o fim de uma era? Não. Rui Póvoa

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Betabloqueadores na hipertensão
não complicada: o fim de uma era?
Não
O tratamento da hipertensão arterial passou por uma
revolução considerável nos últimos 60 anos. Nos
primórdios era preconizada a dieta de kempner, à base de
arroz e fibras com baixíssimo teor de sódio. Em 1935 foi
adotada a simpatectomia dorso-lombar, que funcionava
por um período de 4-5 anos. E em 1947, foi testada a
primeira droga para o tratamento da hipertensão. A partir
deste momento foram surgindo medicamentos cada vez
mais eficazes e seguros e com menos efeitos colaterais, de
tal forma que hoje se tem dificuldade em escolher qual
medicamento é melhor para o paciente hipertenso.
Os beta-bloqueadores junto com os diuréticos foram os
primeiros anti-hipertensivos com real ação em diminuir a
morbimortalidade, fato evidenciado em diversos estudos
controlados (Medical Research Council Working PartyMRC, Swedish Trial in Old Patients with Hypertension
–STOP). Em 1984, o JNC III recomendou os betabloqueadores para o primeiro passo na terapia da
hipertensão em igualdade com os diuréticos tiazidas(1).
Depois desse documento, os beta-bloqueadores e os
diuréticos permaneceram como medicamentos iniciais na
hipertensão não complicada. O JVC VII orientou que os
diuréticos tiazidas deveriam ser utilizados na terapêutica
inicial e se não fossem bem tolerados ou contra-indicados,
então utilizar os beta-bloqueadores e em igualdade de
opção os bloqueadores dos canais de cálcio ou os
inibidores do sistema renina angiotensina(2).
Os beta-bloqueadores reduzem a pressão tanto
sistólica quanto diastólica de maneira efetiva, desde o
início do tratamento atingindo efeito máximo após 1-2
semanas. Têm seu efeito anti-hipertensivo por diminuição
da liberação da renina pelas células justaglomerulares e
também reduzindo a liberação de catecolaminas via
bloqueio dos beta-receptores pré-sinápticos. De forma
geral, reduzem o débito cardíaco pela diminuição da
freqüência cardíaca, porém as novas moléculas betabloqueadoras reduzem a resistência vascular periférica,
mantêm ou aumentam o débito cardíaco e são muito mais
fisiológicas e apropriadas que agentes convencionais(3). A
classe dos beta-bloqueadores é muito heterogênea, com
fármacos de ações diversas, tanto em farmacocinética,
farmacodinâmica, metabolismo e efeitos adversos.
A maioria dos trabalhos da literatura que são usados
como argumento para destituir esta classe medicamentosa
no primeiro passo da terapêutica, utilizou o atenolol. Os
efeitos deste fármaco em particular foram estendidos para
toda a classe de beta-bloqueadores que é extremamente
injusto, com importante viés na análise crítica.
No tratamento da insuficiência cardíaca os betabloqueadores têm uma importância fundamental em
reduzir a mortalidade. Mas não são todos. O carvedilol, o
bisoprolol, o nebivolol e o metoprolol são os únicos
aprovados para o tratamento da disfunção ventricular
esquerda. Inclusive a forma de apresentação tem
Rui Póvoa
Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal de São
Paulo. Professor da Disciplina de Cardiologia da
Universidade Federal de São Paulo. Chefe do setor de
Cardiopatia Hipertensiva da Universidade Federal de São
Paulo.
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Recebido para publicação: Julho de 2009
Aceite para publicação: Julho de 2009
Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág.56-59
dúvida os “velhos” fármacos anti-hipertensivos. Um
argumento a favor dos novos fármacos, em detrimento
dos beta-bloqueadores, foi a ausência de efeitos metabólicos, na glicemia e nos lipídios. Desta forma surgiram
alguns estudos mostrando a evolução desfavorável nos
pacientes que apresentavam diabetes mellitus durante o
tratamento da hipertensão, fato que ocorre em menos de
6% em longo seguimento(10,11). Verdecchia et al, em seguimento de quase 800 pacientes, encontraram 5,8% de
aparecimento de diabetes mellitus em 16 anos(12).
Entretanto, quando analisamos a relevância clínica, vemos
que é um fato pouco importante em face da grande
problemática que é a hipertensão arterial (alta prevalência, baixa adesão, risco cardiovascular elevado) e principalmente em países com poucos recursos financeiros
para a área da saúde.
Em 2005, Lindholm et al publicaram uma metanálise
de 18 trabalhos, comparando o tratamento da hipertensão
importância, como no caso do metoprolol onde o tartarato
de metoprolol não apresentou eficiência e sim o succinato
(estudos COMET e MERIT-HF)(4,5).
De maneira similar, no tratamento da hipertensão,
sabemos que a redução dos níveis pressóricos diminui a
morbimortalidade. Estudos, como o HOT-study, informam
que quanto mais baixa a pressão menor a mortalidade(6).
E também sabemos que a monoterapia controla apenas
um terço dos hipertensos. Estas reflexões objetivas,
oriundas de estudos controlados ou metanálises nos
permite afirmar que os beta-bloqueadores são
importantes no tratamento da hipertensão arterial.
Em 1997, Psaty et al avaliando a eficácia antihipertensiva dos diuréticos e beta-bloqueadores, em
metanálise de 18 estudos, verificaram a redução de acidentes vasculares encefálicos (RR= 0,71; IC= 0,59-0,82) e
de insuficiência cardíaca (RR= 0,58; IC= 0,40-0,84) com os
beta-bloqueadores(7).
“Os beta-bloqueadores reduzem a pressão tanto sistólica quanto
diastólica de maneira efetiva, desde o início do tratamento atingindo
efeito máximo após 1-2 semanas. De forma geral, reduzem o débito
cardíaco pela diminuição da freqüência cardíaca, porém as novas
moléculas beta-bloqueadoras reduzem a resistência vascular periférica,
mantêm ou aumentam o débito cardíaco e são muito mais
fisiológicas e apropriadas que agentes convencionais”.
com beta-bloqueadores e outras drogas anti-hipertensivas.
Entre os 18 trabalhos, sete estudos a comparação do betabloqueador foi com placebo. Encontraram que com o uso
do beta-bloqueador o risco de acidente vascular cerebral,
em relação aos outros tratamentos era 16% maior. Em
relação ao risco de infarto do miocárdio e mortalidade por
todas as causas não houve diferenças significantes. Com
base nestes achados os autores recomendam que os betabloqueadores não devam ser utilizados como primeira
droga no tratamento da hipertensão arterial(13).
Entretanto a metanálise de Lindholm et al apresenta
uma série de imperfeições e conclusões exageradamente
ásperas e imparciais. Em primeiro lugar trabalhos
relevantes não foram incluídos nesta metanálise.
Podemos citar os estudos: o CAPPP- Captopril Prevention
Projet, o AASK- African American Study of Kidney Disease
and Hypertension, e o Veterans Administration Cooperation
Study Group Trial. Estes trabalhos, que normalmente
entram na maioria das metanálises foram excluídos com
Os membros do grupo “Blood Pressure Lowering
Treatment Trialists” verificaram em metanálise a eficácia
dos beta-bloqueadores, bloqueadores da enzima
conversora da angiotensina, bloqueadores dos canais de
cálcio e diuréticos, na redução de eventos. Nesse estudo
os beta-bloqueadores foram tão eficientes quanto os
outros fármacos(8). Staessen et al em um trabalho muito
elegante com hipertensos de alto risco, avaliaram se a
diminuição de eventos estava relacionada com as
propriedades farmacológicas dos anti-hipertensivos ou se
era somente a redução pressórica. A conclusão foi que a
eficiência dos beta-bloqueadores era similar aos outros
anti-hipertensivos, e que a redução da pressão era uma
variável independente para prevenir eventos, mas não as
propriedades farmacológicas dos medicamentos(9).
Entretanto com o advento de novos fármacos anti-hipertensivos bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, com boa eficiência e poucos efeitos
adversos, trouxe a tona discussões que colocaram em
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Betabloqueadores na hipertensão não complicada: o fim de uma era? Não
O estudo ASCOT-CAFE (Anglo-Scandinavian Cardiac
outcomes Trial- Conduit Artery Function Evaluation) se
tornou um clássico ao verificar que nos pacientes que
tinham a terapêutica baseada em amlodipina, um
bloqueador dos canais de cálcio, quando comparado com
a terapêutica baseada em atenolol, e a despeito de
praticamente a mesma redução pressórica nas artérias
periféricas, a amlodipina reduzia mais intensamente a
pressão central na aorta. Além deste efeito pressórico
central, a amlodipina também reduzia o “augmentation
índex” (onda de reflexão do pulso), e estes achados
tentam explicar os resultados do ASCOT em termos de
redução dos eventos cardiovasculares(16). Porém, este
efeito particular do atenolol não pode ser estendido a toda
a classe. O nebivolol, um novo beta-bloqueador com
propriedades vasodilatadoras, quando comparado ao
atenolol, a despeito da mesma redução pressórica, não
teve a mesma elevação do “augmentation índex” que
ocorreu com o atenolol(17).
De maneira similar às outras classes de anti-hipertensivos, os beta-bloqueadores estão sendo aperfeiçoados, acentuando-se as qualidades e diminuindo os
efeitos indesejáveis. A descoberta de novas moléculas
desta classe, tão importante em toda a esfera cardiológica, põe em relevância que o uso destes fármacos é a
perpetuação de uma boa prática terapêutica na hipertensão arterial.
Quando se analisa um medicamento e seu papel na
atualidade é importante a história do seu desenvolvimento no cenário terapêutico, e a relação custo-benefício
na sociedade em questão.
O beta-bloqueador não é inferior aos outros
medicamentos anti-hipertensivos nas faixas etárias
mais jovens, e é um medicamento barato com excelente
custo benefício. Nos pacientes com idades mais
avançadas temos que contrapor o custo, o benefício, a
adesão aos beta-bloqueadores e os medicamentos mais
recentes, lembrando sempre que o ótimo é inimigo histórico do bom, e muitas vezes o bom é o senso mais
ponderável.
“…a eficiência dos betabloqueadores era similar aos
outros anti-hipertensivos,
e que a redução da pressão
era uma variável independente
para prevenir eventos,
mas não as propriedades
farmacológicas dos
medicamentos.”
argumentos pífios. Outro aspecto importante de desvio de
conclusões foi a inclusão de estudos com populações
muito heterogêneas, principalmente em termos de idade.
Como sabemos existe uma diferença de ação dos medicamentos anti-hipertensivos nas faixas etárias extremas,
além dos mecanismos desencadeadores da hipertensão
serem distintos. No jovem é característico o estado hiperdinâmico caracterizado por débito cardíaco alto, e no idoso
encontramos a complacência arterial baixa e aumento da
resistência vascular.
A tônica dos distúrbios metabólicos e a não redução
na intensidade da mortalidade esperada em pacientes
acima de 55 anos fez com que a diretriz britânica excluísse
toda essa classe de medicamentos na sua recomendação
no tratamento inicial(14). Porém, esta conduta apresenta
um viés muito importante, pois a maioria dos betabloqueadores não apresenta este efeito colateral. Além
disso, não existe concordância na literatura se estes
pacientes com distúrbios metabólicos induzidos pelos
beta-bloqueadores apresentam aumento da morbimortalidade cardiovascular (15).
“O beta-bloqueador não é inferior aos outros medicamentos
anti-hipertensivos nas faixas etárias mais jovens,
e é um medicamento barato com excelente custo benefício.
Nos pacientes com idades mais avançadas temos que contrapor o
custo, o benefício, a adesão aos beta-bloqueadores e os
medicamentos mais recentes…”
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Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág.56-59
A redução dos níveis pressóricos tem relação linear
com a diminuição do risco cardiovascular, e é ainda o único
fator demonstrando como o principal determinante da
redução da morbimortalidade cardiovascular na hipertensão. O desafio em relação a qual grupo de medicamentos é o de eleição quando não existem co-morbidades ainda permanece. Entretanto, na presença de
doença coronária, insuficiência cardíaca ou arritmias, o
cenário se transfigura em favor dos beta-bloqueadores, e
com certeza a história do bloqueio dos receptores beta
adrenérgicos na hipertensão arterial ainda continuará
presente escrevendo novos capítulos com o vôo do tempo.
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