Otávio Bagatini XLIII Resumo de Imunologia Prof. Mariléia Chaves Andrade Introdução à Imunologia Certezas que embasam a imunologia: - Sistema imune como um sistema de defesa; - Reconhecimento específico de materiais estranhos; - Memória imunológica: vacinas. A imunologia surge associada à medicina, sem relação com a biologia. Descobertas de uma Bacteriologia emergente conferiam à "arte" médica instrumentos para a cura e prevenção de doenças (vacinas); Antiguidade: - Medicina Hipocrática (460 a.c) – apoia-se na cosmologia – natureza e cosmos perfeitos – não havia intervenção médica; Renascimento (Séc. XVI a XVIII): - A Revolução Científica, a vacinação anti-varíola, o nascimento da clínica e a emergência da indústria química transformaram a medicina; Período fundador da Imunologia: - Favorecedores da teoria dos germes de Pasteur: 1546 - Girolamo Fracastoro publica um livro sobre o contágio da varíola; 1733 - Voltaire (in Cartas) – 60% pop. Infectada (20% morriam e 80% ficavam com sequelas). Nessa época então começaram medidas profiláticas – aspiração de pó seco de crostas de varíola no séc. XV – costume chinês que consistia na inoculação de material retirado das pústulas de um enfermo na pele de um indivíduo são. Este adquiria a enfermidade em forma mais branda do que através do contágio natural. Contudo, apesar de sua relativa benignidade, a doença se manifestava com todo o seu cortejo sintomático, deixando, por vezes, cicatrizes no rosto e no corpo das pessoas inoculadas; 1750 - Lady Montagu de Constantinopla – Variolização se estende aos países do ocidente graças a ela; 1798 Edward Jenner- comprova a crença popular do poder profilático da variolização Uma mulher, de nome Sara Nelmes, havia adquirido a varíola bovina ordenhando vacas doentes. Jenner inoculou a linfa retirada de uma vesícula da mão direita de Sara Nelmes na pele do braço de um menino de 8 anos, de nome Jacobo Phipps. A criança desenvolveu a conhecida reação eritêmato-pustulosa no local da escarificação e escassos sintomas gerais. Decorridas 6 semanas Jenner inoculou o pus da varíola humana na criança, com resultado negativo. Estava descoberta a vacina. - 1870 – Teoria dos Germes de Pasteur - a maioria das doenças infecciosas são causadas por germes; - Inicia-se então o período fundador da imunologia: 1890 - von Behring e Kitasato – Imunidade antitoxina diftérica – substância neutralizante específica – anticorpos; 1901 - 1o. Prêmio Nobel – von Behring – Soroterapia; Paul Erlich – anticorpos contra outras toxinas que não são necessariamente de origem bacteriana; Teoria Humoral X Teoria Celular von Behring (1890 – 1901) Metchinikoff Paul Erlich (1880 – 1904) Elie Metchinikoff dizia que a finalidade da inflamação era trazer as células fagocitárias para a área invadida para que pudessem tragar as bactérias invasoras contradizendo a teoria prevalente na época (teoria humoral, de Paul Ehrlich) que dizia que a finalidade Otávio Bagatini XLIII da inflamação era trazer os mediadores do soro até a região, e estes reagiriam com o antígeno estrangeiro; 1908 - Prêmio Nobel para Metchinikoff e Erlich – ambas as teorias estavam certas – descoberta do anticorpo; Apenas 10 anos após a descoberta de que o corpo tem a capacidade de defesa, que foram descobertos os anticorpos (como essa defesa ocorre); A imunologia possibilita então o estudo de: - Mecanismos de patogenicidade; - Desenvolvimento de vacinas; - Tratamento de alergias (resposta imunológica a agentes inócuos); - Autoimunidade (resposta imunológica contra si mesmo); - Imunodeficiência (defeitos da resposta imunológica); - Resposta imunológica a transplantes; Tudo isso permite a manipulação desse sistema (imune) para tratar doenças (imunossupressão e imunorregulação); A atividade imunológica é toda integrada. Quanto mais contato, maior é o amadurecimento do sistema. Isso ocorre preferencialmente na juventude, pois com o envelhecimento o sistema vai perdendo a eficácia e “enrijecendo” suas interações, ou seja, elas vão ficando mais fixas/estáveis. Portanto, imunizar uma pessoa mais velha é bem mais difícil do que imunizar uma pessoa mais jovem; A nossa imunidade se divide em imunidade inata e imunidade adquirida: - Imunidade inata: respostas rápidas a uma extensa gama de micróbios. Temos as defesas externas (pele, membranas mucosas e secreções) e internas (células fagocitárias, proteínas antimicrobianas, resposta inflamatória e células NK); - Imunidade adquirida: respostas lentas a micróbios específicos. Nesse caso temos as repostas humorais (anticorpos) e resposta celular mediada – imunidade celular (linfócitos citotóxicos); Células do sistema imune: - Todas as células do sistema imune surgem a partir da medula óssea após o nascimento. No embrião, esse órgão é o fígado; - O sistema de produção ocorre em “ilhas” no interior da medula óssea, com linhas de diferenciação linfoide e mieloide; - Cada célula possui diversos subtipos, e sua classificação ocorre principalmente pela sua morfologia. Além disso, sua atividade e seu fenótipo também são utilizados para diferenciação; Otávio Bagatini XLIII - As células são distribuídas no sangue e na linfa (onde ficam circulantes nesses humores), no parênquima dos órgãos linfoides e esparsas em tecidos; - Muita da atividade das células é mediada por receptores de membrana (marcadores celulares). Estas células expressam em sua membrana agrupamentos de diferenciação (CD), que são moléculas proteicas que se projetam de sua superfície conferindo características diferentes a cada uma delas. Ex.: LTCD4, LTCD8, etc. São utilizadas para identificar populações celulares, estados de ativação, de diferenciação, de maturação, etc.; - Linfócitos: Desenvolvem-se na medula óssea, são sensíveis à radiação γ e podem estar em repouso (naive) ou ativados; São as únicas células com receptores específicos para antígenos (chaves da imunidade adaptável); Morfologicamente semelhantes, são heterogêneos em: Linhagem, funcionamento, fenótipo e capacidade de respostas e atividades biológicas complexas; Linfócitos T Subdividido em duas populações funcionalmente distintas: Linfócitos T Helper (Th) e Linfócitos T Citolíticos ou Citotóxicos. Não reconhecem o antígeno na sua forma nativa, mas sim em peptídeos complexados com moléculas de MHC, através de receptores estruturalmente diferentes dos anticorpos, mas relacionados; Como populações funcionalmente distintas expressam diferentes proteínas de membrana, os linfócitos T Helper expressam a molécula CD4, enquanto os linfócitos T Citolíticos expressam a molécula CD8; Linfócitos B São as únicas células capazes de produzir anticorpos (Imunidade humoral). Expressão de anticorpos de superfície, que são receptores capazes de reconhecer antígenos solúveis e antígenos na superfície de micróbios e outras células. Ocorre então ativação celular e resposta imune humoral; Linfócitos NK Mediadores de imunidade inata; não expressam receptores de antígeno como as células B ou células T; são importantes contra vírus e tumores; - Sistema Mononuclear Fagocitário: Segunda maior população de células do sistema imune, são primordialmente células fagocíticas; Originam-se e desenvolvem-se na medula óssea; São os monócitos (sangue) e macrófagos (tecidos) – células epitelióides, células gigantes, células Kupffer, micróglias, células dendríticas, macrófagos alveolares, etc. - Leucócitos Polimorfonucleares ou granulócitos: Possuem inúmeros grânulos no citoplasma e núcleo irregular. Podem ser: Neutrófilos menor que o macrófago, não está presente em tecidos saudáveis. São responsáveis pela fagocitose e apresentam núcleo multilobulado; Eosinófilos defesa contra parasitas e vermes e possuem núcleo bilobado/reniforme; Basófilos núcleo em forma de ferradura e citoplasma repleto de grânulos basofílicos, importantes no mecanismo das alergias; Mastócitos importantes também no mecanismo das alergias (armazenam principalmente histamina e heparina). Apresenta célula globosa e núcleo pequeno e esférico. Órgãos Linfóides – Estrutura e Organização Os órgãos linfoides compreendem o timo, medula óssea, baço, linfonodos, adenoides, tonsilas, intestino e fígado (local de alta taxa de apoptose de linfócitos senescentes), e são considerados tecidos organizados onde as células linfoides interagem com células não linfoides; Otávio Bagatini XLIII São classificados como primários (produtores de células do Sistema Imune – timo e medula óssea) e secundários (órgãos que têm ativação do Sistema Imune – restante dos órgãos); Temos um rico Sistema Imune associado a locais de contato do organismo com o meio externo. Nesse caso, principalmente nas mucosas oral, respiratória, intestinal e geniturinária; A qualidade do Sistema Imune está muito mais relacionada à eficácia das interações do que ao número de células; Timo: - Localizado no mediastino superior, é um órgão bilobado, sendo que cada lobo é dividido em vários lóbulos. Possui uma região cortical (mais externa) e uma medular (mais interna); - Responsável pela proliferação e diferenciação de células precursoras em linfócitos T; - Cresce até a puberdade e involui gradativamente com a idade; - A ontogenia de linfócitos ocorre principalmente durante a vida fetal; - Mais de 90% das células geradas nesse órgão sofrem apoptose; - Os timócitos, produzidos na medula óssea, são liberados na corrente sanguínea e penetram no tecido do timo, permanecendo no córtex. Essa penetração ocorre, pois essas células já saem da medula com alguns marcadores – moléculas de adesão vascular expressas na membrana e que permitem adesão ao vaso – que possuem ligantes específicos que só se ligam a proteínas presentes na microcirculação do timo; - Além dos timócitos (maioria), temos no córtex também os macrófagos, células dendríticas e células epiteliais corticais; - Durante a passagem da região cortical para a região medular os timócitos amadurecem em linfócitos T, e são, então, liberados para a corrente sanguínea. Nem todos os timócitos que entram no córtex do timo amadurecem, pois muitos sofrem apoptose (processo de seleção do timo através de interações). Apenas 2% saem como linfócitos T maduros; - Além dos linfócitos T maduros, temos na medula do timo também as células dendríticas e células epiteliais medulares; Medula Óssea: - Não apresenta drenagem linfática; - Presença de microrregiões ou ilhotas com predominância de determinadas populações celulares; - Não existe delimitação das áreas de produção de linfócitos nem de monócitos; - Após diferenciação, as células penetram nos seios vasculares e caem na circulação sanguínea e são distribuídas aos diversos órgãos; Linfonodos: - Também chamados de gânglios ou nódulos linfáticos, os linfonodos estão distribuídos ao longo dos vasos linfáticos que drenam as diversas regiões do organismo; - Linfa: líquido reabsorvido nos tecidos conjuntivos (cerca de 3 a 4 litros diários); Porção líquida: varia em composição dependendo do sítio drenado; transporte de macromoléculas e células; Têm composição semelhante ao sangue, com restos celulares e várias substâncias, além de glóbulos brancos (linfócitos); - Capilares linfáticos iniciais (nos tecidos): apresentam forma de um dedo de luva, sendo revestidos por uma membrana basal e uma camada de células endoteliais descontínua; Otávio Bagatini XLIII - Apresenta uma região central altamente vascularizada, o que facilita a entrada/saída de células do órgão. Tudo o que está na linfa entra em contato com as células do órgão: macrófagos, linfócitos T/B, etc.; - O sistema linfático é paralelo ao sistema circulatório e recolhe o líquido tissular que não retornou pelo sistema venoso, é constituído por linfa, vasos linfáticos e órgãos linfáticos; Otávio Bagatini XLIII - Os principais linfonodos (palpáveis) são os cervicais, axilares e inguinais; - Circulação de linfócitos no organismo: Baço: - Localizado na região abdominal esquerda superior, situado atrás do estômago; - Importante no controle das infecções sistêmicas; - Formado pela polpa branca e polpa vermelha: Polpa vermelha arteríolas e vênulas; rede de capilares sinusóides; entre os capilares há uma grande quantidade de monócitos e células dendríticas, além de neutrófilos, eritrócitos, linfócitos e plasmócitos; Polpa branca tecido linfóide formado por nódulos (grande quantidade de linfócitos, principalmente linfócitos B), ou envolvendo as arteríolas formando uma bainha periarteriolar (grande quantidade de linfócitos, principalmente linfócitos T); Otávio Bagatini XLIII Migração de Leucócitos para Tecidos Inflamados Migração Celular: - Ocorre na vênula pós-capilar devido a algumas características próprias, como pressão do fluxo sanguíneo reduzida, menor calibre (células mais próximas da extremidade da vênula) e por possuir um endotélio alto (células com forma mais prismática): - Essas células (HEV) são encontradas fisiologicamente nos órgãos linfoides. Nas inflamações, os mediadores estimulam essa alteração no endotélio, permitindo assim a migração em outros órgãos/tecidos que não os linfáticos; - As células que sofrem migração são os leucócitos (Sistema Imune) que podem estar em repouso (naive) ou ativados; - As células do endotélio (HEV) passam a expressar receptores (moléculas de adesão) em sua superfície, o que permite a migração: - Esse processo é específico para cada tipo celular, através da produção de fatores quimioatraentes para cada célula; - As ligações das integrinas são mais fortes por serem glipoproteínas ligadas a proteínas. As selectinas são mais fracas/instáveis por serem glicoproteínas ligadas a carboidratos; - Na interação entre as integrinas da célula e as integrinas do endotélio são eliminadas enzimas que auxiliam no rompimento de interações entre duas células do endotélio, o que permite a passagem do leucócito por entre essas células. Enquanto ele passa, o próprio leucócito realiza interações entre essas células endoteliais através das integrinas e CD31 (moléculas de adesão); - Já existem alguns estudos que mostram leucócitos realizando a diapedese pelo meio de células endoteliais, e não entre elas; Moléculas de adesão: - Selectinas: L – Selectin (leucócitos), P – Selectin (plaquetas) e E – Selectin (endotélio); - Integrinas: α4β1, α4β7, α6β1, αLβ2, αMβ2, αXβ2; Otávio Bagatini XLIII - A expressão das selectinas é mais precoce e a das integrinas é mais tardia, e ambas ocorrem no endotélio e nos leucócitos. Portanto, o estímulo deve durar por um tempo maior para as integrinas serem expressas. Um desses estímulos é o próprio contato do leucócito com o endotélio; - A expressão das selectinas diminui numa fase seguinte de ativação celular, por clivagem destas moléculas, e a das integrinas aumenta com a ativação celular; - Além das selectinas e integrinas existe também a superfamília das Igs (Ex.: CD31 – localizado nas junções intercelulares das células endoteliais, também são expressas em plaquetas e leucócitos. Sua expressão aumenta com a ativação celular) que são proteínas expressas nas células endoteliais. Em alguns casos são expressas mesmo em repouso, noutros, só são expressas significamente com a ativação celular; - Envolvimento das moléculas de adesão em cada etapa da migração celular: Migração Rolamento Adesão Diapedese Quimiocinas Selectinas Integrinas Integrinas Quimiocinas Superfamília Igs (CD31) Integrinas Superfamília Igs (CD31) Quimiotaxia: - A quimiotaxia é o recrutamento de células através de fatores/substâncias químicas que atuam como mediadores e podem ser: Quimiocinas: IL-8, RANTES, MCP-1, etc.; Citocinas: IL-1, TNF, IL-4, IL-5, etc.; Fatores de complemento: C3a, C5a, etc.; Outros mediadores: PAF, etc.; - As quimiocinas são pequenas proteínas quimiotáticas produzidas pelas células estimuladas pela agressão (inflamatórias) e que atraem os leucócitos para a região. Estes sofrem então diapedese (passagem para o tecido inflamado); - Essas quimiocinas também são divididas em famílias: CXC, CC, C, ...; - Cada uma dessas quimiocinas agem em células específicas via receptores. Esses receptores são serpentinóides (atravessam 7x a membrana celular) e são expressos nas superfícies dos leucócitos: - Os quimiotáticos liberados são produzidos de acordo com as características da lesão e do tecido atingido, e formam um gradiente de concentração, importante para direcionar os leucócitos até a região de inflamação; - As quimiocinas fazem parte de uma grande família de citocinas; - Os outros mediadores possuem essas mesmas características de ação; Fatores de crescimento: - Fatores de crescimento nada mais são do que mediadores que estimulam a diferenciação e produção de células; Otávio Bagatini XLIII - Cada célula possui um fator de crescimento que estimula mais ou menos a sua diferenciação/produção; Ex.: Eosinófilos IL-5. Em um processo inflamatório ocasionado por algum parasita/verme, por exemplo, ocorre liberação intensa de IL-5 e eutaxina. O primeiro estimula um aumento na produção de eosinófilos na medula óssea e o segundo a atração/quimiotaxia dos mesmos até a região agredida;