caso-clinico-1 - WordPress.com

Propaganda
1
CASO CLÍNICO 1
ABERTURA
M.S.G. 33 anos, feminina, negra, solteira, natura e procedente de São Paulo,
recepcionista em unidade de saúde, procura atendimento relatando que, há mais
de um mês vem apresentando tosse produtiva, febre vespertina, sudorese
noturna e emagrecimento. Relata que há cerca de dois meses desenvolveu
quadro de “pneumonia” (Figura 1), sendo tratada com amoxicilina por 10 dias,
com alguma melhora do quadro. Não realizou controle clínico ou radiológico.
Relata viroses comuns na infância e amidalectomia aos 3 anos de idade. Nega
asma ou pneumonias prévias. Relata que uma tia, com quem mantinha contato
nos fins de semana, faleceu de doença pulmonar infecciosa há dois anos, não
sabendo informar qual. Nega tabagismo e etilismo.
Ao exame físico:
Lúcida, orientada, cooperativa ao exame, hipocorada (+/++++), acianótica,
anictérica. PA: 120/70 mmHg; FC: 96 bpm; FR: 30 irpm; T: 36,8ºC.
Dentes em razoável estado de conservação, ausência de lesão oral e cadeias
linfonodais não palpáveis.
Tórax com expansibilidade e elasticidade preservadas, atimpânico à percussão.
Murmúrio vesicular de aspecto brônquico em terços médios, bilateralmente, com
estertores crepitantes à esquerda e sopro cavitário à direita.
Ritmo Cardíaco Regular, em dois tempos. Bulhas normofonéticas. Sem sopros
ou extrassístoles.
Abdome atípico, peristáltico, indolor à palpação superficial e profunda. Ausência
de massas ou visceromegalias palpáveis.
Membros inferiores sem edemas, panturrilhas livres. Pulsos pediosos palpáveis
e simétricos.
Sem sinais de artrite.
Exames Complementares:
Radiológicos: Paciente apresentou somente uma radiografia de tórax em PA,
feita na ocasião do tratamento de pneumonia, na qual, podemos notar uma
imagem de hipotransparência não homogênea em terço médio do hemitórax
direito.
2
Radiografia de Tórax em PA.
OBJETIVOS:
- Qual o diagnóstico atual mais provável?
- É necessário mais algum exame para fechar o diagnóstico? Se sim, qual(is)?
- Qual a conduta terapêutica mais apropriada caso se confirme a hipótese
diagnóstica?
- O que mais deve ser feito em relação ao caso?
3
FECHAMENTO
Esta paciente apresenta um caso típico de TUBERCULOSE. Dentre os
motivos para tal afirmação, destacam-se dados epidemiológicos importantes
como a alta prevalência da doença em grandes aglomerações urbanas no Brasil,
ao emprego da paciente em um posto de saúde, facilitando o contato próximo
com doentes e, pela idade da paciente, faixa etária comum de casos de
tuberculose. Além desses pontos, temos os dados clínicos clássicos para
suspeita diagnóstica: tosse produtiva crônica, febre vespertina prolongada,
sudorese noturna e emagrecimento; além de um quadro arrastado por mais de
três semanas, que é reforçado pela persistência da condição clínica após o uso
de antibióticos.
Pela queixa principal e raciocínio clínico exposto, é necessária uma
radiografia de tórax para melhor esclarecimento do quadro atual da paciente.
Para confirmação diagnóstica, é imprescindível solicitar um exame de escarro
para baciloscopia direta pelo método de coloração Ziehl-Neelsen ou Auramina,
evidenciando a presença de BAAR (bacilos ácido álcool resistentes) e, se
possível, a realização da cultura para o Bacilo de Koch (Mycobacterium
tuberculosis) para a confirmação bacteriológica.
Além destes dois exames, pode ser feito um hemograma para investigar
e quantificar possível anemia por doença crônica – pois a paciente está
hipocorada – e para investigação da série branca para o diagnóstico diferencial
com infecções bacterianas, que ocorrem com elevada leucocitose e desvio à
esquerda, o que não se observa habitualmente na tuberculose.
Atualmente, devido ao aumento na incidência de casos concomitantes
entre tuberculose e infecção pelo HIV, é mandatória a realização de ao menos
um teste rápido anti-HIV.
É importante ressaltar que o teste tuberculínico (PPD) não deve ser
considerado como confirmação diagnóstica isoladamente. Devido a sua
baixa especificidade, ele é mais utilizado para triagem da infecção latente.
A conduta inicial proposta foi realizada, observando-se:
Radiografia de tórax em PA no dia da consulta, na qual observamos, em
terço médio de hemitórax direito, imagem de transparência anular, de
aproximadamente 5 centímetros de diâmetro, com bordas internas
regulares e sem nível hidroaéreo (sugestiva de caverna tuberculosa).
Associada a esta, vemos ainda imagem de hipotransparência não
homogênea em região hilar direita e terços médio e inferior do hemitórax
4
esquerdo, possivelmente correspondendo à disseminação brônquica
contralateral;
BAAR de +++ em duas amostras e cultura para BK positiva, confirmando
a hipótese diagnóstica de tuberculose pulmonar.
É fundamental, após o diagnóstico de tuberculose, devido aos altos
índices de abandono, orientar o paciente sobre o tratamento e a sua importância
em mantê-lo mesmo após a ausência de sintomas, para evitar a falência do
esquema, aumentando a resistência bacteriana e retorno a fase de infectividade.
Nos dias atuais, o tratamento de primeira linha utilizado consiste em uma
combinação de quatro drogas: Rifampicina (R), Isoniazida (I), Pirazinamida (P),
e Etambutol (E), formando o esquema RIPE. Este esquema é dividido em duas
fases: uma fase de ataque que visa evitar o aparecimento de resistência e
consiste no uso do esquema completo nos dois meses iniciais e, uma fase de
manutenção, que visa eliminar os bacilos persistentes e consequentes recidivas,
sendo administrado RI por quatro meses, totalizando um período de seis meses
de tratamento. Recomenda-se a supervisão da tomada de medicação
5
(especialmente na primeira fase), acompanhamento por BAAR mensalmente e
a realização de raio-X simples de tórax no momento inicial, dois meses após o
início do tratamento (se possível) e ao final do mesmo.
Nesta imagem, observa-se a evolução radiológica no 2º mês de
tratamento que, apesar de não apresentar excelência na qualidade técnica,
estando pouco penetrado, torna possível observar uma boa resposta ao
tratamento específico, com redução importante dos infiltrados parenquimatosos
e da caverna, provavelmente caminhando para uma cura por anulação da
imagem cavitária.
Além disso, devem ser dadas orientações quanto ao contato com outras
pessoas, cuidados e orientações sobre os efeitos adversos mais comuns e as
interações medicamentosas. Deve-se realizar hepatograma, especialmente nos
etilistas e nos que possuem história de doença hepática, visto que alguns dos
medicamentos são hepatotóxicos; notificar o caso às autoridades sanitárias
6
por meio de formulário próprio e examinar os comunicantes domiciliares,
especialmente aqueles dos casos com BAAR positivos, as crianças e os
imunodeprimidos, caso existam.
ATENÇÃO!
- Em casos de crianças menores de 10 anos, o tratamento consiste no esquema RIP, ou
seja, sem a administração do Etambutol, devido à sua alta toxicidade nessa faixa etária;
- Em caso de pacientes portadores de AIDS sem o uso de antirretrovirais
adequadamente, o tratamento da tuberculose é prioritário e, apenas após seu término,
é que deve ser reintroduzido ou iniciado o esquema antirretroviral;
- As estratégias de prevenção eficazes são: vacinação com BCG, quimioprofilaxia e
medidas de biossegurança quando em contato com um paciente infectado,
principalmente para profissionais de saúde. A vacinação visa proteger as pessoas não
infectadas, protegendo principalmente contra formas primárias da doença. Já a
quimioprofilaxia tem como objetivo reduzir o risco de adoecer das pessoas infectadas,
apesar de haver indicação de seu emprego entre não infectados, podem ser divididas em
primária e secundária: quimioprofilaxia primária (administração de Isoniazida a um
recém-nascido não infectato coabitante de bacilífero (principalmente a mãe)); e a
quimioprofilaxia secundária (uso de Isoniazida em uma pessoa já infectada que ainda não
apresentou sinais da doença, tendo como objetivo prevenir a evolução da infecção à
doença);
- Se o paciente apresentar quadro clínico sugestivo associado com radiografia de tórax
compatível, mesmo com baciloscopia negativa permite-se iniciar o tratamento;
- Na ausência de cavitação pulmonar com baciloscopias negativas, tuberculose é
possível, porém, improvável;
- O diagnóstico tem como seu principal método o exame microbiológico, mas outros
exames corroboram com o diagnóstico – destacando-se o exame histopatológico nas
formas extrapulmonares;
- A hemoptise usualmente é de pequena monta. Quando maciça considere a
possibilidade de Aneurisma de Rasmussen;
- Eventualmente, neoplasias (principalmente pulmonar) podem ser o gatilho para
reativação de tuberculose, ocorrendo simultaneamente;
- Deve-se sempre realizar o controle radiológico nos pacientes tratados e que
apresentavam alteração prévia no referido exame;
- O teste anti-HIV deve ser oferecido a todos os pacientes com tuberculose ativa,
independentemente da forma clínica, da idade ou presença de comportamento de risco;
- É a doença de notificação compulsória em todas as suas formas e mesmo sem
confirmação bacteriológica do caso.
7
 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS
INFECCIOSOS
NÃO INFECCIOSOS
Infecções das vias aéreas superiores
Pneumonia bacteriana comunitária
Micoses – Paracoccidioidomicose,
Histoplasmose
Outras micobacterioses não M.
tuberculosis
Abcesso pulmonar
Sarcoidose
Granulomatose de Wegener
Aspiração de corpo estranho
Neoplasias pulmonares
Referência
NUNES, C., BARROS, D., ANTONIO, M. 100 Casos Clínicos em Medicina:
comentados e esquematizados. Costa Campos de Santana, Slavador. Editora
Sanar, 2015.
Download