Alimentação complementar gradativa

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CAPÍTULO 17
Alimentação complementar gradativa:
aspectos importantes da função mastigatória
M A RI Â NG ELA MILE NA SA NT O S S C HA LKA
P E T E R JO H N BU E LAU
M A RI A I SAU RA MO NT E IRO BU E LAU
IN TRODU Ç ÃO
A alimentação complementar infantil,
por orientação do Ministério da Saúde,
deve ser iniciada aos 6 meses de idade.
Entende-se por alimentação complementar qualquer alimento que não seja
o leite humano oferecido à criança amamentada. Alimentos de transição referem-se aos alimentos complementares
especialmente preparados para crianças
pequenas, até que elas passem a receber os alimentos consumidos pela família. Aos 6 meses, a maioria das crianças
atinge estágio de desenvolvimento com
maturidade fisiológica e neurológica e
atenuação do reflexo de protrusão da
língua, o que facilita a ingestão de alimentos semissólidos. As enzimas digestivas são produzidas em quantidades
suficientes, razão que habilita as crianças a receberem outros alimentos além
do leite materno.1 Após o 6º mês de vida,
a energia proveniente apenas do leite
materno não supre mais as necessidades energéticas das crianças. Assim, líquidos muito diluídos, como sucos de
frutas ou de vegetais, sopas, mingaus e
leites, comuns em nosso meio e muitas
vezes oferecidos por mamadeira, são
desaconselhados. Muitas dietas monótonas possuem baixa densidade energética, o que pode estar relacionada com a
sua pouca consistência.2
Nutrição é um tema amplamente debatido por diversas associações médicas,
seja no âmbito nacional ou internacional.
Em relação ao primeiro ano de vida do
lactente (de 0 a 12 meses), este debate tem
um caráter especial porque, em nenhum
outro momento da vida do ser humano,
ocorre um ganho de peso, um crescimento na estatura e um desenvolvimento neuropsicomotor de forma tão intensa.2
Além disto, a alimentação é uma atividade pela qual pais e cuidadores têm
o primeiro acesso ao bem-estar da saúde geral e do neurodesenvolvimento. É
a base para as demais habilidades, por
exemplo, a fala. Estudos relacionam a
mastigação deficiente a casos de gastrites, úlceras gástricas, obesidade e problemas de memória.3-5
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Para os odontopediatras, os alimen- Coulthard, Harris e Emmett9 estudaram
tos são de extrema importância quanto crianças de 7 anos de idade que tiveram a
à sua forma de consumo. No seu primei- introdução de alimentos consistentes em
ro ano de vida, com o desenvolvimen- diferentes momentos. Constataram que
to craniofacial do bebê, seu crânio atin- as dificuldades alimentares e a rejeição a
ge metade do tamanho do crânio de um grupos de alimentos como frutas e vegeadulto de 18 anos (nas medidas sagitais tais eram maiores nas crianças que tivedo crânio, mandíbula e maxila).6
ram a introdução de alimentos consistenO comportamento alimentar (fee- tes e mastigáveis após os 9 meses de idade.
ding) é bem mais que a qualidade dos
A transdisciplinaridade é fundamennutrientes de uma refeição. É um con- tal para o processo de informação das
junto de atitudes que abrange o ofere- famílias, ainda mais quando o conceito
cimento dos alimentos, sua preparação, de normal está sendo amplamente cona colocação na cavidade bucal, seu pro- fundido com o de frequente. Atualmencessamento para ser deglutido – a in- te, parece normal que uma criança por
gestão – passando pela relação do cui- volta dos 4 a 5 anos de idade tenha os
dador com a criança e da apresentação dentes sem nenhum espaço entre eles e,
do alimento em si – sua aparência, chei- quando aos 6 a 7 anos os dentes permaro, textura, consistência, tamanho etc.7
nentes começam a erupcionar mal posiA família é responsável pela forma- cionados por falta de espaço, coloca-se
ção deste comportamento alimentar da a “culpa” na genética. Entretanto, poucriança, por meio da aprendizagem so- cos pais se lembram do período de trancial, tendo os pais o papel de primeiros sição líquido-sólido (introdução da alieducadores nutricionais. Os fatores cul- mentação complementar), em que as
turais e psicossociais influenciam de for- sopinhas eram batidas no liquidificador,
ma positiva ou negativa as experiências as frutas descascadas e picadas. O prato
alimentares da criança desde o momento preferido era macarronada com carne
do nascimento. As estratégias utilizadas moída, o leite era dado somente em mapara alimentar uma criança assumem madeiras (muitas vezes além dos 3 anos
um papel preponderante dentro do con- – idade em que boa parte do crescimentexto social,8 o que proporcionará uma to craniofacial já se processou e, embora
alimentação e consequente nutrição ade- nem sempre evidente, a função mastigaquada, se forem bem trabalhadas.
tória já está alterada).6,10 Discussões soNo entanto, a inter-relação alimenta- bre desenvolvimento normal da criança
ção–desenvolvimento não é percebida e a prática de uma puericultura que escomo causa-consequência, uma vez que teja atenta às demandas funcionais são
seu efeito se dá em longo prazo. Em 2009, as armas disponíveis para não permi-
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tir que os subdesenvolvimentos das estruturas do ser humano sejam vistos em
breve como fatos normais (Figura 17.1).
NORM AL VS.
SUBDES E N VO LV I ME N T O
Normal é a desproporção craniocefálica e
craniofacial, presente no recém-nascido,
sendo compensada nos primeiros 6 meses
por duas funções importantes: a respiração e a amamentação. Elas proporcionam
estímulos necessários para a equiparação
e preparam a musculatura para a outra
função que dará continuidade a este estímulo: a mastigação10 (Figura 17.2).
A
FIGURA 17.1.
O organismo humano se desenvolve
graças a dois estímulos nervosos. O primeiro depende do biótipo, ou seja, da herança genética, determinando o genótipo. O outro estímulo é proveniente do
meio externo e da função; são os chamados estímulos paratípicos. Da união dos
dois, tem-se o fenótipo. O neurocrânio
desenvolve-se principalmente em função do crescimento expansivo da massa
encefálica, determinado geneticamente
e com pouca influência externa. Ao contrário, o craniofacial, além do fator genético, necessita dos estímulos do meio
externo (os chamados estímulos paratípi-
B
Bocas sem espaços entre os dentes. A: Normal para idade de 2 a 3 anos; B: patológica
para os 6 a 7 anos.
A
FIGURA 17.2.
B
Retrognatismo fisiológico ao nascimento (A), que foi corrigido após 4 meses (B).
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cos) para crescer e se desenvolver. Estes
estímulos são oferecidos de forma natural diariamente pelas funções adequadas
da respiração, amamentação, mastigação
e deglutição. Os estímulos paratípicos são
responsáveis por 2/3 do crescimento craniofacial; a genética, pelo 1/3 restante. Um
exemplo da influência dos estímulos paratípicos é encontrado nos gêmeos univitelinos que cresceram em ambientes distintos10 (Figura 17.3).
A
B
FIGURA 17.3.
Proporção entre craniocefálico e
craniofacial na criança (A) e no adulto(B).11
192
A respiração nasal será mais bem estimulada com a amamentação natural,
uma vez que existe um selamento dos
lábios durante a sucção, sem a necessidade de interrupção para entrada do ar,
como acontece com a mamadeira.10
A amamentação, pelo movimento de
ordenha que a mandíbula executa, garante o estímulo simultâneo para a região
posterior das articulações temporomandibulares (ATM) e promove o avanço mandibular, aumento na tonicidade
muscular e uma relação adequada dos
rebordos gengivais, por volta dos 6 meses
de vida (Figura 17.4). Com a relação maxilo-mandíbula fisiologicamente corrigida, a criança tem, então, condições de fazer o selamento labial, a respiração nasal
e uma correta postura da mandíbula e da
língua. Para isso, também é muito importante a não instalação do hábito de sucção não nutritiva – chupeta, mamadeira
e sucção digital – que muito atrapalham
este desenvolvimento.7
A partir da erupção e contato dos incisivos, as ATM deixam de ser estimuladas simultaneamente. Com a apreensão e o corte dos alimentos pelos dentes, iniciam-se
movimentos rudimentares de lateralidade (cisalhamento), deflagrando estímulos
alternados para cada articulação (Figura
17.5). Juntamente com as forças dos lábios,
língua e bochechas, orientam o posicionamento correto dos dentes de leite na sua
trajetória de erupção. Dentes bem posicionados garantem uma função vigorosa
e equilibrada, decorrente de um processo
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de maturação da primeira dentição, tendo
como resultado a eficiência mastigatória
e o preparo das arcadas (desenvolvimento pleno) para o início das trocas dentais.
Para que este círculo virtuoso se estabeleça, é fundamental uma alimentação dura,
seca e fibrosa.5,12
Durante esse período, que vai do nascimento até por volta dos 6 anos de ida-
FIGURA 17.4.
Rebordos bem relacionados para
erupção de incisivos.
de, os dentes de leite devem ter sua forma modificada pelo uso, apresentando
facetas de desgaste, contatos bem distribuídos durante os movimentos mastigatórios (que devem permitir o esfregamento dental) e aparecimento de
diastemas (espaços entre os dentes)3,13
(Figura 17.6). Neste contexto, acontece a
maturação da mastigação.
FIGURA 17.5.
Estabelecimento da guia incisal,
com trespasse ideal de cerca de 1/3 do bordo
do inferior.
A
B
FIGURA 17.6. Dois momentos de uma criança com desenvolvimento normal. A: Aos 3 anos de idade,
com os dentes jovens. B: aos 6 anos, com desgastes pelo uso. As bases ósseas foram bem desenvolvidas e preparadas para a troca dentária.
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Assim como em qualquer estágio inicial de atividades motoras, os primeiros
movimentos de mastigação são irregulares e pouco coordenados. Muitos são os
órgãos sensoriais que levam as informações da cavidade bucal para o sistema
nervoso central (SNC): receptores nas
ATM, membrana periodontal, receptores de tato e pressão em língua, mucosa bucal e nos próprios músculos.12,14 A
coordenação dos movimentos em função dos estímulos é muito adaptativa
nas crianças, porém torna-se mais difícil mais tarde. Esta dificuldade é mencionada pela Organização Mundial de
Saúde15 e em estudos como de Sakashita,
Inoue e Kamegai16 e Coulthard, Harris e
Emmett.9
FUNÇ Ã O M A ST I G AT Ó R I A
A mastigação é uma função vital, um reflexo condicionado aprendido e que resulta da interação de um padrão neurológico rítmico e intrínseco com a
retroalimentação (feedback) gerada
pela interação do sistema motor-efetor
(músculos, ossos, articulações, dentes
e tecidos moles) com os alimentos.14,17
Consiste na apreensão e corte dos alimentos, preparo pela trituração e moagem do alimento pelas estruturas bucais
(acontece mesmo na ausência de dentes) e transporte pela língua até o ponto
de deflagração da deglutição. Uma mastigação deficiente pode levar à má digestão e seleção de alimentos inadequada, fatores que estão associados a uma
194
série de problemas cardiovasculares,
cognitivos e físicos. Além da sua função
direta, os movimentos mastigatórios
também têm sido relacionados a outras
atividades, incluindo controle de humor
e de aprendizagem e memória. Embora
aparentemente simples, os movimentos
orofaciais rítmicos produzidos durante
a mastigação exigem coordenação de diversos músculos da mandíbula, da face e
da língua. A exemplo de outras funções
cíclicas, como respiração e locomoção, o
padrão rítmico destes músculos é determinado por uma rede neuronal designada de CPG – do inglês central pattern
generation – um sistema central gerador
de padrão.14,18,19
A CPG da mastigação está localizada
no tronco cerebral, e a maioria dos neurônios de sua composição está ligada ao
núcleo motor e ao núcleo facial do trigêmeo. Seus mecanismos biológicos permitem que os impulsos provenientes do
SNC e da periferia que chegam ao núcleo interajam com as propriedades rítmicas de seus neurônios para ajustar e
adaptar o movimento à dureza do alimento e, assim, estabelecer o padrão rítmico da mastigação. O ritmo da mastigação inclui 3 tipos de ciclos, o primeiro
apenas com movimentos de abertura e
os demais com marcado componente lateral. Embora seja possível a geração do
ritmo diretamente pelo tronco cerebral,
a variabilidade do movimento que acontece fisiologicamente durante a função está diretamente relacionada a al-
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gum tipo de feedback periférico.19 De um
modo bem simplificado, é esta riqueza
de impulsos e conectividade que permitem a formação da CPG e do ritmo mastigatório no adulto.
Aliando os conceitos do feeding à formação da CPG, a questão do tempo do
alimento na cavidade bucal torna-se
fundamental. É importante levar em
consideração que, ao alimentar uma
criança a partir de 6 a 7 meses, o tempo
do “exercício” realizado para “mastigar”
uma banana já amassada é cerca de 2/3
do tempo que a criança levaria se a mesma banana fosse dada em suas mãos. A
consistência do alimento também interfere no número de ciclos que a criança
realiza. Se há um estímulo prévio de alimentos consistentes, que requerem pelo
menos o amassamento com os rebordos,
a tendência é manter este padrão para
os demais alimentos.20 Ao ser introduzido na cavidade oral, um alimento processado dispara, por meio dos diversos
neurorreceptores, uma aferência para o
SNC de que já está pronto para ser deglutido, não havendo necessidade de
executar a mastigação.21 Em termos práticos, pode-se dizer que a criança que
está acostumada a comer comida pastosa ou liquefeita e a tomar várias mamadeiras ao dia terá mais dificuldades em
executar movimentos de lateralidade
com alimentos mais consistentes.
Ao relacionar esta percepção da textura alimentar (se há mais necessidade
de mastigação ou se o alimento já está
pronto para ser deglutido) com os resultados de pesquisas sobre a relação
de tempo e número de ciclos com diferentes texturas e as bases neurofisiológicas de desenvolvimento da CPG
da função mastigatória, percebe-se a
importância da consistência alimentar, em especial na segunda metade do
primeiro ano, para o amadurecimento
da função mastigatória. Quanto mais
consistente o alimento, mais tempo ele
permanece na boca, permitindo que sejam alcançados os ciclos II e III do ritmo mastigatório e, portanto, com maior
estímulo de crescimento para o sistema
estomatognático.19
Segundo estudos de Sarrafpour,
Swain e Zoellner,12 a interface entre o
osso e o tecido conjuntivo do folículo
dentário é crítica para a erupção. A remodelação óssea acontece pela força
eruptiva e é influenciada pela indução
das forças de mordida e contato com o
alimento, bem como pela intermitência das forças da língua, lábios e bochechas. Estes dados são bem observados
na clínica diária do odontopediatra ao
se constatar a associação das atrofias
de diferentes graus com o histórico da
amamentação por pouco tempo, introdução da alimentação complementar
muito pastosa e hábitos nocivos.22
Crianças com histórico de papinhas
pouco consistentes, uso de mamadeira
após o 1o ano e respiração oral têm, em
sua maioria, uma arcada estreita e mandíbula retroposicionada (Figura 17.7).
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A
B
FIGURA 17.7. Criança
de 5 anos com arcada atrofiada e distoclusão – mandíbula com déficit de cres-
cimento anteroposterior.
Os caninos decíduos são dentes fundamentais para o crescimento maxilomandibular. Os movimentos de lateralização
da mandíbula, realizados por estímulo
da alimentação consistente, associados
às forças intermitentes da língua, lábios
e bochechas, permitem que seu posicionamento seja mais adequado tanto
no sentido vertical como laterolateral.
Uma vez bem posicionados, eles guiam
os movimentos mandibulares com componentes horizontais mais extensos.23
Se mal posicionados, os caninos levam a um travamento da mandíbula e a
um padrão vertical de mastigação com
baixa eficiência para desfazer as fibras
dos alimentos (Figura 17.8). Nestes quadros, é muito comum a queixa dos pais
de que a criança enrola para mastigar um pedaço de carne e depois o cospe, dizendo estar duro. A verticalização
do movimento leva a retirar somente o
sumo da carne.
196
O ritmo dos movimentos mandibulares é ditado pela CPG da mastigação e modulado pelas aferências periféricas, ou seja, basicamente pela
alimentação. O estabelecimento desta
CPG acontece a partir do 2º semestre
de vida. Fica claro, portanto, a importância da alimentação complementar
para estimular o componente horizontal e, por consequência, permitir um
adequado crescimento craniofacial da
criança.5,12,13,19
A riqueza de outros estímulos, que
não o ato em si da mastigação, também é
incomparável: a criança precisa segurar
o alimento, sentir sua textura, levá-lo à
boca, fazer o corte e, a partir de então,
mastigar. São análises como estas que
tornam tão complexa a neurofisiologia
do tema. O ato de se alimentar envolve estruturas e conexões que vão muito
além do sistema estomatognático7 (Figura 17.9).
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A
A
B
B
C
C
FIGURA 17.8.
Boca com atrofia (A) e caninos in-
terferindo na eficiência mastigatória. Notar
C
D
o afastamento dos dentes posteriores quando
dos movimentos de lateralidade direita (B) e
esquerda (C), o que dificulta a trituração dos
alimentos. Essas crianças têm um padrão vertical de mastigação.
FIGURA 17.9.
Estímulos para formação de dife-
rentes conexões relacionadas à alimentação,
que ultrapassam o ato de se nutrir.
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Entretanto, a civilização da alimentação, aliada aos inúmeros fatores que podem interferir no processo, não permite
que o sistema se desenvolva em sua plenitude. Os índices de maloclusões são
altos mesmo para a dentição decídua.22
A OMS15 preconiza que a progressão
da alimentação deve acompanhar o desenvolvimento das habilidades da criança. A orientação para pais e cuidadores
é de que a alimentação tenha sua consistência progressivamente aumentada
conforme a mastigação se desenvolva.
No entanto, os cuidadores não oferecem determinados alimentos por temerem que a criança não consiga comer
ou mesmo que possa engasgar. Sakashita, Inoue e Kamegai16 afirmam que a
não aceitação de determinados alimentos é fruto de um desenvolvimento insuficiente da capacidade mastigatória,
exemplificando o fato com a dificuldade de moagem e trituração de alimentos,
como certas verduras e carnes (alimentos mais fibrosos). Os estudos ligados às
áreas de neurologia, em especial à disfagia, demonstram que o desenvolvimento neuromotor do sistema estomatognático é diretamente ligado aos estímulos
aferentes que chegam ao SNC. Isso significa que, para o correto amadurecimento e um bom desenvolvimento do
sistema, é fundamental que a alimentação seja consistente desde o início.
O uso do fogo para a cocção, talheres para a diminuição dos pedaços (em
substituição à função de corte dos in-
198
cisivos), o processamento do alimento
associado à redução do tempo de dedicação para refeições são fatores decisivos para a diminuição da necessidade da
mastigação.24
Após o período exclusivo de amamentação, o desafio de ligar a clínica às
matérias básicas encontra-se justamente no que é oferecido a este bebê para
que os estímulos provenientes dos órgãos sensoriais da cavidade bucal cheguem até o SNC para que, a partir daí,
estabeleçam suas sinapses, sejam analisados e integrados, interajam com o sistema central gerador de padrão e gerem
respostas motoras condizentes com o
desenvolvimento das estruturas24 (Figura 17.10).
C ONSID ER AÇÕES F INAIS
Para a realização deste treinamento, é
fundamental o conhecimento dos aspectos diretamente relacionados com a
prática diária. Feeding é muito mais que
morder e triturar o alimento. O profissional de saúde, sobretudo o pediatra,
ao orientar seu paciente, precisa do conhecimento da interação do alimento
com a função mastigatória para que se
obtenha o máximo de desempenho das
estruturas e continue o desenvolvimento iniciado pela amamentação. Muitas
das queixas de crianças aos 5 a 6 anos
são decorrentes da falta de informação
e orientação do estímulo correto da função mastigatória desde o início da vida
pós-natal.
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A
FIGURA 17.10.
B
C
Estímulos de apreensão e corte dos alimentos, sempre com supervisão de um adulto.
Um estudo multicêntrico de consumo alimentar realizado pelo Ministério
da Saúde mostrou que a alimentação
das crianças no 1º ano é basicamente láctea (leite materno e/ou de vaca),
acrescido de açúcar e espessantes. O
consumo de frutas, verduras e folhosos
verdes variados não é um hábito entre
as crianças nesta fase.2 A realidade brasileira mostra que o padrão de alimentação complementar das crianças brasileiras é desfavorável: a alimentação,
na maior parte das vezes monótona, é
introduzida precocemente; o uso da
mamadeira é muito frequente, mesmo
entre as crianças amamentadas; os alimentos complementares não suprem
as necessidades de ferro nem de vitamina A.2 Há ainda menos preocupação
com a consistência e a textura.
Nem sempre as famílias são orientadas para que a papa seja amassada,
sem peneirar ou liquidificar, de forma
que sejam aproveitadas as fibras dos
alimentos e que fique na consistência
de purê, com cubos semicozidos. Aos
6 meses, os dentes estão próximos às
gengivas, o que as torna endurecidas
de modo que auxiliam a triturar os alimentos. A consistência dos alimentos
deve ser progressivamente aumentada, estimulando-se o desenvolvimento
da criança e evitando-se, assim, a administração de alimentos muito diluídos e
com baixa densidade energética. Além
disso, as crianças que não recebem alimentos em pedaços até os 10 meses
apresentam, posteriormente, maior dificuldade de aceitação de alimentos sólidos.1,10 Alimentos levemente cozidos
em pequenos pedaços estimulam a manipulação pela própria criança, sempre
com a supervisão de um adulto responsável – talvez seja esta a maior dificuldade das famílias: o tempo e a paciência que isto requer. Na revisão feita em
2014, Le Reverend, Edelson e Chrystel13 concluíram que as crianças estão
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mais propensas a aceitar os alimentos
consistentes que possam manipular, e
o quanto antes for feita esta exposição,
melhor será a aceitação, inclusive de
outros tipos de texturas.
Em acordo com as recomendações
dos manuais da Sociedade Brasileira
de Pediatria1 e do Ministério da Saúde,2 reforça-se que os aspectos discutidos no capítulo são interessantes para
o profissional que lida com a criança
em seu primeiro ano de vida e orienta
seus cuidadores. É preciso dar mais enfoque à importância da textura alimentar no desenvolvimento da função mastigatória, invertendo o conceito de que
a criança precisa estar madura para se
introduzir a textura. São exatamente os
inputs neurológicos provenientes dos
alimentos no contato com os receptores periféricos que informam o SNC sobre a resposta muscular a ser realizada,
e, por consequência, levando ao amadurecimento e melhor desenvolvimento de todo o sistema (Figura 17.11).
Os conceitos deste capítulo envolvem
toda a equipe de saúde e fazem parte da
transdisciplinaridade.
A
B
C
FIGURA 17.11.
Sistema bem desenvolvido para a
idade (A) com movimentos equilibrados e eficientes; B: lateralidade direita; C: lateralidade
esquerda. Nota-se que todos os dentes mantêm
contato durante o movimento de esfregamento,
em um padrão horizontal de mastigação.
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