APLICAÇÃO DE CAMPO MAGNÉTICO NA ULTRAFILTRAÇÃO DE LISOZIMA DA CLARA DE OVO TIGGEMANN L.1, LIMA P.1, AREND G. D.1, REZZADORI K.1, OLIVEIRA J. V.1, DI LUCCIO M.1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Tecnologia, Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos E-mail para contato: [email protected] RESUMO – A ultrafiltração (UF) é um processo de membrana utilizado na concentração e fracionamento de proteínas. Uma desvantagem desse processo é a redução do fluxo de permeado devido à polarização por concentração e entupimento da membrana (“fouling”), os quais dificultam a aplicação industrial desse processo. Nesse contexto, surgem estudos por alternativas para melhorar o desempenho e a recuperação da permeabilidade após a UF. Neste trabalho foi investigado o efeito de um campo magnético na UF de soluções de lisozima. Esta é uma tecnologia de simples operação, baixo custo e mínimo impacto ambiental. As soluções de lisozima, em diferentes concentrações salinas, foram submetidas a ensaios de permeação empregando membranas novas e submetidas à indução magnética por 12 horas em campo de 1,36 T. A aplicação do campo magnético nas membranas de poliétersulfona melhorou o processo de filtração da solução de lisozima, resultando numa redução substancial do fouling e alterações pronunciadas no potencial zeta da membrana. 1. INTRODUÇÃO A ultrafiltração (UF) é uma das técnicas mais utilizadas industrialmente para fracionanamento e purificação de proteínas. Nas indústrias de produtos lácteos, as proteínas são os principais compostos responsáveis pelo entupimento de membranas, pois elas podem se depositar sobre a superfície desta, e também serem adsorvidas no interior da estrutura porosa, causando o fouling reversível e/ou irreversível (Báguena et al., 2016). A formação de incrustações na superfície da membrana causa um declínio do fluxo de permeado e diminui a vida útil da membrana (Cohen, 2005). Neste contexto, pesquisas recentes têm buscado alternativas não intrusivas para a redução de fouling aplicando tecnologias como ultrassom (Báguena et al., 2015), campos magnéticos (Zin et al., 2016; Schlüter, 2014). Segundo Zin et al. (2016) e Vedavyasan (2001) a utilização de um campo magnético é uma tecnologia promissora para o controle de incrustações, de simples operação, baixo custo e consumo de energia e que diminui a utilização de produtos químicos com procedimentos de limpeza química. O grupo do Laboratório de Processos com Membranas da UFSC vem sendo pioneiro na aplicação de campos magnéticos em solução de proteínas, visando melhorar o desempenho da ultrafiltração destas soluções. Vardanega et al. (2013) estudaram o processo de permeação da albumina de soro bovino (BSA) em membranas (polietersulfona hidrófila) aplicando campo magnético, Zin et al. (2016) aprimoraram o processo e avaliaram as características físico-químicas da solução proteica (BSA) após exposição ao campo magnético, obtendo redução significativa na incrustação em membranas e alterações pronunciadas no potencial zeta das soluções. A avaliação das características de carga de superfície de membranas é essencial para compreender a extensão da adsorção de proteínas e incrustações durante a ultrafiltração. Schlüter (2014) observou mudanças significativas no potencial zeta e no ponto isoelétrico de membranas de osmose inversa após exposição a um campo magnético. No entanto, os estudos disponíveis empregando campo magnético são mais focados em processos de dessalinização por osmose inversa e nanofiltração. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi estudar a o efeito de um campo magnético estático no potencial zeta e na recuperação da permeabilidade de membranas de ultrafiltração. A lisozima de clara de ovo foi escolhida como solução modelo pela sua ampla disponibilidade e conhecimento detalhado de suas propriedades moleculares. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Membranas Membrana de polietersulfona (Microdyn-Nadir GmbH, Alemanha) com massa molar de corte (MMC) de 30 kDa foi usada nos experimentos. As membranas foram previamente imersas em água ultrapura (Milli-Q, tipo I) por 48 h para retirada de preservantes e a cada 24 horas foi efetuada a troca desta água. Uma membrana nova foi utilizada para cada experimento. 2.2. Reagentes e Soluções A solução de alimentação consistiu em lisozima de clara de ovo (Sigma-Aldrich, massa molar de corte - 14,3 kDa e ponto isoelétrico de 10,7) a uma concentração de 0,5 g/L. O pH da solução de lisozima foi ajustado a 8,7 com uma solução de hidróxido de sódio (NaOH) 0,5 M para obtenção de soluções com potencial zeta positivo (12,4 ± 1,28). Cloreto de sódio (NaCl) (Vetec Ltda, Brasil) foi adicionado a uma concentração de 50 mM para testar a performance do processo na presença de soluções com potencial zeta negativo (-5,63 ± 0,72). Para o procedimento de limpeza foram utilizadas soluções de ácido clorídrico (HCl), hidróxido de sódio (NaOH) e solução tampão de fosfato monossódico (NaH2PO4), todos fornecidos pela Vetec. Água ultrapura (Milli-Q, tipo I) foi usada para o preparo de todas as soluções e reagentes. 2.3. Dispositivo Magnético O dispositivo magnético é constituído por ímãs permanentes, feitos com ligas do tipo Neodímio-Ferro-Boro (Nd2Fe14B), sua utilização é muito simples quando comparada a um dispositivo eletromagnético. O posicionamento de imãs permanentes de Nd2Fe14B no formato de arranjos de Halbach (Hilton e McMurry, 2012) permitiu uma densidade de fluxo magnético de 1,36 T. A intensidade do campo magnético foi medida com um transdutor de campo magnético (modelo TMAG-1T, Globalmag Ltda, Brasil). 2.4. Tratamento Magnético da Membrana As membranas utilizadas nesta avaliação foram colocadas úmidas dentro de um envelope de papel filtro (para proteção da membrana contra danos e sujidades) entre um par de ímãs e submetida a campo magnético com densidade de fluxo de 1,36 T durante 12 horas. Posteriormente a essa exposição foi realizada a determinação do potencial zeta das membranas. Nova determinação foi realizada no 24 horas após exposição para avaliar a duração do efeito magnético (memória magnética). 2.6. Procedimento Experimental As membranas de polietersulfona com e sem indução magnética (conforme descrito no item 2.5) foram submetidas aos ensaios de permeação de soluções de lisozima da clara de ovo no pH de 8,7, na presença e na ausência de NaCl (50 mM), com o intuito de incrustar a membrana. Todos os ensaios foram realizados em duplicata. A compactação prévia da membrana foi realizada com água ultrapura a uma pressão de 2 bar e vazão de 0,3 L/min durante 120 min. A permeabilidade hidráulica das membranas foi determinada após o procedimento de compactação, pelo coeficiente angular obtido no ajuste linear dos valores de fluxo de permeado versus pressão. A permeabilidade serve como parâmetro para quantificar indiretamente a incrustação causada na membrana. Os fluxos de permeado foram obtidos a uma vazão de alimentação de 0,3 L/min, quantificando-se periodicamente o permeado até obtenção de valores constantes. As filtrações da solução de lisozima tiveram uma duração de 120 min a uma pressão fixa de 2 bar, vazão de alimentação de 0,3 L/min e temperatura de 25 °C. Os ensaios foram conduzidos em modo batelada, com recirculação total do retido e do permeado, mantendo assim a concentração da alimentação constante. Para limpeza da membrana uma sequência de etapas foi adotada. A primeira etapa consistiu na limpeza física em que 5 L de água ultrapura foram rinsados a superfície da membrana, a segunda etapa consistiu na limpeza química pela passagem de soluções de ácido clorídrico (HCl a pH 4,0), hidróxido de sódio (NaOH a pH 10,0) e tampão fosfato (pH 7,0). 2.7. Recuperação da Permeabilidade O cálculo da recuperação da permeabilidade após a limpeza química (Recq) foi feito a partir da Equação 1. (1) Sendo: Perq a permeabilidade após o procedimento de limpeza química, dividida pela permeabilidade da água ultrapura da membrana nova Peri. O cálculo da recuperação da permeabilidade após a limpeza química (Recf) foi feito a partir da Equação 2. (2) Sendo: Perf a permeabilidade após o procedimento de limpeza física, dividida pela permeabilidade de água ultrapura da membrana nova Peri. 2.8. Potencial Zeta da Membrana e da Solução O potencial zeta da membrana de polietersulfona foi medido com base no fenômeno do potencial de escoamento utilizando o equipamento SurPass da AntonPaar As medidas de potencial zeta das soluções de lisozima foram determinadas por anemometria laser Doppler utilizando-se o equipamento Zeta Sizer Nano ZS3600 (Malvern Instruments Ltd., UK). 2.9. Microscopia Eletrônica de Varredura As amostras das membranas de ultrafiltração foram recobertas com uma camada ouro (20 nm) e caracterizados por microscopia eletrônica de varredura (JEOL JSM-6390LV) para possibilitar a visualização da sua superfície e assim verificar a camada incrustada na superfície da membrana. 3. RESULTADOS A presença de cargas superficiais nas membranas ultrafiltração e o efeito do campo magnético sobre estas cargas foram investigados pela determinação do potencial zeta (Figura 1). O potencial zeta é um indicativo da carga da partícula, este potencial diminui mais rapidamente à medida que a força iônica aumenta, pois, a camada elétrica dupla é comprimida em direção à superfície pela concentração dos íons presentes em solução (Schlüter, 2014). Observa-se que a membrana de poliétersulfona sem indução magnética apresenta ponto isoelétrico aproximadamente em pH 3. Em valores de pH menores que o do ponto isoelétrico, a membrana apresenta potencial zeta positivo e em valores de pH maiores que o ponto isoelétrico, apresenta potencial zeta negativo. Após a exposição da membrana de poliétersulfona a um campo magnético de 1,36 T por 12 horas, observa-se que o ponto isoelétrico desloca-se para um pH maior (aproximadamente 4,5) e que a membrana adquire cargas mais negativas (-17,8 em pH 8,7) se comparada à membrana sem indução magnética (-12 em pH 8,7). Resultados de potencial zeta da membrana após 24 horas da exposição ao campo magnético, semelhantes aos encontrados imediatamente após indução, sugerem que o efeito do campo foi persistente para a membrana estudada. Semelhante aos resultados desse estudo, Schlüter (2014) submeteu membranas de osmose inversa a campo magnético estático de 480 Gauss (0,048 T) por 40 minutos observou, após cerca de 100 horas da exposição, uma redução de apenas 1% do efeito do campo magnético. Porém, ao contrário do presente estudo, o ponto isoelétrico destas membranas induzidas magneticamente foi deslocado a valores de pH inferiores aos da membrana nova. 10,0 Potencial Zeta (ζ) 5,0 0,0 0,0 2,0 4,0 6,0 -5,0 8,0 10,0 Sem indução magnética Imediatamente após indução -10,0 -15,0 -20,0 pH Figura 1 - Potencial zeta da membrana de poliétersulfona antes e após indução magnética em função do pH da solução. A Figura 2 apresenta a média dos percentuais de recuperação das membranas, com e sem indução magnética, na UF de soluções de lisozima, após a limpeza física e química. Observa-se que ocorre uma maior porcentagem de recuperação na limpeza física, uma vez que ambas são comparáveis à permeabilidade inicial da membrana. Após os procedimentos de limpeza, a melhor recuperação da permeabilidade se deu nos ensaios em que a membrana foi submetida à indução magnética por 12 horas para filtração de soluções de lisozima com 50 mM de NaCl. Segundo Baker (2004), a carga na superfície da membrana é importante no controle dos fenômenos que reduzem o fluxo de permeado. Uma maior recuperação de permeabilidade hidráulica, 90% de recuperação após limpeza física, pode ser atribuído a uma maior repulsão eletrostática entre a lisozima carregada negativamente (ζ = -5,63) com a superfície da membrana que adquiriu cargas mais negativas (ζ = 18,8), aderindo menos à superfície da membrana. A ocorrência de uma menor aderência à superfície da membrana com indução magnética pode ser observada na Figura 3, que apresenta as micrografias (aumento de 5.000x) da superfície das membranas com e sem indução magnética, após permeação das soluções de lisozima com 50 mM de NaCl. 100 90 Recuperação da Permeabilidade (%) 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Membrana sem indução (solução sem NaCl) Membrana sem indução (solução com NaCl) Recuperação após limpeza física Membrana com indução (solução sem NaCl) Membrana com indução (solução com NaCl) Recuperação após limpeza química Figura 2 - Média da recuperação da permeabilidade das membranas, com e sem indução magnética, na UF de soluções de lisozima, após a limpeza física e química. (a) (b) (c) Figura 3 - Foto micrografia (aumento de 5.000x) da superfície das membranas: (a) membrana nova, (b) membrana sem indução magnética após filtração de solução de lisozima com 50 mM de NaCl, (c) membrana com indução magnética após filtração de solução de lisozima com 50 mM de NaCl. 4. CONCLUSÕES A aplicação do campo magnético em membrana de ultrafiltração de PES alterou o ponto isoelétrico da membrana de 3,0, para 4,5, e em pHs mais altos a superfície da membrana adquiriu cargas mais negativas o que resultou em em recuperações de permeabilidade de até 90 % após a limpeza física. A limpeza física consiste somente na passagem de água pela membrana, assim o aumento da recuperação da permeabilidade nessa etapa leva à redução de tempo e menor uso de agentes químicos para limpeza. Consequentemente, o uso do campo pode aumentar o tempo de vida útil da membrana. Dessa forma, o tratamento magnético das membranas antes da permeação de solução de lisozima se mostrou uma técnica promissora para o controle de incrustações. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro e aos laboratórios LCP, CERMAT e CEBIME por cederem suas estruturas para realização destes experimentos. 6. REFERÊNCIAS BÁGUENA, M. J C.; ÁLVAREZ, B. S.; VINCENT V., M. C.; ORTEGA, E.; HERRANZ V. P. Application of electric fields to clean ultrafiltration membranes fouled with whey model solutions. Separation and Purification Technology. 159, 92–99, 2016. BAKER, R. W. Membrane Technology and Applications. 2. ed. John Wiley & Sons Ltd, 2004. 545 p. COHEN, Y. “Morphometric characterization of calcium sulfate dihydrate (gypsum) scale on reverse osmosis membranes”. Journal of Membrane Science, Volume 252, 253-263, 2005. HILTON, J.E.; MCMURRY, S.M. An adjustable linear Halbach array. Journal of Magnetism and Magnetic Materials, 2012 SCHLÜTER, H. E. P. Utilização do Campo Magnético no Controle de Formação de Incrustações Inorgânicas em Membranas de Osmose Inversa no Tratamento de Águas com Altas Concentrações de Sais. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Química, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014. VARDANEGA, R.; TRES, M. V.; MAZUTTI, M. A.; TREICHEL, H.; OLIVEIRA, D.; DI LUCCIO, M.; OLIVEIRA, V. Effect of magnetic field on the ultrafiltration of bovine serum albumin. Bioprocess Biosyst Eng. p. 1087–1093, 2013. VEDAVYASAN, C.V. Potential use of magnetic field a perspective. Desalination Vol. 134, Issues 13, p. 105-108, ISSN 0011-9164, 2011. ZIN, G.; PENHA, F. M.; REZZADORI, K..; SILVA, F. L.; GUINZONI, K.; PETRUS, J. C. C.; OLIVEIRA, J. V.; DI LUCCIO, M. Fouling control in ultrafiltration of bovine serum albumin and milk by the use of permanent magnetic field. Journal of Food Engineering, v. 168, p. 154-159, 2016.