Mais um voo de galinha Carlos Lessa Qualquer criança do interior sabe o que é voo de galinha. Curto, barulhento ao voltar para o chão. Vendo o gráfico de evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 1980 a 2010, não consigo afastar a imagem do voo de galinha. Em 30 anos, a maior taxa de crescimento do PIB foi no primeiro ano do general Figueiredo (9,2%), colhendo iniciativas da era militar. Figueiredo encolheria a economia à mediocridade absoluta, sendo que a galinha dá um pulo nos seus anos finais, crescendo 5,4% em 1984 e 7,8% em 1985. Qualquer um desses é maior que o Pibão, como foi denominado o crescimento de 7,5% no ano de 2010. O governo Sarney, apesar do brilho do Plano Cruzado, assistiu a uma despencada para um PIB negativo em 1988. Após a Constituição, um pequeno voo de galinha e a economia do país se contrai com a posse de Fernando Collor. Vai lá pra baixo. O período é de mediocridade absoluta, salvo em práticas de apropriação de bens públicos. No intervalo Itamar, FHC se credenciava e, em 1994, eleito presidente, praticaria por dois mandatos um crescimento médio do PIB (2,3% ao ano), superior apenas ao do Haiti. O crescimento rastejante acompanhou-se de dois pequenos pulos da galinha. O governo Lula, cuja média foi um pouco menos medíocre - 4% ao ano -, termina com o Pibão de 7,5% de 2010... Precedido pelo mergulho de - 0,6% no ano anterior. Tudo leva a crer que assistiremos a mais um voo de galinha, pois não será sustentado o aumento do gasto público e a reposição da ideia de desenvolvimento permanece encabulada. Quero cotejar esses 30 anos de esvoaçar cacarejante, no nível de chão de galinheiro, com médias históricas anteriores. Média de 1951/1960: 4,3% ao ano. Média do regime militar: 6% ao ano. Em termos de participação no PIB mundial, a economia brasileira caiu de 3,91% em 1980, para 2,92% em 2010 (estimativa do professor Reinaldo Gonçalves). Com seu esvoaçar precário, o Brasil somente poderá ganhar posições se alguns países europeus quebrarem. O melhor dado de 2010 foi a pequena elevação da taxa de investimento de capital fixo. Foi uma taxa robusta de crescimento em relação a 2009, quando houve uma contração de 10,3% do investimento. Entretanto, o Brasil continua um pigmeu em relação a uma China, que pratica uma taxa de investimento de 40% do PIB, ou de uma Índia, acima de 30%. O Brasil tem uma taxa de 18,4% do PIB em 2010. Com a inflação seguindo indexada a itens como a eletricidade, o povão é punido pelos altos preços do que o Brasil exporta, e que se refletem internamente nos alimentos e pela dificuldade de geração de novos empregos e elevações salariais. O investimento privado fica inseguro ante o anúncio de cortes de gasto público e persistência dos problemas de infraestrutura. A componente inquietante é reforçada quando se tem presente o crescimento do crédito em relação ao PIB e à visível curva ascendente da inadimplência de 2009: 5,9% para 8% em 2011. É evidente que uma política de redução dos investimentos públicos e de elevação da taxa de juros alimentarão a taxa de inadimplência. Para as famílias endividadas, o importante é a multiplicação de empregos e uma tendência altista de salários - o oposto do que Dilma persegue. O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn advertiu que o risco da economia brasileira é o superaquecimento. Em 4 de março, a presidente Dilma disse que está muito consciente dessa questão. Suas declarações preconizando cortes de gasto público e rápida elevação da taxa Selic surgem como variação bastante conhecida de que, crescendo mais de 4%, a tendência do Brasil é inflação. Com juros hiperelevados, a tendência da empresa brasileira é ao rentismo, ou seja: ampliar aplicações financeiras e não realizar investimentos produtivos. Enquanto o FMI aplaude a política econômica da presidente Dilma, parece haver um coro trágico limitando o crescimento brasileiro a 4% ao ano. As sugestões se acumulam. Afirmam ser o problema brasileiro a qualidade da mão de obra, ao invés do comportamento da elite dirigente globalizada, ou seja, o problema educacional restringe o desenvolvimento brasileiro. Sou professor e conheço de perto as brutais deficiências do sistema educacional brasileiro. Gosto de pensar que a tarefa da educação é a reposição de uma nova geração melhor qualificada que a geração que a formou. O bom mestre quer que o discípulo o supere. A nação exige que cada geração esteja melhor preparada para a futura civilização nacional. O investimento produtivo gera os empregos e a educação faz avançar o processo civilizatório. O Brasil instalou em tempos de Juscelino o complexo metal mecânico e o eletroeletrônico sem qualquer estrutura de ensino profissional. O operariado brasileiro se qualifica trabalhando. É tão ávido em manter o bom emprego e nele prosperar que se autoqualifica. A qualidade do povo brasileiro é fantástica, pois sobrevive numa das economias com pior distribuição de renda do mundo e péssimo sistema educacional. Pratica, em escala espetacular, a geriatria que mantém funcionando máquinas, veículos, tratores muitos anos após as matrizes terem retirado de linha as peças de substituição. Tratores com 30 anos de serviço e caminhões estradeiros com 17 anos em média fazem prova das dezenas de milhares de oficinas artesanais. A criatividade brasileira, principalmente nas seções de manutenção, é reconhecida pelos empresários industriais. O jovem necessita emprego e oportunidade de trabalho e isto não lhe é fornecido pela política econômica. Se o Brasil tiver cursos de alta qualificação sem gerar os empregos correspondentes, será introduzida uma nova commodity nas exportações nacionais - o próprio brasileiro. Carlos Lessa é professor titular de Economia Brasileira do Instituto de Economia da UFRJ e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (endereço eletrônico: [email protected]). Escreve mensalmente, às quartas-feiras, no jornal Valor Econômico. Este texto foi publicado no dia 9 de março de 2011.