5 Jornal da Janeiro/Fevereiro•2007 UFRJ Nacional Conhecimento e acumulação capitalista Giuseppe Cocco, professor titular da ESS/UFRJ, coordenador do Laboratório Território e Comunicação (Labtec), já organizou, com Alexander Patez Galvão, da Universidade Estácio de Sá, e Gerardo Silva, geógrafo e pesquisador do Labtec,o livro Capitalismo cognitivo: trabalho, redes e inovação, (DP&A Editora, 2003), além de publicar outros sobre o tema. Em pequena entrevista concedida ao Jornal da UFRJ, Cocco aponta que “a esquerda não deve renunciar a ser revolucionária”, adequando-se, porém, às novas configurações e aos desafios do mundo pós-industrial. Jornal da UFRJ: “Era do conhecimento” e “capitalismo cognitivo” são conceitos idênticos ou há diferença entre eles? Giuseppe Cocco: Esses conceitos funcionam para provocar o debate, ou seja, fazer com que não se continue a pensar as dinâmicas econômicas e sociais como se o modo de produção não tivesse sido objeto de uma mudança fundamental. Os dois conceitos são úteis na medida que estabelecem referências com o fato de que entramos numa época em que o saber desempenha um papel fundamental. No caso do capitalismo cognitivo, busca-se abrir uma reflexão sobre as novas relações entre conhecimento e acumulação capitalista. Cada vez mais, as finanças e a própria contabilidade falam da desmaterialização dos ativos e do papel dos “intangíveis”. É uma tendência forte que é visível desde o início da década de 1980. O Rapport de la Commission sur l’économie de l’immatériel, elaborado por uma comissão coordenada por Maurice Lévy e Jean-Pierre Joyte para o Ministério da Economia, Finanças e Indústria da França e publicado no final do ano passado, avalia o peso da economia do imaterial como algo em torno de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele país e cerca de 15% do seu emprego. Mas, o relatório enfatiza: “para além desses setores, é todo o valor agregado pela economia (...) que se desmaterializa cada vez mais. Em todas as empresas, qualquer que sejam seus produtos ou serviços, a criação de valor se funda cada vez mais sobre os ativos imateriais”. Em termos de finanças, os dados são impressionantes. Ao passo que muita gente cai na “trampa” da crítica ao capital “fictício” (como se a produção de CocaCola respondesse a necessidades objetivas e fisiológicas). Jornal da UFRJ: Quais são os principais impactos dessa nova forma de produção sobre os trabalhadores? Giuseppe Cocco: Se falarmos dos trabalhadores assalariados, podemos facilmente dizer que as novas formas de produção se traduzem por uma crescente “precarização” da própria relação de emprego e das capacidades de organização tradicional, de tipo sindical. A fenomenologia sociológica desses “impactos” constitui evidentemente a explicação mais direta do fato da postura “crítica” – muito forte na esquerda acadêmica brasileira – apreender essas transformações como sendo o fruto de um “plano” capitalista – neoliberal – de desmonte dos direitos trabalhistas e, juntamente ao desmonte do Estado, de desmanche do sistema de proteção social. A meu ver, se trata de uma postura inadequada. Essa inadequação não é apenas teórica (a incapacidade de apreender as mudanças materiais do capitalismo), mas política: ela é incapaz de abrir a tesoura, cujos gumes são compostos pelas próprias políticas neoliberais e pela resistência dos setores tecnocráticos e corporativos. Os impasses do crescimento no Brasil, entre monetarismo e desenvolvimentismo, não são estranhos a essas armadilhas. A inadequação está no fato de focar toda a análise na reorganização do poder, perdendo de vista a dinâmica das lutas que obrigaram (e obrigam) o capital a se reorganizar. Se voltarmos às lutas, por exemplo, aos grandes ciclos de lutas pós-68, descobrimos que a recusa do trabalho assalariado, como vivência e como horizonte, não tinham nada de neoliberal. Pelo contrário, se tratavam de práticas libertárias. Jornal da UFRJ: O senhor poderia exemplificar uma contradição do capitalismo cognitivo? Gius epp e C o cco: No capitalismo cognitivo, o controle – a subordinação – do trabalho (estou falando do trabalho, não do emprego assalariado) passa por um duplo mecanismo: por um lado, um mecanismo de desproteger o trabalho; por outro, visa-se a proteger a obra. As políticas neoliberais visam desmontar o sistema de proteção do trabalho, alegando os déficits da Previdência. Mas, ao mesmo tempo, o Estado e as polícias neoliberais querem manter e reforçar a proteção do trabalho enquanto obra: pela legislação da propriedade intelectual, marcas, patentes etc. O que é que legitima socialmente (e discursivamente) essa bipolaridade esquizofrênica que afirma a necessidade de proteger a obra (a criatura) e desproteger o trabalho (o criador)? “As políticas neoliberais visam desmontar o sistema de proteção do trabalho.” Jornal da UFRJ: Como deveria atuar a esquerda diante desse fenômeno mundial? Giuseppe Cocco: A esquerda não deve renunciar a ser revolucionária. Ou seja, deve se adequar às novas contradições materiais: em face da nova tecnologia de poder (desproteção do trabalho e proteção da obra), abre-se um terreno concreto de crítica que permite lutar por uma proteção (o sistema previdenciário) como mecanismo amplificador do trabalho compartilhado e colaborativo – a previdência deve ser pensada como novo comum de um trabalho que pode, enfim, afirmar sua liberdade, para além do emprego. Jornal da UFRJ: Que tipo de desenvolvimento um país como o Brasil deve buscar? A distribuição de riquezas como urgente necessidade poderá atingir os seus reais objetivos ou será apenas um pequeno naco num bolo de fortuna cada vez mais concentrado? Giuseppe Cocco: Eu creio que o Brasil enfrenta o desafio de juntar agendas diferentes. Mas não há nenhum determinismo dos estágios de desenvolvimento a respeitar. As urgências das dívidas sociais herdadas (educação, saúde, habitação etc) devem ser enxergadas e qualificadas em uma nova perspectiva: não se trata apenas de reduzir a desigualdade porque é mais “justo”, mas também porque é mais produtivo.