METONÍMIA DO TURISMO NA CONSTRUÇÃO DO MÉTODO DA VISITAÇÃO NA GEOGRAFIA ESCOLAR CONTEMPORÂNEA CHRISTIAN DENNYS M ONTEIRO DE OLIVEIRA A formação de uma ciência nem sempre configura um processo lógico. A premissa negativa faz desenvolver, no plano fenomenológico – aqui restrito ao jogo aproximativo das aparências essenciais – um horizonte autocrítico de experimentações. Ainda diante das preocupações cartesianas com a representação do método, ousa-se, nesse ensaio teórico, pensar a Geografia como ciência espaço proposto; da história espacial porvir. E, de forma ainda mais ousada, aventureira talvez, busca-se a demonstração argumentativa na forma de uma elucidação para o problema temático criado pelo “boom” do turismo sob a égide da mundialização planetária. Em que medida o fenômeno turístico foi simultaneamente reconhecido como uma expressão da valorização geográfica na sociedade contemporânea? Ou, destarte, até que ponto seus processos exageradamente econômicos proporcionaram a massificação de localidades/regiões e o justificado distanciamento do pensar geográfico a respeito? Na concretude dos exemplos de risco, recoloca-se a questão: até que ponto o problemas amazônicos, africanos ou palestinos dependem do grau de tradução turística de seus complexos códigos geográficos? E, neste sentido, qual a melhor linguagem para viabilizar tal tradução, notadamente no plano educativo? São questões diametralmente tão opressivas quanto evidenciáveis na organização dos grandes fóruns de debate acadêmico Geografia brasileira contemporânea. Se for observada a organização de um evento para 5000 participantes como o Encontro dos Geógrafos Brasileiros (ENG), atualmente em sua XVI versão (julho de 2010), fica nítida a distância temática do Turismo na constituição dos eixos de discussão. Um simpósio de Engenharia de Produção ou um congresso de Ciências da Comunicação, para citar dois exemplos mais abertos a interlocução da ciência com a tecnologia, costuma proporcionar mais espaço à reflexão dos fenômenos turísticos. Isso traduz uma dimensão ideológica que contamina a divisão cognitiva dos campos científicos. A Geografia, como ciência, encontra certa dificuldade em incorporar o turismo na interpretação de seus processos. Embora demandem espaço, tais processos não seriam tão espaciais quanto domínio urbano, agrário, geopolítico, climático ou geomorfológico. Que a racionalidade do baixo teor geográfico para esses novos processos? Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 Parte de nossa reflexão exercita-se na atenta desconfiança de que a motivação ideológica (positivista ou anti-positivista) nada explica sobre o tratamento dispensado ao Turismo pela maioria dos geógrafos. Todavia, há que se notar uma ausência fundamental: qual a interpretação dada às sutil coincidência entre a prática turística e as pesquisas de campo? Em que momento o pesquisador auto-observa suas atividades empíricas (coleta, mapeamento, observação participante) como uma conduta de reafirmação do retorno acadêmico para assegurar o retorno social da caríssima investidura científica? Geralmente os geógrafos renomados não se dão a esse trabalho, porque discriminam, de forma reducionista, o fazer turístico como um lazer de luxo! Entendem pura e simplesmente que uma prática que nasceu do afrancesado “grand tour” não perdeu seu DNA de origem, quase dois séculos depois. Neste sentido, quem está perdendo a oportunidade de viajar na dinâmica de um processo denso de significados e imaginativo é a comunidade geográfica. Comunidade essa que vive de um turismo que não pensa e pensa ser possível desenvolver seus métodos de análise sem turistificar radicalmente suas práticas. É da sutil necessidade de radicalização científica que partimos no intuito instrumentalizar teoricamente o Turismo como um fenomenotécnica da Geografia contemporânea, seguindo a proposta epistêmica de Gaston Bachelard (2003). Para tanto, torna-se fundamental a conceituação substantiva de “turismo” aqui referendada. Trata-se de uma prática social de composição binária, envolvendo os seguintes pares dialéticos: a) o imaginário do lugar e a imaginação que o realiza turisticamente; b) o receptivo local e institucional que, na reprodução ampliada da prática transforma-se em emissivo promocional; c) o sujeito visitado cujo desenvolvimento qualitativo está em sua progressão a sujeito visitante; d) a natureza transformada (segunda natureza) que, pela força dos fatores acima, passa a recriar-se como recurso primitivo e produto final, simultaneamente, traduzindo-se como natureza transcendente, sacro-profana por excelência. Desta feita, os quatro pares concebidos – imaginário/imaginação; emissivo/receptivo; sujeitos visitados/visitantes; naturezas transformadas/ transcendente – subordinam a “condição turística” à prática densa (e profética) da visitação. O turismo é assim um estado ilustrativo de uma sociedade humana em permanente visitação. Recupera, portanto, uma anterioridade Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 humanística que nos fundou, em um princípio nômade, como homo sapiens. Enquanto projeta uma posterioridade divina, em peregrinação e busca constante por reinos terrestres disponíveis em outros céus. Também fornece elementos decisivos para uma visibilidade da Educação Geográfica mediante a exigência empírica da visita ao campo (aula, trabalho, exemplos locais), cujo peso metodológico não esmorece na construção peculiar dessa ciência telúrica (Dardel, 1990). Fica evidente, conforme as metáforas da busca, da viagem e da aventura revelam pelo fazer turístico contemporâneo, uma metonímia da ciência (especialmente a geográfica) em plena formação. A ilustração do ato de visitação exagera-se como justificativa de uma causa nobre, uma causa maior. Ou visitamos outros lugares para compreender/ conquistar o que somos; ou perecemos nos lugares que se esgotam. Por que por redundância ontológica, sem visitação ninguém terá mais onde ficar nem para onde ir! A visitação turística, portanto, nasce de uma metonímia; ou seja, forja-se em uma capacidade inigualável de substituir, por exagero, as limitadas condições existência de nosso território; pequeno pedaço “sagrado” de chão. Toda primeira parte desse texto visa contemplar a construção uma base teórica capaz de expor a transformação metonímica do Turismo. Suas etapas são marcadas pela releitura das representações promocionais das diferenças, a fim de enquadrar todo exotismo como um signo de investimento no futuro. Adiante, três são as etapas identificadas dessa metonímia: a) da aproximação ao êxtase no estranhamento de interesses: turistas X comunidades; b) a aprendizagem para compor a cooperação de novos interesses: ócio => negócio turístico; c) a diluição do Turismo nas diferentes escalas socioambientais: patrimônio turístico da humanidade. Neste percurso, o Turismo verte-se em metonímia mutante, do totalmente outro (condição de alteridade radical) ao totalmente nosso. Fixa-se, portanto, como a prática do “exagero bem-vindo” por excelência. Vale a pena compor um raciocínio demonstrativo de que a Geografia, emergente dessa observação, acaba contaminada pela magia midiática que esse processo produz. Afinal, toda exposição jornalística, televisiva e cibercultural, ausentes das explicações geográficas da formação, diferenciação e reordenamento regional, transborda na demonstração da justeza dos fenômenos turísticos. Seja para descobrir lugares, para reinventar destinos (como moda, cenário ou qualidade de vida), ou para provar que as Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 catástrofes não são definitivas – vide a movimentação de visitantes New Orleans ou na costa oeste da Indonésia, após seus respectivos tsunami e furação. É essa Geografia limitada, satisfeita em seus métodos tradicionalmente revolucionários, que pleiteamos alcançar pela metonímia do turismo para executar sua devida poda. Uma Geografia celestial, capaz de cartografar à distância. Mas cotidianamente incomodada, diante da multiplicação de variáveis colhidas nos mundanos espaços que informam a vivência dos sujeitos e grupos sociais. Da metonímia exagerada ao método inovador Nesta metáfora, certamente forjada pela “segurança” de que a grande árvore científica não cairia jamais, propõe-se a busca de um nó de fertilidade. O ponto de fratura é também de partida para um novo tratamento teórico. Daí afirmarmos a disposição de avançar na reflexão sobre a visitação turística como método. Suficientemente capacitado a fornecer procedimentos metodológicos consistentes pelo ecletismo e coerentes pela promiscuidade que a realidade complexa recomenda. No bojo central da idealização metódica, via o turismo, encontra-se o paradoxo da emergência de um saber científico que se proclama escolar e nacional, antes mesmo de reconhecer sua epistemologia social e ambiental. O turismo faz com que a geografia visite a “geografia” dos demais saberes e volte relativamente surpreendida pela pragmática de dois contra poderes sistêmicos. De um lado o poder cósmico dos geossistemas em sua capacidade de revelação da densa trama dos espaços naturais e, simultaneamente, a ameaçadora participação da antroposfera no trágico teatro dos processos naturais. De outro, o poder cômico dos capitais globalizados em gestar as mais terríveis revelações científicas em obras de ficção, mitologia do futuro: Como tornar o capitalismo sustentável em escala extra-terrestre para garantir a sustentabilidade da Terra às gerações futuras? É a visualização de um método operado pela visitação turística, na Geografia, que permitirá o exercício sistemático de um “retorno à Gaia” em níveis superiores de interpretação do espaço e valorização de seus significados geográficos. Um retorno, aos moldes hursselianos, de volta às coisas mesmas; não anterior ao esgotamento dos recursos telúricos, mas pela força motriz (conflituosa) desse esgotamento, em sua capacidade de gestar o imaginário do éden bíblico. Discutimos aqui a contrapartida da afinação identitária que a metonímia cria por exagero umbilical. O turismo torna-se método científico da geografia para gestar o abandono Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 relativo da postura endógena; prometendo inversamente a superioridade relativa da cognição de retorno, a medida que o lugar visitado é mais o que objeto de meto consumo, um ideal de vida e alvo de existência, ainda que efêmera. Por esta via estamos explorando uma reflexão advinda de um conjunto de investigações no campo de turismo religioso. Ali aprendemos que para o seu sujeito essencial (o romeiro, o peregrino, o devoto): ir à casa de Deus é, simbolicamente, voltar sempre. Só a volta é capaz de justificar o ato sagrado da viagem; só ela pode santificar os lugares que impulsionaram a aventura e a partida. Traduzindo em termos geográficos, para “descrever a Terra” na contemporaneidade faz-se metodicamente adequada uma prática científica capaz de sustentar vícios e virtudes fora dela. Para finalizar esse exercício, a parte final do ensaio abre espaço para conversar com uma série de obras da indústria cultural. A idéia é concordar com os geógrafos vinculados à inconformidade dos fenômenos culturais, em sua crescente capacidade de confrontar os territórios da ordem e do planejamento lógico. Neste grupo, vão destaca-se autores como Paul Claval, Denis Coscrove, Edward Ralph, James Duncan, Lobato Correa e tantos outros leitores de seus cortes transversais que mantiveram, com alto custo, a modelagem para uma Geografia da Cultura Terrestre, utilizando métodos ecléticos; contra-culturais em boa medida. Mas inspiradores do que tentaremos a partir desse trabalho. A referência inicial de interlocução artística, para expressar os teste pedagógicos frente ao uso do método turístico na Geografia Contemporânea (aqui especificamente a Escolar), emerge do longa metragem “Avatar” de James Cameron (2009). A história narra a saga de exploradores e militares terrestres em Pandora; um planeta rico em biodiversidade e povoado de pelos Na’vi, responsáveis pela resistência à exploração de suas riquezas naturais. O personagem central, Jake, vê-se subordinado a uma experiência neurológica de incorporar os interesses dos invasores a fim de se misturar a este povo e capturar informações reveladoras e facilitadoras do processo de conquista. Mas os desvios iniciados por sua condição fisiológica de paraplégico e finalizados pelo mergulho onírico no universo de valores e virtudes daqueles povos tão harmônicos com a natureza, altera o processo. Ele, que foi preparado para espionar, trai duplamente e conduz a trama ao confronto final: ataque massivo dos Povos do céu à floresta (Árvore da Casa) e contra-ataque deste até a expulsão definitiva Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 dos sobreviventes telúricos. Jake se apaixona pela guerreira principal dos Na’vi, Neyriti, e fixa-se definitivamente em Pandora, com seu corpo de avatar e o aval de Ewya (a natureza). Eis a idéia central do filme: ser humano é voltar à natureza para trair a humanidade; depois mandá-la de volta a Terra (retornar) e fechar a caixa de Pandora, cuja abertura põe em risco todo o Cosmos. Como o filme está centrado no herói e não na marginalidade personagens coadjuvantes, a história força uma brilhante sutileza sobre o destino da ciência no futuro. Sutileza capaz de justificar nossa escolha para o diálogo sobre metonímia e método do turismo na geografia. Quando a personagem, que representa a liderança científica dos invasores passa a colaborar com os insurgentes, sua luta tardia é ferida de morte. E sua morte não é impedida por Ewya. A metáfora aqui é lembrar que o arrependimento científico não merece perdão. Mas o clamor do invasor convertido (desumanizado de seus vícios) sempre será mais divino que toda e qualquer ação racional da ciência. Utilizamos essa passagem para lembrar que a utilização sistemática do turismo na Geografia não busca sustentação em qualquer racionalidade científica que inviabiliza ou nega os demais métodos. O que significa dizer que as tradicionais classificações pautadas na diferenciação didática entre métodos X, Y e Z (por oposição e contrastes mecânicos), teriam uma dificuldade a mais para identificar o caminho trilhado pela visitação turística. Uma dica, entretanto, pode funcionar como um meio de reconhecimento da recusa (consciente ou involuntária) ao método: quando a arte, qualquer arte estiver absolutamente calada do fazer geográfico, temos um meio de afirmar que o Turismo não entrou em cena. Esperemos que o contributo sirva de descarte ou de discernimento, àqueles que devem afastar-se da Arte (da Cultura Popular e da Espiritualidade, conseqüentemente), para ajudar a manter a Geografia, como um discurso e um saber científico longe, muito longe de Pandora. Todavia, se o discernimento for para “encartar” mais uma referência metodológica às pesquisas em Geografia, é possível fechar esses argumentos iniciais lembrando um curioso detalhe cognitivo que a retórica do planejamento turístico governamental reverbera de norte a sul do país. Esse lugar só será bom para o turista se for bom para comunidade local. Embora tantos tenham repetidamente ouvido essa fantástica inverdade, poucos conseguem discernir qual é o ponto frágil da sentença. Uma investigação geográfica que vai da metonímia a metáfora, passando pela formulação da visitação como método, é capaz de evidenciar que Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 a fragilidade esta na delimitação de uma comunidade que não existe, jamais como local; se existisse não seria visitada. Mas exatamente por não existir demonstra que turista algum visita lugares. A visita é um atributo dos seres; os lugares são codificações materiais desses seres. Portanto, “lugar bom” é uma codificação positiva, uma leitura otimista da relação entre comunidades que se visitam. Não uma pré-condição qualitativa e a-histórica da bondade intrínseca das localidades. Se assim o fosse tínhamos que convocar os pagés da pós-modernidade para nos autorizar a ir ou não à praia em cada feriado prolongado. Se não o fazemos e lotamos as praias em tampo nublado é algo de bom encontramos na interação social que tal lugar permite ou desafia. Turismo: da Metonímia no Mito religioso atualizado Iniciamos essa 2ª parte vasculhando uma passagem do Evangelho de Lucas única a dispor de uma hermética orientação a respeito da visitação e seu papel na construção do mito central da cristandade: a divindade do menino-deus. Conta-se que Maria, ao aceitar ser a serva das graças do Espírito Santo foi encontrar-se com Isabel sua parenta, que ao vê-la faz a conhecida saudação: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre. Sua identificação é a primeira menção humana à chegada do deus encarnado. E a visita de Maria é uma retribuição; uma forma de responder presencialmente aos argumentos do anjo Gabriel para convencê-la de que Deus a escolhera para na seqüência mística de outra escolha: a natividade de João Batista, aquele que abriria os caminhos de seu filho. Maria não visitava Isabel por livre e espontânea vontade. Visitava pela necessidade imaginada de uma acolhida divina. A criança de Isabel (João) exultou a criança de Maria (Cristo) em seus respectivos ventres. A visita, de Maria, era uma resposta presencial da humanidade gestada, que mesmo antes de nascer já reconhecia suas identidades humanas e suas alteridades, missionária e divina. Por que uma visita torna-se tão significativamente necessária para representar a realização de uma promessa divina? Por que Maria, ansiosamente, cuidou de realizar tal visitação como uma obrigação insubstituível? Não há como responder às questões, pelo caminho especulativo que for, sem admitir que o relato – até por não ser encontrado em mais nenhum dos 4 evangelistas – configura-se como um exagero da mística cristã. A visita e a permanência de Maria por três meses na casa Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 de Isabel, não acrescenta nem modifica coisa alguma na vida missionária das crianças que estavam por nascer. Mas indica, entretanto, a existência de um postulado profano (anunciativo) da obra que estava por ser feita. Um postulado metonímico na medida em que faz do encontro de duas gestantes uma atitude de reencontro do ser humano com sua condição divina. Que espécie de turismo Maria realizava no momento de cumprir essa visita compulsória? Para a maior parte dos estudiosos, esta entidade visita sua querida para co-participar uma notícia extraordinária e confirmando dois fenômenos igualmente extra-ordinários: a fertilidade da estéril e a imaculada concepção. A motivação não traduzia o interesse de Maria pelo local; muito menos a vontade de preencher seu tempo livre com lazeres e prazeres pessoais. Não determinava que o fato de encontrar Isabel se colocava como um mero acaso. Por outro lado ela não tinha de cumprir em Judá qualquer obrigação familiar ou profissional que justificasse uma permanência de 3 meses. Também não estava fugindo de nada (ao menos àquela altura). Que visitação era aquela? Tratava-se de um encontro-ensaio, uma projeção do que se idealizava para o cotidiano da humanidade no futuro: que as pessoas se visitassem na certeza de que traziam e preparavam forças divinas dentro de si. Eis a realização anunciada do processo metonímico: “bendito é o fruto de seu ventre”. Assim o turismo cria, conduz, antecipa e projeta uma realidade porvir, apenas sustentada pela artificialidade patrimonial, seja na estética da natureza ou da cultura. O lugar onde o turismo se delimita espacialmente corresponde ao “prato de comida” que nos faz salivar pelo que representa sem ser. A grande maioria dos estudiosos, vinculados às humanidades (científicas, filosóficas ou metafísicas) e não ao turismo como campo administrativo, fez a condenação dessa artificialidade como um exclusivo jogo da “ilusão” capitalista, configurando-a tão somente como fetiche contemporâneo. Estivessem os analistas mais sensibilizados às articulações e nuanças do processo comunicacional, perceberiam que essa “ilusão turística” também condensa uma função profética. Indiscutivelmente fantasiosa sim; mas imitativa da maioria (se não todas as proposições políticas que “governam” o instinto planejador da sociedade moderna. Aquele mesmo senso comum que afirma categoricamente que nada dá certo sem o devido planejamento prévio e a devida gestão compartilhada. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 São estes pontos focais clássicos da racionalidade técnica e da democracia representativa que nos faz observa a sociedade com esperança de impulso natural para o progresso e o desenvolvimento. São esses, conforme Mafesolli (2003) os impedimentos fundamentais para o distanciamento pós-moderno do projeto iluminista de sociedade: ele nos faz romper com o essencial “ritmo da vida” tributário da interatividade dos vínculos sociais experimentados. Em outros termos, o excesso de regulação, de previsão e prevenção, desregula tanto quanto nos robotiza em tudo. Se de um lado o fazer turístico engendra uma reivindicação de planejamento ostensivo e constante “para que os lugares não se esgotem”, de outro o sujeito turístico, seja nas coletividade dos visitantes ou dos visitados, tem plena ciência do esgotamento necessário para aquela “máscara” de consumidor no lugar. A busca é de alguma forma e preferencialmente junto com os demais (alóctones e/ou autóctones) refazer-se como um ente do lugar. É preciso ir uma hora para se sentir ao menos como num dia inteiro; num dia como na semana inteira; numa semana como num mês inteiro. Ou levar-se numa motivação tão extraordinária que o encontro com o outro, ali, possa representar três meses de permanência. É essa metonímia do tempo intensivo que se busca refazer no espaço intensivo dos lugares turísticos. Enquanto os denunciadores dos simulacros turísticos (atrativos, equipamentos, portais), bombardeiam a constituição de lugares para os gringos verem, não está sendo nem observado nem interpretado o jogo comunicacional das pautas intersubjetivas visando o futuro. Em psicologia profunda, tratar-se-ia do reencontro tecnológico com nossa natureza nômade. Mas em uma geografia, que se recusa a ser “profunda” apenas na superficialidade das fixações materialistas, tratar-se-á de antever na construção turística o legítimo sonho coletivo de fazer caber a maior parte do mundo nesse aqui/agora. É fácil para a intelectualidade acadêmica afirmar que toda cultura local que o seu “quê” de universal. E quando se faz aculturação reprimindo as especificidades em nome das generalidades, se perde o essencial. Mas o essencial percebido/concebido não corresponde jamais ao essencial vivido. Sentir um anjo anunciar a boa nova é perceber ou conceber; anunciá-la a um ente querido é viver visceralmente outra boa nova. É essa “viagem” que dá sustento a preciosa “condição turística” de fugir às armadilhas das metáforas (pró e contra seu processo) e fornecer bases para o processo metonímico. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9 Podemos tecer um paralelo do turismo, nesta elucidação metonímica das representações por exagero com a dimensão cartográfica tão sedimentada na geografia. O processo turístico trabalha com escalas geográficas literalmente invertidas. Pedimos licença aqui para proporcionar uma explicação metafórica, visando tão somente evidenciar o andamento dessa inversão. Se na cartografia é dispensável qualquer tentativa de mapeamento que não implique em perda dos elementos representados, no turismo ocorre justamente o contrário: sem adicionar elementos estranhos – e cada vez mais estranho a referencia original – torna-se impossível representá-lo em sua geograficidade significativa. O que a cartografia precisa reduzir para se qualificar o turismo precisa justamente ampliar. E quando não o faz, vira “mapa mudo” uma forma pré-fixada para conteúdo algum. Daí nossa suspeita, parte ensaiada e parte consolidada pelas pesquisas sobre o revelador campo do patrimônio cultural religioso, de que a força metonímica do turismo, na configuração dos espaços simbólicos – lócus de um imaginário exeqüível, fortalece a interpretação da geográfica como ciência da projeção espacial. Não só capaz de desenhar a trama dos fenômenos socioambientais que identificam seu discurso cartográfico; mas de “encenar”, naqueles nichos turísticos privilegiados todo um conjunto de dramas de seus sujeitos locais. Sujeitos esses bem mais turísticos que a imaginação da maioria dos geógrafos pode comportar. As praias turistificadas de nossas orlas metropolitanas que o digam, a parti de então, qual a lógica de estarem mais lotadas pelo “visitante” do próprio lugar!. Em busca da Visitação na Geografia Escolar Acontece que o crescente processo de oferta turística não consegue sequer dialogar com a lógica de sua própria demanda. Principalmente quando se reduz o processo turístico ao império dos hedonismos contemporâneos e dos lazeres vocacionais do lugar. Mas do que outras instituições, a escola básica – em seu cotidiano geográfico – representa a aceitação passiva desses limites. Toda visibilidade das paisagens turísticas imerge no mar indistinto da “indústria” e do marketing dos atrativos, como se a mais alta escolarização que a sociedade brasileira viveu até hoje fosse apenas reprodutora desse sentido. Todas as possibilidades visíveis tornam-se invisíveis pelo distanciamento das representações. A realidade turística, que por metonímia tipifica as marcas dos lugares, Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 10 transmuta-se em metáforas da segregação/exclusão e demarcam espaços simbólicos como lócus privilegiados de capitais específicos; dispensando automaticamente outros lugares que contradizem a imagem requerida. A geografia da rede escolar, embora instalada em todos os lugares turísticos, é o desenho celebre dessa invisibilidade latente. Por que, então as teorias críticas, também aportadas na geografia humanística das representações, não restringem esse processo ao jogo mecanicista dos investimentos, abrindo espaço para decodificar formas paralelas de articulação dos valores turísticos nos diferentes seguimentos da sociedade? Talvez porque a decodificação proposta seja obrigada a aceitar que a perversidade da segregação turística, resulte das estratégias endógenas – antes de tudo – de recusar o mercado turístico como um complexo bem cultural de intercâmbio e visitação. Em outras oportunidades, já desenvolvemos reflexões a respeito da construção política, na modernidade (Sec. XIX e XX), permitindo a aceitação dos serviços de educação, saúde, comunicação e transporte, como bens sociais generalizados. E, conseqüentemente, como conquistas inalienáveis da cidadania ocidental, em todas as escalas. O mesmo ainda não se deu com o serviço/setor turístico e o “distanciamento” geográfico frente a seus fenômenos; o que ainda contribui para dificultar esse processo. Um dos impedimentos mais eficazes para essa desconsideração do Turismo como necessidade contemporânea encontra-se na vinculação desequilibrada de que a formação educativa possa formar um cidadão profissional sem prepará-lo para o universo da cultura e do lazer. Por extensão, ainda soa estranho pensar os processo turísticos predominantemente como atividades compulsórias, próprias de tudo aquilo que representa negócios e obrigações sócio-territoriais. Entretanto, quando essa estranheza dá lugar a plena “coincidência” entre o desenvolvimento de um lugar e a radicalização de sua diversidade de ofertas e demandas turística, perde-se um mito infantil e absorve-se a dinâmica de um fenômeno espacial rico em significações espaciais pós-modernas. Ganha-se também – e é isso que pontua nossa presente reflexão – um instrumental metodológico, capaz de subsidiar a Ciência Geográfica na compreensão dos fluxos que “amarram” as coletividades a lugares caóticos, mas simbolicamente sustentáveis. São fluxos de visitação, mobilizados por processos cada vez mais diversificados e distantes dos padrões culturais identificadores. Requisitando, cada vez menos metodologias investigativas, presas às descrições das Paisagens; dada a forte Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 11 pulverização da imagética virtual e cibercultural. O mundo dos lugares amplia sua densidade, mas torna suas marcas uma possibilidade quântica. Uma Geografia que esteja à altura desse denso cotidiano (para utilizar as palavras de M. Weber) é necessariamente uma ciência com capacidade de operar a leitura dos lugares como cenários fluidos de visitação. A escola precisa destituir-se de seus referenciais fixos hegemônicos para retroalimentar-se como um cenário fluido de visitação por excelência. Eis o contributo metódico do turismo, que somente uma teoria da viagem (M. Onphray) aliada ao dos vínculos tribais (M. Mafesoli), poderia nos fazer interpretar. Bibliografia BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. São Paulo: Contraponto, 2005 CORREA, R.L. Formas Simbólicas e Espaço: Algumas considerações. In Revista Aurora Geography Journal. Number 1, 2007. p 11- 18. GASTAL, S. Turismo na Pós-Modernidade: Agregando Imaginários. In GASTAL, S; CASTROGIOVANNI, A. C. (Orgs.) Turismo na Pós-Modernidade (des) inquietações. Porto Alegre. Edipucrs. 2003. p. 51-60. KOZEL, S; SILVA, J. da C.; GIL FILHO, S. F. Da Percepção e Cognição à Representação: Reconstruções Teóricas da Geografia Cultural e Humanística. São Paulo: Terceira Margem; Curitiba: NEER, 2007. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Petrópolis: Vozes, 1987 MALRIEU, Philippe. 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