mama Diagnóstico precoce em câncer de mama – Como proceder e quais são as controvérsias? Divulgação Introdução Cláudia T. Salviato Mameri * Mestre em radiologia pela Unifesp; mastologista; professora e coordenadora da residência de mastologia da Universidade Federal do Espírito Santo; presidente do Departamento de Prevenção e Detecção Precoce do Câncer de Mama da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM); coordenadora do Serviço de Imaginologia Mamária do Multiscan – Vitória, ES. Contato: [email protected] 28 agosto/setembro 2011 Onco& O câncer de mama se constitui em grave problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento, apresentando altos níveis de incidência e mortalidade específica em mulheres a partir de 35 anos de idade, segundo dados estatísticos mundiais. Sabemos que uma em cada oito mulheres da população geral desenvolverá câncer de mama em alguma fase da vida e que essa doença figura entre as três maiores causas de morte não acidental de mulheres entre 35 e 70 anos de idade. Apesar de exibir taxas médias de crescimento tumoral lento, seu diagnóstico clínico se mantém tardio no Brasil, devido à falta de programas de rastreamento populacional. As consequências, além da alta mortalidade, são alto custo no tratamento e alta morbidade física e psicológica das pacientes. O câncer de mama é mais incidente em mulheres com história familiar de 1o grau, em nulíparas, nas sedentárias, nas obesas e também nas etilistas. Entretanto, não apresentar nenhum dos fatores de risco listados acima não representa segurança, já que o maior e principal fator de risco é ser do sexo feminino. Protocolo de rastreamento na população geral A literatura nos mostra que o autoexame não serve como técnica de rastreamento do câncer de mama, já que os estudos não evidenciaram mudança na taxa de mortalidade específica em grupos de mulheres submetidas a esse método isoladamente. Há cerca de 30 anos, o exame de mamografia, realizado periodicamente em alguns trials em intervalos de um a dois anos, vem demonstrando redução na mortalidade específica por câncer de mama, com índices que variam de 30% a 60% (Ver- beek, 1985; Roberts, 1990; Miller, 1992; Otto, 2003). Esse método tem a capacidade de detectar lesões mínimas, a partir de 3 mm. Quanto mais precoce a detecção da lesão maligna mamária, menores são os riscos de metástase axilar e/ou de metástase à distância, aumentando a possibilidade de cura e de tratamento cirúrgico conservador. A recomendação atual da Sociedade Americana de Câncer (ACS, na sigla em inglês), do Colégio Americano de Radiologia (ACR, na sigla em inglês) e da Sociedade de Imaginologia Mamária (SBI, na sigla em inglês) preconiza realização de mamografia anual para mulheres a partir de 40 anos de idade. Vale observar que essas são as recomendações para a população geral, ou seja, sem risco elevado. Apesar dos números indicarem incidência semelhante dos 40 aos 50 anos (Kerlikowke, 1993; Evans, 2006; Hendrick, 1997; Moss, 2006) e dos 50 aos 60 anos, alguns grupos ainda tentam difundir o conceito de que o rastreamento deve ser iniciado aos 50 anos de idade (Shapiro, 1994; Sox, 1995). Outra discussão se refere ao intervalo entre os exames: anual ou bianual. Essa divergência se mantém, a despeito dos achados contundentes de maior índice de detecção precoce e menor taxa de carcinoma de intervalo com o rastreamento anual. Em 2009, a U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF), força-tarefa independente constituída por profissionais médicos e paramédicos nos EUA, publicou recomendação, que vigora até hoje, para a realização de rastreamento bianual de mulheres entre 50 e 74 anos de idade, “calculando” manter 81% do benefício do rastreamento anual a partir de 40 anos e obter sensível redução nos “danos” (alto custo, estresse e morbidade referentes às biópsias dos achados falso-positivos). Para as pacientes entre 40 e 49 anos, o rastreamento deveria considerar seu risco pessoal. Respondendo às recomendações da USPSTF, cientistas representando as entidades ACS, ACR e SBI publicaram manisfesto contrário, considerando que: 1) A literatura não dá sustentação ao estabelecimento do ponto de corte em 50 anos (Kopans, 1996); 2) Não há evidência de redução na mortalidade ao se rastrear pacientes por risco individual; 3) Ao se rastrear somente alto risco para mulheres entre 40 e 49 anos, perde-se a maioria dos cânceres de mama, já que entre 80% e 90% das pacientes com diagnóstico da doença não apresentam fatores de alto risco; 4) Quanto à idade para interromper o rastreamento, não há estudos incluindo mulheres com mais de 74 anos. Sabe-se, porém, que a sensibilidade e a especificidade são maiores nessa idade (Kopans, 1996), o que motivou o consenso internacional a estender o rastreamento até a expectativa de vida de 5 a 7 anos, desde que as possíveis comorbidades não impeçam e o tratamento de possível lesão seja viável. Sensibilidade da mamografia A eficiência do rastreamento mamográfico está diretamente relacionada ao grau de densidade mamária – refere-se ao percentual de componente fibroglandular em relação ao componente adiposo. Sabe-se que a sensibilidade da mamografia é progressivamente menor quanto maior o grau de densidade mamária. Esse fato fica ainda mais relevante se considerarmos que os estudos apontam para a alta densidade mamária como um fator de risco independente para câncer de mama, ou seja, quanto mais densa a mama, maior o risco (Wolfe, 1976; Lehman, 2002). Esses dados vêm motivando a pesquisa científica a buscar maior eficiência no rastreamento de mamas densas. Nessa linha, temos tido alguns progressos: 1) Em 2006 foi publicado o DMIST, trial que envolveu 49 mil mulheres dos EUA e do Canadá, comparando a mamografia analógica com a mamografia digital. A tecnologia digital teve maior sensibilidade em pacientes com menos de 50 anos, nas mamas densas e nas mulheres na pré e perimenopausa; 2) Em 2008, o ACR publicou o ACRIN 6666, que avaliou 2.809 mulheres de alto e moderado risco (mamas densas, biópsia prévia com atipia e história pessoal ou familiar de câncer de mama). Nos 12 meses iniciais de rastreamento, 40 mulheres apresentaram câncer de mama. A mamografia isolada demonstrou 20 dos 40 cânceres (50% de sensibilidade), enquanto a associação da mamografia com ultrassonografia aumentou a taxa de detecção para 78%. Rastreamento no alto risco Não há estudos randomizados que demonstrem redução na mortalidade com rastreamento mamográfico de pacientes de alto risco. As recomendações de conduta são baseadas em consenso internacional: 1) Pacientes com quadrantectomia prévia: realizar mamografia anual, independentemente da idade (5%-10% risco em dez anos); 2) História prévia de carcinoma de ovário: realizar mamografia anual, independentemente da idade (risco relativo de câncer de mama: 3-4); 3) Irradiação prévia do mediastino: realizar mamografia anual, iniciando oito anos após o término da radioterapia; 4) Biópsia prévia com atipia: realizar mamografia anual, independentemente da idade; 5) Mutação de BRCA 1 e/ou 2: 85% de risco durante a vida (ocorre mais precocemente nas pacientes com mutação do BRCA 1). O consenso é iniciar mamografia entre 25 e 30 anos. Ressonância magnética no rastreamento do câncer de mama Vários pesquisadores vêm demonstrando a superioridade da ressonância magnética para rastreamento de pacientes de alto risco (Kriege, 2004; Warner, 2004; Leach, 2005; Kuhl, 2005 e 2010; Lehman, 2005; Sardanelli, 2007). Esses dados deram sustentação às recomendações do National Comprehensive Cancer Network guidelines (NCCN) desde 2009, que preconizam a associação da ressonância magnética com a mamografia para as seguintes situações: • Mutação de BRCA 1 e/ou 2; • Parente de 1o grau com mutação de BRCA 1 e/ou 2; • Alto risco em modelos de cálculo de risco (GAIL é o modelo mais utilizado); • Radioterapia torácica entre 10 e 30 anos: por exemplo, doença de Hodgkin; • Portadora ou parente de 1o grau com mutação em TP53 ou PTEN genes (síndrome Li-Fraumeni e síndromes de Cowden e BannayanRiley-Ruvalcaba); • Rastreamento de lesões adicionais homolaterais e/ou de lesão contralateral sincrônica em pacientes com diagnóstico recente de câncer de mama. Nesse grupo especial, a ressonância tem demonstrado grande influência no planejamento terapêutico adequado, como demonstraram alguns estudos (Mameri, 2008; Liberman, 2003; Lee, 2003; Berg, 2004). EVA TRIAL Estudo Multicêntrico Prospectivo para Estabelecer Recomendações no Rastreamento de Mulheres com Risco Familiar Elevado para Câncer de Mama, publicado em 2010 no Journal of Clinical Oncology. Esse estudo, envolvendo 687 mulheres, visou avaliar mamografia, ultrassonografia e ressonância magnética mamária, isoladas ou em diferentes combinações, para rastreamento de pacientes com alto risco para câncer de mama. A conclusão foi de que a mamografia isolada teve sensibilidade muito baixa para detectar as lesões malignas (33%); mamografia e USG associadas tiveram 48% de sensibilidade; enquanto a ressonância magnética isolada demonstrou 92% de sensibilidade. A associação da mamografia com a ressonância resultou em 100% de sensibilidade na detecção dos cânceres das pacientes de alto risco. Onco& agosto/setembro 2011 29 Quando usar a ultrassonografia associada à mamografia • Quando o único fator de risco forem mamas densas; • Nas pacientes de alto risco indicadas para ressonância magnética e que, por alguma razão, não podem realizá-la. Cálculo de risco para câncer de mama É importante que os médicos envolvidos na saúde feminina saibam atuar na prevenção do câncer de mama, incluindo prevenção primária (prevenir o aparecimento da doença) e prevenção secundária (reduzir a mortalidade pela doença). Na prevenção primária, devemos conscientizar nossas pacientes a evitar os fatores de risco passíveis de controle, como manter-se magra, reduzir ingesta de gordura, praticar exercícios aeróbicos regularmente, evitar bebidas alcoólicas e outros. É claro que fica mais difícil planejar quantos filhos ter ou qual a idade para engravidar pela primeira vez, mas é nosso papel informá-las da influência que esses fatores exercem no risco futuro para câncer de mama. A prevenção secundária constitui-se basicamente na detecção precoce da doença, o que só é possível utilizando o protocolo adequado de rastreamento conforme o grau de risco. Ao realizar a anamnese, o médico identifica os fatores de risco e deve utilizá-los para calcular o risco da paciente e orientar seu rastreamento. Os modelos de cálculo de risco levam em consideração: raça, idade da menarca, primiparidade, número de biópsias, atipia prévia, número de parentes de 1o grau doentes, idade do diagnóstico em parente de 1o grau, história paterna, parentes de 2o grau etc. Após esse cálculo, a paciente será enquadrada como risco geral ou risco aumentado, o que determinará seu protocolo de rastreamento do câncer de mama. Casos clínicos Caso 1: Paciente com 41 anos de idade cuja mãe teve câncer de mama aos 45 anos. No rastreamento anual somente a RM detectou a lesão maligna na mama direita 1 2 3 Figura 1 Mamografia mostrando alta densidade mamária, sem evidência de achados suspeitos Figura 2 Ressonância magnética, MIP vista superior da fase precoce do estudo dinâmico, evidenciando realces agrupados no quadrante inferolateral da mama direita Figura 3 Ressonância magnética, MIP vista lateral da fase precoce do estudo dinâmico, evidenciando realces agrupados no quadrante inferolateral da mama direita 30 agosto/setembro 2011 Onco& Caso 2: Paciente com 32 anos cuja mãe teve câncer de mama aos 35 anos com evolução fatal. Exame físico normal, mamografia negativa e RM mostrou lesão extensa na mama direita. 4 1 2 Figura 1 Mamografia com alta densidade mamária 3 Figura 2 Ressonância magnética, MIP vista superior da fase precoce do estudo dinâmico, evidenciando realce suspeito extenso na união dos quadrantes laterais da mama direita, com distribuição segmentar Figura 3 Ressonância magnética, MIP vista lateral da fase precoce do estudo dinâmico, evidenciando realce suspeito extenso na união dos quadrantes laterais da mama direita, com distribuição segmentar Figura 4 Observem que a magnificação mamográfica tangencial orientada pela ressonância também não evidencia a lesão visualizada na RM 32 agosto/setembro 2011 Onco& Caso 3: Paciente com 39 anos, com diagnóstico recente de câncer de mama, através de core biópsia de lesão única detectada por USG, medindo 9,5 mm. Figura 1 Mamografia mostrando mamas acentuadamente densas, sem achados suspeitos Figura 2 USG demonstrando lesão sólida altamente suspeita no QSL da mama direita, medindo 9,5 mm Figura 3 Ressonância magnética pré-operatória, MIP vista superior da fase precoce do estudo dinâmico, evidenciando realce extenso na região central da mama direita, medindo 4,6 cm (a lesão era muito maior do que o tamanho demonstrado pela USG), e uma outra lesão na região central da mama esquerda, medindo 1,3 cm, não detectada pelos métodos convencionais (mamografia e USG) 1 Para saber 1. NCCN® National Comprehensive Cancer Network®. Practice Guidelines in Oncology – 2011. 2. Pisano ED, Gatsonis C, Hendrick E, et al. Diagnostic performance of digital versus film mammography for breast-cancer screening. Digital Mammographic Imaging Screening Trial (DMIST) Investigators Group. N Engl J Med. 2005 Oct 27;353 (17):1773-83. Epub 2005 Sep 16. 3. Berg WA, Blume JD, Cormack JB, et al. Combined screening with ultrasound and mammography vs mammography alone in women at elevated risk of breast cancer. 2 4. ACRIN 6666 Investigators. JAMA. 2008 May 14;299(18):2151-63. 5. Mameri CS, Kemp C, Goldman SM, et al. Impact of breast MRI on surgical treatment, axillary approach, and systemic therapy for breast cancer. Breast J. 2008 May-Jun; 14(3):236-44. 3 6. Kuhl C, Weigel S, Schrading S, et al. Prospective multicenter cohort study to refine management recommendations for women at elevated familial risk of breast cancer: the EVA trial. J Clin Oncol. 2010 Mar 20;28(9):1450-7. Epub 2010 Feb 22. Onco& agosto/setembro 2011 33