Estudo do processo de criação da artista plástica Nelma Pezzin III

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III semana de pesquisa em artes
10 a 13 de novembro de 2009
art uerj
processos artísticos contemporâneos
Estudo do processo de criação da artista plástica Nelma Pezzin
Rejane Afonso Teixeira,
Artes Plásticas – UFES
O estudo visa à coleta e análise de documentos do processo que antecedem a obra da artista
capixaba Nelma Pezzin, o estudo está centrado na investigação dos procedimentos que
envolvem o processo de criação e sua interface como fenômeno da produção artística, sendo
parte de um estudo sobre o processo de criação na arte contemporânea capixaba do ES. Foram
realizadas visitas ao atelier da artista, coleta de dados e o levantamento de todo o material por
meio de entrevistas informais, e registro fotográfico digital dos documentos apresentados.
Artes Visuais; Processo criativo; Crítica genética.
The study aims at gathering and analyzing documents the creative process the work of artist
capixaba Nelma Pezzin, the study focuses on investigating the procedures that involve the
creation process and its interface as a phenomenon of the artistic production as part of a study
on the creative process in contemporary art capixaba ES. Visits were made to the studio of the
artist, data collection and removal of all the material through informal interviews, and digital
photographic record of the documents submitted.
Visual arts; Creative process; Genetic criticism.
Introdução
“Todo ato criador é ação da mão que pensa e sente...”.
(Cecília Salles)
O presente trabalho está inserido numa pesquisa, que trata do processo
de criação de artistas capixabas, sendo específico desta pesquisa o estudo dos
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documentos do processo da artista Nelma Pezzin; documentos primários que revelam
o gesto criador no frescor da ação criadora. Embora a produção artística no estado
do Espírito Santo não tenha muitos nomes de projeção nacional, conta- se com
uma tradição que remonta o período colonial, sendo capixaba uma das mais antigas
escolas de Belas Artes no Brasil1.
A investigação científica desse percurso gerativo que antecede a obra se
revela como uma tentativa de compreender o movimento gerador do processo
criativo. Quando olhamos uma obra de arte quase sempre não conseguimos detectar
os vestígios deixados pelo artista até concluir o seu projeto final. Seus gestos
muitas vezes inacabados são frutos de seu processo criativo, os rastros deixados
pelo artista oferecem meios para que o olhar científico possa captar fragmentos
de como funciona o seu pensamento criativo. Partindo deste pressuposto a crítica
genética vem acompanhar o modo como se dá a construção dessas imagens. Para
Cecília Salles2, nos rascunhos dos artistas, que são os documentos que vão sendo
arquivados pelo artista e acessados com freqüência por sua memória, existe uma
infinidade de possibilidades para tal obra que parece pronta aos olhos de quem a vê.
Critica genética? Qual o seu objeto de estudo?
Surgiu na França em 1968, com Louis Hay, que comandava um grupo de
estudiosos para avaliar os manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine. Como estes
pesquisadores estavam enfrentando problemas semelhantes aos de outros grupos eles
se uniram e criaram o CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Cientifica) dedicado ao estudo
exclusivo dos manuscritos literários, este estudo especifico passou a ser denominado
Critica Genética. No Brasil esse estudo é trazido por Philippe Willemart, que escrevendo
sobre Gustave Flaubert, organiza o I Colóquio de Critica Textual em 1985 na Universidade
de São Paulo e funda a APML (Associação de Pesquisadores do Manuscrito Literário),
atualmente, APCG (Associação de Pesquisadores em Crítica Genética).
A crítica que se dedicava à literatura passa então a explorar outros campos
como as Artes Plásticas. Traz-se então uma nova abordagem para a obra de arte,
ela passa a não ser um produto finalizado pelo artista, mas algo que oferece novas
possibilidades de leitura a partir de seus “percursos” de fabricação.
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Para a crítica genética, a obra de arte é um “processo de continua
metamorfose” 3 (Salles, 2000), já que o artista vai aos poucos se adaptando às formas
provisórias. Este vai levantando hipóteses e testando-as, o que irá gerar diversas
possibilidades convivendo em um mesmo ambiente. Por necessidade, o artista
passa a entrar em um processo de seleções, apropriações e combinações nos quais
ocorrerão transformações, como cita Salles: “... constrói-se à custa de destruições...”
acrescenta ela que “diante de cada obra de arte importante,... talvez outra, mais
importante ainda, tenha tido que ser abandonada” 4. O processo de criação passa a
funcionar como um jogo, no qual permanece a estabilidade e a instabilidade.
Esse processo de criação é lento e está aberto a alterações, não está
associado ao relógio, mas à maturação das idéias que aos poucos vão sendo
sintetizadas de acordo com a satisfação estética almejada pelo artista que é
influenciado pelo meio que o cerca para tal construção.
O crítico não tem acesso ao ato criador, mas tenta conhecê-lo melhor como um
“arqueólogo” do processo, todas as informações decorrentes desse processo são aos
poucos armazenadas e o crítico dialoga com tais informações, e tenta estabelecer
conexões entre a ciência e a arte, chegando a um sentido mais amplo da obra.
Por querer estudar a obra a partir de sua gênese, as pesquisas são baseadas
nos documentos que estão de posse do artista ou seus familiares, documentos que
demonstram o artista dialogando com ele mesmo. São diálogos internos de seus desejos,
de idéias que estão armazenadas em seus diferentes suportes como cadernos, folhas
e arquivos avulsos, que compõem obras em seu estágio de desenvolvimento. São
pensamentos, reflexões, tudo que vai sendo julgado por seu criador, que possui o poder
de interferir quando achar necessário e a partir daí gerar novas formas. Esses registros
aparentemente parecem fragmentados, mas, de posse desses documentos, o critico
genético, que busca uma ordem interna entre eles, elabora o chamado prototexto que
nada mais é do que um dossiê de documentos a serem analisados pelo geneticista.
Em uma primeira análise o prototexto, terá a função de armazenar as idéias e
experimentar combinações. Isso possibilitará identificar os suportes5, os diferentes
tipos de anotações e registros, verificar os tipos de experimentação e ainda descrever
as possíveis formas de armazenamento da informação, norteando assim o projeto
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poético da obra que poderá ser tomado como complexo ou não, dependendo das
hipóteses levantadas pelo crítico. Em um segundo momento, sua análise se dará a
partir de diferentes documentos de diferentes artistas o que permitirá não descartar
o caráter híbrido das experimentações presentes nos documentos do processo
das artes visuais, essas experimentações são maleáveis e classificadas como uma
taxonomia rudimentar (CIRILLO, 2004) são elas:
• Experimentação eidética ou formal;
• Experimentação cromática;
• Experimentação matérica ou material;
• Experimentação topológica ou espacial;
• Experimentação conceitual.
A artista Nelma Pezzin
O foco da pesquisa em questão está voltado para o processo de criação
da artista plástica capixaba Nelma Pezzin, nasceu em 29 de março de 1955, em
Aimorés, Minas Gerais. Em 1957 mudou-se para Vitória/ES, onde reside atualmente.
Iniciou seu percurso artístico ainda como estudante de artes plásticas, em 1976 com
a participação em exposições de arte. Graduou-se em Artes Plásticas, em 1979 pela
Universidade Federal do Espírito Santo. Desde 1980 é professora de desenho e
gravura no Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, é especialista
em Abordagens Contemporâneas em Arte Educação pela UFES e mestre em
Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.
Análise do processo de criação
Esta pesquisa está em estágio inicial, mas alguns passos importantes já foram
dados.
Após contato, identificação, e apresentação da proposta de estudo foram feitas
quatro visitas ao ateliê da artista, observados uma grande variedade de documentos
de seu processo de criação, seu habito de armazenar e fazer experimentações
é constante em seu trabalho; encontrados diversos documentos do tipo livros
de anotações, rascunhos e esboços. Esses documentos servem como fonte de
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informações, para que eu investigue e siga os rastros, vestígios deixados pelo
pensamento da artista. Nessas visitas procurei documentar através de câmera digital
todo esse material, em um total de 600 digitalizações, armazenadas em Pen-Drive e
CD-Room, sendo compostos por: caderno, papeis avulso, prova de tiragem gravura,
teste com tecido, testes com tintas e cera.
Analisando esse material com o olhar de um cientista a procura de pistas
de um processo criativo, essas pistas ou informações farão gerar um sistema
organizado, estabelecendo conexões, buscando generalizações, redundâncias e
deste modo serão formuladas teorias, estabelecendo relações entre índices buscando
a compreensão do fazer criativo que se mostra singular a cada artista.
Figura 1Rascunhando,
pensando seu trabalho.
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Figura 2 - Caderno de
Anotações, rascunho
de metas a serem
alcançadas.
Figura 3 - Folha
de rascunho
avulso, anotando
procedimentos a seguir.
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Algumas considerações sobre este estudo e seus desdobramentos
O material colhido tem revelado como a artista media textos verbais e visuais
para a reflexão sobre seu processo, isso se mostra claro em todas as suas anotações
demonstrando ser a reflexão, experimentação de materiais e pesquisa uma forma
constante em seus trabalhos. A artista possui um ateliê, local onde se isola para
organizar suas idéias e colocá-las em prática, local onde é processada uma gama
enorme de idéias a fim de fazer surgir o ato criador.
Esses documentos do processo de criação servirão para o desfecho do
trabalho de conclusão de curso, poderemos assim continuar nos aprofundando na
análise do processo de criação da artista.
Referências Bibliográficas
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CIRILLO, José. Pela Fresta: memória como matéria no processo de criação de Shirley Paes Leme. Farol.
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CIRILLO, A. J. (Org.) ; BEZERRA, A. G. (Org.) . Arqueologias da Criação: estudos sobre o processo de
criação. 1. ed. Belo Horizonte: C/Arte, 2009. v. 1. 213 p.
COLOMBO, Fausto. Os Arquivos Imperfeitos. São Paulo ; Perspectiva, 1991
CONTAT, Michael; FERRER, Daniel. Porquoi la critique génétique? Paris: CNRS Editions, 1998.
HAY, Louis. Pour une sémiotique du mouvemente. Gênesis, n. 10, 1996
______. A montante da escrita. Tradução de José Renato Câmara. Papéis Avulsos, Rio de Janeiro:
Fundação Casa Rui Barbosa, n. 33, p. 5 -19, 1999.
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processo: ensaios sobre crítica genética. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 29-44.
GRÉSILLON, Almuth, Elementos de crítica genética, Porto Alegre, UFRGS, tradução de Cristina de
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OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campos, 1990.
_____. Criatividade e processo de criação. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética: uma (nova) introdução. São Paulo: Educ., 2000.
______. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: FAPESP/ Annablume, 1998. ISBN
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TADIÉ, Jean-Yves; Marc. Le sens de la mémoire. Paris: Gallimard, 1999.
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Notas
1
O Instituto de Belas Artes foi fundado em dezembro de 1909.
2
Cecília Salles é professora titular do Programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da
PUC de São Paulo; coordenadora do Centro de Estudos de Crítica Genética.
3
Cecília Salles - Crítica Genética pág.22
4
Cecília Salles cita em seu livro Crítica Genética pág.27 as palavras de Klee, 1990 p.190.
5
Para Louis Hay que criou a taxonomia dos estudos dos manuscritos literários, ele a classifica em dois
tipos: cadernetas (cadernos e diários) e os suportes móveis (fichas, folhas avulsas, páginas arrancadas)
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