ENTREVISTA Dr. miguel mendes Revista Factor es de Miguel Mendes Chefe de Serviço de Cardiologia do CHLO - Hospital de Santa Cruz. Coordenador do GE de Fisiopatologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca da SPC (biénio 2005-2007). Chairperson da secção de Reabilitação Cardíaca da European Association on Cardiovascular Prevention and Rehabilitation. O panorama na zona do grande Porto é mais favorável que em Lisboa, porque os hospitais de Santo António, Vila Nova de Gaia, Matosinhos e S. Sebastião já dispõem de departamentos de Reabilitação Cardíaca ao contrário do que se passa em Lisboa onde só há departamentos hospitalares em Santa Marta e no Fernando Fonseca. O Dr. Miguel Mendes foi o coordenador do Grupo de Estudo de Reabilitação Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Tem portanto uma visão global do “estado da arte” em Portugal. Qual a situação actual da reabilitação cardíaca entre nós? A situação da RC em Portugal é muito rudimentar pelo reduzido número de centros, pela pequena dimensão de muitos dos centros existentes e pela má distribuição no território nacional dos existentes, que estão concentrados nas zonas do grande Porto e da grande Lisboa. Idealmente, deveríamos ter um centro em cada hospital com Serviço de Cardiologia e de Cirurgia Cardíaca, onde se iniciaria o programa de RC da fase hospitalar e que o doente continuaria a frequentar por 6 a 12 semanas após a alta hospitalar. 8 9 Em Portugal só 1.8% dos potenciais candidatos são incluídos nos programas de Reabilitação, ao contrário do que se verifica na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, onde, em média, participam nos programas, respectivamente, cerca de 40 e 20% dos candidatos. Para além da baixa percentagem de participantes também se constata que as novas indicações para os programas, como a insuficiência cardíaca, não tem expressão em Portugal. A reabilitação cardíaca é por natureza multidisciplinar e envolve vários grupos profissionais. A colaboração entre estes diversos grupos, quer na prática clínica quer na investigação, é uma realidade? A colaboração que existe nos diferentes centros, entre os vários tipos de profissionais envolvidos, médicos ou não, é bastante boa até porque a actividade em RC selecciona habitualmente profissionais que sentem necessidade e têm prazer no trabalho em equipa. Contudo, poderia e deveria ser muito melhorada porque, quer nos centros de maior dimensão quer nos mais Risco 2007, N º6, (Jul-Set), pá g. 8-11 “… DEVERÍAMOS TER UM CENTRO EM CADA HOSPITAL COM SERVIÇO DE CARDIOLOGIA E DE CIRURGIA CARDÍACA, ONDE SE INICIARIA O PROGRAMA DE RC DA FASE HOSPITALAR E QUE O DOENTE CONTINUARIA A FREQUENTAR POR 6 A 12 SEMANAS APÓS A ALTA HOSPITALAR.” pequenos há poucos profissionais que estejam a tempo inteiro, a começar pelas coordenações. Os centros privados com a sua escassa actividade não ocupam plenamente os seus profissionais e os hospitais exigem que a actividade em RC seja mais uma das múltiplas a que os profissionais estão obrigados. A reabilitação do doente cardíaco tem especificidades de acordo com a patologia subjacente. A reabilitação do doente pós enfarte do miocárdio é diferente da reabilitação do doente em insuficiência cardíaca. Que deve o médico de família saber das diferentes abordagens e indicações da reabilitação cardíaca? O médico de família deve saber que o programa de RC das duas situações é uma resposta global às necessidades de Saúde do seu doente. Deve envolver os seus familiares mais próximos, de forma que, o doente devidamente enquadrado, tenha mais capacidade de fazer escolhas correctas e mantê-las em relação ao estilo de vida, alimentação e observância da terapêutica farmacológica. No capítulo da actividade física o médico de família deverá incentivar os seus doentes numa fase clínica estável a serem activos e a realizarem pelo menos 30 minutos de actividade aeróbia na totalidade ou na maior parte dos dias da semana, efectuando marcha, por exemplo. Este tipo de actividade está ao alcance da maioria dos doentes com alta hospitalar após enfarte e de alguns com insuficiência cardíaca, desde que não apresentem uma limitação significativa da capacidade funcional. Os doentes mais limitados ou de maior risco deveriam iniciar o programa num centro de RC com supervisão por telemetria e “EM PORTUGAL SÓ 1.8% DOS POTENCIAIS CANDIDATOS SÃO INCLUÍDOS NOS PROGRAMAS DE REABILITAÇÃO, AO CONTRÁRIO DO QUE SE VERIFICA NA EUROPA OCIDENTAL E NOS ESTADOS UNIDOS, ONDE, EM MÉDIA, PARTICIPAM NOS PROGRAMAS, RESPECTIVAMENTE, CERCA DE 40 E 20% DOS CANDIDATOS.” monitorização do exercício por fisioterapeuta pelo menos durante 2 meses e só depois de estabilizados e de conhecerem os seus limites passariam a exercitarem-se autonomamente. Por vezes associa-se a reabilitação cardíaca à medicina hospitalar. Há espaço para a reabilitação cardíaca hospitalar e para a reabilitação cardíaca em ambulatório? “… O MÉDICO DE FAMÍLIA Faz todo o sentido que os hospitais se ocupem da fase hospitalar e dos doentes de alto risco, sendo os restantes orientados para centros privados em cujos programas se integrarão inicialmente durante 8 a 12 semanas. Findo este período passariam a continuar ligados aos centros por acompanhamento à distância e por sessões de exercício pontuais (p ex.: 1 vez por mês) para promoção da adesão ao programa de manutenção, incluindo a actividade física e o controlo dos factores de risco. DEVERÁ INCENTIVAR OS No recente Simpósio Luso-Espanhol sobre Controvérsias no Risco Cardiovascular, houve uma sessão dedicada à reabilitação cardíaca. Portugal e Espanha têm padrões comuns nesta área? PELO MENOS 30 MINUTOS Apesar dos nossos vizinhos espanhóis terem uma história mais longa e uma actividade um pouco mais extensa (cerca de 5% de referências para os programas), existem, efectivamente, muitas semelhanças entre as realidades dos dois países, pelo tipo de Serviço Nacional de Saúde, pela diminuta cultura de actividade física (nos profissionais de Saúde e nos doentes) e pelas dificuldades de realizar trabalho e formar equipas multidisciplinares. NA TOTALIDADE OU NA 10 SEUS DOENTES NUMA FASE CLÍNICA ESTÁVEL A SEREM ACTIVOS E A REALIZAREM DE ACTIVIDADE AERÓBIA MAIOR PARTE DOS DIAS DA SEMANA, EFECTUANDO MARCHA, POR EXEMPLO.” 11 O que falta para que a reabilitação cardíaca tenha, entre nós, a expressão e a importância que, seguramente, ainda não possui? Para além das limitações apontadas na resposta à questão anterior, que algumas das quais levarão gerações a ultrapassar, como a cultura da actividade física e o trabalho multidisciplinar, considero que o problema só é ultrapassável através de uma orientação da tutela no sentido de se implementarem “obrigatoriamente” os programas de Reabilitação Cardíaca. Estes programas devem ser considerados uma peça fundamental para se prestarem cuidados de Saúde de qualidade aos doentes de maior risco e em quem o SNS muito investiu no decorrer do internamento hospitalar. Devido aos benefícios em mortalidade e morbilidade, aliada a um custo-benefício favorável, há muito que a tutela deveria ter implementado o aparecimento de centros de Reabilitação Cardíaca nos principais hospitais, de forma a poder rentabilizar o investimento feito, colocando-nos ao nível do que se passa nos países da UE. Por outro lado necessitamos de apostar em Formação e de ter alguns meios económicos para que a actividade em Reabilitação Cardíaca se possa desenvolver. É necessário dignificar a actividade e dotar de sustentabilidade financeira os centros e os profissionais que desejarem trabalhar neste campo, nomeadamente através do estabelecimento de convenções. Se tal não for feito não conseguiremos atrair profissionais em número suficiente, de bom nível científico e mantê-los motivados a trabalhar neste campo. Do lado das escolas, associações de profissionais e sociedades científicas é necessário desenvolver um longo trabalho de formação, introduzindo a problemática da actividade física e da RC nos programas de estudos pré e pós graduados dos vários tipos de profissionais envolvidos nos programas, em particular nos médicos. São muito interessantes as propostas de criação da sub-especialidade de Prevenção e Reabilitação Cardíaca, actualmente em discussão no seio da Associação Europeia para a Prevenção e Reabilitação Cardiovascular (ramo da Sociedade Europeia de Cardiologia) e da competência em Reabilitação Cardíaca, a surgir na Ordem dos Médicos e acessível a cardiologistas, fisiatras, internistas e médicos de Medicina Desportiva, entre outros.