Lei n. 10.684/2003).
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A DE NÚNC IA F O I RE C E BIDA em 25/05/2005 e, na mesma decisão, considerando o deferimento do par celamento do débito tributário, foi decretada a SUSPENSÃO DA P RETENSÃO P UNITIVA ESTATAL E DO CURSO DO PRAZO P R ESCRICIO NAL até o pagamento da última prestação, referente ao processo administrativo n. 11618.000.621/2004­93. Interposição de r ecur so em sent id o est r it o pelo M inist ér io Público Feder al (fls. 72/73), com a posterior apresentação das razões de recurso (fls. 79/98). Contra­razões do recorrido (fls. 104/106). Decisão nega ndo s egu iment o a o r ecur s o, na or igem, p or intempestividade (fls. 128/132). Carta testemunhável do MPF (fls. 135/136). Decisão judicial de retratação da decisão que negava seguimento ao recurso, determinando a imediata remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (fls. 139/145). Parecer da Procuradoria Regional da República pelo conhecimento e não pr ovimento do recurso (fls. 156/164). Relatório (fls. 176/177), voto da Desembargadora Federal Relatora (fls. 179/181), certidão de julgamento (fl. 183) e acórdão (fl. 184), no sentido do conhecimento e não pr ovimento do r ecur so, por votação unânime, pelos Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Certidão de publicação do acórdão (fl. 185) e de trânsito em julgado (fl. 186) da decisão do TRF 5ª Região. Retornando os autos a este juízo, após a concessão de vistas, o MPF requereu que fosse oficiado à Receita Federal, solicitando­se informar se o parcelamento concedido ao acusado ainda estaria em vigor ou se haveria sido cancelado (fl. 191), sendo acolhido o pedido (fl. 192). A autoridade fazendária, de ordem do Procurador­Chefe da Fazenda Nacional na Paraíba, respondeu dizendo que o débito inscrito em dívida ativa em nome do acusado, “que se encontrava parcelado foi liquidado por pagamento em 12/06/2006” (fl. 197/202). Com vista dos autos, o MPF requereu “ o regular andamento do feito em seus ulteriores termos, até final julgamento condenatório do réu” (fls. 208/209).
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277 Autos conclusos. BREVEMENTE RELATADOS DE CI DO FUNDAMENTAÇÃO No ato de recebimento da denúncia e instauração da ação penal, o MM Juiz Federal Substituto Carlos Wagner Dias Ferreira, em decisão irretocável, considerando que o débito tributário se encontrava regularmente parcelado, decretou a suspensão da pretensão punitiva estatal e do curso do prazo prescricional até a liquidação da última parcela . Teve em vista, como é absolutamente lógico, que a suspensão perdurasse até a extinção do parcelamento: seja pela integral liquidação do débito (extinção normal), seja pelo cancelamento em face de, v.g., inadimplência (extinção anormal ou patológica). Naquela decisão, o eminente magistrado teceu os contornos da evolução legislativa sobre o assunto. Partindo do art. 34 da Lei n. 9.249/95, afirmou que a extinção do débito tributário pelo pagamento só se daria se ocorresse antes do recebimento da denúncia, mas reconheceu que o parcelamento importaria em início de pagamento e deveria ser admitido como causa de suspensão da pr etensão punitiva. Nada mais lógico. Se o pagamento integral extinguiria a pretensão estatal, o pagamento parcelado deveria conferir ao beneficiado a chance de ultimar o pagamento em tempo de se beneficiar da norma descriminalizadora. A construção jurídica que veiculava o instrumento conferia ao parcelamento efeitos de causa suspensiva da pretensão punitiva (em benefício do indiciado) e da prescrição (em benefício do Estado). Por esse motivo, antes mesmo do advento da Lei n. 10.864/2003, já se admitia que o parcelamento do débito tributário suspendia a pretensão punitiva do Estado e o curso do prazo prescricional. Com a edição da Lei n. 10.864/2003, o direito positivo brasileiro passou a ser dotado de norma expressa (art. 9º) no sentido de que seria suspensa a pretensão punitiva estatal (caput) e o prazo prescricional (§ 1º) – nos crimes pr evistos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137/90 e arts. 168­A e 337­A do Código Penal – durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente do cr ime estivesse incluída no r egime de par celamento. Reconhecendo que a conduta teria sido praticada ainda sob a égide da lei anterior, a apontada decisão destacou que o próprio STF já havia decidido no sentido da retroatividade do art. 9º da Lei n. 10.684/2003, eis que mais benéfica ao acusado,
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motivo pelo qual sua aplicação deveria ser prestigiada. Por fim, citando julgados dos Tribunais Regionais Federais da 1ª e 4ª Regiões, sustentou a plena aplicabilidade do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não apenas às pessoas jurídicas, mas também às pessoas físicas, o que seria absolutamente cristalino, dada a impositiva aplicação do princípio constitucional da isonomia e da analogia in bonam partem. Em resumo, a decisão judicial proferida pelo Dr. Carlos Wagner Dias Ferreira, considerando o parcelamento obtido pelo acusado, reconheceu como aplicável à hipótese o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 e decretou, COM BASE NESSE ARTIGO , a suspensão da pretensão punitiva estatal (caput) e do curso do prazo prescricional (§ 1º). Em razão da interposição de recurso em sentido estrito pelo MPF, a indigitada decisão foi submetida ao crivo da Procuradoria Regional da República e à Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região. O douto Pr ocur ador Regional da República em atuação per ante o Tr ibunal Regional Feder al, Dr. Humber to de Paiva Ar aújo, em plena conformidade com a decisão atacada, entendeu como plenamente aplicável à hipótese o art. 9º da Lei n. 10.684/2003. Da ementa de seu judicioso parecer, destaco a seguinte passagem: EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CR I M E TRIBUTÁRIO (LEI N. 8.137/90). INGRESSO EM REGIME DE PARCELAMENTO. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 15 DA LEI N. 9.964/ 2000 E DO ART. 9º DA LEI N. 10.684/2003. APLICAÇÃO DO PRI NCÍPIO DA I SO NO MI A E DA ANALO GI A IN BONAM PARTEM. 1 – Por entender que o art. 15 da Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000 (Estatuto do REFIS), bem assim o art. 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003 (Estatuto do novo REFIS ou PAES), possuem natureza de nor ma penal, vale dizer, em sua perspectiva substantiva, cai por terr a a alegação de sua inconstitucionalidade, por isso mesmo r etr oagindo, a título de lex mitior , sem que isso implique em analogia in malam partem, par a alcançar situações anter iores ao seu advento no mundo jur ídico. (...)
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279 3 – Por outro lado, com a devida vênia dos que divisam inconstitucionalidade material no art. 9º da Lei n. 10.684/2003, resta dizer que, gostando ou não, cabe ao legislador fixar originariamente políticas públicas, inclusive em sede de direito penal, como assim o fez ao eleger, em matéria de cr imes fiscais e previdenciários, o instituto do pagamento como digno de justificar a extinção da punibilidade, o mesmo r aciocínio sendo aplicável ao r eser var, ao par celamento, a possibilidade de suspensão da pr etensão punitiva, de modo que qualquer incur são em tal sear a pelo Poder Judiciário implicaria, aí, sim, uma ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF). (...) 5 – Daí para frente autorizado está o intérprete do Direito a incluir, no alcance do REFIS ou do novo REFIS, todo e qualquer contr ibuinte, pessoa física, que, a exemplo da pessoa jur ídica, submeta­se a tal r egime jur ídico, donde exsur ge a possibilidade de suspensão da pretensão punitiva pelo só ingr esso no par celamento tr ibutár io. (...) 7 – Conseqüência: parecer pelo conhecimento do recurso, sem prejuízo de, no mérito, apostar no seu improvimento, com a manutenção da decisão de 1º grau (grifado). A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, acolheu integralmente as razões trazidas com absoluta precisão pela emérita Desembargadora Federal relator a, Dra. Mar garida Cantarelli em seu voto e negou integral provimento ao recurso. A douta Desembargadora Federal relatora identificou, como ponto controvertido a resolver, a questão da aplicabilidade do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 a pessoas físicas incluídas em regime de parcelamento: Já que redação dos referidos textos normativos é clara, e impõe a suspensão do curso prescricional a partir do simples parcelamento dos débitos, caberia apenas discutir a aplicação também aos casos de pessoas físicas denunciadas por débitos própr ios, e não como agentes vinculados a
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pessoas jurídicas (grifado). Resolvendo a questão, salientando a indispensável aplicação do princípio constitucional da isonomia, assim se pronunciou de forma lapidar: Quanto a isso, não há como negar vigência, no caso em análise, ao princípio constitucional da isonomia. A partir dessa noção, não haveria como se sustentar que agentes em situação semelhante tivessem regimes de persecução penal difer entes apenas por conta da titularidade dos débitos que foram objeto de suas condutas. Se a legislação penal originária, e mais especificamente a Lei n. 8.137/90, não diferencia tipos aplicáveis para pessoas físicas e jurídicas mas, pelo contrário, inclui­nas na categoria de “crimes cometidos por particulares” na Seção I do Capítulo I, não haveria razão de criar uma discriminação (grifado). A decisão do E. Tribunal Regional Federal – reconhecendo como aplicável ao caso dos presentes autos a disciplina do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 – transitou em julgado em 26 de julho de 2006, como bem atesta a certidão de fls. 186. Com o retorno dos autos, o MPF requereu que fossem solicitadas à Receita Federal informações sobre o cumprimento do parcelamento e, em resposta, a Procuradoria da Fazenda Nacional informou que o débito teria sido integralmente liquidado, extinguindo­se, dessa forma, a dívida e o próprio parcelamento. Diante desse quadro, o MPF alega ter sido demonstrada a prática criminosa, requer a continuidade do processo e pede, ao final, a condenação do réu. Dois motivos, contudo, me impedem de deferir o pedido. Em primeiro lugar, para determinar o andamento “regular” do processo até final decisão condenatória, como requereu o MPF, eu teria que afastar a aplicação do art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003, que diz, textualmente, o seguinte: Extingue­se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos or iundos de tr ibutos e contr ibuições sociais, inclusive acessórios (gr ifado). O Tribunal Regional Federal decidiu que seria aplicável ao caso em comento a disciplina do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 e, como conseqüência, negou provimento ao recurso do MPF, mantendo íntegra a suspensão decretada pelo juízo de primeiro grau. A suspensão, como se sabe, foi decretada por entender o magistrado que o
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281 parcelamento do débito gerava a suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional, ao aguardo do pagamento integral do débito, quando, finalmente, aplicando­se o § 2º do mesmo ar tigo, ser ia decr etada a extinção da punibilidade. Determinar o andamento do feito após o pagamento integral do débito significa, portanto, afastar o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 e, ao mesmo tempo, contr ar iar a decisão pr ofer ida nestes mesmos autos pelo Tr ibunal Regional Feder al. O pedido ministerial, portanto, com o devido respeito, é incompatível com a preclusão (ou coisa julgada) operada pelo exaurimento recursal da questão. Sendo assim, entendo que não se poderia determinar o andamento do feito “até final decisão condenatória” após o pagamento integr al do débito, independentemente de ter o dito pagamento ocorrido antes ou depois do recebimento da denúncia. A Lei n. 10.684/2003 não estabelece o momento­limite para o pagamento como causa extintiva da punibilidade. Afastar a aplicação dessa lei afrontar ia diretamente a decisão do TRF da 5ª Região. Em segundo lugar, mesmo que se argumentasse com a não oponibilidade da decisão proferida pelo TRF da 5ª Região ao julgamento do mérito da causa penal (seja porque a aplicação do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não integraria o dispositivo, mas a fundamentação da decisão, seja porque, tomada em sede de recurso em sentido estrito contra decisão interlocutória, não poderia vincular o juízo no momento do julgamento final – argumentos com os quais não concordo), ainda assim entendo que o pedido deve ser indeferido. Toda a motivação trazida no corpo da presente decisão, no sentido da plena aplicabilidade do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 às pessoas físicas e jurídicas, justifica o efeito extintivo da punibilidade pelo pagamento integral do tributo anteriormente parcelado. Não seria lógico, de forma alguma, suspender­se o processo, a pretensão punitiva e o curso do prazo prescricional durante o parcelamento tributário para, cumprido este rigorosamente no tempo e forma legais, levantar­se a suspensão para voltar­se a perquirir a responsabilidade penal do acusado. Qual teria sido, nessa linha, a utilidade do parcelamento para o réu e da suspensão para a justiça penal ou para o fisco? Nenhuma. Ademais, partindo do ponto que o parcelamento tributário concedido ao réu, por todos os motivos já expostos acima, acarretou­lhe a suspensão da pretensão punitiva por efeito do art. 9º, caput, da Lei n. 10.684/2003, teremos presente que, efetivamente, aplicou­se ao caso concreto o caput do artigo. Por que agora,
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quitado o débito, deixar de aplicar o § 2º (que determina a extinção da punibilidade) e dar continuidade ao processo? Como se poder ia sustentar a aplicação do caput e afastar a do § 2º do citado art. 9º, consider ando que o acusado cumpriu fielmente as condições neles pr evistas (parcelamento e poster ior extinção do débito)? Por tais fundamentos, entendo que o caput do art. 9º da Lei n. 10.684/2003 era aplicável ao tempo em que o acusado obteve o parcelamento tributário, da mesma forma que se tornou plenamente aplicável o § 2º do mesmo artigo quando logrou liquidar integralmente o débito tributário. A conseqüência jur ídica, pr edisposta nesta última disposição legal, é a definitiva extinção da punibilidade do réu e da pretensão punitiva estatal. DISPOSITIVO Diante do exposto, com base no art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003 e art. 381 do Código de Processo Penal, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de Darísio Galvão de Andr ade. Após o trânsito em julgado, certifique­se e arquivem­se os autos, após baixa na Distribuição. Preencha­se e remeta­se o Boletim Individual (CPP, art. 809). Ciência ao MPF. Publique­se. Registre­se. Intimem­se. João Pessoa, ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto da 2ª Vara
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283 PROCESSO Nº 2005.82.00.508026­1 ­ CLASSE 13001 AUTOR: VIRGÍNIO HENRIQUES DE SÁ E BENEVIDES RÉU: INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS “Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado” (KONRAD HESSE “A Força Normativa da Constituição”, Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 23). S E N T E N Ç A 1. Narração Fática Vistos etc. Tratam os presentes autos de Ação Ordinária de Desconstituição de Débito Fiscal proposta por VIRGÍNIO HENRIQUES DE SÁ E BENEVIDES, qualificado nos autos, em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, que a demandada se abstenha de proceder ao lançamento do nome do Autor na dívida ativa da União e/ou em cadastro de inadimplentes (CADIN), bem como de promover qualquer ação executiva, relativa ao débito fiscal apontado na peça exordial. Ainda postula o promovente que, em caso de já haver sido lançado seu nome em cadastros restritivos de crédito, diligencie este Juízo no sentido de promover sua imediata retirada. Relata o autor que recebeu notificação da Delegacia da Receita Federal, contendo a cobrança de débito fiscal no valor de R$ 16.536,53 (dezesseis mil quinhentos e trinta e seis reais e cinqüenta e três centavos), concernente à cobrança de imposto de renda, incluindo multa e juros de mora. Prossegue dizendo que reputa tal cobrança indevida, fundamentando referida assertiva em face de haver o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região
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deliberado, em sua composição plena, no sentido da não incidência do imposto de renda, por se tratar de verba de natureza indenizatória. Em face da decisão do TRT – 6ª Região, historia o proponente que, ao elaborar a declaração do imposto de renda de 1999 (ano­calendário – 1998), declarou os valores mencionados como rendimentos isentos e não­tributáveis. Por outro lado, quando da entrega do informe de rendimentos pela fonte pagadora, o setor responsável do TRT – 6ª Região lançou tais valores no comprovante de rendimentos pagos e de retenção de imposto de renda como rendimentos tributáveis, o que ocasionou divergência diante da declaração enviada pelo promovente. Complementa o autor que, malgrado inúmeras decisões favoráveis aos contribuintes em casos semelhantes (quando reconhecido que “a obrigação do recolhimento do imposto de renda, inexistindo retenção, é da fonte pagadora, na qualidade de substituto tributário da obrigação”), não conseguiu solucionar a questão na orbe administrativa. No mérito, propugna o autor: a desconstituição do lançamento fiscal, com o conseqüente reconhecimento da natureza indenizatória dos juros de mora decorrentes do recálculo da URV (percentual de 11,98%) constantes na declaração do imposto de renda 1999 (ano­calendário – 1998). Não sendo esse o entendimento do Juízo, requer “seja declarada a responsabilidade exclusiva da fonte pagadora pela retenção do imposto de renda, com a conseqüente isenção do pagamento do imposto suplementar pelo autor”. Também em caso de entendimento diverso dessa segunda alternativa, postula o suplicante a exclusão do lançamento dos juros de mora e da multa de ofício. Apreciando o pedido em sede interlocutória, o MM. Juiz Federal Titular da 7ª Vara, Dr. Rogério de Menezes Fialho Moreira, deferiu o pleito de antecipação parcial dos efeitos da tutela. A União Federal (Fazenda Nacional) apresentou contestação pugnando pela improcedência do feito. A seguir, o requerente ingressou com petição informando que, não obstante a decisão proferida pelo Juízo da 7ª Vara, a Receita Federal determinou a inscrição do nome do autor na Dívida Ativa da União, ensejando transtornos, inclusive de ordem financeira, uma vez que impossibilitou o recebimento do saldo de sua restituição do imposto de renda, bem como a obtenção de Certidão Negativa de Débito Fiscal. Destarte, pugna o promovente pelo integral cumprimento dos efeitos da tutela antecipada, colimando seja determinado o imediato “cancelamento da inscrição do seu nome na Dívida Ativa da União”.
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285 É O RELATÓRIO. PASSO A FUNDAMENTAR E, AO FINAL, DECIDO. 2. Exame do mérito O julgamento do mérito da presente ação requer, para uma satisfatória conclusão, uma densa análise conceitual e principiológica da matéria ora em comento, tanto no aspecto normativo­tributário quanto em sede constitucional. Mais que simples silogismo, o caso requer hermenêutica profunda, sob pena de não restar completamente (ou pelo menos claramente) evidenciada a resposta estatal correspondente. Mas diga­se, desde logo, que, por qualquer ângulo que se enxergue a questão, a conclusão formada irá pela total procedência do pedido formulado inicialmente. Senão vejamos: 2.1 Da natureza indenizatória dos juros de mora Em que pese o que fora sustentado pelo Procurador Fazendário na peça defensiva, não trata os presentes autos de hipótese em que se discute eventual ocorrência de isenção tributária. Antes disso, a matéria que deve ser referida é de simples “não incidência”, por estar a verba objeto deste conclave fora da hipótese de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Necessário, nesse ponto, uma análise normativa da questão. Definido pela Constituição Federal como de competência da União (CF, art. 153, III), o imposto sobre “renda e proventos de qualquer natureza” tem o parâmetro de seu fato gerador especificado em lei complementar (CF, art. 146, III, a), mais detidamente no art. 43 e seus parágrafos do Código Tributário Nacional, que assim dispõem, in verbis: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I ­ de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II ­ de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da
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origem e da forma de percepção. § 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. À luz de tal disposição normativa (bastante clara, aliás), não há como sustentar a incidência de imposto de renda sobre verbas de cunho eminentemente indenizatório. É que a parcela que constitui o objeto da presente ação tem natureza eminentemente indenizatória, fugindo, assim, dos rigores pretendidos pelo supramencionado artigo. Trata­se de juros moratórios, representativos de verdadeira indenização por descumprimento de uma obrigação pecuniária, ou seja, aplicáveis com caráter indenizatório pelo descumprimento de uma obrigação a termo. E é exatamente da natureza indenizatória que se percebe, naturalmente, a primordial diferença entre os juros remuneratórios e os juros moratórios: enquanto os primeiros são devidos a partir da entrega consentida de um certo capital próprio a outrem, o segundo representa verdadeira punição (indenização) pelo descumprimento de obrigação pecuniária no prazo pré­estabelecido, sendo devidos a partir do termo final disposto para o pagamento. Enquanto os juros remuneratórios são devidos desde a entrega voluntária do capital para aquele que o utilizará e que depois irá devolvê­lo, os juros moratórios (de que ora se trata) são devidos desde o momento em que a entrega do capital deveria ter sido efetivada definitivamente, sendo que, enquanto aqueles exprimem o contraponto remuneratório pelo usufruto do capital alheio, estes expressam uma espécie de indenização pelo não cumprimento daquela obrigação. Nessa mesma linha é o pensamento de Sacha Calmon, não deixando qualquer dúvida acerca da natureza indenizatória dos juros de mora e refutando, definitivamente, a possibilidade de incidência de imposto de renda sobre valores recebidos sob esta epígrafe 1 :
“A multa tem como pressuposto a PRÁTICA DE UM ILÍCITO (descumprimento a dever legal, estatutário ou contratual). A indenização possui como pressuposto um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa (como nos casos de responsabilidade civil objetiva informada pela teoria do risco). A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações dos deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. 1 COELHO, Sacha Calmon: “ A tranferibilidade da responsabilidade por multas fiscais” in Revista de Crítica Judiciária, volume 3 – 3º Trimestre de 1987, pp. 175­194, p. 193.
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287 Em direito tributário é o juro que recompõe o patrimônio estatal lesado pelo tributo não empregado. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando­o, o poder de compra da moeda. A multa e indenização não se confundem.” Nos autos, aliás, está indisfarçável o caráter indenizatório de juros de mora ora em debate, haja vista, inclusive, decisão normativo­administrativa do Supremo Tribunal Federal exatamente neste sentido (resolução nº 245 de 12 de dezembro de 2002 do STF), in verbis: “Art. 1º É de natureza jurídica indenizatória o abono variável e provisório de que trata o artigo 2º da Lei 10.474, de 2002, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal.” Vejamos agora o teor do supracitado dispositivo legal:
“Art. 2° O valor do abono variável concedido pelo art. 6° da Lei n° 9.655, de 2 de junho de 1998, com efeitos financeiros a partir da data nele mencionada, passa a corresponder à diferença entre a remuneração mensal percebida por Magistrado, vigente à data daquela Lei, e a decorrente desta Lei.” O abono citado acima corresponde exatamente aos valores aqui discutidos, restando evidente a natureza indenizatória de tais parcelas. É o que se depreende do artigo 6º da Lei 9.655/98: “Art. 6° Aos membros do Poder Judiciário é concedido um abono variável, com efeitos financeiros a partir de 1° de janeiro de 1998 e até a data da promulgação da Emenda Constitucional que altera o inciso V do art. 93 da Constituição, correspondente à diferença entre a remuneração mensal atual de cada magistrado e o valor do subsídio que for fixado quando em vigor a referida Emenda Constitucional.” Há também, acerca da natureza jurídica da referida exação, pronunciamento do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região atestando a mesma linha de entendimento acima disseminada (conforme certidões em anexo). Não há como contestar, nesse ponto, referida conclusão, a não ser para desenvolver o sagrado e inegável direito de defesa, constitucionalmente reconhecido.
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2.2 Da não incidência tributária às verbas de cartáter indenizatório Sedimentado, portanto, o caráter indenizatório da verba objeto do caso sub examine, resta verificar se, a partir de tal conclusão, excluída está a mesma da incidência do imposto de renda. A resposta mais uma vez é afirmativa, não obstante a Fazenda Pública ter contestado no sentido de negar, de forma contundente, às verbas de caráter indenizatório, a conseqüência imediata de não incidência tributária (fls. 01 e 02 da Contestação). Nesse ponto, necessário se faz uma perfeita delimitação conceitual de renda e indenização. Nesses termos, renda, segundo o doutrinador italiano Giannini, citado por Vittorio Cassone 2 : “deve consistir numa riqueza nova que se acrescenta à riqueza preexistente, ou, mais precisamente em um aumento de valor que se verifique no patrimônio de um sujeito num determinado momento ou num determinado espaço de tempo. (...)
...não há riqueza nova se o benefício econômico que alguém realiza em determinadas circunstâncias representa somente a reintegração de uma perda sofrida ou de um dano obtido;” Entende­se por indenização a prestação em dinheiro destinada a reparar ou recompensar uma lesão causada a um bem jurídico, de natureza material ou imaterial. Os bens jurídicos, em sua essencialidade, comportam uma outra classificação: eles podem ser (a) de natureza patrimonial (integrantes do patrimônio material) ou (b) de natureza não­patrimonial (parte do patrimônio moral das pessoas). Todavia, qualquer que seja a sua natureza, todos os bens jurídicos estão sob a tutela do direito. Diferentemente do que alega o nobre Procurador Fazendário, a matéria ora debatida é de solução praticamente unânime, sendo pacífico o entendimento de que não é devida a cobrança do imposto de renda sobre as verbas de cunho indenizatório, pois “não há configuração de fato gerador da referida exação, por não haver aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, de acordo com o preconizado no art. 43 do CTN” (TRF 5a Região, AC 143.841 ­ Al, rel. Desembargador Feder al José Maria Lucena).
Referida conclusão advém da premissa de que a hipótese de incidência do 2 Cassone, Vittorio: Direito tributário: fundamentos constitucionais da tributação, classificação dos tributos, interpretação da legislação tributária, doutrina, prática e jurisprudência – 16 ed. – São Paulo: Atlas: 2004.
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289 Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos (art. 43, inc. I, do CTN). A indenização, em contrapartida, perfaz­se no ressarcimento do prejuízo sofrido, como sendo a restauração de perda patrimonial. Não se constitui, portanto, como rendimento, mas reparação, em pecúnia, por perda de direito. Não há, dessa forma, geração de rendas ou acréscimos patrimoniais de qualquer espécie (o que poderia configurar a situação do art. 43. inc. II, do CTN) , muito menos riquezas novas disponíveis. Em uma análise sistemática do art. 43 do CTN, não apenas as rendas, genericamente consideradas, mas também os acréscimos patrimoniais de qualquer natureza constituem­se em fato gerador do imposto de renda. Nesse entendimento, quando não se tratar de renda propriamente dita (no seu perfil técnico de “produto de capital e­ou de trabalho”), a configuração ou não de hipótese de incidência tributária tem como pressuposto fundamental a existência ou não de acréscimo patrimonial (art. 43. inc. II, CTN). O parâmetro valorativo está, portanto, na existência jurídica (constitucional e legal) de acréscimo patrimonial, ou seja, no incremento subsumido em renda ou proventos de qualquer natureza. Seguindo essa linha de raciocínio encontra­se a maioria esmagadora dos tributaristas nacionais, estando como um dos exemplos maiores o prof. Roque Antônio Carraza 3 , a quem me permito transcrever em breve trecho, in literes: “Equivocam­se, portanto, os juristas que sustentam que renda , para fins de tributação por via de “imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza” (IR), é tudo aquilo que a lei considera renda, não sendo dado ao aplicador desta mesma lei discutir os critérios por ela levados em conta, ao cuidar do assunto. Em suma, não haveria, para estes estudiosos – que perfilham a chamada teoria da “conceituação legalista de renda” –, uma noção constitucional de renda e proventos de qualquer natureza. A matéria gravitaria em torno do prudente arbítrio do legislador federal. A ele, sim, caberia, com total liberdade, definir a hipótese de incidência deste tributo. Seria como se o legislador federal, Tendo recebido da Constituição uma “caixa vazia”, pudesse preenchê­ la, para desespero do contribuinte, com o que bem lhe aprouvesse. Desde que, é claro, tivesse a cautela de usar a fórmula sacramental “imposto sobre a renda”. 3 CARRAZZA, Roque Antônio: Curso de Direito Constitucional Tributário. 17 ed. São Paulo. Ma lheiros: 200 2.
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(...) De qualquer modo, os proventos tributáveis são aqueles que aumentam a riqueza econômica do contribuinte. Têm, pois, juridicamente, a mesma acepção de renda , já que ambos levam em conta a cr éscimos patrimoniais.Pois bem, a r egr a­matr iz do IR, constitucionalmente tr açada, já nos per mite afastar da incidência deste imposto tudo quanto não seja nem “renda” nem “proventos”. É o caso, v.g., dos custos da empresa, do valor das depreciações, da energia elétrica consumida, do capital empregado, das indenizações r ecebidas etc. Mas, para fugirmos da definição pela negativa, vejamos, sem maiores delongas, o que vem a ser, afinal, “renda e proventos de qualquer natureza”. Ao nosso pensar, o conceito de “renda e proventos de qualquer natureza”, constitucionalmente abonado, pressupõe ações humanas que revelem mais­ valias, isto é, acréscimos na capacidade contributiva (que a doutrina tradicional chama de “acréscimos patrimoniais”). Só quando há uma realidade econômica nova, que se incorpora ao patrimônio individual preexistente, traduzindo nova disponibilidade de riqueza, é que podemos falar em “renda e proventos de qualquer natureza”. Vai daí que as indenizações r ecebidas, os custos da empresa, a energia elétrica consumida, o capital empregado etc. não são nem rendimentos, nem proventos de qualquer natureza. Escapam da tributação por via de IR. (...) Portanto, a hipótese de incidência possível do IR, inclusive das pessoas físicas (IRPF), é, em síntese, auferir renda nova. Ou, se preferirmos, obter renda disponível. Isto, não porque o recomende alguma teoria econômica, por mais respeitável que seja, mas por determinação constitucional. Segue­se que não tem aptidão jur ídica par a suportar a incidência do IR – justamente por não revelarem riqueza nova ou acréscimos patrimoniais – os ingr essos decor r entes de indenizações (por atos ilícitos, por desapropriação, por pagamento de férias e licenças­prêmios vencidas e não gozadas etc.), de permuta de bens ou direitos, de retorno de investimentos, e assim avante. Eventual lei federal que mande tributar tais ingressos será inconstitucional.”
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291 Partindo da mesma premissa, o prof. Hugo de Brito Machado chega à semelhante ilação, qual seja: “Entender que o legislador é inteiramente livre para fixar o conceito de renda e de proventos importa deixar sem qualquer significação o preceito constitucional respectivo (...) Entender­se que o legislador ordinário possa conceituar livremente essas categorias implica que esse legislador ordinário cuide da própria atribuição de competências, e tal não se pode conceber em um sistema jurídico­tributário como o brasileiro” (“O fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza”, in Cadernos de Pesquisas Tributárias, v. 11/248, Resenha Tributária – os grifos estão no original). O Ministro Marco Aurélio de Mello, em decisão proferida no Rext nº 166772/ RS (DJ de 16.12.94), do qual foi relator, asseverou o seguinte, in literes: “CONSTITUIÇÃO ­ ALCANCE POLÍTICO ­ SENTIDO DOS VOCÁBULOS ­ INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavr as, muito menos ao do técnico, consider ados institutos consagr ados pelo Dir eito. Toda ciência pr essupõe a adoção de escor r eita linguagem, possuindo os institutos, as expr essões e os vocábulos que a r evelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios”. O entendimento acima se amolda totalmente às diretrizes do art. 110 do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 110 ­ A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Consoante os entendimentos acima, a natureza jurídica da indenização não se confunde com a de rendimento. Na indenização inexiste riqueza nova e, consequentemente, falta de capacidade contributiva, escapando da incidência do Imposto de Renda. No rendimento há um acréscimo patrimonial e, portanto, incidência
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tributária. Portanto, ainda que houvesse dispositivo infraconstitucional prevendo a tributação de verbas de caráter indenizatório (o que não é o caso), o mesmo estaria maculado de inconstitucionalidade insanável.
A jurisprudência dá sua contribuição ao caso nos mesmos moldes acima especificados, in verbis: EMENTA: “TRIBUTÁRIO. PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. VERBAS INDENIZATÓRIAS. NÃO INCIDÊNCIA. 1. As verbas rescisórias especiais recebidas pelo trabalhador quando da extinção do contrato de trabalho por dispensa incentivada têm caráter indenizatório, não ensejando acréscimo patrimonial. Disso decorre a impossibilidade da incidência do imposto de renda sobre as mesmas. 2 Recurso provido (REsp. nº 139.814/SP, Relator Exmº Sr. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 16.3.98) EMENTA: “IMPOSTO DE RENDA ­ PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA ­ INDENIZAÇÃO. A vantagem oferecida pela empregadora à demissão voluntária é indenização e não está sujeita à incidência do imposto de renda por não ser renda nem pr oventos. Recurso improvido.”(REsp. nº 108.241/SP, Relator Exmº Sr. Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 3.11.97; outros no mesmo sentido: 0137.127/SP , DJ de 15.12.97; REsp. nº 0119.200/SP; REsp. nº145.099/DF; REsp. nº 0143.737/SP; REsp. nº 0143.382/SP; REsp. nº 0143.113/SP; REsp. nº 0132.981/SP; REsp. nº 0131.799/SP; REsp. nº 0130.226/SP; REsp. nº 0123.577/SP; e REsp. nº 0123.450/SP, todos publicados no DJ de 03.11.97). EMENTA: “ TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. SUA INCIDÊNCIA SOBRE AS QUANTIAS RECEBIDAS, PELO EMPREGADO EM FACE DA RESCISÃO CONTRATUAL INCENTIVADA. DESCABIMENTO (ART. 43 DO CTN). Na denúncia contratual incentivada, ainda que com o consentimento do empregado, prevalece a supremacia do poder econômico sobre o hipossuficiente, competindo, ao poder público e, especificamente, ao judiciário, apreciar a lide de modo a preservar, tanto quanto possível, os direitos do obreiro, porquanto, na rescisão do contrato não atuam as partes com igualdade na manifestação da vontade.
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293 No programa de incentivo à dissolução do pacto laboral, objetiva a empresa (ou órgão da administração pública) diminuir a despesa com a folha de pagamento de seu pessoal, providência que executaria com ou sem o assentimento dos trabalhadores, em geral, e a aceitação, por estes, visa a evitar a rescisão sem justa causa, prejudicial aos seus interesses. O pagamento que se faz ao operário dispensado (pela via do incentivo) tem a natureza de ressarcimento e de compensação pela perda do emprego, além de lhe assegurar o capital necessário para a própria manutenção e de sua família, durante certo período, ou, pelo menos, até a consecução de outro trabalho.
A indenização auferida, nestas condições, não se erige em renda, na definição legal, tendo dupla finalidade: ressarcir o dano causado e, ao menos em parte, providencialmente, propiciar meios para que o empregado despedido enfrente as dificuldades dos primeiros momentos, destinados à procura de emprego ou de outro meio de subsistência. O “quantum” recebido tem feição providenciária, além da ressarcitória, constituindo, desenganadamente, mera indenização, indene à incidência do tributo. Recurso provido. Decisão, por maioria.” (REsp. nº 0126.767/SP, Relator Exmº Sr. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 15.12.97; outros no mesmo sentido: REsp. nº 0133.210, DJ de 15.12.97; REsp. nº 0126.859; REsp. nº 0126.792; REsp. nº 0139.942/SP, todos publicados no DJ de 15.12.97; REsp. nº 0140.232/SP; REsp. nº 0139.746/SP; REsp. nº 0138.100/SP; REsp. nº 0128.994/SP; REsp. nº 0135.890/SP; e REsp. nº 0129.435/SP, todos publicados no DJ de 24.11.97).
EMENTA: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. VERBAS INDENIZATÓRIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. Não constituindo renda, mas indenização, de natureza reparatória, que não pode ser objeto de tributação, as verbas recebidas a título de incentivo à demissão voluntária não estão sujeitas à incidência do imposto de renda.” (REsp. nº 140.132­SP, Relator Exmº Sr. Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ de 9.2.98) EMENTA: “TRIBUTÁRIO ­ IMPOSTO DE RENDA ­ PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA ­ PAGAMENTO EFETUADO ­ NATUREZA JURÍDICA ­ NÃO­INCIDÊNCIA DO
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TRIBUTO ­ PRECEDENTES. SÚMULAS STJ 125 E 136. 1. As verbas recebidas pelo empregado em decorrência do PADV, assim como as relativas a férias e licença­prêmio não gozadas, têm nítida feição indenizatória. Não sofrendo, por isso, a incidência do imposto de renda. 2. Recurso especial não conhecido.” (REsp. nº 166.402­SP, Relator Exmº Sr. Ministro PEÇANHA MARTINS, DJ de 22.6.98). EMENTA: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. VERBAS INDENIZATÓRIAS RECEBIDAS A TÍTULO DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. Votos vencidos. Não constituindo renda mas indenização, de natureza reparatória, que não pode ser objeto da tributação, as verbas recebidas à título de incentivo à demissão voluntária não estão sujeitas à incidência do Imposto de Renda.” (REsp. nº 0123.287­SP, Relator Exmº Sr. Ministro HÉLIO MOSIMANN, DJ de 23.3.98). EMENTA: “Processual Civil. Agravo Regimental. Decisão que nega seguimento a recurso. Licença­prêmio e dias de folga não gozados. Férias vencidas e abono de férias. Conversão em pecúnia. Não incidência de Imposto de Renda. Precedentes do STJ. Súmulas 126 e 136. Agravo improvido.­ As indenizações de natureza jurídica que não impliquem em aumento de patrimônio não estão sujeitas ao pagamento de Imposto de Renda. Precedentes do STJ. Súmulas 125 e 136 da Corte Superior.­ O STJ pacificou o entendimento de que sobre as férias não gozadas e a licença­prêmio também não usufruída não incide o Imposto de Renda. Súmulas 125 e 136 daquela Corte Superior.” (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 13659­AL. Rel. Juiz Castro Meira. DJ 06.02.98. Unânime). EMENTA: “TRIBUTÁRIO. AÇÃO MANDAMENTAL. RESCISÃO CONTRATUAL. IMPOSTO DE RENDA. VERBAS INDENIZATÓRIAS. NÃO INCIDÊNCIA DO IR. VERBAS SALARIAIS. INCIDÊNCIA. 1. A natur eza jur ídica da indenização não se confunde com a de rendimento, naquela inexiste riqueza nova, portando falta de capacidade contr ibutiva, escapando assim a incidência do Imposto de Renda, enquanto nesta há um acréscimo patrimonial e portanto tributável. 2. As férias e licenças­prêmio não gozadas não sofrem a incidência do Imposto de Renda, uma vez que constituem espécie de verba indenizatória. 3. Tendo o I mposto de Renda fato ger ador na aquisição de
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295 disponibilidade econômica ou jurídica, e não encontrando­se as verbas indenizatórias das férias e licenças­prêmios não gozadas inseridas na refer ida conceituação, impossível a incidência do Imposto de Renda nas aludidas verbas. 4. O saldo de salário e a gratificação natalina configuram­se como verbas salariais, sofrendo, dessa forma a incidência do Imposto de Renda. 5. Apelação e remessa oficial improvidas”. (TRF 5a Região, AMS 59.019 ­ PE, rel. Desembargador Federal Petrúcio Ferreira). EMENTA: “Férias não gozadas por necessidade do serviço. Indenização. Imposto de renda. Não incidência. ­ O pagamento decorrente de férias não gozadas por absoluta necessidade do serviço, não está sujeito à incidência do imposto sobre a renda, vez que tem caráter indenizatório, não se constituindo, assim, em acr éscimo patr imonial.Precedentes. ­ Recurso não conhecido.” (REsp nº 40.921­7/SP, Relator Exmo. Ministro AMÉRICO LUZ, DJ de 22.8.94). E ME NTA: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. FÉRIAS INDENIZADAS. NÃO INCIDÊNCIA. I ­ O imposto de renda não incide sobre o pagamento de fér ias não gozadas, em r azão do seu car áter indenizatór io. Precedentes. II ­ Recurso especial não conhecido.” (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 46.146­7/SP, Relator Exmo. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 22.8.94). EMENTA: “TRIBUTÁRIO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FÉRIAS NÃO GOZADAS. INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. IMPOSSIBILIDADE. Consoante entendimento que se cristalizou, na jurisprudência, o pagamento (in pecunia) de férias não gozadas ­ por necessidade do serviço ao servidor público, tem a natureza jurídica de indenização, não constituindo espécie de remuneração, mas, mera reparação do dano econômico sofrido pelo funcionário. Erigindo­se em reparação, a conversão, em pecúnia, das férias a que a conveniência da Administração impediu o auferimento, visa, apenas, a restabelecer a integridade patrimonial desfalcada pelo dano. A percepção dessa quantia indenizatória não induz em acréscimo patrimonial e nem em r enda tr ibutável, na definição da legislação per tinente.
O tributo, na disciplina da lei, só deve incidir sobre ganhos que causem aumento de patr imônio, ou, em outr as palavr as: sobr e
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numerário que se venha a somar àquele que já seja propriedade do contr ibuinte. Recurso a que se nega provimento, por maioria.” (REsp nº 52.208­0/SP, Relator Exmo. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, DJ de 10.10.94). Diante de caso semelhante à hipótese dos presentes autos, qual seja, o da incidência ou não de imposto de renda na fonte sobre as indenizações convencionais nos programas de demissão voluntária, houve excelente e esclarecedor parecer da Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. Maria Walkiria Rodrigues de Souza (PGFN/ CRJ Nº 1278, de 31.08.98) , concluindo pela não incidência do imposto no caso correspondente, à vista dos reiterados posicionamentos jurisprudenciais que davam conta dessa não incidência exatamente em virtude do seu caráter indenizatório (que serve de fundamento para o caso dos autos). A nobre Procuradora conclui, inclusive, por recomendar a dispensa e a desistência dos recursos cabíveis nas ações judiciais respectivas, conforme se percebe abaixo, in literes: “...Examinando­se a hipótese vertente, desde logo, conclui­se que: I) nas causas em que se discute a incidência ou não de imposto de renda na fonte sobre as indenizações convencionais nos programas de demissão voluntária, a competência para representar a União Federal é da Procuradoria­Geral da Fazenda Nacional, já que se trata de matéria fiscal; e II) as decisões retromencionadas foram proferidas de forma definitiva pela Primeira e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. Destarte, há base legal para o Sr. Procurador­Geral da Fazenda Nacional, com o imprescindível agreement de S. Exa. o Ministro de Estado da Fazenda, dispensar a interposição de recursos ou a desistência dos já interpostos, na situação sub examine. 12. Assim, presentes os pressupostos estabelecidos pelo art. 19, II, da Medida Provisória nº 1.699­38, de 31.7.98, c/c o art. 5º do Decreto nº 2.346, de 10.10.97, recomenda­se sejam autorizadas pelo Sr. Procurador­Geral da Fazenda Nacional a dispensa e a desistência dos recursos cabíveis nas ações judiciais que ver sem exclusivamente a r espeito da incidência ou não de imposto de renda na fonte sobre as indenizações convencionais nos pr ogr amas de demissão voluntár ia, desde que inexista qualquer outro fundamento relevante... ” (Sítio da Pr ocur ad or ia G er al da Fazenda Nacional ­ http:// www.pgfn.fazenda.gov.br /publica/pareceres/1998/topicos.asp)
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297 O referido posicionamento recebeu, mais ainda, a ratificação das instâncias superiores da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, quais sejam: Coordenadoria­Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional; Procuradoria­Geral Adjunta da Fazenda Nacional, bem como do próprio Procurador­Geral da Fazenda Nacional, que acabou recomendando o referido parecer ao Ministro de Estado da Fazenda. Diga­se de passagem que o mesmo fundamento foi reiterado pelos Doutos Procuradores Representantes dos Órgãos acima nominados no parecer PGFN/ CRJ/Nº 0921/99, também da lavra da Dra. Maria Walkiria Rodrigues de Souza, que, na oportunidade, mais uma vez recomendou “a dispensa e a desistência dos recursos cabíveis nas ações judiciais que versem exclusivamente a respeito da cobrança, pela União, do imposto de renda sobre o pagamento (“in pecunia”) de férias não gozadas ­ por necessidade do serviço ­ pelo servidor público” (Sítio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ­ http://www.pgfn.fazenda.gov.br/publica/ pareceres/1999/topicos.asp) 2.3 Da r esponsabilidade da fonte pagador a pela não r etenção do imposto A legislação tributária pertinente à matéria confere responsabilidade para pagamento do imposto de renda à fonte pagadora dos vencimentos, retirando, desde o nascedouro da relação, a responsabilidade do efetivo contribuinte. Tal fenômeno, conhecido como substituição tributária tem previsão expressa nos artigos 121 e 128 do CTN. É o que se transcreve a seguir: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz­se: I ­ contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II ­ responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo­a a este em caráter supletivo
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do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” No que tange estritamente ao Imposto de Renda, o CTN dispõe o seguinte: “Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.” O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem por peculiaridade a incidência anual. Seu fato gerador representa o total de receitas experimentadas e deduzidas das despesas e gastos autorizados, correspondente ao chamado sistema “accrual basis” (“base de resultados” – em vernáculo livre). A correspondente cobrança perfaz­se através de retenção na fonte, pois a lei atribui à fonte pagadora da renda a responsabilidade pela retenção e recolhimento do Imposto (stoppage at source). Diante de tais características, a declaração anual representa insignificante (para não dizer nenhum) ajustamento, para mais ou para menos, daquele montante que se pagou de forma antecipada no ano base. Vê­se, por tal sistema, que a responsabilidade fática do contribuinte no que tange ao pagamento do imposto é quase nenhuma, pois o que o mesmo deve acrescentar em sua declaração anual são suas despesas sofridas no decorrer do ano base. As receitas percebidas durante o ano são descontadas na fonte, mês a mês, pelo Órgão a que estiver atrelado, responsável pelo pagamento de seus proventos. Nesse passo, como exigir do contribuinte a responsabilidade de fato (de conteúdo eminentemente técnico, aliás) de recolher o imposto quando a responsabilidade jurídica (legal) é da fonte pagadora? A hipótese dos autos reporta situação idêntica à narrada no parágrafo anterior, pois verificou­se, em desfavor do autor, o congelamento da restituição de seu imposto por não restar comprovado o recolhimento do tributo pela fonte pagadora (sem falar no aspecto de ter sido incluído em dívida ativa da União). Verdadeiramente, ainda que se entendesse devido o imposto ora em análise (o que não é o caso dos autos), a responsabilidade, fática e jurídica, seria exclusiva da fonte pagadora. Isso porque a imputação de responsabilidade à fonte pagadora, prevista no parágrafo único do artigo 45 do Código Tributário Nacional, representa, mutatis mutandi, o permissivo normativo para que esta seja posta na condição de sujeito passivo da obrigação tributária. Diante disso, o Regulamento do Imposto de Renda de 1999, Decreto nº 3.000 de 26 de março de 1999, tratando do pagamento do tributo em questão com retenção na fonte pagadora, disciplina o caso de responsabilidade pelo recolhimento do tributo
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299 sem a devida retenção. Segue o dispositivo mencionado: “Art. 722. A fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto, ainda que não o tenha retido (Decreto­Lei nº 5.844, de 1943, art. 103). Parágrafo único. No caso deste artigo, quando se tratar de imposto devido como antecipação e a fonte pagadora comprovar que o beneficiário já incluiu o rendimento em sua declaração, aplicar­se­á a penalidade prevista no art. 957, além dos juros de mora pelo atraso, calculados sobre o valor do imposto que deveria ter sido retido, sem obrigatoriedade do recolhimento deste.” É claro a todas as luzes que o sistema de retenção do imposto sobre a renda na fonte se insere no contexto da atribuição de responsabilidade tributária à terceira pessoa (no caso, a fonte pagadora), prevista no Código Tributário Nacional, art. 128. Dispõe essa previsão normativa que a disposição legal do responsável tributário pode implicar na exclusão da responsabilidade do contribuinte ou na sua manutenção como responsável supletivo pela obrigação tributária. Na hipótese do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, não identifico regra expressa estabelecendo a responsabilidade supletiva do contribuinte que não teve o imposto retido do seu rendimento. E não poderia ser de outro modo, pois o contribuinte não tem nenhuma (ou muito pouca) disponibilidade de controle sobre a satisfação das obrigações tributárias pelo responsável tributário, no caso específico de imposto retido na fonte. Corroborando tal entendimento, colaciono pertinente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: EMENTA: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RETENÇÃO NA FONTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. PAGAMENTO. OBRIGAÇÃO DA FONTE PAGADORA DECORRENTE DE LEI. ARTS. 27, DA LEI Nº 8.218/91, 121, PARÁGRAFO ÚNICO, II, E 45, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. PRECEDENTES. 1. O fenômeno da responsabilidade (“substituição”) tributária encontra­se inserto no parágrafo único, do art. 45, do CTN, o qual prevê a possibilidade de a lei atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responder pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam, em combinação com o disposto no inciso II, do parágrafo único, do art. 121, segundo o qual ‘responsável’ é aquele que, sem revestir a condição de contribuinte, tenha
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obrigação decorrente de disposição expressa de lei. 2. Responsável tributário é aquele que, sem ter relação direta com o fato gerador, deve efetuar o pagamento do tributo por atribuição legal, nos termos do art. 121, parágrafo único, II, c/c 45, parágrafo único, do CTN. 3. O art. 27, da Lei nº 8.218/91 atribuiu à fonte pagadora a retenção e r ecolhimento do imposto de r enda relativo a valor es r ecebidos em virtude de decisão judicial. Neste caso, cabe ao BRDE, fonte pagadora, responder judicialmente pelo não­pagamento da refer ida exação. 4. “A obr igação tr ibutár ia nasce por efeito da incidência da nor ma jur ídica originár ia e diretamente contra o contr ibuinte ou contr a o substituto legal tributário; a sujeição passiva é de um ou de outro, e, quando escolhido o substituto legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tributo” (Min. Ari Pargendler, REsp nº 86465/RJ, DJ de 07/10/96). 5. Precedentes. 6. Recurso especial improvido.” (STJ – Primeira Turma. Relator: José Delgado – RESP ­ recurso especial ­ 623237processo: 200400061147/SC – Julgado em 09/08/2004 – DJ). Acrescente­se a doutrina de Mary Elbe de Queiroz, que, de modo esclarecedor, comenta a tributação exclusiva na fonte, explicitando, ademais, a forma de responsabilização pelo não cumprimento da obrigação tributária 4 : “Tal tributação, igualmente à forma denominada retenção na fonte, caracteriza­ se pela obrigação imposta à fonte pagadora dos rendimentos de, no momento do pagamento ao respectivo beneficiário, efetuar a “retenção” e o posterior “recolhimento” do imposto devido pelo contribuinte. Nesse caso, a fonte pagador a assume, de acor do com a lei, o pólo passivo da relação jurídico­tributária, como responsável tributário (em substituição ao contribuinte), e, caso não cumpra com a r espectiva obrigação, a qualquer momento, o Fisco poderá exigir dela o valor do imposto e as penalidades que for em cabíveis, excluindo­se a possibilidade de ser exigido o imposto do beneficiário.” Também se chega à mesma conclusão acima após uma detida análise do 4 Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho/ Coordenador : Eurico Marcos Diniz de Santi – Rio de Janeiro: forense, 2005.
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301 Parecer Normativo nº 1, de 24 de setembro de 2002, DOU de 25.09.2002, da Coordenadoria Geral de Tributação da Receita Federal, bem como do entendimento da 6ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, onde se verifica as seguintes premissas, respectivamente: “IRRF. RETENÇÃO EXCLUSIVA. RESPONSABILIDADE. No caso de imposto de renda incidente exclusivamente na fonte, a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto é da fonte pagadora. IRRF. ANT E CI PAÇÃO DO I MPO STO APURADO PEL O CONTRIBUINTE. NÃO RETENÇÃO PELA FONTE PAGADORA. PENALIDADE. Constatada a falta de retenção do imposto, que tiver a natureza de antecipação, antes da data fixada para a entrega da declaração de ajuste anual, no caso de pessoa física, e, antes da data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual, no caso de pessoa jurídica, serão exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora. Verificada a falta de retenção após as datas referidas acima serão exigidos da fonte pagadora a multa de ofício e os juros de mora isolados, calculados desde a data prevista para recolhimento do imposto que deveria ter sido retido até a data fixada para a entrega da declaração de ajuste anual, no caso de pessoa física, ou, até a data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual, no caso de pessoa jurídica; exigindo­se do contribuinte o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, caso este não tenha submetido os rendimentos à tributação.” (Sítio da Receita Federal ­ http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/ Par ecer esNor mativos/2002/par ecer 0012002.htm)
“IRRF ­ Imposto não retido pela fonte pagadora ­ Responsabilidade tr ibutária”(...) RESPONSABILIDADE FONTE PAGADORA ­ Não é possível imputar ao contribuinte a prática de infração quando seu ato partiu de orientação da fonte pagadora, que deixou de promover a retenção do imposto na fonte por considerar os rendimentos recebidos como isentos ou não tributáveis. De acordo com os arts. 121 e 45 de CTN, a fonte pagadora é responsável pelo recolhimento do tributo e, em não o fazendo, deve assumir o ônus de seu ato. Recurso provido. Por maioria de votos, DAR provimento ao recurso.”(Acórdão nº 106­13.269, da 6ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes ­ Relator: Wilfrido Augusto Marques; DOU 1 de 03.05.2004, pág.27).”
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Mais um argumento, portanto, que dá ensejo ao acolhimento da pretensão do autor, em todos os termos reivindicados, a menos que não se queira dar ao caso o melhor rigor legal e jurídico­constitucional. A própria Receita Federal, por alguns de seus Órgãos, reconheceu o direito de contribuintes em situação idêntica ao do autor nesta ação, conforme se verifica acima e nos diversos julgamentos do 1º Conselho de Contribuintes juntados aos autos pelo autor. 2.4 Da antecipação dos efeitos da tutela na sentença de mérito Impende registrar a possibilidade de deferimento da antecipação da tutela após encerrada a fase instrutória, ou seja, na oportunidade da prolação da sentença, com a ressalva de que o recurso de apelação deve ser recebido no efeito meramente devolutivo no que corresponde à parte da sentença em que foi concedida a tutela, aplicando­se extensivamente o artigo 520, VII, do CPC. É o caso da hipótese sub examine. Nesses termos, destaco o seguinte precedente jurisprudencial do Colendo Superior Tribunal de Justiça: EMENTA: “Processual civil. Recurso especial. Antecipação de tutela. Deferimento na sentença. Possibilidade. Apelação. Efeitos. ­ A antecipação da tutela pode ser deferida quando da prolação da sentença. Precedentes. ­ Ainda que a antecipação da tutela seja deferida na própria sentença, a apelação contra esta interposta deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à parte em que foi concedida a tutela. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ, RESP 648886, Processo 200400439563 – SP, Segunda Seção, Rel. Nancy Andrighi, in 25/08/2004, DJ 06/09/2004, pág. 162) Acerca do tema em tela, os abalizados mestres Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart assim discorreram 5 : 5 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do Processo de Conhecimento: A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento, 2ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003ição revista, atualizada e ampliada, págs. 252 e 253.
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303 “Se ninguém pode negar, sob pena de aceitar a irracionalidade do sistema processual, que a tutela pode ser concedida ao final do procedimento, a questão que ainda deve ser posta constitui problema de menor significado, pois tem por fim definir somente o instrumento técnico que deve servir para a concessão da tutela. Mas se a sentença, em face da “ 2ª etapa da reforma processual”, ainda não pode produzir efeitos na pendência da apelação, mesmo quando estão presentes os fundamento que justificam a tutela antecipatória, a única saída racional que resta é a de admitir a concessão da tutela por meio de decisão interlocutória, uma vez que o recurso contra ela cabível, que é o de agravo, deve ser recebido somente no efeito devolutivo (sem suspender os efeitos da tutela antecipatória). Em outros termos, e de forma bastante esclarecedora: na mesma folha de papel, e no mesmo momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela e sentença, e a sentença, que então confirmará a tutela já concedida, e não poderá ser atacada através de recurso de apelação, o qual, deve, em regra, ser recebido no efeito suspensivo (nesta situação, então, será plenamente aplicável o art. 520, VII, do Código de Processo Civil). Não se diga que nesse caso estará sendo ferido o princípio da urnirrecorribilidade, uma vez que o periculum in mora, indispensável para a concessão da tutela antecipatória prevista no art. 273, I, nada tem a ver com os fundamentos para a procedência do pedido (portanto existirão duas decisões). Perceba­se, por outro lado, que o fenômeno de decisões únicas em sentido apenas formal não é nova, mas sempre existiu. Basta pensar na sentença, formalmente única, que aprecia pedido formulado em “ ação de conhecimento” e pedido formulado por meio de “ação cautelar”, bastante comum na prática forense. Nesses casos, embora exista formalmente uma única sentença, há materialmente duas, ou melhor, uma que aprecia o pedido formulado na “ação de conhecimento” e outra que julga o pedido apresentado na “ ação cautelar” . O recurso interposto contra essa sentença deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo em relação ao pedido formulado na ação de conhecimento” , e apenas no efeito devolutivo no que concerne ao pedido apresentado na “ação cautelar”. No que tange à possibilidade de se antecipar os efeitos da tutela em desfavor
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da fazenda Pública, acirrada discussão havia a respeito. A meu ver, referido conclave não tem muita razão de ser, pois não enxergo nenhum argumento relevante dos que defendem a impossibilidade. Sustentar, em termos absolutos, que inexiste tutela antecipada em face da Fazenda Pública e dos entes que da mesma fazem parte seria desconsiderar premissas dispostas pelo ordenamento jurídico e, até, tornar inefetivo o instituto da antecipação de tutela (art. 273, CPC) contra os entes fazendários. Eis o texto do artigo citado: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) I ­ haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II ­ fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461­A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar­se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” A qualidade da parte (ou mesmo a natureza do direito posto em litígio), não pode representar empecilho à aplicação da diretriz normativa prevista no art. 273 do CPC. Seria fazer acreditar o já enterrado adágio francês que assevera le roi ne peut mal faire (o rei não erra e não faz mal a ninguém). Seria, mais que isso, mal­ferir a plenitude do acesso jurisdicional, constitucionalmente consagrado (art. 5º, inc. XXXV).
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305 Outro não é o entendimento de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, que assevera no seguinte sentido, in literes: “ A aplicação dos arts. 273, 461, 798 e 799 do CPC é de ser feita a todos os tipos de procedimentos, atingindo tanto os particulares como o Poder Público. Excluindo­se, desta rte, a s restrições peculiares às liminares contra o Poder Público, traçadas pelas Leis n.º 8.437/92 e 9.494/97, assim como o Código Tributário Nacional, as ações do contribuinte contra a Administração Pública, acerca de temas de Direito Tributário, não escapam às liminares próprias do poder cautelar geral e do poder de antecipação de tutela.” (Artigo “ Tutela Cautelar e Antecipatória em Matéria Tributária” , In RT­472 –Agosto de 1997). Nessa linha de raciocínio, transcreve­se Ementa de Julgado do Superior Tribunal de Justiça: EMENTA: “PROCESSUAL CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – FAZENDA PÚBLICA – LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA RELAÇÃO – ARTS. 273 E 475, II, DO CPC. 1. Os comandos dos arts. 273 e 475, II, do CPC, não afastam a possibilidade da concessão de tutela em face da Fazenda Pública. 2. Recurso não conhecido.” (STJ, 6ª Turma, 171258/SP, Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO, DJ 18/12/98) Entrementes, o que antes poder­se­ia constituir como campo batido de dissensões, hoje caminha para uma uniformidade de entendimento. É que em 10 de janeiro de 2001, a Lei Complementar n.º 104, que, acrescentando o inciso V ao art. 151 do Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172/66, trouxe guarida expressa à possibilidade de concessão de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública, ao estabelecer entre os meios hábeis à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, justamente a tutela antecipatória. “ Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: omissis IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;”
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3. Dispositivo Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO deduzido na inicial, para o fim de declarar a inexigibilidade do Imposto de Renda Pessoa Física incidente sobre verbas recebidas pelo autor, a título de juros de mora, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, razão pela qual, na forma da fundamentação supra, condeno a União (Fazenda Nacional) a desconstituir o crédito tributário decorrente da incidência de Imposto de Renda sobre as verbas acima aludidas, o que resultou na cobrança de R$ 16.536,53 (dezesseis mil, quinhentos e trinta e seis reais e cinqüenta e três centavos), correspondentes a R$ 4.815,15 (quatro mil, oitocentos e quinze reais e quinze centavos) como valor principal, R$ 3.611,36 (Três mil, seiscentos e onze reais e trinta e seis centavos) de multa e R$ 8.110,02 (oito mil, cento e dez reais e dois centavos) referentes a juros e/ou encargos – DL 1.025/69 (Proc. 11618­01.647/ 2001­14), com a conseqüente retirada do nome do autor da Dívida Ativa da União e­ ou de qualquer Cadastro Restritivo de Crédito em que eventualmente esteja incluído por força dos valores acima. Referido mandamento reveste­se, in totum, de natureza antecipatória, conforme exposição acima, à vista da patente configuração da hipótese prevista no art. 273, inc. I, do CPC, reiterando e tornando mais abrangente a decisão interlocutória já proferida nestes autos. Sem custas e honorários advocatícios (art. 1º, da Lei nº 10.259/01 c/c art. 55, da Lei nº 9.099/95). REGISTRE­SE. PUBLIQUE­SE. INTIMEM­SE. João Pessoa, 17 de janeiro de 2006. BRUNO TEIXEIRA DE PAIVA Juiz Federal Substituto da 7ª Vara
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307 Ação Ordinária – Classe 29 Processo n.° 2007.82.01.000017­7 Autor: O Município de Campina Grande Réu: ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Código Assessoria n.º ATD01 I EXPOSIÇÃO 01.­ Trata­se de ação ordinária, promovida pelo MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, através da qual pleiteia tutela de urgência a fim de que a AGÊ NCI A NACIO NAL DE PE TRÓL E O, GÁS NAT URAL E BICOMBUSTÍVEIS (ANP) seja compelida a efetuar, mensalmente, o pagamento à parte autora dos “royalties” devidos em função do resultado da exploração de petróleo ou gás natural, na forma prevista na Lei n.º 7.990/89 (art. 27, III) e na Lei n.º 9.478/97 (art. 49, I, c e II, d), bem como a realizar o pagamento das quantias em atraso, até o julgamento definitivo da lide. 02.­ Da petição inicial, colhe­se, em suma, o seguinte: a) o Município de Campina Grande possui, em seu território, instalações (gasodutos) que recebem gás natural extraídos dos campos produtores; b) ocorre que, a exemplo da situação de outros municípios na Região Nordeste, não vem recebendo o pagamento dos “royalties” a que tem direito, o que significa grande supressão de recursos orçamentários; c) há discrepância na distribuição dos “royalties” pela ANP, visto que o pagamento é concentrado nos estados e municípios produtores, em especial o Estado do Rio de Janeiro, em detrimento dos municípios nordestinos, os quais, apesar de não serem, em sua maioria, produtores de petróleo ou gás natural, são afetados sobremaneira em seus territórios, em razão da instalação de uma extensa rede de gasodutos, voltados à distribuição e transporte de gás natural; d) a Constituição Federal, em seu art. 20, § 1º, assegura aos municípios brasileiros a participação no resultado da exploração do petróleo e/ou gás natural; e) o texto constitucional foi regulamentado pela Lei n.º 7.990, de 28 de dezembro de 1989, a qual deu nova redação ao art. 27 da Lei n.º 2.004, de 03 de outubro de 1953, estabelecendo a destinação, a título de “royalties”, aos municípios em que se fixasse a
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lavra do petróleo ou se localizassem instalações marítimas ou terrestres de embarque e desembarque, de 5% (cinco por cento) do valor total do petróleo ou gás natural embarcado ou desembarcado em seus respectivos territórios; f)a Lei n.º 2.004/53, em seu art. 27, III, a seu turno, dispunha que, do total da compensação financeira indicada, 70% (setenta por cento) e 20% (vinte por cento) seriam destinados, respectivamente, aos Estados e Municípios produtores, cabendo o restante (10%) aos municípios em cujos territórios houvesse instalações marítimas ou terrestres de embarque e desembarque de petróleo/gás natural; g) a definição de “ instalação marítima ou terrestre de embarque e desembarque de petróleo e gás natural” foi fixada pelo Decreto n.º 01, de 11 de janeiro de 1991, em seu art. 19, parágrafo único, regulamentando a Lei n.º 7.990/89, no sentido de englobar, entre outros equipamentos, as “estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural”; h) da dicção da Lei n.º 9.478/97 e da Lei n.º 7.990/89, observa­se que os “royalties” serão distribuídos aos municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo/gás natural, na proporção de 7,5% (sete e meio por cento) da parcela que exceder os 5% (cinco por cento) do valor dos “royalties” pagos aos entes federativos, sendo que cabe à ANP a definição a respeito da maneira de distribuição da referida porcentagem; i) não obstante a regulação normativa da espécie, a autarquia ré editou a Portaria n.º 29, de 22 de fevereiro de 2001, dando interpretação extremamente restritiva aos dispositivos legais que tratam do sistema de “royalties”, de modo a limitar o seu pagamento apenas àqueles municípios que possuíssem em seus territórios os equipamentos previstos no § 2º daquela Portaria, entre os quais não se incluem as “estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural”, previstas pelo Decreto n.º 01, de 11 de janeiro de 1991, art. 19, parágrafo único; j) resultou dessa regulamentação que os municípios geograficamente distantes das regiões produtoras, mas afetados com a instalação de equipamentos de transporte e distribuição de gás natural (gasodutos), antes incluídos na relação de beneficiados, foram excluídos da percepção dos “royalties”; k) diante desse quadro, vários municípios já obtiveram provimentos judiciais favoráveis à manutenção ou mesmo inclusão na listagem de pagamento dos “royalties”, como Santa Rita, neste Estado; l) o município de Campina Grande, ora promovente, encontra­se na mesma situação do Município de Vitória de Santo Antão­PE, que teve reconhecido, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o direito a ser incluído na relação dos
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309 beneficiados com o pagamento dos “royalties”, afastando­se a aplicação da Portaria n.º 29/2001, por extrapolar sua função reguladora; m) encontram­se presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência, decorrentes tanto da ilegalidade da ausência de repasse dos “royalties” ao município autor, em ofensa ao art. 20, § 1º, da Constituição Federal e às Leis n.ºs 7.990/89 e 9.479/97, quanto do perigo de dano irreparável advindo da restrição orçamentária efetivada. 03.­ Trouxe documentos (fls. 21/176). 04.­ Era o que comportava explicitação. II FUNDAMENTAÇÃO ANTECIPAÇÃO DA TUTELA 10.­ A tutela antecipada, nos termos em que delineada pelo artigo 273 do CPC, é instituto processual que possui, para sua concessão, um requisito genérico obrigatório e dois requisitos específicos, sendo que, quanto a estes últimos, é bastante a presença de um deles para que o juiz possa atender ao pleito da parte interessada. 11.­ Confira­se a redação do citado dispositivo: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; II ­ fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (grifei) 12.­ O requisito genérico consiste na existência de prova inequívoca, capaz de convencer o juiz da verossimilhança da alegação ou alegações apresentadas com a inicial, a partir de uma cognição horizontal sumária e de uma cognição vertical limitada, estas empreendidas a partir, exclusivamente, de provas documentais anexadas à inicial, ou seja, pré­constituídas.
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13.­ Os requisitos específicos consistem: a) no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) na constatação de abuso do direito de defesa ou o do manifesto propósito protelatório do réu. 14.­ Quanto ao primeiro requisito específico, a tutela antecipada assume feição de verdadeira tutela de urgência, mas quanto ao segundo, a tutela antecipada tem por finalidade otimizar a distribuição do tempo do processo, de maneira a não penalizar a parte que apresentou razões e provas fortes o suficiente dos fatos e do direito alegado. REQUISITOS LEGAIS DA TUTELA ESPECÍF ICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER OU NÃO FAZER 15.­ Nos termos do art. 461 do CPC, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providência s que assegurem o resulta do prá tico equiva lente ao do adimplemento. 16.­ O § 3.º do dispositivo legal referido acima permite ao juiz deferir liminarmente a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer desde que presentes dois requisitos, quais sejam: a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. 17.­ No presente caso, a parte autora pretende que a ré seja compelida a efetuar, mensalmente, o pagamento à parte autora dos “ royalties” devidos em função do resultado da exploração de petróleo ou gás natural, na forma prevista na Lei n.º 7.990/89 (art. 27, III) e na Lei n.º 9.478/97 (art. 49, I, c e II, d), bem como realizar o pagamento das quantias em atraso, até o julgamento definitivo da lide. CASO CONCRETO 19.­ A Constituição Federal, em seu artigo 20, §1.º, dispõe o seguinte: § 1º ­ É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
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311 plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. (grifei) 20.­ Após enumerar como bens da União, entre outros, os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, os potenciais de energia hidráulica e os recursos minerais, inclusive os do subsolo, a Constituição Federal, valendo­se da norma acima transcrita, assegurou aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: a) participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva; b) não sendo concedida a participação no resultado, é assegurada a compensação financeira por essa exploração. 21.­ A partir da análise dos dispositivos supra, pode­se concluir: a) não é assegurada a participação no resultado da exploração e a compensação financeira por essa exploração, mas a participação ou a compensação; b) participação significa o recebimento de parte da receita auferida com a exploração, justificada pelo fato de o r ecur so mineral estar localizado no terr itório do ente feder ativo ou na plataforma continental r espectiva, mas ser de propriedade da União Federal; c) compensação, por sua vez, sugere uma contraprestação em decorrência de uma perda sofrida, perda esta advinda da exploração do mineral; d) a participação ou a compensação é assegurada pela Constituição de forma irrefutável, ou seja, é garantida e dada como certa, não podendo ficar ao sabor do legislador ordinário, o qual pode delinear o regime jurídico, porém não negar o que está assegurado; e) o que determina a necessidade de participação ou compensação é a existência de exploração de petróleo ou gás natural, de modo que, se há a exploração, garantida está a participação ou a compensação. 22.­ Dispunha o artigo 27 da Lei n.º 2004, de 03 de outubro de 1953: Art. 27. A Sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar aos Estados e Territórios onde fizerem a lavra de petróleo e xisto betuminoso e a extração de gás,
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indenização correspondente a 5% (cinco por cento) sobr e o valor do óleo extraído ou do xisto ou do gás. (grifei) § 1º Os valores do óleo e do xisto betuminoso serão fixados pelo Conselho Nacional do Petróleo. § 2º Será efetuado trimestralmente o pagamento de que trata êste artigo. § 3º Os Estados e Terr itórios distribuirão 20% (vinte por cento) do que receberem, proporcionalmente aos Municípios, segundo a produção de óleo de cada um deles devendo êste pagamento ser efetuado trimestralmente. (grifei) § 4º Os Estados, Territórios e Municípios deverão aplicar os recursos fixados nêste artigo, preferentemente, na produção de energia elétrica e na pavimentação de rodovias. 23.­ Pela dicção do texto da norma, está clara a previsão de uma compensação, e não participação, na medida em que assegurada aos Estados uma indenização correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo extraído, do xisto ou do gás. 24.­ Já sob a égide da Constituição Federal de 1998, veio a lume a Lei n.º 7.990, de 28 de dezembro de 1989, a qual, em seu artigo 7.º, dispôs o seguinte:
Art. 7º O art. 27 e seus §§ 4º e 6º, da Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, alterada pelas Leis nºs 3.257, de 2 de setembro de 1957, 7.453, de 27 de dezembro de 1985, e 7.525, de 22 de julho de 1986, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 27. A sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar a compensação financeir a aos Estados, Distr ito Feder al e Municípios, correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extr aído de seus respectivos terr itórios, onde se fixar a lavr a do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petróleo Brasileiro S.A. ­ PETROBRÁS, obedecidos os seguintes critérios:
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313 I ­ 70% (setenta por cento) aos Estados produtores; II ­ 20% (vinte por cento) aos Municípios produtores; III ­ 10% (dez por cento) aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. ................................................................... § 4º É também devida a compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental nos mesmos 5% (cinco por cento) fixados no caput deste artigo, sendo 1,5% (um e meio por cento) aos Estados e Distrito Federal e 0,5% (meio por cento) aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque; 1,5% (um e meio por cento) aos Municípios produtores e suas respectivas áreas geoeconômicas; 1% (um por cento) ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e pr oteção das atividades econômicas das referidas áreas de 0,5% (meio por cento) para constituir um fundo especial a ser distribuído entre os Estados, Territórios e Municípios. .................................................................... § 6º Os Estados, Territórios e Municípios centrais, em cujos lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres se fizer a exploração de petróleo, xisto betuminoso ou gás, farão jus à compensação financeira prevista no caput deste artigo.” 25.­ Pela análise das regras acima, tomando como norte para a interpretação a diretriz firmada pela Constituição sobre o tema, conclui­se: a) a Lei n.º 7.990/89 trata de compensação financeira, bem como de participação no resultado, muito embora não faça a necessária distinção, já que utiliza a palavra compensação quando trata das duas situações; b) no parágrafo primeiro, é prevista a retribuição de 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás quando: (i) extraído de seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou (ii) se localizarem
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instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural; c) segundo a regra, portanto, têm direito à retribuição acima (i) as unidades em cujos territórios seja feita a exploração, bem como (ii) aquelas que possuam em seu território instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, muito embora ali não seja realizada a lavra ou extração; d) no primeiro caso, aparece a figura da participação, mas, no segundo, a figura da compensação; e) por sua vez, o §4.º do mencionado artigo 7.º prevê que também é devida compensação financeira: (i) aos Estados, Distrito Federal e Municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental nos mesmos 5% (cinco por cento) fixados no caput deste artigo, sendo 1,5% (um e meio por cento) aos Estados e Distrito Federal e 0,5% (meio por cento) aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque; (ii) 1,5% (um e meio por cento) aos Municípios produtores e suas respectivas áreas geoeconômicas; (iii) 1% (um por cento) ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das atividades econômicas das referidas áreas de; (iv) 0,5% (meio por cento) para constituir um fundo especial a ser distribuído entre os Estados, Territórios e Municípios; f)fica claro que, no caso da regra acima, a retribuição é devida às unidades federativas nas quais a exploração não seja feita em seus respectivos territórios, mas na plataforma continental respectiva, que, ou é território da União Federal, ou está sob a jurisdição desta; g) nesses casos, a regra se repete, ou seja, tanto tem direito à retribuição (i) as unidades em cuja plataforma continental respectiva seja feita a exploração, quanto (ii) aquelas que possuam em seu território instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, muito embora não seja realizada a lavra ou extração em sua respectiva plataforma continental; h) não fosse assim e não teria sentido que se estabelecesse o direito das unidades em cujos territórios, conquanto não haja a produção, estejam loca liza da s insta la ções ma r ítima s ou ter restres de emba rque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, direito esse estabelecido tanto na cabeça do artigo, quanto no seu §4.º.
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315 26.­ Em seguida, já após as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional n.º 09, de 09 de novembro de 1995, foi editada a Lei n.º 9.478, de 06 de agosto de 1997, cujos artigos 47, 48 e 49 dispõem: Art. 47. Os royalties serão pagos mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente a dez por cento da produção de petróleo ou gás natural. § 1º Tendo em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores pertinentes, a ANP poderá prever, no edital de licitação correspondente, a redução do valor dos royalties estabelecido no caput deste artigo para um montante correspondente a, no mínimo, cinco por cento da produção. § 2º Os critérios para o cálculo do valor dos royalties serão estabelecidos por decreto do Presidente da República, em função dos preços de mercado do petróleo, gás natural ou condensado, das especificações do produto e da localização do campo. § 3º A queima de gás em flares, em prejuízo de sua comercialização, e a perda de produto ocorrida sob a responsabilidade do concessionário serão incluídas no volume total da produção a ser computada para cálculo dos royalties devidos. Art. 48. A parcela do valor do royalty, previsto no contrato de concessão, que representar cinco por cento da produção, correspondente ao montante mínimo referido no § 1º do artigo anterior, será distribuída segundo os critérios estipulados pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. (Vide Lei nº 10.261, de 2001) Art. 49. A parcela do valor do royalty que exceder a cinco por cento da produção terá a seguinte distribuição: (Vide Lei nº 10.261, de 2001) I ­ quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres: a) cinqüenta e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados onde ocorrer a produção; b) quinze por cento aos Municípios onde ocorrer a produção; c) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; d) vinte e cinco por cento ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar
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programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo; d) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) II ­ quando a lavra ocorrer na plataforma continental: a) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados produtores confrontantes; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios produtores confrontantes; c) quinze por cento ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; d) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; e) sete inteiros e cinco décimos por cento para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios; f) vinte e cinco por cento ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo. f) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) § 1° Do total de recursos destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia, serão aplicados no mínimo quarenta por cento em programas de fomento à capacitação e ao desenvolvimento científico e tecnológico nas regiões Norte e Nordeste. § 2° O Ministério da Ciência e Tecnologia administrará os programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico previstos no caput deste artigo, com o apoio técnico da ANP, no cumprimento do disposto no inciso X do art. 8º, e mediante convênios com as universidades e os centros de pesquisa do País, segundo normas a serem definidas em decreto do Presidente da República. 27.­ Segundo o regime jurídico acima transcrito, tem­se:
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317 a) os “royalties” serão pagos mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente a dez por cento da produção de petróleo ou gás natural; b) tendo em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores pertinentes, a ANP poderá prever, no edital de licitação correspondente, a redução do valor dos royalties estabelecido no caput deste artigo para um montante correspondente a, no mínimo, cinco por cento da produção; c) a parcela do valor do “royalty”, previsto no contrato de concessão, que representar cinco por cento da produção, correspondente ao montante mínimo referido no § 1º do artigo anterior, será distribuída segundo os critérios estipulados pela Lei n.º 7.990, de 28 de dezembro de 1989; d) por sua vez, a parcela do valor do “royalty” que exceder a cinco por cento da produção terá a sua distribuição de acordo com os critérios previstos no artigo 49 supra; e) para o pagamento dos “royalties” relativos ao percentual que exceder 5%, a lei sob comento trouxe regras variadas: ∙ quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres: (i) cinqüenta e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados onde ocorrer a produção; (ii) quinze por cento aos Municípios onde ocorrer a produção; (iii) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; (iv) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) ∙ quando a lavra ocorrer na plataforma continental: (i) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados produtores confrontantes; (ii) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios produtores confrontantes; (iii) quinze por cento ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; (iv) sete inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; (v) sete inteiros e cinco décimos por cento para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios; (vi) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)
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f)da mesma forma que na legislação anterior, é prevista a participação na produção, para as unidades federativas produtoras, bem como a compensação financeira, para as unidades federativas não produtoras, mas que sejam afetadas pela exploração. 28.­ Para regulamentar a Lei n.º 7.990/89, foi editado o Decreto n.º 01, de 07 de fevereiro de 1991, cujo artigo 19, explicitando o conceito de instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque, dispôs: Art. 19. A compensação financeira aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural será devida na forma do disposto no art 27, inciso III e § 4º da Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, na redação dada pelo art. 7º da Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, consideram­se como instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural, as monobóias, os quadros de bóias múltiplas, os píeres de atracação, os cais acostáveis e as estações ter restr es coletor as de campos produtor es e de transferência de óleo bruto ou gás natural. (grifei) 29.­ Considera­se, pois, como instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque, as seguintes: a) as monobóias; b) os quadros de bóias múltiplas; c) os píeres de atracação; d) os cais acostáveis e; e) as estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural. 30.­ Entendendo que os municípios por onde passassem dutos condutores de gás canalizado possuíam, para efeitos da lei, “estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural”, a retribuição lhes era paga. 31.­ Entretanto, nos molde da Portaria n.º 29/2001, expedida pela ANP, o entendimento foi modificado e alterado o conceito “ estações terrestres
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319 coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural” . 32.­ Segundo a mencionada portaria: a) o percentual de 7,5% (sete e meio por cento) previsto no artigo anterior será distribuído a cada Município onde se localizar a instalação de embarque e desembarque de petróleo ou gás natural, juntamente com os Municípios pertencentes à zona de influência da instalação, na razão direta dos volumes de petróleo e gás natural, expressos em volume de petróleo equivalente, movimentados na respectiva instalação; b) definindo instalação de embarque e desembarque, a portaria sob análise, considerou (i) as esta ções terr estres coletora s de ca mpos produtores e de transferência de petróleo ou gás natural, (ii) as monobóias, (iii) os quadros de bóias múltiplas, (iv) os quadros de âncoras, (v) os píeres de atracação e (vi) os cais acostáveis, destinados aos embarques e desembarques de petróleo ou gás natural” ; c) inovando a definição anterior, a portaria trouxe: (i) a figura dos quadros de âncoras; (ii) a exigência de que todas as instalações façam parte de áreas de concessão contratada com a ANP, ou estejam autorizadas pela ANP, nos termos do artigo 56 e do artigo 57 da Lei n. 9.478/97. 33.­ Para o autor: a) a Portaria n.º 29/2001 da ANP “ não se ateve aos termos da legislação de superior hierarquia normativa, e na tentativa de conceituar instalações de embarque e desembarque estabeleceu limitações não previstas nas Leis n.ºs 7.990/89 e 9.478/97” ; b) “ havendo lei formal que trate da distribuição de “ royalties” aos diversos entes estatais que possuam instalações relacionadas à distribuição de petróleo e gás natural é defeso a um órgão da Administração Pública, a quem cabe apenas definir quanto às formas de distribuição, mas não excluir a queles reconhecida mente beneficia dos por lei, limita r a abrangência de ato legislativo, devidamente editado pelo Congresso Nacional” ; c) “ no presente caso, não há que se duvidar que não existe, nas Leis n.ºs 7.990/89 e 9.478/97, qualquer definição que exclua as instalações existentes na Municipalidade Autora do conceito de zona de influência de instalações terrestres de embarque e desembarque ou de transporte de gás natural” ;
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d) “ no caso em tela, não há dúvidas de que a ANP ao adotar as limitações impostas pela Portaria n. 29/2001 ultrapassou, e muito, a área de atuação a que deveria ater­se, já que essa norma administrativa exclui as instalações existentes na Municipalidade Autora do conceito de instalações marítimas e terrestres de embarque e desembarque, indo de encontro ao que estabelecem as Leis n.ºs 7.990/89 e 9.478/97”. 34.­ Ao final, o Município autor classificou a Portaria n. 29/2001 de ilegal e inconstitucional, bem como, afirmando se encontrar na mesma situação de alguns municípios que mencionou, citou jurisprudência variada. 35.­ Sem razão o autor, porquanto (i) não demonstrado em que medida as modificações trazidas pela Portaria n. 29/2001, concretamente, interferiram em direitos anteriormente exercidos, bem como não demonstrado (ii) em que medida participa do processo de exploração do gás natural, (iii) nem o recebimento de “royalties” em momento anterior ao da edição da analisada portaria.
36.­ Dessa forma, com base na análise dos documentos trazidos aos autos, bem como com fulcro na argumentação posta na inicial, haverei de indeferir a liminar pleiteada. III CONCLUSÃO 37.­ Ante o exposto, INDEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela requerida, nos termos do artigo 273 do CPC. 38.­ Expeça­se mandado de citação e intimação da ré. 39.­ Cumpra­se, com urgência. 40.­ À distribuição para que conste no pólo passivo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível, não o Coordenador respectivo, eis que não se trata de mandado de segurança, mas de ação ordinária. Campina Grande, 28 de janeiro de 2007 BIANOR ARRUDA BEZERRA NETO Juiz Federal Substituto da 4ª VF (Campina Grande), no exercício da Titularidade da 6ª VF (Campina Grande) e da 8ª VF (Sousa)
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