Agradeço especialmente à minha orientadora, doutora Jennifer Hermann, que desde o início esteve disponível para tirar minhas dúvidas e me auxiliar no processo de elaboração deste trabalho. Sem ela, esta dissertação não teria sido feita com tanto cuidado teórico e dedicação. 1 Abstract This dissertation discusses the importance of the aggregated savings to the growth process of the economy. There is no agreement on the subject, and Keynesians and Classics’ theories polarize the debate. The divergence has its beginning in the mechanism through which the interest rate is defined in the markets. For the Classics, the interest rate is defined between investment and savings, or between supply and demand of credit, being the total amount of savings a determinant of financing for investment and, indirectly, economic growth. For the Keynesians, the interest rate is defined by the liquidity preference and the total amount of money available in the economy. Thus, the total amount of savings doesn’t determine the conditions for financing economic growth, since the economic agents may decide to allocate part of theirs savings as money. It’s the desire to hold money and short-term assets, in other words, the liquidity preference, especially of the institutions that provide credit, which is going to define the pace of growth. These theories, which are very dissimilar, are evaluated in the context of the brazilin economy since 1990. The analyses of the period suggest that the liquidity preference is a determinant factor of growth, not the “quantum” of savings, as is determined by the Keynesian’s theory. Such preference is expressed by the allocation of savings in short-term assets, complicating the financing process of investment and growth. 2 Resumo Esta dissertação discute a importância da poupança agregada para o processo de crescimento da economia. Não existe consenso sobre esta matéria, cujo debate é polarizado por teorias keynesianas e clássicas. A divergência tem começo no mecanismo pelo qual é definida a taxa de juros nos mercados. Para clássicos, a taxa de juros é definida pelo equilíbrio entre poupança e investimento, ou entre oferta e demanda de crédito, sendo o montante da poupança um determinante dos meios de financiamento do investimento e, indiretamente, do crescimento econômico. Para os keynesianos, a taxa de juros é definida pela preferência por liquidez e pela oferta de moeda disponível da economia. Assim, o montante de poupança não determina as condições de financiamento do crescimento econômico, pois é possível que os agentes econômicos decidam alocar parte de suas poupanças em moeda. É o desejo de reter moeda e ativos de curto prazo, ou seja, a preferência por liquidez, especialmente das instituições que concedem crédito, que vai definir o ritmo do crescimento. Estas teorias, que são muito dissimilares, são avaliadas no contexto da economia brasileira a partir da década de 1990. A análise deste período sugere que a preferência por liquidez é um fator determinante do crescimento e não o “quantum” de poupança, como determina a teoria keynesiana. Esta preferência é expressa pela alocação da poupança em ativos financeiros de curto prazo, a qual dificulta o processo de financiamento do investimento e do crescimento. 3 Índice Introdução, 6 1. Capítulo 1: Teoria da Determinação da Taxa de Juros, Poupança, Investimento e Financiamento do Crescimento. 1.1. Considerações Iniciais, 9 1.2. O Modelo Clássico, 10 1.3. O Modelo de Keynes, 12 1.4. Desenvolvimentos Críticos à Teoria de Keynes 1.4.1. Notas de Ohlin Sobre a Teoria Clássica de Poupança e Investimento, 15 1.4.2. O Modelo de Modigliani, 21 1.4.3. O Modelo Shaw-Mckinnon, 27 1.5. Desenvolvimentos da Teoria Keynesiana 1.5.1. “Finance” e “Funding”: O Modelo de Financiamento de Keynes, 29 1.5.2. O Modelo Gurley-Shaw, 33 1.6. Considerações e Críticas aos Modelos, 36 2. Capítulo 2: A década de 90 no Brasil. 2.1. Importância do Tema para o Brasil, 46 2.2. Contexto Histórico dos Anos 90 2.2.1. As Principais Mudanças na Política Financeira, 49 2.2.2. A Liquidez Internacional, o Plano Real e Políticas Econômicas, 53 2.2.3. Considerações Finais Sobre a Década, 59 3. Capítulo3: Indicadores Econômicos do Período 1990-2003 3.1. Considerações Iniciais, 60 3.2. A Variação Real do PIB Pela Ótica da Despesa, 62 3.3. Comportamento das Taxas de Juros Reais, 66 3.4. Comportamento da Poupança Agregada, 69 3.5. Meios de Pagamento, 73 3.6. Financiamento 4 3.6.1. As Operações de Crédito e o “Spread” Bancário, 78 3.6.2. Mercado de Capitais: Capitalização de Mercado e Capitalização Relativa, 87 4. Conclusão 4.1. Considerações Iniciais, 93 4.2. Principais Conclusões, 95 Bibliografia, 100 5 Introdução Esta dissertação discute o papel da poupança para a capacidade de crescimento na economia brasileira, analisando se ela é essencial na geração de condições de financiamento do crescimento. Algumas questões serão abordadas, como as seguintes: É a poupança um pré-requisito para o investimento? Sem uma poupança adequada, o crescimento econômico fica comprometido? É a poupança mais importante que a estruturação do mercado financeiro no processo de crescimento? A distribuição da poupança entre moeda, títulos de curto e longo prazo, tem repercussões sobre os agregados econômicos? E sobre o crédito? Sabe-se que a literatura econômica especializada não fornece uma resposta única para estas questões, já que duas escolas de pensamento econômico rivalizam o debate sobre o tema: a clássica e a keynesiana. Destarte, a análise destas questões para o Brasil terá base na discussão sobre o tema entre estas duas correntes teóricas. Atualmente, esta controvérsia teórica volta a ser de grande importância para o Brasil, já que o país vivenciou um período de estagnação econômica nas duas últimas décadas, sendo a reversão deste quadro uma necessidade iminente. Destas duas décadas de estagnação, sabe-se que os anos 80 foram marcados por alta instabilidade e incerteza devido à inflação. Além disso, houve a ruptura do modelo de financiamento baseado em crédito público e externo. Já nos anos 90, os capitais internacionais voltaram à circulação no país e, na segunda metade da década, o país conquistou a estabilização da inflação e do câmbio. Entretanto, o país cresceu pouco e sem continuidade, razão pela qual a década foi, também, considerada perdida. O que explica tal acontecimento? A partir das teorias clássicas e keynesianas sobre financiamento dos investimentos, é possível apontar diferentes explicações para os entraves financeiros ao crescimento econômico brasileiro dos anos 90, além de diferentes soluções. Esta análise do debate teórico entre as duas escolas de pensamento econômico sobre o papel da poupança para o investimento e o crescimento pode dar uma contribuição para o entendimento desta questão no Brasil. Alega-se que falta um modelo de financiamento do crescimento no Brasil que substitua aquele anterior à década de 80, baseado no crédito público e externo. O trabalho 6 visa analisar os dados disponíveis da economia brasileira a fim de tentar avaliar se o entrave ao surgimento de tal modelo tem caráter financeiro, envolvendo a estrutura de alocação da poupança, como pode ser defendido através da teoria keynesiana, ou se tem caráter quantitativo, um “quantum” insuficiente de poupança, como pode ser defendido através da teoria clássica. O período analisado no trabalho será de 1990 a 2003, pois neste período o crescimento seguiu uma trajetória difusa, alternando períodos curtos com crescimento e períodos longos sem crescimento, mesmo com o controle da inflação e do câmbio. A hipótese principal do trabalho é de que a poupança não foi e não é o empecilho ao crescimento brasileiro, mas sim a alocação desta poupança. Tal alocação está relacionada aos fatores financeiros e institucionais relativos à oferta e à demanda de crédito, resultados de um cenário recorrente de instabilidade e de um conjunto de políticas econômicas adotadas por governos anteriores. A década de 90 foi um período onde o modelo Shaw-Mackinnon se fez presente nas políticas de liberalização do sistema financeiro. Segundo a teoria ortodoxa, tais políticas deveriam alavancar o crescimento econômico. Atualmente já sabemos que isso não ocorreu. Para a avaliação da teoria ortodoxa, que defende a poupança como instrumento para o crescimento, serão coletados os dados da poupança total relativa ao Produto Interno Bruto. Esta será desagregada em poupança pública, privada e externa. Segundo a teoria clássica, as taxas de juros reais incentivam uma maior propensão a poupar na economia. Por isso, a fim de discutir a validade das concepções neoclássicas a esse respeito, também serão coletados dados sobre a evolução dos juros reais. Juntos estes dados permitirão não só questionar a relação entre as taxas de juros reais e a poupança, mas também entre estas duas variáveis e o crescimento real do Produto Interno Bruto. Para a avaliação dos argumentos da teoria keynesiana, serão coletados dados sobre a estrutura de todos os agregados monetários, de M1 a M4, além de dados da oferta de crédito e do “spread” no sistema financeiro. Os empréstimos do sistema financeiro nacional serão desagregados por setor e também será feita a decomposição do “spread”. A decomposição dos agregados monetários em percentuais de M4 e do PIB, será usada como indicador das preferências dos poupadores e instituições financeiras quanto à alocação de 7 seus recursos. Com estes dados, pretende-se ter um indicador não apenas do comportamento da preferência por liquidez da economia brasileira, mas também dos fatores que desestimulam a oferta de crédito de longo prazo pelo setor financeiro brasileiro e a demanda por crédito. Tal demanda seria teoricamente retraída devido às altas taxas de juros da economia, comprometendo o crescimento. O capítulo 1 apresenta a controvérsia teórica sobre o papel da poupança no investimento e no crescimento entre os economistas clássicos e os keynesianos. O capítulo 2 aponta, numa primeira parte, o fato desta discussão ter se tornado novamente atual para a economia brasileira. Numa segunda parte, é historicamente contextualizada a década de 90, onde ocorreram as principais mudanças dentro do período escolhido para a coleta de dados. Esta segunda parte terá dois focos principais: apontar as principais medidas que compuseram o processo de liberalização financeira defendido pelo modelo Shaw-Mckinnon e avaliar o papel da liquidez internacional de capitais e do Plano Real sobre a economia e o sistema financeiro. Numa terceira parte serão feitas as considerações finais sobre a década. No capítulo 3 são apresentados os dados coletados, através de gráficos e tabelas. Primeiramente serão expostos os dados relacionados ao Produto Interno Bruto, em seguida os dados a relativos às taxas de juros reais e depois à poupança. Com estes dados será possível contestar a teoria clássica. Após, serão apresentados os agregados monetários, seguidos dos dados sobre a oferta de crédito e sobre o “spread” bancário. Também é feita uma avaliação da capitalização relativa na economia brasileira, a fim de avaliar a dependência das empresas em relação ao mercado de capitais e, indiretamente, ao setor bancário da economia - fator de relevância para a teoria keynesiana. O capítulo 4 traz a conclusão, que inicialmente avalia qual das teorias parece melhor explicar a relevância da poupança para o Brasil, através de um apanhado das principais considerações feitas durante o trabalho e com base na comparação entre os dados coletados e as teorias apresentadas. Também são feitas considerações relativas aos entraves financeiros da economia, que vêm contribuindo para a contenção do crescimento econômico brasileiro. 8 1. Capítulo 1: Teoria da Determinação da Taxa de Juros, Poupança, Investimento e Financiamento do Crescimento. 1.1. Considerações Iniciais Não há como falar sobre o papel da poupança para o crescimento econômico sem discutir a teoria econômica de determinação da taxa de juros. A razão disso é a existência de uma relação entre as formas como a taxa de juros é determinada nas teorias econômicas e os meios de financiamento da atividade econômica, seja através da poupança no modelo clássico, seja através da preferência por liquidez no modelo keynesiano. Este capítulo é dedicado à análise teórica de ambas as escolas de pensamento econômico sobre o papel da poupança para o investimento e o crescimento, além de uma avaliação crítica destas teorias, sem, no entanto, descartar qualquer uma delas sem antes fazer uma avaliação empírica de suas proposições para o Brasil. Inicialmente serão apresentados o modelo clássico e o modelo keynesiano, depois as teorias propostas para aprimorar ambos os modelos e para finalizar, as críticas aos modelos apresentados. 9 1.2. O Modelo Clássico A poupança e o investimento no modelo clássico dependem fundamentalmente da taxa de juros. A poupança é a parcela da renda não consumida pelos agentes econômicos. A decisão de não consumir hoje é uma decisão de consumo intertemporal. Dadas as preferências dos agentes, eles decidem ou não poupar parte da renda, a fim de obter um maior consumo futuro, a ser garantido pela remuneração desta poupança, a taxa de juros. É uma transferência de poder de compra no tempo para o agente poupador e uma transferência de recursos entre os agentes econômicos hoje, já que outros agentes optarão por um dispêndio maior que a renda, para esta mesma taxa de juros. A taxa de juros é o prêmio pela espera dos agentes poupadores, permitindo o maior consumo futuro. Quanto maior esta taxa de juros, maior será o número de agentes que optará pelo consumo futuro, ou seja, uma maior parte da renda será destinada à poupança no presente. Desta forma, tanto consumo quanto poupança são funções da taxa real de juros, que permite avaliar o poder de compra futuro, ao contrário da taxa nominal de juros. O consumo é função decrescente desta taxa e a poupança é função crescente. A poupança agregada é igual à oferta de fundos no mercado financeiro, que é composta de títulos, e não moeda, pelo simples fato desta não pagar juros. A captação por fundos no mercado financeiro é realizada pelos investidores da economia, que são os responsáveis pelo acréscimo do estoque de capital da economia, o qual permitirá a maior produção futura possibilitando, assim, o maior consumo dos agentes poupadores. A taxa de juros representa o custo do investimento, pagamento pelo empréstimo que viabilizará a aquisição de bens de capital. Ela é também o custo de oportunidade de não aplicar em títulos, no caso de imobilização da moeda como ativo. Como supostamente a produtividade marginal do capital é decrescente, investimentos adicionais trazem menores retornos. Destes fatores tem-se que a demanda por investimento é função decrescente da taxa de juros. Definem-se as seguintes relações: S(r); S’(r) > 0 I(r); I’ (r) < 0 Tanto para o tomador de empréstimo quanto para o aplicador, o que interessa é a taxa de juros real, que representa os ganhos e perdas em termos de bens (produtos). Assim, 10 a taxa r representada acima é a taxa real de juros. No encontro entre as curvas S(r) e I(r) teremos a determinação da taxa de equilíbrio re e dos níveis de poupança e investimento de equilíbrio S(re) e I(re). A taxa de juros real é determinada no equilíbrio entre as preferências intertemporais dos indivíduos quanto ao consumo futuro e presente e a produtividade marginal do capital. Ela não é afetada pela política monetária, que só afeta a taxa nominal de juros ao alterar o nível de preços. Pela equação de Fisher, a taxa nominal de juros seria definida como a soma da taxa real de juros com a taxa de inflação esperada. Assim, uma alteração da inflação esperada alteraria a taxa de juros nominal, mas não a real. No gráfico 1.2.1 abaixo, S2 representa uma curva de poupança onde a preferência por consumo futuro é maior que em S1. A quantidade de recursos transferidos dos poupadores para os investidores é maior, quanto maior for a preferência por consumo futuro, sendo o mercado de capitais e as instituições financeiras os intermediários desta transferência de recursos. Gráfico 1.2.1: Taxa de Juros Para Curvas de Poupança Com Diferentes Preferências i S1 S2 I S,I Mais tarde, outros economistas procuraram elaborar o modelo clássico, impulsionados pelo surgimento da teoria de Keynes, que a rivaliza. O modelo de Keynes é apresentado na próxima seção e depois são apresentadas as principais contribuições aos modelos, tanto da teoria clássica quanto da teoria keynesiana. 11 1.3. O Modelo de Keynes Na sua “Teoria Geral”, Keynes considera que um indivíduo se depara com duas decisões básicas: quanto de sua renda ele vai consumir e de que forma a renda não consumida será poupada. O agente pode decidir manter a renda não consumida na sua forma líquida, moeda, ou abdicar desta em prol de outros ativos financeiros, o que o deixa à mercê das condições futuras pelas quais este poder aquisitivo poderá ser convertido novamente à sua forma líquida. Antes de Keynes a possibilidade de reter moeda como poupança não foi considerada e, segundo o autor, nisto estaria o erro de análise dos economistas clássicos. A taxa de juros é por definição o prêmio pela renúncia à liquidez, medindo a relutância dos agentes que possuem dinheiro em alienar o seu direito de dispor deste dinheiro. Ela concilia o desejo de manter a riqueza em forma líquida com a disponibilidade de moeda. Para uma determinada quantidade de moeda disponível, caso se reduzisse a taxa de juros, prêmio por abdicar da liquidez, mais agentes prefeririam manter sua riqueza em moeda, fazendo com que a demanda por moeda excedesse a oferta de moeda. Se a taxa de juros, ao contrário, aumentasse, menos agentes demandariam moeda gerando um excedente de moeda que não seria retido. Assim, a taxa de juros se define no equilíbrio entre a oferta monetária da economia e a demanda por moeda, que expressa a preferência por liquidez dos agentes. Para Keynes, a existência de incerteza quanto à taxa de juros futura é fundamental para que as pessoas demandem moeda como ativo. Esta incerteza é associada à dificuldade de estimar o risco de incorrer em perdas, caso seja necessário se desfazer de um ativo financeiro antes do prazo de vencimento, por necessidade de liquidez. Existindo um mercado organizado para lidar com débitos, como os agentes vêem o futuro de forma diferente, uns agentes tentarão realizar lucros em cima de outros através da compra ou da venda de moeda. O comportamento destes agentes tem, então, seu efeito sobre a preferência por liquidez. No mercado vão existir indivíduos “baixistas”, que acreditam que o preço dos ativos vai cair e a taxa de juros vai aumentar, e “altistas”, que acreditam que os preços dos ativos vão subir e a taxa de juros vai diminuir. O preço do mercado se fixa no nível em que a venda dos “baixistas” se equilibra com as compras dos “altistas”. 12 Keynes subdivide a demanda por moeda em três, segundo os motivos que levam a tal demanda. Existe o motivo transação, que é a necessidade de moeda como meio de pagamento para as trocas pessoais e comerciais. Existe o motivo precaução, que é a necessidade de moeda como garantia de segurança para que não falte liquidez diante de uma transação imprevista. O terceiro é o motivo especulação, que é a demanda por moeda visando ganhos, lucros, através da especulação quanto à taxa de juros futura. Esta é a preferência por liquidez. O motivo transação e o motivo precaução são uma função do nível de renda e atividade econômica, que quando aumentam geram uma maior busca de moeda para fazer frente ao maior número de transações. São pouco dependentes, no entanto, da taxa de juros, uma vez que os pagamentos deverão ser feitos independentemente da taxa. Uma queda na taxa de juros aumenta a renda nacional, pois estimula um maior investimento, aumenta o nível de emprego, ao reduzir o custo de oportunidade e captação dos investimentos. Esse aumento da renda gera uma maior demanda por moeda pelo motivo transação e a queda na taxa de juros reduz o custo da conveniência de reter moeda, aumentando a preferência por liquidez. É de se esperar que um aumento na oferta de moeda acarrete numa redução da taxa de juros, se a preferência por liquidez não se alterar, mas nada garante que esta não se altera. A curva de demanda por moeda pode se deslocar, de acordo com as expectativas dos agentes econômicos. Caso a preferência por liquidez aumente mais que a oferta de moeda, esse resultado esperado não vai ocorrer. Para efeito ilustrativo podemos dividir o montante de recursos líquidos total M em duas partes M1 e M2, onde M1 é a parte do montante utilizada para o motivo transação, e M2 a parte do montante utilizada para o motivo especulação; definindo M1 = L1(Y) como uma função de liquidez que depende do nível de renda Y e M2 = L2(r) como uma função de liquidez que depende da taxa de juros. Uma variação em M, ou seja, um aumento da oferta monetária determinado pela autoridade monetária, faz com que a taxa de juros r se reduza, por criar um excesso de moeda no mercado. A queda da taxa de juros aumenta M2, uma vez que o número de agentes esperando uma nova queda da taxa de juros diminui. Isso significa que haverá um número menor de agentes “altistas” (demandando títulos). Se as expectativas forem boas, a queda na taxa de juros também vai estimular o investimento, aumentando a renda, com isso aumentando M1. No equilíbrio, a divisão do incremento de 13 recursos líquidos entre M1 e M2 depende da reação do investimento à queda da taxa de juros e da renda a um acréscimo do investimento. Sendo Y dependente de r através do investimento, uma variação em M acarreta uma variação em r suficiente para que a soma das variações resultantes de M1 e M2 iguale a variação em M. 14 1.4. Desenvolvimentos Críticos à Teoria de Keynes 1.4.1. Notas de Ohlin Sobre Taxa de Juros, Poupança e Investimento Ohlin começou a expor suas idéias num artigo de março de 1937 (Ohlin,1937a). Ele acreditava que a conexão entre as decisões de consumo e a parte da renda destinada ao consumo não existe de forma análoga entre as decisões de investimento e a parte da renda destinada à poupança. São indivíduos diferentes que tomam as decisões de poupança e investimento, não havendo garantias de que o volume de ambos se iguale, de modo que a taxa de juros tem um papel na equalização destes. A aquisição de bens e serviços tem a finalidade última do consumo ou do investimento. No caso do investimento, o empreendedor possui expectativas quanto a eventos futuros que podem não estar sobre seu controle e um conhecimento de seu potencial produtivo. Através destas expectativas ele faz um plano para o próximo período1, que é levado à diante. O plano diz respeito somente às ações do empreendedor e é uma decisão “ex-ante”. Um plano de investimento envolve necessariamente uma receita futura esperada do investimento, assim como um custo esperado, aí se incluindo a taxa de juros esperada. Basicamente o empreendedor vai estar formando com isso a sua expectativa de lucro, mas não vai levar adiante todos os investimentos com taxa de retorno maior que taxa de juros esperada. Somente alguns investimentos lucrativos são levados para frente, pois o empreendedor esbarra num limite de crédito. Os recursos financeiros da firma podem não ser suficientes, ou talvez a firma tenha um maior grau de aversão ao aumento do endividamento, mesmo sendo capaz de tomar empréstimos. A aquisição de bens e serviços para o consumo também depende de expectativas; quanto a suas necessidades presentes e futuras (preferências dos agentes), quanto aos preços e quanto à renda futura. Segundo Ohlin, a expectativa quanto à renda futura não se limita ao próximo período apenas, ela leva em consideração um período mais extenso no futuro, baseando-se na transitoriedade da renda futura esperada. Se o agente crê que sua renda num futuro mais distante tende a ser menos elevada que a sua renda atual e de 1 Ohlin assume este período como sendo aquele em que o empreendedor não muda seu plano até o começo do período seguinte. 15 períodos futuros mais próximos, suas decisões de consumo presentes e futuras vão levar isto em consideração. A partir de tais expectativas, os agentes determinam seu consumo planejado, também considerando a oferta de crédito, a qual funciona para o consumo como um fator limitante. Voltando a considerar investimento e poupança, temos que o investimento planejado não precisa ser igual à poupança planejada, mas ao final do período, o investimento realizado é igual à poupança realizada. Ohlin explica o motivo: uma desigualdade entre o investimento planejado e a poupança planejada dá início a um processo pelo qual a renda realizada difere da renda planejada e conseqüentemente leva a uma poupança realizada diferente da poupança planejada e o mesmo para o investimento. Ohlin dá os seguintes nomes às diferenças entre os planejados e os realizados de investimento, poupança e renda: investimento novo inesperado, poupança não intencional e renda inesperada. Por exemplo, um saldo extra de renda pode levar o agente a poupar mais do que o planejado, em valor igual a este saldo. De modo semelhante, um estoque maior que o esperado pelo empreendedor cria um investimento inesperado: “Suponha que as pessoas tenham decidido reduzir sua poupança para ter seu consumo aumentado em 10 milhões, se comparada ao consumo e à poupança do período anterior. Elas não esperam nenhuma alteração de sua renda. Suponha também que no período anterior o investimento planejado foi igual ao realizado. Qual o resultado? As vendas de consumo vão aumentar em 10 milhões e os estoques dos vendedores se reduzirão em sete milhões, levando-se em conta que os outros três milhões sejam a renda extra dos vendedores. Esses 10 milhões são poupança não intencional. A poupança realizada diminui em apenas 7 milhões, mesmo valor do investimento realizado. No próximo período, o investimento planejado dos vendedores será maior assim como as expectativas de renda futura serão mais favoráveis, de modo que o consumo planejado aumente. Nesse segundo período, tanto consumo quanto investimento será maior, dado que a propensão a poupar não mude. A produção vai aumentar, ou os preços vão subir, ou ambos. Enquanto a poupança planejada for um pouco superior à do período anterior, devido à melhor expectativa dos vendedores quanto à renda, o investimento planejado vai aumentar ainda mais, pois os estoques devem ser reabastecidos. Então, durante este período também, investimento planejado supera poupança planejada, e o processo de expansão da soma das transações – e, portanto, quantidade, preço, ou ambos - vai continuar”. (Ohlin, 1937a, página 65.) Um processo similar ocorre se a mudança original for um aumento do investimento planejado desacompanhado de um aumento da poupança planejada. É importante perceber 16 que as reações ao desequilíbrio entre o planejado e o realizado através das aquisições para consumo e investimento dependem fundamentalmente da velocidade em que as expectativas sobre lucro e renda são afetadas, da velocidade em que a quantidade de moeda nas mãos dos agentes (firmas ou indivíduos) varia, da vontade das instituições de crédito de conceder crédito e da efetiva quantidade de moeda e crédito disponível no momento em que ocorre o desequilíbrio primariamente. Se os recursos forem amplos, a movimentação dos meios de pagamento deve ter pouca influência no processo, sendo o fator principal as expectativas (que determinam o desejo de gasto dentro do limite de capacidade para tal). Uma melhoria das expectativas sobre lucros ou uma redução dos juros podem aumentar o volume de investimento. Segundo Ohlin, isso faz com que uma maior renda seja criada gerando com isso uma popança maior e um aumento na poupança planejada. “Ex-post” o excesso de renda em mãos das pessoas não foi consumido e se torna poupança, igualando investimento e poupança realizados. A partir do que já foi exposto no artigo de março, Ohlin tira as seguintes conclusões num segundo artigo escrito em junho de 1937 (Ohlin, 1937b): a taxa de juros não é determinada pelo equilíbrio entre poupança e investimento (ou oferta e demanda de poupança, como ele também define), pois estes são iguais “ex definitione”, para qualquer nível da taxa de juros. A taxa de juros também não equilibra poupança e investimento planejados, pois estes, como já foi dito, podem ser diferentes. Como então a taxa de juros é determinada? Para Ohlin, ela nada mais é que o preço do crédito, sendo determinada pela oferta e demanda de crédito. Isso não significa, no entanto, que ela não afete as decisões de poupança; significa que essa relação é indireta. O equilíbrio assim determinado veio a ser conhecido como a teoria dos fundos emprestáveis, principal teoria rival à teoria keynesiana de preferência por liquidez. Dada uma disposição a poupar e certas expectativas de renda e consumo, a taxa de juros determina o volume de investimento, segundo as expectativas de lucro, e determina a maneira pela qual a produção, as trocas e os preços se desenvolvem. A definição de uma taxa de juros considerada normal para a economia é arbitrária, pois depende de que tipo de desenvolvimento econômico é esperado, expectativa que pode se alterar a qualquer instante. O fato é que qualquer taxa de juros compatível com a expectativa de 17 desenvolvimento econômico poderá ser chamada de normal, sendo a poupança e o investimento associados a tal expectativa também chamados de normais. Caso a taxa estivesse abaixo deste normal e o volume de investimento fosse mais elevado, um processo de ajuste expansionista seria iniciado, pelo qual resultaria produção, preços ou ambos mais elevados aumentando a quantidade total de poupança. Como o desenvolvimento econômico “ex definitione” difere daquele tido como normal, a poupança extra também será diferente da poupança tida como normal. Existem ainda outros fantasmas no que concerne a taxa de juros normal. Não é certa a existência de uma taxa de juros que garanta o desenvolvimento normal, assim como é possível que existam várias taxas de juros que o permita. Numa análise dinâmica, a idéia de uma taxa de juros de equilíbrio deve ser abandonada, devido ao grau de arbitrariedade envolvendo as suposições sobre o desenvolvimento considerado normal. Ohlin expõe o fato de que “ex post” o novo crédito ofertado no período iguala a soma das poupanças individuais positivas e considera que alguém que use sua própria poupança oferece crédito para si mesmo, não influenciando o preço do crédito. Assim, o preço do crédito, que é dado pela taxa de juros, está ligado à atividade econômica, sendo a poupança parte desta atividade. Entretanto, a relação de causalidade que explica a determinação da taxa de juros se dá “ex ante”. A quantidade de ativos financeiros ofertados e demandados, ou seja, o mercado de crédito, depende da taxa de juros, que em última instância é determinada pelo preço negociado destes ativos, que é definido no equilíbrio entre demanda e oferta de ativos. Quanto ao mercado por moeda (“cash”) e outros ativos de alta liquidez, Ohlin faz referência ao trabalho de Keynes, fazendo as seguintes considerações: o sistema bancário não determina a quantidade total de moeda (“cash”), esta é determinada pela ação de vários indivíduos e do desenvolvimento econômico assim como qualquer outro ativo financeiro. O mercado de moeda (“cash”) não tem uma posição mais relevante que a de outros mercados, é apenas mais uma forma sob a qual um agente pode manter sua riqueza. Segundo Ohlin, a teoria da taxa de juros pode ser dividida em três partes: a primeira, que concerne a sua determinação2 no mercado de ativos através de seus preços, aí se 2 Na verdade, Ohlin afirma que várias taxas de juros são determinadas neste mercado, pois dados diferentes níveis de risco ou simplesmente maturidades diferentes, cada ativo terá um diferente preço, de acordo com a 18 incluindo a política creditícia dos bancos. A segunda, que concerne ao efeito da taxa de juros determinada sobre o investimento e a poupança planejados e realizados, assim como o seu movimento. A terceira, que concerne à ligação entre os processos de poupança e investimento e o próprio mercado de ativos. O desejo de ofertar e demandar ativos está muito relacionado com as variações da renda e da poupança planejada dos consumidores e dos empreendedores. O que importa economicamente para Ohlin é descobrir como os desencontros entre o planejado e o realizado interferem nas expectativas futuras a ponto de mudar o curso dos eventos futuros. Mesmo que o investimento planejado igualasse a poupança planejada, isso não garantiria um cenário de estabilidade, uma vez que a confirmação “ex post” entre o realizado e o planejado poderia alterar as expectativas, tornando-as mais positivas, por exemplo, quando os agentes no período findo tenham esperado crescimento de renda e nível de emprego e passem a esperar um crescimento ainda maior no período que se inicia. Caso o maior investimento tenha sido influenciado por antigos contratos que expiraram neste período, provavelmente as expectativas quanto a um crescimento ainda maior não serão realizadas, causando novos ajustes econômicos. Parece improvável que o sistema convirja para uma direção definida, ou que mesmo diante de uma direção, ao chegar-se nela, não se saia dela. Num artigo de setembro de 1937 (Ohlin, 1937c), Ohlin faz um maior esclarecimento do que ele considera ser a diferença entre “ex ante”, quando as curvas de demanda e oferta de crédito não se encontram em equilíbrio, e “ex post”, quando estas estão em equilíbrio, definido na interseção das curvas. As curvas expressam os planos possíveis para o crédito (“claims”), cuja quantidade e preço serão definidos no equilíbrio. Caso uma taxa de juros fosse autoritariamente fixada abaixo da taxa que prevaleceria no livre mercado, o investimento “ex post” e a poupança “ex post” continuariam sendo iguais, mas o mercado de crédito não estaria equilibrado, pois teria sido oferecido menos crédito que o demandado. Assim, não se pode afirmar que oferta e demanda de crédito são o mesmo que poupança e investimento3. demanda e oferta pelos diferentes prazos e riscos em ativos, com isso determinando as várias taxas do mercado. 3 Esse esclarecimento se deu devido a uma crítica feita por Keynes em “Alternative Theories of the Rate of Interest” (The Economic Journal, june, 1937), sugerindo que ao definir o crédito líquido ofertado num período 19 Enquanto que a poupança e o investimento serão iguais “ex post”4, qualquer que seja a taxa de juros, só haverá uma taxa de juros que equilibrará o mercado de crédito para cada tipo de ativo, aí incluindo-se a moeda. Não existe um mercado para poupança e investimento, mas existem curvas para investimentos planejados e uma curva de disposição entre consumir ou não toda a renda, por parte dos agentes. A relação entre estas curvas e as curvas de demanda e oferta de crédito são próximas, ou estão inter relacionadas, mas não são a mesma coisa. Pode-se dizer então, que poupança e investimento afetam o mercado de crédito, pois mudam a demanda e oferta de crédito (“claims”). Ohlin considera que a determinação das taxas de juros para os diversos ativos no mercado de crédito iguala a atratividade destes ativos e a moeda, não contradizendo a teoria keynesiana. Ohlin também considera que não há contradição entre sua teoria e a teoria keynesiana quanto ao papel da renda no equilíbrio entre poupança e investimento. Ohlin acredita que a diferença entre sua teoria e a de Keynes está no papel da preferência por liquidez na determinação da taxa de juros, que na teoria de Ohlin não seria fundamental, mas uma mera parte do mercado de crédito. Em suma, Ohlin criticou Keynes, alegando que os investidores, por precisarem de mais recursos do que dispõem, necessitam de crédito, que seria provido por agentes demandando ativos financeiros. Como os planos de ambos podem não coincidir, a taxa de juros deveria variar de modo a acomodar este desajuste entre demanda e oferta de crédito e ativos financeiros (equilíbrio “ex-ante” da taxa de juros). Essa é a teoria dos fundos emprestáveis: poupança planejada financia investimento planejado. Para Ohlin, poupança e investimento estariam proximamente associados à idéia de demanda e oferta de crédito, pois o desejo de poupar e investir seriam os maiores determinantes da emissão de ativos e sua procura. A demanda especulativa de moeda de certos agentes, definida por Keynes, nada mais seria que oferta de crédito para eles mesmos, de modo que eles não pressionariam o mercado de crédito. Isso deixa claro que para Ohlin esta demanda não seria liquidez fora de circulação, como definira Keynes. como o valor monetário do incremento de ativos deste período e ao considerar a quantidade de crédito líquido ofertado dependente da taxa de juros, Ohlin nada mais está dizendo que a quantidade de poupança depende da taxa de juros, como prega a doutrina clássica. 4 Isso devido ao fato já mencionado da existência de poupança e investimento não intencionais. 20 1.4.2. O Modelo de Modigliani Modigliani (Modigliani, 1944) teoricamente aceita as proposições sobre juros, poupança e investimento apresentadas por Keynes. A partir de sua interpretação pessoal sobre tais proposições ele apresenta um modelo dividido em quatro etapas: a primeira faz uma análise da teoria keynesiana sobre a taxa de juros; a segunda avalia as repercussões do abandono de algumas hipóteses de Keynes; a terceira parte propõe uma teoria para a determinação da taxa de juros; e a quarta parte traz suas conclusões. Entretanto, o modelo de Modigliani acaba por integrar as proposições clássicas e keynesianas sobre juros, poupança e investimento. Por esta razão, ele é aqui considerado como um modelo crítico ao apresentado por Keynes, já que Keynes não validava as proposições clássicas. Primeiramente, Modigliani apresenta um conjunto de equações que, para ele, são representativas do modelo de Keynes. Segue o seguinte conjunto de equações: 1. M = L(r, Y) 2. I = I(r, Y) 3. S = S(r, Y) 4. S = I 5. Y = P.X 6. X = X(N) 7. W = X’(N).P Onde Y é a renda nominal; M é a quantidade de moeda no sistema; r é a taxa de juros; S e I são poupança e investimento nominais; P é o nível de preços; N é o nível de emprego; W é o salário nominal; X é o índice de produção física; X’ é a derivada de X. Ao apresentar a teoria keynesiana, Modigliani apóia-se no modelo IS-LM de Hicks (1937). Define-se a demanda por moeda em duas partes: a demanda transacional de moeda e a demanda por moeda como ativo financeiro (reserva de valor). A demanda transacional de moeda é aquela que determina a quantidade de moeda necessária ao agente econômico para pagar suas despesas (decisões de gasto) do período. A cada período o agente (ou a firma) decide o quanto vai gastar ou poupar de sua renda e como dispor dos ativos que já possui. A poupança é o incremento líquido de seus ativos, que podem ser retidos na forma de títulos, moeda, ou ativos físicos. Este último no caso dos 21 agentes definidos como empreendedores, portanto relacionado com as decisões de investimento. A decisão quanto aos gastos não é rigorosa, mas apenas um planejamento, de modo que ele pode decidir manter mais moeda que o planejado, a fim de não ser surpreendido pela falta de moeda, caso seus gastos ultrapassem seu plano. A demanda transacional de moeda não é influenciada pela taxa de juros (pois não é retida como ativo), mas pela renda, que está relacionada com a atividade econômica, o nível de transações em ocorrência. A demanda por moeda como ativo pode ser explicada da seguinte forma: A moeda seria um ativo melhor que os outros por ser um meio de troca e não envolver riscos (tem preço fixo), enquanto títulos, por mais líquidos que sejam, não são meios de troca e envolvem algum grau de risco, já que não têm preços constantes (quando a taxa de juros varia, seus preços se alteram). Títulos com maior prazo envolveriam maior risco, uma vez que se torna mais difícil prever a taxa de juros futura (e, portanto, o preço futuro do ativo), assim como a renda futura, que pode criar a necessidade de se desfazer do ativo antes de sua maturidade. Assim, a taxa de juros seria uma maneira de compensar estas desvantagens entre moeda e títulos, e tornar os agentes indiferentes entre estes. A quantidade de agentes (ou firmas) a possuírem moeda ou títulos vai depender das preferências dos agentes, que podem ser agregadas em uma curva de demanda por moeda como ativo. Certamente existiria uma taxa de juros limite acima da qual todos os agentes optariam pela posse de títulos (r’), assim como uma taxa de juros limite abaixo da qual todos os agentes optariam por moeda (r’’). Assim, a demanda por moeda total se subdivide em duas partes: a demanda por moeda transacional, Dt(Y), e a demanda por moeda com ativo, Da(r). A demanda total deve igualar a oferta total de moeda no sistema (M). Para Modigliani, ao subtrair da oferta de moeda do sistema a demanda transacional de moeda, estar-se-ia definindo a oferta de moeda disponível como ativo financeiro: Sa = M – Dt (Y). A taxa de juros seria determinada no equilíbrio ao se defrontar essa oferta Sa(Y) com a demanda por moeda como ativo financeiro Da(r). Pode ser percebido que a oferta de moeda como ativo, tal como foi aqui definida, é uma função do nível de atividade, uma vez que depende da demanda transacional de moeda, que reduziria esta oferta no caso de um aumento no nível 22 de renda5. Isso pode ser visualizado no gráfico abaixo6, em que Sa1 representa a oferta de moeda quando há um maior nível de atividade que Sa2 e Sa3. Gráfico 1.2.3.a: Taxa de Juros Para Diferentes Níveis de Atividade Econômica r Sa1 Sa2 Sa3 r' r1 r2 r'' = r3 Da Modigliani parte então para a análise da poupança, investimento, renda, emprego e suas relações. Existe obrigatoriamente a igualdade entre investimento e poupança, sendo o investimento função da renda nominal e da taxa de juros, I(r, Y) e a poupança função dos mesmos S(r, Y). No entanto, o efeito da taxa de juros sobre a poupança é descartado, pois é pequeno (por hipótese de Modigliani). Dado o nível de renda nominal e a poupança, através da curva do investimento, que define para cada nível de renda e taxa de juros o nível de investimento, pode-se determinar a taxa de juros do mercado, uma vez que o nível do investimento será o mesmo da poupança. Se o aumento na renda nominal alterar o desejo de poupar mais que o desejo de investir, a taxa de juros diminuirá. Se o desejo de investir aumentar mais que o desejo de poupar, ela aumentará. Modigliani considera que, normalmente, a poupança deve ser mais sensível que o investimento, o que define a curva IS, formada pelos pontos de equilíbrio 5 Percebe-se que é uma maneira diferente de expor o modelo IS-LM em sua forma mais usual, onde se defronta a oferta total de moeda M fixa com a demanda total de moeda L = Dt(Y) + Da(r), que é função tanto da taxa de juros quanto da renda. Os resultados são os mesmos. 6 O gráfico supõe que só vai haver uma taxa de juros, ao invés de um sistema de taxa de juros para títulos com diferentes durações. Podemos, entretanto, considerar que as taxas dos diferentes títulos mudariam na mesma direção, mesmo que estas dependam em grande parte das expectativas quanto a taxa de juros futura dos detentores destes títulos, cujas elasticidades vão determinar o grau de impacto da alteração da taxa “spot” de juros. 23 entre poupança e investimento para diferentes níveis de renda e taxa de juros (ou de outra forma, entre entrada e saída de fluxos monetários). Como vimos anteriormente, para Modigliani, a taxa de juros era definida no mercado monetário quando a oferta e demanda de moeda como ativo financeiro se igualassem. Contudo, tal taxa seria de equilíbrio apenas no curto prazo, de modo que para o longo prazo seria preciso que o preço e a quantidade demandada e ofertada de moeda não mudassem mais. Isso só vai ocorrer quando taxa de juros definida no mercado monetário se igualar à taxa de juros definida pelas curvas de investimento e de poupança, momento em que poupança e investimento não mais se alteram. Afinal, são as variações entre os níveis de poupança e investimento que levariam às alterações da demanda total de moeda e da oferta de moeda como ativo, assim definida: Sa = M – Dt (Y). O processo ocorreria da seguinte maneira: a cada período, os agentes aumentam seu estoque de ativos no montante da poupança; o dinheiro não gasto aumenta o estoque de moeda mantido como ativo na economia. Empréstimos, entretanto, diminuem a oferta de moeda como ativo (pois a demanda por moeda transacional aumenta) e devolvem a moeda para circulação através de consumo ou investimento. Se a poupança líquida superar o empréstimo líquido, a oferta de moeda como ativo aumenta em relação ao período anterior. Dado o aumento da oferta de moeda como ativo, a demanda por moeda como ativo se equilibrará à oferta num nível de taxa de juros menor (irão comprar títulos até que a taxa de juros chegue ao novo nível de equilíbrio). O raciocínio é análogo para um empréstimo líquido maior que uma poupança líquida, quando a oferta de moeda como ativo se reduz, elevando assim a taxa de juros. Conclui-se do que foi exposto que a taxa de juros será de equilíbrio no longo prazo se a poupança líquida igualar o empréstimo líquido e também a demanda por moeda como ativo igualar a oferta de moeda como ativo, de modo que Da(r) = M – Dt (Y). Isso implica que os fluxos de poupança e empréstimos sejam constantes no tempo, o que só será possível se os empréstimos forem iguais ao investimento e se a renda for grande o suficiente para induzir os agentes a pouparem esse mesmo montante. O equilíbrio é ao mesmo tempo um ponto da curva IS e da curva LM (interseção das curvas), a LM sendo a curva formada pelos pontos que equilibram a demanda e oferta de moeda como ativo, para 24 diferentes níveis de renda e taxa de juros (ou equilíbrio entre procura e oferta pelo estoque de moeda). Podemos representar graficamente este equilíbrio: Gráfico 1.2.3.b: Taxa de Juros em Equilíbrio de Longo Prazo r IS LM r3 re IS r1 r2 Ye Y1 Y No gráfico, Y1 representa a renda nominal de pleno emprego (sob o nível salarial histórico wo), a partir da qual uma maior renda nominal não altera a taxa de juros real r1, já que o efeito da inflação mantém a renda real inalterada, e os incremento do investimento e da poupança se dão na mesma proporção. A taxa de juros não cai abaixo de r2, quando o mercado passa a esperar o aumento da taxa e deixa de demandar títulos, a demanda por moeda se torna infinitamente elástica (horizontal), de modo que o aumento da oferta de moeda não afeta a taxa de juros. Acima de r3, a demanda por moeda passa a ser nula, pois todos os agentes vão demandar títulos. Fica claro que, no equilíbrio, o nível de emprego só corresponderá ao pleno emprego caso a IS intercepte a LM no ponto (Y1, r1) ou à direita dele. O nível de emprego está associado ao “quantum” de dinheiro como ativo, que depende da taxa de juros, logo da propensão a poupar e a investir. O importante aqui é perceber que o modelo IS-LM define que a taxa de juros de equilíbrio no longo prazo é aquela que equilibra não só a preferência por liquidez (demanda e oferta de moeda como ativo), mas também a poupança e o investimento. Esta é a interpretação de Modigliani do modelo keynesiano. Resumindo o modelo, a taxa de juros é determinada pela propensão a poupar e a investir e pela preferência por liquidez. No curto prazo ela é determinada pela preferência por liquidez (ou pela oferta e demanda de fundos emprestáveis), mas é insuficiente para 25 explicar porque esta flutua ao redor de um determinado nível. Não explica porque países com grande poupança como a Inglaterra tem taxas de juros baixas e países menos desenvolvidos e com menor poupança tem taxas de juros altas. A explicação para isso estaria em fatores mais fundamentais, tecnológicos e psicológicos, como a eficiência marginal do investimento e a propensão a poupar. Estes direcionam a taxa de juros de curto prazo para um nível que equilibre não só o mercado de fundos emprestáveis, mas os fluxos de poupança e de investimento no longo prazo.7 7 Como uma tentativa a mais de integrar as teorias, Modigliani também define em seu trabalho dois casos extremos, que ele chamou de caso keynesiano e caso clássico. Como deve existir uma taxa de juros r’’ (ver gráfico 2.2.3.a.) tal que a demanda por moeda se torne infinitamente elástica, o caso keynesiano seria aquele onde a taxa de juros de pleno emprego é menor que a taxa r’’. O caso clássico seria aquele em que a taxa de juros de equilíbrio fosse igual ou maior que a taxa de juros r’ (ver gráfico 2.2.3.a.), onde a demanda por moeda seria irrelevante. A IS interceptaria a LM onde esta fosse perpendicular (Acima de r3 no gráfico 2.2.3.b.). Nesse caso, aumentos da taxa de juros não alteram a demanda por moeda-ativo, que é nula. 26 1.4.3. O Modelo Shaw-Mckinnon Shaw (E. Shaw,1973) e Mckinnon (R. Mckinnon, 1978) procuraram, em trabalhos separados, determinar os fatores limitantes da capacidade de crescimento dos países menos desenvolvidos. Para isso, eles fizeram uso da abordagem de Modigliani para a determinação da taxa de juros. Sendo a taxa de juros de longo prazo determinada no equilíbrio entre poupança e investimento, os autores pretendiam mostrar que taxas de juros reais baixas impediriam uma maior taxa de poupança nestas economias. Seus trabalhos fundamentam mais uma crítica ao modelo de Keynes, uma vez que estes autores defendem a relação de causalidade entre a taxa de poupança da economia com a taxa de crescimento econômico, e a relação de causalidade entre a taxa de poupança da economia com a taxa de juros real e com a capacidade de financiamento do investimento. Segundo os autores, a taxa de poupança é uma função da taxa real de juros, sendo maior quanto maior a taxa de juros real. É também a taxa de poupança que determina a taxa de crescimento da economia: quanto maior, maior a taxa de crescimento. O mercado financeiro livre, com liberdade de escolha e perfeita flexibilidade de preços, determina a taxa nominal e real de juros “eficientes”, por conduzir a uma melhor alocação de recursos na economia, já que permite ao mercado incorporar todas as preferências dos agentes em relação aos retornos e riscos esperados8. Estas taxas permitirão que a taxa de poupança e de crescimento atinjam seus níveis ótimos, que são seus máximos possíveis. Quando esse mercado financeiro não é livre (existem restrições legais ao ajuste da taxa de juros às expectativas dos agentes), as taxas de juros não atingem seus níveis “eficientes”, logo, as taxas de poupança e de crescimento não atingem seus máximos. A “repressão financeira” imposta pela excessiva intervenção dos governos sobre seus mercados financeiros seria, então, responsável pela artificialidade destes mercados e pela ineficiente determinação da taxa de juros, da taxa de poupança e de crescimento. Segundo os autores, um processo de liberalização financeira levaria naturalmente a um aumento das taxas de juros nominais e conseqüentemente das taxas de juros reais. Sensível ao aumento destas taxas, a taxa de poupança da economia também aumentaria, propiciando 8 Isso corresponde à aceitação da hipótese de mercados eficientes. 27 uma maior taxa de crescimento. Uma vez desregulamentado, o mercado financeiro operaria de forma Pareto eficiente. A relação de causalidade entre a taxa de poupança e o processo de financiamento dos investimentos está intrinsecamente relacionada à adoção pelos autores da Teoria dos Fundos Emprestáveis, desvencilhando-se da Teoria da Preferência por Liquidez de Keynes. Na visão dos autores, a taxa de poupança não é rígida, sendo administrável através de política financeira. A igualdade S = I, analisada do ponto de vista da Teoria dos Fundos Emprestáveis, não é apenas uma relação de equilíbrio, mas de causalidade: Uma maior poupança gera um maior investimento. O processo de financiamento do investimento ou consumo presente dos agentes deficitários não poderia ocorrer sem a poupança, e ele é tanto mais eficiente quanto maior for a liberdade de atuação dos agentes no mercado financeiro globalizado e quanto maior for o grau de desenvolvimento de seus intermediários financeiros. Isso permitiria que a poupança atingisse seu valor máximo, garantindo, inclusive, a melhor taxa de crescimento para essa economia. 28 1.5. Desenvolvimentos da Teoria Keynesiana 1.5.1. “Finance” e “Funding”: O Modelo de Financiamento de Keynes Como o trabalho de Keynes gerou muita polêmica entre os economistas de sua época, foi preciso que ele detalhasse mais o seu argumento em um novo artigo (Keynes, 1937a) e respondesse às críticas e interpretações errôneas sobre seu trabalho. Keynes enfatiza que a taxa de juros é um fenômeno estritamente monetário, que iguala as vantagens entre reter moeda ou título. Explica, de forma mais clara, que para não optar pela retenção de moeda como poupança, tirando-a de circulação, deve ser pago um prêmio que, no equilíbrio, torne o agente indiferente entre moeda e título, a fim de fazê-lo dispor de sua liquidez em prol da liquidez do mercado. A preferência por liquidez dos agentes vai determinar o valor deste prêmio, que é a própria taxa de juros. Diante de uma oferta de moeda fixa, quanto maior a preferência por liquidez dos agentes, maior deverá ser a taxa de juros que fará os agentes optarem por títulos ao invés de moeda. Ainda, se diante de uma oferta monetária fixa e exógena, aumenta a preferência por liquidez, como esta não poderá ser satisfeita, uma vez que está limitada pela oferta de moeda, a pressão vai recair sobre a taxa de juros. Uma maior taxa de juros vai ser oferecida pelos bancos para que mais agentes abdiquem da liquidez em prol de títulos, equilibrando novamente a demanda e oferta de moeda. Entretanto, o valor maior deste artigo estava na explicação de como se daria o financiamento do investimento. O investimento planejado, ou “ex ante” pode necessitar de uma provisão financeira antes de sua efetiva realização, ponte entre a decisão de investir e a efetiva ocorrência do investimento e da poupança. O investidor vai precisar de moeda para fazer o “finance” do investimento, principalmente quando as decisões de investir estão crescendo. Com essa moeda ele vai efetuar gastos de implementação deste investimento. Essa necessidade deverá influenciar a taxa de juros pelo aumento da demanda por moeda. Caso os bancos não aumentem sua oferta de moeda, alguns destes investimentos não serão realizados (podem ter deixado de valer a pena devido a uma maior taxa de juros ou à simples impossibilidade de conseguir financiá-los). Até este momento não se formou poupança (nem investimento), esta não está relacionada de maneira alguma ao “finance”. 29 O “finance” deve ser interpretado como o fluxo de crédito, os empréstimos bancários. Esse fluxo funciona como um fundo que pode ser usado diversas vezes, não absorvendo nem exaurindo recursos (uma vez efetuados os gastos de implementação do investimento, a moeda volta à circulação no mercado). Todavia, a moeda retida pelo motivo de especulação não circula no mercado. Essa preferência por liquidez é uma parte da poupança que não é usada para o financiamento. Isso difere da teoria de Ohlin, que definia a poupança, ou demanda por ativos financeiros, como sendo igual à oferta de crédito. Assim, Ohlin acreditava que a poupança mantida na forma de moeda seria utilizada para o autofinanciamento, ou seja, seria uma oferta de crédito para si mesmo e, portanto, também circularia no mercado. Ao considerar crédito como sendo o “finance”, certamente a demanda por “finance” influenciará a taxa de juros. É uma demanda por recursos líquidos, moeda, em troca de uma dívida a ser paga no curto prazo. O “finance” é uma fonte bastante peculiar e inconstante de demanda por moeda, que influencia a determinação da taxa de juros, surgindo de tempos em tempos, quando o investimento é incentivado. No entanto, a taxa de juros é determinada pela preferência por liquidez do mercado, parcela permanente de demanda por moeda, e fator de determinação do desejo do mercado de prover o “finance”. Ou seja, é a preferência pela liquidez que vai definir a taxa de juros a qual o “finance” será obtido. O passo do novo investimento (limites de capacidade para execução destes novos investimentos) é regulado pelas instituições que permitem o “finance”. Caso os bancos permitam o “finance” do novo investimento, este gerará uma renda extra; desta renda restará uma poupança para fazer frente ao novo investimento. O controle do “finance” regula a taxa de investimento, e expressa o poder dos bancos de controle da oferta de moeda e da liquidez. A novidade no trabalho de Keynes sobre a poupança e investimento está relacionada à desvinculação da taxa de juros do equilíbrio agregado entre poupança e investimento. Estes se igualam da mesma forma que compras e vendas se igualam, de modo que são coisas diferentes, mas de igual valor. Para Keynes o equilíbrio entre poupança e investimento é garantido pelo nível de renda, não pela taxa de juros. A taxa de juros é determinada no momento em que torna igual a atratividade entre manter moeda ou título para os possuidores de riqueza. Ela mede a perda por não trocar a liquidez por ativos financeiros. 30 Uma vez que seu trabalho ainda não tenha sido totalmente compreendido, Keynes (Keynes, 1937b) volta a dar maiores explicações sobre seu modelo econômico de análise da poupança e do investimento, principalmente sobre o conceito de “finance” e “funding” e os fatores que os determinam. A decisão de investimento é tomada “ex ante” uma vez que o crédito ou “finance” precisa ser provido de modo a que esse investimento possa ser efetivado. A quantidade de “finance” demandado não precisa, entretanto, igualar o total de investimento projetado. Quanto à poupança, Keynes considera que não existe uma necessidade de decisão prévia quanto a ela, até porque os agentes não têm certeza quanto a suas rendas futuras. Mesmo que tenham uma noção preliminar desta renda, os agentes não precisam decidir previamente sua poupança, nem precisam determina-la ao mesmo tempo em que o investimento é decidido. Muito menos ainda terem a obrigação de se desfazer de moeda (“cash”), a fim de permitir o “finance” do investimento, antes mesmo de ter em mãos a renda da qual farão alguma poupança. O “finance” é suprido pelos bancos, através de uma mudança de sua política quanto a seus graus de liquidez. Para fazer o “finance” os empreendedores dependem do grau de preferência por liquidez e da política de oferta monetária dos bancos, que determinam a taxa de juros. O aumento da preferência por liquidez dos empreendedores que demandam o “finance” implica numa diminuição da liquidez de quem fornece este crédito, neste período entre o “finance” e o momento em que o investimento é efetivamente realizado. Os bancos é que estariam capacitados para fornecer este crédito, por serem especialistas, por possuírem organização e gerenciamento de fundos de financiamento líquido, e não os agentes que estariam poupando. Se considerássemos que seriam os agentes poupadores os ofertantes desse crédito, estaríamos a considerar que eles fariam uma poupança prévia à sua renda, como exposto acima. A partir do momento em que o crédito concedido é utilizado, gasto, a falta de liquidez é automaticamente liquidada, pois os recursos são novamente disponibilizados no mercado. A taxa de juros é determinada no ínterim entre o desejo dos agentes de estarem mais ou menos líquidos e do desejo dos bancos de ficarem mais ou menos ilíquidos. O “finance” que é requerido para o investimento “ex ante” é liberado pelo investimento “ex 31 post”. Se o fluxo do investimento se mantiver constante a cada período, de modo que o investimento “ex ante” seja o mesmo que o investimento “ex post”, a preferência por liquidez não vai precisar se alterar para prover o “finance” do investimento novo, pois a cada período os gastos de investimento “ex-post” proverão o “finance” necessário ao novo investimento. O “funding” foi definido como sendo a etapa do financiamento dos investimentos que ocorre após o “finance”. Como o “finance” é provido pelos bancos, que fornecem empréstimos com prazos mais curtos, devido aos curtos prazos de captação de recursos, à medida que estes empréstimos contraídos vão vencendo, os investidores fazem a renovação das dívidas. Esta renovação se daria através da emissão de dívidas de prazos mais longos, através da emissão, por exemplo, de títulos e ações. Tal alongamento dos prazos para o pagamento das dívidas se torna possível devido à renda gerada pelo novo investimento, que gera uma poupança de igual proporção à do investimento, para ser alocada pelos agentes. Contudo, a disposição dos agentes em alocar suas poupanças nos ativos ofertados pelos investidores mede a preferência por liquidez da economia. Se as expectativas forem negativas, estes agentes podem não demandar estes ativos de mais longo prazo, optando por reter moeda ou ativos de prazos mais curtos, onde existe menor incerteza sobre os retornos. Estes agentes também poderiam exigir o pagamento de taxas de juros excessivamente altas para que aceitassem alocar suas poupanças nestes ativos. Concluindo, o investimento pode ficar congestionado por falta de moeda (“cash”) para o “finance”, ou pela dificuldade em fazer o “funding”, mas não por falta de poupança dos agentes econômicos, que não tem nenhum compromisso “ex-ante” com esse investimento, pelo simples fato de ainda sequer conhecerem suas rendas. 32 1.5.2. O Modelo Gurley-Shaw O modelo Gurley-Shaw (Gurley e Shaw, 1955) é complexo, atribuindo um amplo papel aos intermediários financeiros, na definição da taxa de juros, na definição da preferência por liquidez, na diluição dos riscos, entre outros. O financiamento toma duas formas diferentes: o financiamento direto e o indireto. O primeiro ocorre quando os agentes deficitários tomam financiamento direto com os agentes superavitários no mercado de capitais. O segundo ocorre quando existem intermediários financeiros nessa transação, de modo que os agentes deficitários e superavitários não entram em contato direto. A poupança agregada dos superavitários chega aos deficitários através das instituições depositárias, que captam recursos com os agentes superavitários e emprestam aos agentes deficitários. Segundo os autores, o financiamento próprio e o direto retardam ou limitam o crescimento, restringindo o crédito aos deficitários e aumentando os riscos de crédito, o que desestimula a poupança dos agentes superavitários. Assim, a função primordial dos intermediários é emitir endividamento próprio, indireto, tomando recursos diretos dos superavitários e alocando recursos aos deficitários. Através da oferta de uma diversificada gama de ativos financeiros, eles contribuem para o estímulo à poupança agregada, assumindo os riscos dos poupadores e melhor direcionando os rumos do crédito, já que possuem melhor acesso ao conjunto de informações da economia. Sendo assim, o total de endividamento tende a aumentar mais rapidamente em relação à renda e à riqueza na presença de intermediários, que são os bancos e outras instituições financeiras não bancárias. Estas últimas oferecem diferentes serviços financeiros, competindo com os bancos, entre si, e com o endividamento direto. Aponta-se, normalmente, a diferença que bancos criariam fundos emprestáveis enquanto outras intermediárias apenas transmitiriam ou realocariam estes fundos. Isso não é verdade, pois intermediárias financeiras não bancárias utilizam os mecanismos de pagamento, administrados pelo sistema bancário, para suas operações. Isso as torna criadoras de crédito tanto quanto os bancos. O que interessa é a preferência dos agentes em reter depósitos, moeda, ou outros ativos financeiros. 33 Estando os bancos comerciais relacionados aos depósitos à vista, o grau de endividamento absorvido pelos bancos comerciais representa o grau de acumulação de ativos financeiros sob a forma de depósitos e moeda, expressando a preferência dos agentes pela moeda. Para explicar a influência dos intermediários financeiros no financiamento, eles primeiro explicam como funciona o modelo keynesiano tradicional e depois o adaptam. Para Gurley e Shaw, o modelo de Keynes não seria apropriado à análise do aspecto financeiro da economia, já que só existem dois ativos financeiros no modelo, os títulos e a moeda. É sabido que existem diversos ativos financeiros na economia. O modelo desconsidera os intermediários não bancários do sistema financeiro, de modo que não leva em consideração a existência de uma grande diversificação de ativos financeiros. Com isso, Keynes estaria valorizando excessivamente o papel dos bancos como intermediadores do sistema financeiro. Os autores propõem uma adaptação do modelo, que segundo eles permitiria alterações no nível de endividamento da economia. Para o aprimoramento do modelo de Keynes, ele deve integrar os intermediários financeiros e os ativos outros que títulos. Liquidez não é a única diferença entre moeda, títulos e outros ativos financeiros. Cada um deles oferece algum serviço diferenciado, e compete com os títulos. Eles também competem com a moeda, oferecendo menos em liquidez e mais em juros, e outros serviços. A liquidez não deve ser então encarada como o pivô da teoria sobre juros. Ao competir com moeda e títulos, os diversos ativos financeiros da economia, resultante da diversidade de intermediários financeiros, vão exercer um papel fundamental na determinação da demanda por moeda, da taxa de juros, além de uma influência sobre a eficiência da política monetária. Segundo os autores, o papel da poupança neste contexto seria o de gerar os recursos necessários ao financiamento dos investimentos. Com um maior grau de desenvolvimento dos intermediários financeiros e de seus serviços, aumenta a quantidade de agentes que optam por ativos financeiros outros que a moeda, aumentando a oferta de crédito da economia, propiciando o financiamento dos investimentos. Uma estrutura financeira bem desenvolvida propiciaria um ambiente competitivo entre a moeda, os títulos e os diversos 34 ativos financeiros; com isso a tendência seria a redução das taxas de juros como um todo e um aumento da oferta de crédito na economia. Finalmente, para Gurley-Shaw a presença dos intermediários financeiros tem um papel fundamental sobre a política monetária, que quase nega a sua capacidade de atender seus objetivos. Para eles, deveria existir política financeira ao invés de política monetária, pois não adianta limitar ou ampliar a oferta de apenas um ativo financeiro. Na presença dos diversos ativos financeiros, a moeda se torna um percentual cada vez menor do portfolio dos agentes econômicos, de modo que seu controle influi cada vez menos nos fluxos de fundos emprestáveis. Política ou controle financeiro iria regular a criação dos ativos financeiros, sob qualquer forma, e sua alocação no portfolio dos agentes. Ou seja, caberia ao banco central o controle não só sobre a moeda, mas sobre o financiamento indireto. Afinal, é essa gama de ativos financeiros indiretos que passa a representar a maior parte da poupança agregada, competindo com a moeda, e gerando a capacidade de financiamento da economia. 35 1.6. Considerações e Críticas aos Modelos Para os economistas clássicos, o conceito de poupança esteve associado à idéia de consumo futuro. Para aumentar o consumo futuro, dever-se-ia poupar mais no presente. Isso para Keynes foi considerado, desde o início, um erro. A renda reservada para o futuro não tem uma finalidade clara. A negação do gasto no presente não implica um gasto no futuro. Os economistas clássicos também não compreenderam a utilização da moeda como forma de poupança, afinal, quem gostaria de reter moeda sabendo-se que existem outros tipos de ativos que permitem o recebimento de juros? Cabe aqui a avaliação de que é em grande parte o fato da moeda poder ser utilizada como ativo que leva à existência dos tais ativos que pagam juros. A moeda “rende segurança”, enquanto um agente for portador de moeda, ele terá liquidez em suas mãos para adquirir mercadorias e serviços, os quais não poderiam ser adquiridos caso outros ativos fossem portados. É exatamente por isso que para incentivar os agentes a não portarem moeda é preciso ofertar algum ativo que renda juros. Os juros são um pagamento que visa fazer o agente optar por um ativo de maior risco (risco de liquidez, risco de capital, etc). Ainda assim, cada agente econômico poupador vai, segundo suas preferências, decidir se o nível de juros de mercado é suficiente ou não para que ele abdique de sua liquidez. Não há nenhuma garantia de que ao nível da taxa de juros de mercado a demanda de moeda seja nula, como prega a doutrina clássica. Grosso modo, como nem toda poupança rende juros (afinal ela pode ser alocada entre moeda e títulos), o fator determinante da taxa de juros não pode ser a poupança (só a parcela de renúncia à liquidez rende juros). Sendo assim, a taxa de juros é determinada pela disposição dos agentes entre reter ou não moeda, ter ou não liquidez, logo pela preferência por liquidez e pela liquidez disponível no mercado. Na Teoria Geral, Keynes faz uma avaliação da teoria clássica de determinação da taxa de juros e alerta para um ponto importante. Ao determinar a taxa de juros no equilíbrio entre poupança e investimento, ao supormos que uma destas curvas se desloque - por exemplo, a curva de demanda por capital (investimento) - a taxa de juros será determinada no novo equilíbrio entre as curvas. Um dos problemas é que tal análise desconsidera o 36 efeito do novo investimento sobre a renda, ou seja, determina o equilíbrio pressupondo a mesma renda. O fato é que um deslocamento da curva de investimento altera o nível de renda, que altera a curva de poupança. Como resultado deste deslocamento, não há como saber nem o novo nível de renda da economia, nem a taxa de juros, pela teoria clássica. Entretanto, sendo a taxa de juros determinada entre a preferência por liquidez e a oferta de moeda, esse problema é resolvido. Uma vez determinada a taxa de juros podemos encontrar na nova curva de investimento o valor do investimento para esta taxa. Tendo-se o valor do investimento na nova curva podemos determinar a poupança, sabendo que a poupança iguala o investimento. Esta poupança é adequada somente a um dado nível de renda, que fica assim determinada, levando-se em consideração a taxa de juros em vigor. O mecanismo clássico de determinação da taxa de juros só vale se a economia estiver no pleno emprego, quando a renda não se altera. Essa hipótese não é realista, considerando-se que o desemprego é um problema real mesmo nas economias mais desenvolvidas, como a norte-americana. A análise clássica percebeu que a poupança depende da renda, mas ignorou que renda depende do investimento. Assim, não percebeu a relação de causalidade que determina que quando o investimento aumenta, a renda aumenta no grau necessário para que a poupança aumente tanto quanto o investimento. A importância fundamental disto é a percepção de que o investimento e a poupança não determinam a taxa de juros, mas o volume agregado de emprego. Uma menor propensão a gastar passa a ser considerada como um fator de diminuição do emprego, ao invés de aumento do investimento. Especificamente quanto ao trabalho de Ohlin, Keynes diz que ao definir o crédito líquido ofertado num período como o valor monetário do incremento de ativos deste período e ao considerar a quantidade de crédito líquido ofertado dependente da taxa de juros, Ohlin nada mais está dizendo que a quantidade de poupança depende da taxa de juros, como prega a doutrina clássica. Quanto à demanda líquida por crédito, que também dependeria da taxa de juros, ela nada mais seria que a função de investimento líquido a diferentes taxas de juros. As taxas de juros seriam determinadas no equilíbrio entre demanda e oferta, como na doutrina clássica. Ainda, como a poupança e o investimento, a demanda e a oferta líquida de crédito são iguais “ex definitione”, qualquer que seja a taxa de juros. 37 Sendo o investimento obrigatoriamente igual à poupança somente “ex post”, Ohlin critica Keynes, no que se refere à chamada propensão a consumir, que multiplicada pela renda determina o consumo, sendo o restante da renda a poupança e, conseqüentemente, o investimento. Isso segundo Ohlin só é válido num período já findo, de modo que o que Keynes chama de propensão a consumir deveria ser chamado de razão de consumo realizada, que está ligada à renda realizada e determina a poupança realizada que iguala o investimento realizado. Sendo assim, a teoria de Keynes em nada acrescentaria aos estudos econômicos anteriores, sendo uma mera comprovação da validade das definições de poupança e investimento. O sistema não tenderia para um equilíbrio determinado pela quantidade de moeda, pela propensão a consumir, pela eficiência marginal do capital e pela preferência por liquidez. Segundo Ohlin, Keynes estaria assumindo que três destes elementos ficam constantes quando outro varia. A propensão a poupar não é constante, ela flutua influenciando a poupança realizada mais que a poupança planejada, embora na mesma direção. Mesmo que a propensão marginal a poupar e conseqüentemente a poupança planejada fossem constantes, a poupança realizada não seria constante devido ao aumento do investimento e da produção e da existência da poupança não intencional. O multiplicador não é um dado, ele é uma variável. Analisando a teoria keynesiana é possível perceber que Ohlin cometeu um engano ao dizer que ele considera fixa a propensão a consumir, e logo a poupar. Quando Keynes explica o motivo “finance” de demanda por moeda e o processo pelo qual se dá o financiamento do investimento, fica claro que a propensão a poupar não é fixa, uma vez que toda a renda gerada pelo novo investimento realizado através do “finance” é poupada no primeiro momento. Como o aumento do consumo ainda não é possível, devido ao não aumento da produção, essa renda é poupada, indicando uma propensão a poupar igual a cem por cento. É à medida que vai se dando o aumento da produção que esta propensão a poupar decresce, retornando ao seu nível normal, anterior ao novo investimento. Como sinaliza o modelo de Modigliani, deve existir um determinado patamar acima do qual a demanda por moeda é nula e deve existir um patamar abaixo do qual a demanda por moeda é total (a demanda por títulos é nula), mas entre estes dois patamares os agentes econômicos estarão demandando uma cesta de moeda e títulos, buscando em sua poupança 38 um equilíbrio entre segurança e risco. Modigliani, no entanto, cometeu um grande erro de interpretação da teoria keynesiana. Ao definir uma “oferta de moeda como ativo”, que se defronta com a “demanda de moeda como ativo” (demanda especulativa de moeda), ele subtraiu da oferta total exógena de moeda (definida pelo banco central) a demanda de moeda transacional. Assim, a oferta de moeda como ativo se tornou uma função da renda através da demanda transacional de moeda. Afinal, quando há um aumento da atividade econômica, esta demanda aumenta. De fato, a oferta total de moeda deve igualar a demanda total de moeda, que é composta da demanda especulativa e da demanda transacional de moeda. O erro de Modigliani foi dividir a demanda de moeda nestas duas partes, sem, contudo, perceber que estas partes se afetam mutuamente. Ou seja, ele não considerou que o aumento da renda e conseqüentemente da demanda transacional de moeda sinalizam para os agentes econômicos um menor grau de incerteza e tende com isso a reduzir a preferência por liquidez. Assim, sem saber qual será a reação da demanda por liquidez, logo da demanda especulativa de moeda, não há como definir a priori qual será a mudança da taxa de juros, se é que vai haver alguma. Não há como garantir os resultados do modelo IS-LM, que considera a demanda especulativa como fixa, diante de alterações da renda, causadas, por exemplo, por um aumento do investimento. Keynes disse que a oferta de moeda deveria igualar a demanda por moeda, e que a demanda por moeda pode ser entendida como sendo, então, de três tipos: a demanda por moeda transacional, a demanda precaucional e a demanda especulativa. Isso não quer dizer, entretanto, que um aumento na demanda transacional e precaucional gera um aumento da taxa de juros, dada uma oferta fixa de moeda. Afinal, aumentos da demanda transacional de moeda devem ser justificados por algum aumento de renda. Aumentos da demanda precaucional já poderiam ser devidos a um aumento de renda ou de incerteza. O fato é que dado um aumento da renda, se este aumento for acompanhado de uma melhoria das expectativas quanto à economia, a demanda especulativa de moeda vai demonstrar este fato, uma vez que será reduzida a preferência por liquidez no mercado. Uma parte dos agentes vai decidir vender moeda e comprar títulos. Assim, seria possível e até mesmo esperado que o aumento da demanda transacional de moeda fosse acompanhado de uma diminuição da demanda especulativa de moeda, em nada afetando a taxa de juros, ou 39 afetando-a de uma maneira imprevista. A compra de títulos estaria, ainda, servindo ao propósito do financiamento, seja de curto ou de longo prazo, contribuindo no processo de geração de renda e poupança. É a maneira como a preferência pela liquidez vai responder ao aumento de renda (ou diminuição) que vai determinar a taxa de juros. Em períodos de recessão, mas em que houvesse um aumento da renda, seria possível, de fato, que o aumento da demanda transacional de moeda viesse a acarretar um aumento da taxa de juros. Isso se deve ao fato de não ser esperada uma diminuição da preferência por liquidez pelo simples fato de haver grande incerteza quanto ao cenário econômico presente e futuro. Pelo menos enquanto os agentes não entendessem que o aumento da renda fosse, efetivamente, um sinal de término da recessão, o aumento da demanda transacional levaria a um aumento da taxa de juros. Pode-se acrescentar aos três tipos de demanda por moeda um quarto tipo, que é a demanda pelo motivo de financiamento, quando um maior investimento é planejado na economia. A fim de angariar os recursos necessários a satisfazer estes gastos de investimento, os agentes recorrem ao mercado à procura de uma oferta de moeda que permita este gasto excedente. Essa demanda pressiona, de fato, a taxa de juros. Cabe aos bancos satisfazer tal demanda, ou não. Aqui a autoridade monetária tem um papel fundamental, no que concerne o seu desejo de prover esta liquidez, caso os bancos não o façam. Uma vez que esta liquidez seja disponibilizada, alguns destes investimentos serão realizados (ou todos) e outros terão sido abandonados por um possível um aumento da taxa de juros. É a preferência por liquidez dos poupadores e instituições financeiras que vai determinar quanto do investimento será realizado. A demanda especulativa por moeda é volátil, uma vez que depende de expectativas quanto ao futuro da economia e das políticas econômicas. Ela responde rapidamente às sinalizações do Banco Central quanto ao nível da taxa de juros, ela é sensível aos indicadores cambiais, e é se defrontando com ela que o Banco Central pode fazer a sua política monetária. Os agentes econômicos fazem projeções de rumos para a política monetária, podendo reter poupança em forma de moeda pela simples expectativa de que num futuro próximo a taxa de juros vai aumentar, permitindo que títulos sejam comprados com menores preços e ganhos maiores sejam auferidos. Caso tivessem comprado os títulos antes do aumento, a venda destes títulos antes de suas maturidades seria um pior negócio 40 que a manutenção destes títulos até a maturidade, remunerados uma taxa menor que a nova taxa que vigora após o aumento, o que compensaria a espera num prazo não muito longo. Evidentemente a demanda por moeda como ativo não pode ser explicada somente por esta expectativa9, caso contrário numa economia onde existisse grande transparência da política monetária, num momento onde não se esperasse alterações de políticas, não haveria tal demanda por moeda. A mera segurança que a moeda proporciona é um fator de demanda, muito relevante, por exemplo, em períodos de recessão, quando aumentam os riscos do capital. Não há dúvidas de que o investimento possui alguma sensibilidade à taxa de juros, afinal ela permite aos empresários avaliar o valor presente líquido de seus investimentos e o custo de captação de empréstimos. O que Keynes procurou mostrar foi que apesar da relação entre juros e investimento e juros e a alocação de poupança entre moeda e títulos, a taxa de juros não é determinada no equilíbrio entre poupança e investimento, mas no equilíbrio entre oferta de moeda e demanda por liquidez (demanda especulativa por moeda). As repercussões disto são chave para a teoria do crescimento econômico, pois demonstra que não é preciso aumentar o nível de poupança para permitir o aumento do nível de investimento. Basta imaginar, por exemplo, que o aumento do nível de poupança se desse todo em forma de moeda para verificar que isso não poderia de forma alguma gerar recursos para o aumento do investimento, uma vez que seria moeda retirada de circulação e não acessível aos empresários. O investimento não é uma conseqüência do nível de poupança, ou ainda, a poupança não financia o investimento. Dado uma determinada taxa de juros, são tomadas decisões de investimento que podem ou não se realizar, dependendo do impacto destas decisões sobre o mercado bancário de crédito e a taxa de juros. Essas decisões de investimento geram uma demanda de moeda no mercado de crédito, que a princípio não pode ser satisfeita. Essa pode ser definida como a demanda pelo motivo “finance”. É uma demanda semelhante à transacional, depende do nível de atividade econômica, mas que para ser satisfeita, precisa que algum agente reduza sua demanda por liquidez. O principal agente que está em posição de reduzir sua demanda por liquidez em prol desta demanda por “finance” é o sistema bancário, que trabalha com reservas fracionárias, ou seja, empresta mais dinheiro do que 9 É, entretanto, um fator de aumento da demanda por liquidez em situações de incerteza econômica. 41 possui, criando depósitos bancários em seus passivos de acordo com o aumento dos empréstimos em seus ativos. Se o sistema bancário decidir emprestar um maior volume de recursos, reduzindo sua liquidez e aumentando sua alavancagem10, ele poderá suprir a demanda por “finance” em troca de um recebimento de juros. A pressão da demanda por “finance” sobre a taxa de juros desencadeia este processo pelo qual os bancos vão reduzir sua liquidez em troca do pagamento de juros. Com estes recursos, os investidores dispostos a pagar os juros de mercado vão poder financiar no curto prazo seus investimentos. Quanto maior a preferência por liquidez do setor bancário, maior o impacto sobre a taxa de juros da demanda por “finance” e menos investidores irão efetivamente realizar seus investimentos. A eventual diminuição da demanda por liquidez dos bancos vai acabar por compensar a pressão da demanda por “finance” (Keynes, 1937b). O processo do multiplicador da renda keynesiano difere da interpretação clássica deste multiplicador. Ao imaginarmos um aumento no investimento, esse aumento gera uma renda de igual tamanho tanto para Keynes quanto para os economistas clássicos. A diferença está na forma pela qual esta renda excedente será utilizada. Para Keynes, como o esforço de investimento ainda não aumentou a produção, só de bens de capital, toda a renda excedente gerada será poupada. Isso é essencial no processo de financiamento do investimento, pois vai permitir o “funding” dos investimentos feitos ou de novos investimentos, pela oferta de ativos financeiros de longo prazo num momento em que a renda excedente será poupada. Como se pode perceber, o esforço de investimento, caso seja concedido o “finance”, cria uma poupança de igual montante. Caso a preferência por liquidez nesse momento fosse alta por parte dos agentes econômicos, a colocação destes ativos no mercado seria prejudicada, assim como o alongamento dos prazos da dívida por parte dos investidores. Isso poderia, em última instância, obrigar os investidores a interromper o ciclo de investimento, ou os forçaria a renovar continuamente dívidas de curto prazo, tomando empréstimos perante alguns bancos para efetuar pagamentos em outros. A autoridade monetária exerce um importante papel neste momento, aumentando a liquidez da economia, caso seja necessário incentivar a demanda por títulos pelos bancos, para que eles continuem a prover liquidez aos investidores através do mercado de crédito11. 10 Razão entre depósitos bancários e reservas bancárias. No entanto, se essa medida do Banco Central fosse tomada quando houvesse grande incerteza sobre o mercado de títulos, poderia se chegar a um caso extremo de armadilha de liquidez. 11 42 O “finance” e o “funding” não precisam ocorrer em momentos distintos. Eles podem, perfeitamente, ocorrer concomitantemente. A colocação de títulos privados ou emissão de ações em mercados primários garante esta possibilidade, mas o grau de incerteza econômica e o desenvolvimento dos mercados secundários são fundamentais para esta determinação. Com relação aos mercados secundários, estes são necessários ao prover liquidez para ativos financeiros que são, em essência, ilíquidos. Dessa forma, para que haja demanda por títulos e ações, este mercado deve ser desenvolvido de modo a permitir a atuação dos agentes especuladores. Caso haja muita incerteza, os agentes não arriscarão demandar títulos de longo prazo ou ações facilmente. Isso gera um maior grau de fragilidade financeira. Como mencionado, os investimentos ficariam dependentes em grande parte de financiamento de curto prazo, o que aumenta o risco no mercado, uma vez que uma reversão negativa das expectativas pode impedir que as dívidas assumidas sejam renovadas. Ou, seja, dificultaria ou impediria a rolagem das dívidas.12 O “funding”, que é a renovação de dívidas de curto prazo com dívidas de longo prazo, ocorre mais facilmente quanto menor for o grau de incerteza. No entanto, é quando há maior incerteza que ele é mais necessário e mais difícil de ser alcançado. Para renovarem suas dívidas, muitas vezes os investidores se vêem obrigados a pagar juros altíssimos, a fim de convencer o mercado a lhe concederem crédito. Essa peculiaridade em si já é um fator de aumento da fragilidade financeira, uma vez que o aumento dos juros pode em última instância, incapacita-los de cumprir o pagamento de suas dívidas. Segundo a interpretação clássica do multiplicador de renda keynesiano, o excesso de renda pode ser usado para consumo e poupança, de modo que vai existir um desequilíbrio entre poupança e investimento até que se dê fim o processo de multiplicação da renda. No entanto, não é evidenciado de onde sai o produto para suprir a nova demanda de consumo, ou como é possível a ocorrência imediata de tal consumo excedente sem que a produção tenha aumentado. Caso a interpretação clássica estivesse certa, a implicação disto sobre o modelo keynesiano seria o não restabelecimento imediato da liquidez disponibilizada para o “finance” ao mercado, já que a igualdade entre poupança e investimento não seria imediata. 12 Referências para a discussão sobre “finance e funding”: Carvalho (1996), Carvalho (1997), Kregel (1995), Asimakopolus (1986), Minsky (1986). 43 Enquanto a liquidez não fosse restabelecida aos bancos, estes não se disporiam a conceder mais crédito, comprometendo novos investimentos. Segundo Asimakopolus (1986), uma maior propensão a poupar faria com que o processo do multiplicador fosse mais rápido, restabelecendo o equilíbrio no mercado mais rapidamente, com isso permitindo novos empréstimos bancários. Ainda assim, Keynes certamente levantaria a crítica de que não importa a propensão a poupar, mas a forma como é alocada esta poupança, entre moeda e os outros ativos financeiros. Se o multiplicador for como Keynes o definiu, a liquidez se restabelece de imediato através da poupança gerada pelo investimento, mas a preferência por liquidez poderá prejudicar o “funding”. Com relação ao modelo Shaw-Mckinnon, pode-se dizer que este se apóia em duas relações fundamentais: uma relacionando a taxa de crescimento (g) à taxa de poupança (δ) e outra relacionando a taxa de poupança (δ) à taxa de juros real (θ). Isso implica na poupança como veículo de impacto da taxa de juros sobre o crescimento (θ-g). Entretanto, não existe um consenso entre os economistas quanto a estas relações. Hermann (2002, cap.5) mostra que estas relações foram testadas por diversos economistas e resume as principais observações, concluindo que “...a maioria dos autores deposita pouca confiança na validade da relação θ-δ...” (Hermann, 2002: 152) e que “De acordo com os estudos relatados,..., entendemos que os testes empíricos não sustentam evidências de uma relação θ-g economicamente significativa.” (Hermann, 2002: 158) Hermann também conclui que uma taxa de juros real mais elevada parece efetivamente propiciar uma realocação da poupança existente em prol de ativos de mais longo prazo de maturidade, mas só até certo ponto, pois este processo é barrado à medida que aumenta a percepção do risco de crédito associado ao aumento da taxa de juros. A percepção do risco envolve a idéia de incerteza, ou seja, não basta que o maior risco assumido esteja associado a maiores retornos, em um determinado momento as incertezas envolvendo os empreendimentos financeiros de prazos mais longos vão conter a sua demanda. Isso nada mais é que a expressão da preferência por liquidez do mercado, o qual vai procurar garantir seus retornos buscando investimentos financeiros com prazos mais curtos de maturidade. Assim, a capacidade da taxa de juros como mecanismo de estímulo à procura de ativos perde a eficácia enquanto aumenta a incerteza quanto aos retornos. 44 Quanto ao modelo de Gurley-Shaw, muito embora ele tenha dado um tratamento inovador à teoria keynesiana, ao considerar que a poupança tem um papel no desenvolvimento do mercado financeiro, ele cometeu o erro de inverter a causalidade demonstrada por Keynes. Ao contrário do que foi exposto, é o desenvolvimento do mercado financeiro e de suas instituições que tem um papel sobre a poupança; ou melhor, sobre a alocação da poupança entre moeda e ativos financeiros. Afinal, quanto mais desenvolvidos estes forem, mais facilmente será saciada a demanda por diversificação dos poupadores e menor será a preferência por liquidez da economia, uma vez que os riscos associados aos ativos financeiros negociados na economia tendem a ser reduzidos. Keynes definiu apenas títulos e moeda como ativos financeiros da economia de modo a simplificar o entendimento de seu trabalho e certamente não queria dizer com isso que os outros ativos financeiros não possuem um importante papel econômico: claramente, o de reduzir a preferência por liquidez na economia através da diversificação de serviços prestados por tais ativos, relacionados a diferentes graus de risco e retorno. 45 2. Capítulo 2: A década de 90 no Brasil 2.1. Importância do Tema Para o Brasil Existem diversos problemas estruturais intrínsecos à economia brasileira até hoje não resolvidos, que podem ser considerados empecilhos ao crescimento econômico. Entre os problemas estruturais, está o problema do financiamento. A obtenção de crédito para o investimento, como vimos no capítulo anterior, pode ser considerada uma função da poupança total ou da preferência por liquidez, que está mais relacionada à alocação desta poupança. De um modo geral no Brasil, períodos de crescimento econômico, tornaram-se dependentes da facilidade de crédito externo. A década de 90 foi marcada por grande liquidez internacional de capitais, da qual o Brasil se beneficiou. Até mesmo porque a economia brasileira passou por um processo de liberalização financeira e comercial, que ampliou o grau de abertura da economia. Dois novos acordos para a dívida externa brasileira foram fechados através do “Brady Plan”, um em 1992 e o outro em 1994, sinalizando para os investidores estrangeiros um cenário econômico de menor risco. A percepção deste risco foi ainda mais diluída após 1994, com a estabilização inflacionária e cambial. No entanto, durante os anos 90 o Brasil teve períodos de crescimento curtos alternados com longos períodos sem crescimento. Esta dissertação analisa se a poupança, ou a sua alocação possui, um papel relevante na determinação do crescimento. Fundamentalmente, este papel estaria relacionado ao desenvolvimento de eficientes mecanismos de financiamento domésticos do investimento, substitutos da usual dependência do crédito público e externo. A década de 90 é ideal para aprofundar essa discussão, por duas razões: primeiramente porque, apesar da maior liquidez internacional, do maior poder de consumo após o Plano Real e de melhores indicadores macroeconômicos e monetários - o que deveria implicar em expectativas mais otimistas quanto ao crescimento - não houve relevante crescimento. A década foi tida por muitos como perdida. Depois porque, como a liberalização financeira promovida na década e a política monetária de juros elevados do Plano Real estão em conformidade com as proposições do modelo Shaw-Mckinnon sobre 46 poupança e crescimento, o contexto macroeconômico se torna ideal para avaliar estas proposições. Dado que não houve relevante crescimento, o modelo de Keynes mostrar-se-á mais correto na medida em que as falhas do modelo Shaw-Mckinnon puderem ser explicadas pelas proposições keynesianas sobre a preferência por liquidez. Pela teoria clássica, é possível dizer que a insuficiência de poupança explica a falta de condições de financiamento do investimento e do crescimento no Brasil. Isso ocorreria porque apesar dos altos juros nominais, as taxas de retorno reais líquidas de impostos sobre os ativos de longo prazo estariam baixas em relação a seus riscos. Se houvesse ainda menos intervenção estatal no sistema financeiro, maiores seriam as taxas reais de juros, estimulando a poupança e o mercado de crédito. O resultado seria um maior investimento e um maior crescimento. Pela teoria keynesiana, é possível alegar que a carência de mecanismos de financiamento seria explicada pela elevada preferência por liquidez na economia brasileira. Na década de 90 esta preferência estaria principalmente relacionada à instabilidade cambial e às características dos títulos da dívida pública transacionados no mercado. Tais títulos passaram a pagar juros altíssimos e a ter prazos cada vez mais curtos - meio encontrado pelo governo para amenizar os efeitos da incerteza sobre a demanda por títulos - de modo a garantir a continuidade do financiamento do déficit público. Estes títulos passaram a ser indexados às principais variáveis fontes de instabilidade: o câmbio, os juros, e a inflação, permitindo aos bancos associar alta rentabilidade e baixo risco; característica que os empréstimos não poderiam garantir neste período devido às altas taxas de juros. A concentração do setor bancário, os elevados “spreads” bancários, a incerteza sobre os retornos dos ativos financeiros, seriam alguns outros fatores relevantes na determinação da preferência por liquidez. Por todos estes fatores, os processos de “finance” e de “funding” teriam sido altamente comprometidos nos anos 90. Em suma, enquanto pelo enfoque clássico seria defendido um mercado financeiro livre de intervenções do governo como solução para a escassez de financiamento, pelo enfoque keynesiano seria necessária uma política governamental de estímulo à redução da preferência por liquidez. O aumento da demanda dos agentes econômicos por ativos de longo prazo facilitaria o financiamento de longo prazo. Apenas em um ponto deve existir algum consenso entre clássicos e keynesianos: não seria viável no Brasil uma estratégia de 47 financiamento do crescimento dependente do fluxo de capitais externos. Existe grande incerteza sobre estes fluxos e a dívida externa brasileira já se encontra excessivamente elevada, sujeitando o país ao pagamento de remessas de juros muito altas. Como afirma Bresser (2002), existe um elemento perverso na dependência dos fluxos de capitais externos, pois a taxa de câmbio se aprecia quando se recorre à poupança externa, já que com o ingresso de capital aumenta a disponibilidade de divisas. Isso é prejudicial a um país altamente endividado, pois deteriora a balança comercial e diminui a capacidade de pagamento da dívida externa. 48 2.2. Contexto histórico dos anos 90 2.2.1. As Principais Mudanças na Política Financeira dos Anos 90 Nos anos 90, o Conselho Monetário Nacional (CMN) permaneceu como regulador do sistema financeiro, o Banco Central do Brasil (BACEN) como executor da política monetária, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) como financiador do setor industrial e de infraestrutura e o Banco do Brasil (BB) como financiador das exportações e da agricultura. Embora a base governamental do sistema financeiro não tenha se alterado, o fim da década de 80 e a década de 90 trouxeram importantes mudanças. A partir de 1987 voltou-se a uma política de desenvolvimento econômico, desta vez marcada pela liberalização do sistema financeiro, a exemplo do que se fazia nos países desenvolvidos. Hermann (2002a), Giambiagi (1999). Como parte da liberalização financeira iniciada em 1987, foi feita uma reforma bancária em 1988 que legalizou a criação e atuação de bancos múltiplos (Resolução 1524/88 do CMN )13 no país, dando início oficial a um sistema financeiro de bancos universais. Esta resolução só veio a legalizar o que já ocorria na economia: as instituições financeiras, que podiam ser donas de instituições não financeiras, formavam empresas “holdings” com estruturas muito parecidas com as de bancos múltiplos. Isso facilitava a transferência de fundos entre as empresas assim estruturadas, além de diversificar os serviços. Não é comprovado que o sistema financeiro de bancos universais é melhor que o sistema financeiro segmentado. Tal discussão é polêmica, mas não é o foco deste trabalho. No entanto, uma vez que o sistema financeiro de bancos universais foi adotado pelo país e vigora até os dias atuais, cabe aqui apontar uma conseqüência da adoção deste sistema. De uma maneira geral, bancos universais tendem a se tornar instituições de grande porte, sendo comuns as aquisições de outras empresas já experientes em outros segmentos, para agregar know-how e aumentar seus patrimônio. Deve existir algum benefício desse 13 Um banco múltiplo pode ter até quatro áreas de operação distintas, desde que uma delas seja banco comercial ou banco de investimento. As fontes de captação não mais estariam vinculadas ao tipo de aplicações das instituições, com exceção às captações de caderneta de poupança vinculada ao crédito imobiliário, os recolhimentos compulsórios vinculados aos depósitos à vista e ao crédito rural e as captações externas vinculadas a repasses a empresas domésticas. 49 ganho em termos de escala. Grandes instituições podem transmitir maior segurança para os agentes econômicos. Por atuarem em diversos segmentos de mercado, diminui-se o medo de quebra das instituições, pois dificilmente a instituição estará tendo perdas em todos os seus segmentos de atuação. Além disso, eles oferecem crédito nas mais variadas formas, atraindo o mercado através de diferentes serviços. Se existe competição no setor, a oferta de crédito tende a se expandir, pois aumenta a liberdade de atuação das empresas que querem aumentar (ou ao menos preservar) seus “market shares”. Contudo, no caso do Brasil, a mudança para um sistema financeiro de bancos universais aumentou consideravelmente a concentração do setor, ao estimular a fusão entre instituições financeiras existentes. De certo modo, este resultado foi incentivado pelo governo, uma vez que ele facilitou as fusões constituídas até 1989, através da redução em 50% da exigência de capital mínimo na constituição de bancos múltiplos, permitindo que os outros 50% fossem integralizados nos cinco anos subseqüentes. Apesar desta concentração facilitar os atos de fiscalização e aumentar o controle da autoridade monetária sobre as instituições restantes, ela veio a dificultar o acesso dos agentes econômicos ao crédito. A falta de competição permitiu que estas instituições obtivessem lucros através da cobrança de elevados “spreads” sobre as taxas de juros. O processo iniciado no final da década de 80 de liberalização financeira se estendeu até a década de 90. O grau de abertura do mercado financeiro foi ampliado, de modo que foram reguladas as operações no mercado brasileiro de investidores não residentes em 1987 (Resolução 1289/87 do CMN), foram regulados os fundos de capitais estrangeiros de securitização da dívida estrangeira brasileira em 1988 (Resolução 1289/87 do CMN), foram reguladas as operações de investidores institucionais no mercado de capitais doméstico em 1991 (Anexo IV à Resolução 1289 do CMN) e permitida a criação de fundos de privatização estrangeiros (Anexo IV à Resolução 1289 do CMN). O resultado prático das mudanças na regulação do ingresso de capitais só passou a ser satisfatório a partir de 1991, após o Anexo IV, quando o fluxo líquido de capitais passou a ser positivo. O Anexo IV veio a permitir a entrada direta dos investidores institucionais (fundos de pensão, companhias de seguro, etc) no mercado de ações brasileiro, sem sujeições de prazo, capital mínimo ou critérios de composição. Estes investimentos contavam ainda com isenção de tributação; não seria pago IOF no momento 50 de ingresso ao país, nem seriam tributados os ganhos de capital em ações. Acreditava-se que tal privilégio seria virtuoso às bolsas de valores brasileiras, uma vez que estes investimentos estimulassem a liquidez e o valor das ações. O Anexo IV foi a principal modalidade de investimento de portfolio estrangeiro na economia, chegando a 32,19 bilhões de dólares em 1997 com uma participação percentual de 90,4% (FREITAS, 1999). Este ingresso de capitais via Anexo IV aumentou a volatilidade do mercado acionário, já que retroagia nos momentos de maior incerteza internacional, como durante a crise asiática, em que os investidores estrangeiros efetuaram elevados resgates nas bolsas brasileiras, possivelmente para cobrir as perdas em mercados asiáticos. Nestes momentos o Ibovespa apresentava expressiva desvalorização, conseqüência da venda das posições dos investidores estrangeiros. Os bancos predominavam entre estes investidores, representando 47,7% , seguidos das corretoras com 19,1%; dentre o restante estariam as seguradoras e os fundos de investimento (FREITAS, 1999). Quase a totalidade dos investimentos estava voltada à aquisição das ações mais negociadas, que seriam de empresas estatais sendo privatizadas, de modo que a concentração das atividades em bolsa foi pouco afetada; as dez ações mais negociadas representavam cerca de 81,85% do total das negociações no mercado à vista em 1997 (FREITAS, 1999). Embora fosse esperado que este maior dinamismo nos mercados secundários de ações levasse a um maior estímulo à emissão de ações no mercado primário, esse efeito foi muito pouco significativo no Brasil (FREITAS, 1999). Segundo Hermann (2002), dos três tipos de relação financeira com o exterior; ingresso de capitais, remessa de capital decorrente de investimentos ou pagamentos de residentes no exterior e conversão entre moedas estrangeiras em moeda nacional, os dois primeiros foram os mais afetados pelo processo de liberalização no que concerne a regulação financeira. Em 1992 passou a ser permitida a emissão de ações de empresas brasileiras na bolsa dos Estados Unidos e outras bolsas estrangeiras (Anexo V à Resolução 1289 do CMN). Esta emissão se daria nos Eua através dos “American Depositary Receipts” (ADR) e, em outras bolsas estrangeiras, através dos “International Depositary Receipts” (IDR). Segundo Hermann (2002), como ambos são negociados em dólares no mercado externo, acreditavase que a eliminação do risco cambial do investidor estrangeiro seria um grande atrativo ao 51 investimento, o que não ocorreu, já que a pouca liquidez das ações brasileiras nas bolsas externas representava um alto risco para os investidores. Após o plano real, quando o risco cambial foi muito reduzido, estes perderam ainda mais sua atratividade. Quanto ao mercado de renda fixa, em 1990, a Resolução 1743 incluiu títulos de curto prazo, os “commercial papers”, entre as fontes de captação externa para o financiamento das operações na Resolução 63. O curto prazo da captação era um fator importante devido à instabilidade política e macroeconômica do período. Em 1991, títulos de médio e longo prazo, os “notes” e os “bonus”, foram incluídos entre estas fontes de captação pela Resolução 1835. A importância da inserção de títulos entre as fontes de captação das operações na Resolução 63 é explicada pelo movimento de securitização nos sistemas financeiros dos países desenvolvidos. Empréstimos de bancos estrangeiros, método único de captação originalmente definido na Resolução 63, seriam dificilmente conseguidos diante desta tendência e principalmente após a crise da dívida latinoamericana. A abertura financeira foi ainda mais ampliada após 1994, durante o Plano Real. Para o ingresso de capital, foram estendidas as operações de captação pelos bancos para o repasse, ao setor agropecuário (Resolução 2148/95), imobiliário (Resolução 2170/96) e exportador (Resolução 2312/96). Foi criado o Fundo Mútuo de Investimento Estrangeiro em Empresas Emergentes (Resolução 2247/96) que permitiu a captação de recursos externos para estas empresas através da colocação de seus papéis neste tipo de fundo. Também foi criado o Fundo Mútuo de Investimento Estrangeiro Imobiliário (Resolução 2248/96) que permitiu a captação de recursos externos para as empresas do setor imobiliário através da colocação de seus títulos neste tipo de fundo. Com a abertura financeira, em 1995 o ingresso de capitais já se encontrava tão elevado que medidas de contenção chegaram a ser tomadas. Por exemplo, através da tributação com imposto sobre operações financeiras (IOF) de 5% em bônus, “commercial papers” e fundos de privatizações; 7% em fundos de renda fixa, contas de não residentes e operações interbancárias com divisas. Operação com opções e futuros, aquisição de “moedas de privatização”, utilização de recursos das “operações 63” para compra de títulos públicos, foram proibidos aos investidores estrangeiros. 52 2.2.2. A Liquidez Internacional, O Plano Real e Políticas Econômicas do Período As medidas de liberalização financeira não seriam capazes de causar sozinhas um profundo impacto sobre os fluxos de capitais estrangeiros para o Brasil nos anos 90. Estes voltaram a circular no país devido a uma maior liquidez internacional associada a taxas de juros em queda nos países exportadores mais desenvolvidos da Europa e os Estados Unidos, na primeira metade dos anos 90. Na época, estava sendo implantado o “Brady Plan”, reduzindo e securitizando a dívida estrangeira de países da América Latina, entre os quais o Brasil. Sob este plano, em 1992 foi assinado um acordo de dívida estrangeira com o Brasil. No entanto, a economia brasileira ainda sinalizava muita incerteza para os investidores externos. Até 1993 o país viveu um período de instabilidade econômica provocada pela alta inflação e pela crise política do governo de Fernando Collor, que culminou em seu “impeachment”. Diante da incerteza e da instabilidade política e macroeconômica, as mudanças trazidas pelo processo de liberalização financeira neste período foram muito mais uma resposta às pressões do mercado que um projeto de longo prazo pré-estabelecido. Era essencial que a legislação financeira se flexibilizasse, para dar continuidade à convivência com a inflação herdada dos anos 80, ao mesmo tempo em que a abertura financeira era ampliada, para incentivar o fluxo de capitais externo e o retorno do país ao mercado financeiro internacional. A incerteza sobre o Brasil diminuiu com o “impeachment” do presidente Collor em setembro de 1992, que deu fim à crise política. Nesta época, a liberalização financeira e a política monetária de altas taxas de juros já geravam atrativos para os investidores estrangeiros, ao criar novas possibilidades de investimento associadas a retornos esperados mais elevados que os de países desenvolvidos. Essa atratividade se tornou realmente alta após a estabilização inflacionária e cambial conseguida através do Plano Real. A redução da incerteza macroeconômica e o fato de que em abril de 1994 um novo acordo de dívida estrangeira foi fechado sob o “Brady Plan”, permitiram ao país o amplo usufruto da liquidez internacional. 53 O Plano Real foi um plano de estabilização bem sucedido, implementado a partir de 1994 com o objetivo de controlar a inflação, que vinha comprometendo a capacidade de dispêndio dos agentes econômicos e restringindo o investimento das unidades produtivas. O plano adotou uma âncora cambial para os preços, iniciando um regime de câmbio fixo. O regime escolhido era compatível naquele momento com o cenário de alta liquidez internacional, com a abertura comercial e com o processo de liberalização financeira. Afinal, a ampliação da abertura comercial na 1ª metade dos anos 90 garantiu que a formação dos preços domésticos sofresse maior influência dos preços externos (de bens “tradeables”); enquanto que o processo de liberalização associado à alta liquidez internacional permitiu que o país financiasse os déficits em conta corrente com a entrada de capital estrangeiro, chegando até a acumular reservas internacionais. Esse acúmulo de reservas era essencial para a manutenção da credibilidade da taxa de câmbio. O fechamento do novo acordo da dívida sob o “Brady Plan” contribuiu também para que o Brasil desfrutasse da maior liquidez internacional ao reduzir o risco-país. Sob o Plano Real, a inflação foi efetivamente controlada através da âncora cambial, que acabou por impor uma política monetária restritiva sobre a economia. Taxas de juros altas passaram a ser praticadas e eram justificadas pela manutenção do regime inicial de câmbio fixo - que mais tarde foi substituído por um regime de bandas cambiais devido à crise mexicana de dezembro de 1994 a março de 1995 - atraindo capitais estrangeiros e mantendo a valorização do Real. A política fiscal durante o Plano Real acabou sendo expansionista, mas foi devido ao resultado que o controle da inflação e a indexação de despesas e receitas tiveram sobre o valor real dos gastos públicos, não sendo uma política programada pelo governo. Houve também um aumento da demanda doméstica, conseqüência da expansão do crédito e da forte redução do imposto inflacionário. Quanto à política monetária restritiva, esta se deu através do aumento das alíquotas de recolhimento compulsório, sobre depósitos a vista para 100% na margem e sobre os depósitos a prazo para 20% sobre saldos, além de maiores impostos, limites de prazo e recolhimentos compulsórios sobre operações de crédito. Após a crise cambial mexicana, que gerou um ataque especulativo e ameaçou o Plano Real recém iniciado, a taxa de juros 54 anual em março de 1995 chegou a 65%. O aumento da taxa de juros para conter ataques especulativos foi uma atividade que vigorou durante o Plano Real até 1998. A política monetária restritiva utilizava instrumentos por demais onerosos aos bancos e, associada ao controle da inflação, reforçou o processo de concentração do setor financeiro, ao liquidar pequenos bancos exploradores de receitas inflacionárias, reduzindo o número de bancos. A oferta de crédito se expandiu no setor bancário14, respondendo à maior procura por crédito das famílias, explicada pela menor incerteza quanto à renda futura, e das empresas, que buscavam compensar a perda das receitas inflacionárias. Contudo, a inadimplência não tardou a se manifestar diante de tão elevadas taxas de juros nominais e reais. O risco de crédito era muito alto e foi mal avaliado pelas instituições financeiras. Houve um aumento da fragilidade financeira, conseqüência lógica da elevada taxa de juros e da inadimplência. Outros fatores também prejudicaram os bancos, como a fuga de capitais devida à crise mexicana e a falta de informação sobre mudança de um regime de câmbio fixo para um regime de bandas cambiais. Esta troca de regime levou a perdas no mercado de câmbio “spot” e futuro, agravando as incertezas sobre as operações cambiais. Entretanto, a maior fragilidade não foi suficiente para gerar uma crise bancária, pois o BACEN se prontificou a prestar socorro às instituições. Ele atuou não só como emprestador de última instância, mas também promovendo medidas de saneamento e auxílio do sistema bancário, o que permitiu a liquidação de bancos de pequeno porte e bancos públicos estaduais sem grandes efeitos sobre o mercado, e através da promoção de medidas de incentivo à entrada de bancos estrangeiros. Os poderes do Banco Central antes eram limitados e de caráter emergencial, através do uso da reserva monetária. Entretanto, seu poder de atuação foi altamente ampliado como parte do arcabouço institucional instituído em fins de 1995 para prevenir o sistema financeiro contra os riscos de crise financeira. O BACEN passou a atuar preventivamente para o saneamento do setor, através de exigências direcionadas às instituições com problemas de liquidez, sobre matérias como controle acionário, organização societária, aporte de recursos; e da fiscalização em áreas direcionadas, como de operações em dependências no exterior onde bancos possuíssem participação. 14 Maiores detalhes na seção 3.6 do capítulo 3. 55 O Acordo da Basiléia, que exige 8% dos ativos ponderados pelo risco como limite de capital mínimo para a operação de bancos, passou a fazer parte da legislação brasileira em 1994. Em 1997 os limites exigidos pelo Banco Central eram ainda maiores que o do acordo da Basiléia, ficando em 10% dos ativos ponderados pelo risco. Em novembro de 1995 foi criado o Proer, que destinou uma linha especial de assistência financeira destinada ao financiamento de reestruturações administrativas, operacionais ou societárias que transferissem controle ou envolvessem mudança de objetos sociais das instituições financeiras. Além disso, foram reduzidas as alíquotas de reservas compulsórias e aumentadas as operações de redesconto, como mecanismo de controle da liquidez. Os bancos privados de grande porte permaneceram fortes durante este período, se protegendo dos riscos de liquidez e solvência através do “empoçamento de liquidez”, pelo qual estes bancos racionavam o crédito ao negar socorro aos bancos com problemas. Dos grandes bancos, somente o Banco Nacional e o Banco Econômico, ambos em 1995, precisaram sofrer intervenção do BACEN, mas sem dúvida acabaram contribuindo bastante para o clima de iminência de crise bancária. Apesar da crise bancária não ter ocorrido devido à ação do BACEN, existiam outros fatores de risco a serem considerados pelos investidores externos. A política monetária, ao impor sobre a economia elevadas taxas de juros, colaborou radicalmente para o aumento da dívida pública antes mesmo do fim da década de 90, fato que deteriorava a percepção dos investidores externos quanto ao risco-país. Além disso, um outro efeito destas elevadas taxas de juros, foi a sobrevalorização do Real. Tal valorização real do câmbio foi apontada pelo FMI anos antes da crise de 199899 como um fator de risco para o país, mas o governo não deu muita relevância e esperava que as taxas de juros pagas pelo país mais do que compensassem este risco. A crise cambial asiática de 1997-98 criou uma ameaça de contágio para outros países menos desenvolvidos, entre os quais o Brasil. Diante do ataque especulativo, a taxa de juros básica da economia foi elevada abruptamente, no intuito de amenizar a saída de capitais do país e manter a taxa de câmbio. O BACEN atuou no mercado vendendo dólares, títulos com indexação ao dólar também foram colocados no mercado e, além disso, um pacote de ajuste fiscal foi anunciado. Apesar de uma elevada perda de reservas, em 1998 fluxos de capitais estrangeiros de curto prazo voltaram a circular com mais intensidade no 56 país, diante da razoável certeza de que a taxa de câmbio seria mantida até o período de eleições em outubro, o que permitiu a redução da taxa de juros. Apesar de alguns indicadores macroeconômicos serem positivos, como a baixa inflação e perspectivas de ingresso de investimento estrangeiro direto apontadas pelo cronograma de privatizações, o déficit fiscal e a sobrevalorização do Real não foram esquecidos. Um novo ataque especulativo era cada vez mais iminente e o país dependia em grande parte de um cenário internacional de estabilidade para evitá-lo. Esta estabilidade foi rompida rapidamente com o surgimento da crise Russa e com as dificuldades de gerenciamento de capital de longo prazo nos Estados Unidos, que diminuíram intensamente a liquidez de capitais internacional. A nível doméstico, as reformas propostas para o ajuste fiscal enfrentavam dificuldade de aprovação e o quadro do déficit fiscal não apresentava melhoria. Embora o Banco Central tenha dobrado a taxa de juros básica e voltado a vender dólares e títulos cambiais, a saída de capitais desta vez não pôde ser contida. Em dezembro de 1998, o governo fechou um acordo com o FMI a fim de afirmar sua credibilidade para o mercado internacional e de evitar o próprio contágio da crise brasileira a outros países. De início o regime de bandas cambiais não foi abandonado devido ao efeito adverso adicional ao da taxa de juros que isso acarretaria sobre a dívida pública e sobre o risco-país, mas foi exigido um forte ajuste fiscal. Contudo, a ajuda do FMI não foi suficiente para convencer o mercado da sustentação do regime, e muitos investidores aproveitaram a oportunidade para retirar seus capitais, antes que o câmbio se desvalorizasse. Ainda, o fato da taxa de juros ter sofrido uma redução e do programa fiscal enfrentar dificuldades no Congresso também não ajudaram; sem falar na moratória de 90 dias no pagamento da dívida do Estado de Minas Gerais decretada pelo governador Itamar Franco. Em meados de janeiro de 1999 e após ter perdido US$ 14 bilhões em dois dias, Francisco Lopes assumiu a presidência do Banco Central tentando implementar um novo tipo de regime de bandas cambiais, a “banda diagonal endógena”, que não obteve a aprovação do FMI nem a confiabilidade do mercado. Dois dias depois, Armínio Fraga assumiu a presidência do BACEN permitindo a flutuação da taxa de câmbio15. Diante da 15 Para maiores detalhes sobre as medidas de liberalização financeira e Reforma Fiscal após a crise cambial de 199, ver Jennifer (2000), capítulo 8. 57 mudança para um regime de câmbio flutuante, o qual o FMI acabou por aprovar, o FMI e o Brasil fizeram a revisão do acordo que ficou pronta em março. A taxa de juros foi elevada para cerca de 40% de modo a não permitir uma desvalorização excessiva do Real e a política monetária passaria a seguir um regime de metas inflacionárias. A taxa de juros passaria a ser determinada de forma a contribuir para que a inflação efetiva anual fosse a mais próxima possível da meta inflacionária pré-estabelecida. Este é um regime de flutuação suja do câmbio, uma vez que o câmbio contamina em grande parte a própria inflação, e por isso não pode passar de determinados níveis críticos, que não são formalmente definidos. Quanto às exigências fiscais, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que só foi aprovada em 2000, contribuiu para a disciplina fiscal, melhorando a execução e o planejamento orçamentário, além de permitir uma maior credibilidade ao país. O Brasil conseguiu contornar a crise cambial, voltando a reduzir a taxa de juros, mesmo que esta ainda permanecesse bastante elevada. Além disso, foi adotado um novo regime de política fiscal, apoiado em metas para o superávit primário e para a relação Dívida Pública Líquida/PIB. O setor bancário foi pouco afetado pela crise, pois tinha poucas obrigações externas, atuava principalmente no curto prazo nas operações de repasse dos recursos estrangeiros para os tomadores de empréstimos brasileiros, mantinham elevados “spreads” sobre a taxa de juros nestas operações e mantinham em seus ativos um grande número de títulos públicos com indexados de juros e de câmbio, o que lhes trouxeram lucros consideráveis. Pode-se apontar o seguinte relato quanto ao comportamento do setor bancário: “Os bancos, como todos os outros agentes econômicos, possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, que norteiam as estratégias traçadas em suas buscas incessantes de valorização. Como o desejo dos bancos em se manterem líquidos depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas circunstâncias, eles decidam racionar o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção e dos investimentos. De igual modo, eles podem decidir privilegiar o aumento da circulação financeira, financiando os agentes especuladores ou suas próprias atividades especulativas”. (FREITAS, 1999, pág. 162) 58 2.3. Considerações Finais Sobre a Década de 90 Os anos 90 para o Brasil foram marcados pelo processo de liberalização financeira baseado no modelo de Shaw-Mackinnon que pretendia, através da integração financeira internacional, ampliar o acesso do país aos recursos internacionais de financiamento para o crescimento econômico sustentado e estimular a oferta de crédito doméstica. No entanto, embora nos anos 90 os fluxos de capitais estrangeiros tenham voltado em massa ao país, estes fluxos se mostraram excessivamente voláteis durante o período, tornando a dependência destes capitais altamente arriscada. O ambiente macroeconômico estabilizado após 1994, representado pela inflação controlada e pelo câmbio fixo apoiado pelo elevado volume de reservas, não foi suficiente para impedir ataques especulativos à moeda brasileira. A volatilidade dos fluxos de capitais estrangeiros está associada às medidas de liberalização adotadas e à capacidade da política monetária em estimular estes fluxos: “..., se, por um lado, as medidas de desestímulo aos investimentos estrangeiros de curto prazo em renda fixa foram eficazes para diminuir a participação desses recursos no total da captação externa num contexto de abundância de capitais externos, não foram instituídos, por outro lado, mecanismos que contribuíssem para amenizar a saída de capitais em momentos de reversão dos fluxos, como no último trimestre de 1997, e de crise cambial, como em janeiro de 1999. Assim, os recursos que ingressam tanto pelo segmento livre – direcionados a aplicações em renda fixa e/ou variável – quanto pelas contas de não residentes do mercado flutuante (CC-5) apresentam elevado grau de conversibilidade, ou seja, conseguem “abandonar” o país rapidamente e com pouca perda de capital.” (FREITAS, 1999, pág. 53) 59 3. Capítulo 3: Indicadores Econômicos do Período 1990-2003. 3.1. Considerações Iniciais De acordo com o modelo Shaw-Mckinnon, a estruturação do sistema financeiro após a liberalização financeira da década de 90 deveria proporcionar uma maior poupança relativa ao PIB na economia brasileira, através do aumento da poupança externa e da taxa de juros real, com isso garantindo um maior crescimento econômico. Dados mais específicos sobre o crescimento da década serão aqui apresentados, mas já se sabe que o crescimento econômico não foi significativo. Será mostrado também que a poupança relativa ao PIB não aumentou, pois embora tenha aumentado a popança externa, medida pelo déficit em conta corrente, a poupança nacional decresceu. Pela teoria clássica é possível atribuir à taxa real de juros a razão para este decréscimo. Por isso, iremos neste capítulo avaliar se a taxa de juros real e a poupança agregada se comportaram, ou não, como o previsto pelo modelo de liberalização econômica. Assim, poderemos fazer as devidas considerações sobre o efetivo papel da poupança para o crescimento, ou seja, saber se o pequeno crescimento da década de 90 pode ser associado a uma insuficiência de poupança. As taxas de juros reais foram calculadas a partir de dois índices de inflação, o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), que reflete em maior parte a evolução de preços por atacado, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que reflete em maior parte o preço de prateleira dos produtos, para que a avaliação sobre o comportamento dos juros reais não fique viesada a apenas um tratamento. Também será investigado o comportamento das operações de crédito e estipulados os principais determinantes deste comportamento, para que seja esclarecida a questão quanto às relações entre taxa de juros, poupança e oferta de crédito. A investigação desta relação entre poupança e oferta de crédito é importante. Os agentes que tomam a decisão de poupar não são os mesmos que tomam a decisão de investir, ou prover o consumo futuro. Para os economistas clássicos, que consideram que a poupança disponibiliza os recursos para o financiamento do investimento, isso implicaria que na ausência de garantias de que os recursos da poupança seriam usados para o 60 financiamento dos investimentos. Sendo assim, algumas medidas precisariam ser tomadas para que os recursos sejam efetivamente canalizados para os investidores. Então, será preciso avaliar se o problema na década de 90 foi uma “má canalização dos recursos disponibilizados pela poupança”, ou seja, se o mercado de crédito não funcionou adequadamente. Tal fato, segundo Giambiagi (1997), levaria a uma diminuição da demanda agregada e da renda. O comportamento das operações de crédito será avaliado juntamente com o problema do “spread” bancário na seção 3.6.1. Para contrapor o modelo Shaw-Mckinnon, os dados macroeconômicos associados à determinação da preferência por liquidez da economia brasileira também serão apresentados neste capítulo. O objetivo tem a mesma natureza: fazer uma avaliação da adequação do modelo, neste caso o keynesiano, à realidade da economia brasileira a partir da década de 90. Para isso, serão relacionados entre si os principais agregados monetários, M1, M2, M3, e M4. A preferência por liquidez é exposta principalmente por M216, onde se concentram os títulos públicos, de modo que se a razão entre M2 e M4 for elevada, a economia brasileira estará dando sinais de elevada preferência por liquidez. O último item se dedica a avaliar a capitalização relativa na economia brasileira; ao mostrar o valor de mercado das empresas de capital aberto em relação ao PIB é possível obter-se um indicador do tamanho do mercado de capitais brasileiro. Este indicador, quando comparado ao de outros países, fornece uma perspectiva a respeito da importância do mercado de capitais para o financiamento das empresas. A razão de interesse é avaliar se existe facilidade na securitização do passivo das empresas, meio alternativo aos empréstimos bancários para o financiamento das atividades empresariais e à utilização de ativos previamente acumulados (autofinanciamento). 16 Segundo a classificação antiga do BACEN; maiores detalhes ficam reservados à seção 3.5. 61 3.2. A Variação Real do PIB Pela Ótica da Despesa Na tabela 3.2.a) e no gráfico 3.2.a) abaixo, podemos constatar que o comportamento do PIB seguiu uma trajetória errática. Somente em 1993, 1994, 1995 e 2000, o PIB mostrou um crescimento significativo, acima de 4% ao ano. Mesmo durante a segunda metade da década de 90, com a estabilização inflacionária e cambial, o PIB não assumiu um ciclo de crescimento determinado, pelo contrário, a taxa de variação percentual do PIB decresceu durante todo o Plano Real, chegando a meros 0,13% em 1998. Tabela 3.2.a): Variação Real Anual do PIB e Seus Componentes - Sob a Ótica da Despesa (em %) Componentes do Produto Interno Bruto - Ótica da Despesa Formação Bruta de Produto Consumo PIB per Exportação Importação de Capital Interno Ano capita de bens e bens e Consumo Consumo da Formação Bruto serviços serviços (-) Total Total das Adm. Bbruta de famílias Pública Capital Fixo -4,35 1990 1,03 (-) 0,54 0,50 -0,10 2,33 8,96 -4,72 -4,83 11,10 1991 -0,54 (-) 2,05 0,09 -0,70 2,84 -8,57 -6,62 16,54 4,52 1992 4,92 3,37 4,07 4,55 2,31 14,28 6,33 11,68 26,78 1993 5,85 4,33 5,87 7,50 0,33 13,03 14,25 4,01 20,35 1994 4,22 2,75 7,01 8,71 1,34 8,09 7,29 -2,03 30,68 1995 2,66 1,24 3,13 3,70 1,38 2,83 1,20 0,64 5,39 1996 3,27 1,87 2,90 3,13 2,11 8,28 9,33 11,15 17,83 1997 0,13 (-) 1,21 -0,05 -0,76 2,38 -0,62 -0,33 3,71 -0,28 1998 0,79 (-) 0,52 0,27 -0,40 2,44 -7,58 -7,24 9,25 -15,45 1999 4,36 2,99 3,24 3,84 1,27 9,98 4,46 10,59 11,63 2000 1,31 0,10 0,63 0,53 0,96 -1,14 1,06 11,24 1,21 2001 1,93 0,05 -0,37 1,36 -4,27 -4,16 7,90 -12,30 2002 -0,22 -2,29 -3,31 0,63 -4,48 -6,63 14,22 -1,90 2003 Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE. 62 Gráfico 3.2.a): Variação Real Anual do PIB e PIB per Capta Variação Real Anual (%) do PIB 7,00 6,00 5,00 4,00 Valor em (%) 3,00 2,00 1,00 0,00 -1,00 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 -2,00 -3,00 -4,00 -5,00 Período PIB per capita Produto Interno Bruto Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE. Alega-se que o investimento no período não foi suficiente para impulsionar melhores taxas de crescimento. De fato, como pode ser visto na tabela 3.2.a), a variação real anual da formação bruta de capital fixo chegou a ser negativa em alguns anos deste período. O gráfico 3.2.b) mostra a evolução da formação bruta da capital relativa ao PIB no período 1990-2003. Através deste gráfico é possível perceber que a trajetória da formação bruta de capital fixo, que é a formação bruta de capital subtraída da variação dos estoques, foi declinante no período após 1994. Os dados anuais podem ser vistos na tabela 3.2.b). 63 Gráfico 3.2.b): Evolução da Formação Bruta da Capital Relativa ao PIB Formação Bruta de Capital 1990-2003 23,00% 22,00% 21,00% 20,00% 19,00% 18,00% 17,00% 16,00% 15,00% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Capital fixo - formação bruta Capital - formação bruta Fonte: internet IPEA-Data Tabela 3.2.b): Evolução da Formação Bruta da Capital Relativa ao PIB Formação Bruta de Capital Relativa ao PIB Formação Bruta de Capital Período Variação de 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Total Capital Fixo 20,17% 19,77% 18,93% 20,85% 22,15% 22,29% 20,92% 21,50% 21,12% 20,16% 21,54% 21,20% 19,76% 20,07% 20,66% 18,11% 18,42% 19,28% 20,75% 20,54% 19,26% 19,86% 19,69% 18,90% 19,29% 19,47% 18,32% 18,04% Estoque -0,49% 1,66% 0,51% 1,56% 1,40% 1,74% 1,66% 1,64% 1,43% 1,26% 2,26% 1,73% 1,44% 2,02% Fonte: internet IPEA-Data É possível apontar razões para tal fato segundo a teoria de ambas as escolas de pensamento econômico que foram citadas neste trabalho. Pelo enfoque da teoria clássica, o problema estaria associado à falta de poupança, pela qual são liberados os recursos para o 64 financiamento do investimento; ou seja, seria preciso poupança nova para que se efetuassem novos investimentos. Essa poupança se forma em função do comportamento dos juros reais, que baixos neste período, não teriam incentivado os agentes econômicos a postergar o consumo para o futuro em troca do recebimento de juros. Segundo o enfoque keynesiano, a falta de investimento se deve a uma elevada preferência por liquidez, inclusive agravada por elevadas taxas de juros reais do período, que são uma medida do custo do capital investido. O retorno do investimento vem no longo prazo, mas se há elevada preferência por liquidez, a tendência é que se faça a opção por aplicações de curto prazo. O investimento pode ser ainda ser comparado a um ativo financeiro de longo prazo; quanto maior a incerteza, menor a demanda por tal ativo. Para melhor avaliar estas críticas, a próxima variável a ser analisada será a taxa de juros. 65 3.3. Comportamento das Taxas de Juros Reais Para melhor ilustrar a evolução da taxa de juros básica (taxa Selic), estas foram tomadas desde 1980 até 2003. As taxas de juros reais da economia brasileira durante a década de 90 foram nitidamente superiores às taxas de juros reais da década de 80, como pode ser visto na tabela 3.3. e gráfico 3.3. abaixo. Tabela 3.3: Taxas de Juros Anuais Durante o Período 1980-2003. Taxas de Juros da Economia Brasileira Ano Taxa Over/Selic Taxa Over/Selic Taxa Over/Selic Real (%aa) pelo Real (%aa) pelo (%aa) IGPDI IPCA 1980 46,35 1981 89,27 1982 119,35 1983 199,73 1984 255,51 1985 276,53 1986 66,54 1987 353,00 1988 1057,69 1989 2407,28 1990 1153,22 1991 536,89 1992 1549,24 1993 3060,01 1994 1153,84 1995 53,09 1996 27,41 1997 24,78 1998 28,79 1999 25,59 2000 17,43 2001 17,32 2002 19,17 2003 23,34 Fonte: internet IPEA-Data -30,39 -3,04 9,83 -3,63 9,79 12,35 0,91 -12,20 1,77 33,16 -20,52 9,77 31,12 12,53 5,02 33,38 16,54 16,09 26,62 4,67 6,95 6,26 -5,73 14,56 66 -26,56 -3,26 7,10 13,54 12,76 10,02 -7,30 -2,25 7,17 20,95 -27,18 11,21 35,28 22,62 23,36 25,06 16,29 18,59 26,69 15,28 10,81 8,96 5,90 12,85 Gráfico 3.3: Taxas de Juros Anuais Durante o Período 1980-2003. 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 40,00 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 -5,00 -10,00 -15,00 -20,00 -25,00 -30,00 -35,00 1980 Valor em (%) Taxa Real de Juros Período Taxa Over/Selic Real (%aa) pelo IGPDI Taxa Over/Selic Real (%aa) pelo IPCA Fonte: internet IPEA-Data. Em 1990 ainda consta uma taxa de juros real anual entre –20,58% e –27,18%, mas a partir de então estas taxas foram recorrentemente positivas e altas, principalmente entre 1994 e 1998, durante o Plano Real. Pode-se dizer que as taxas de juros reais tiveram o comportamento esperado após o processo de liberalização financeira, sendo mantida em patamares especialmente elevados, até mesmo devido à escolha feita pelo governo quanto ao regime cambial a ser adotado. A fim de manter a taxa de câmbio fixa, era preciso contrabalançar o déficit comercial através da promoção da entrada de capitais estrangeiros, só possíveis mediante um pagamento de elevados juros sobre o capital aplicado. Como já foi afirmado, o “timing” do Plano Real não foi uma coincidência histórica com o processo de liberalização financeira, ele foi planejado para, concomitantemente à liberalização financeira, alcançar a estabilidade macroeconômica necessária à criação das condições para o crescimento da economia brasileira. Assim, a crítica de que embora as taxas de juros nominais tenham sido elevadas, as taxas de juros reais teriam sido baixas, não é válida, sendo contrária à evidência empírica proporcionada no período. Mesmo calculando para dois diferentes índices de inflação, podemos verificar que as taxas de juros reais se mantiveram elevadas durante toda a década de 90 e mesmo após a mudança do regime cambial. Adiante, iremos analisar o impacto destas elevadas taxas de juros para a economia brasileira. Tal impacto se refletirá no mercado de crédito e na preferência por 67 liquidez dos agentes econômicos, além de ter contribuído para o aumento da dívida pública, como foi visto no capítulo anterior. Entretanto, a próxima seção será dedicada a demonstrar que não houve impacto destas elevadas taxas de juros reais sobre a poupança relativa ao PIB; ou seja, sobre a propensão a poupar dos agentes econômicos. 68 3.4. Comportamento da Poupança Agregada A poupança total da economia é o somatório da poupança doméstica, subdividida em poupança privada e poupança pública, com a poupança externa, contabilmente igual ao déficit em conta corrente. A poupança pública, por sua vez, é o diferencial entre o investimento do governo e o déficit público primário17. A poupança pública permaneceu negativa, embora tenha aumentado um pouco, mas a poupança privada se reduziu significativamente durante a década de 90. Houve um aumento da participação da poupança externa em relação ao PIB durante o Plano Real, um resultado esperado do processo de liberalização financeira, mas como este aumento ocorreu concomitantemente a uma redução da participação da poupança doméstica em relação ao PIB, explicada principalmente pela redução da poupança do setor privado. O resultado final foi a manutenção da poupança total relativa em patamares mais baixos, se comparados ao final da década de 80. Estes resultados podem se avaliados através da tabela 3.4 e gráfico 3.4 abaixo: 17 Déficit Primário (DP) são os gastos do governo (G) com consumo (Cg) e investimento (Ig), subtraídos da arrecadação do governo com tributos (T). Assim, DP = G – T = Cg + Ig - T. Como a poupança pública (Sg) é a sua arrecadação (T) menos o seu consumo (Cg), Sg = T – Cg, temos que DP = (- Sg) + Ig. Logo, Sg = Ig DP. 69 Tabela 3.4: Evolução da Poupança Relativa ao PIB no Período 1980-2003. Poupança Total, Doméstica e Externa (%do PIB) Poupança Doméstica ANO Média 80-84 Média 85-89 1990 1991 1992 1993 1994 Média 90-94 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Média 95-00 2001 2002 Poupança Externa Poupança Total (Doméstica + Externa) 17,17 3,91 21,42 26,16 0,21 22,96 -0,75 19,84 1,07 20,17 -5,13 23,73 1,17 19,77 19,86 -5,18 25,03 -0,92 18,93 20,09 5,16 14,93 0,76 20,85 21,23 0,93 20,30 0,92 22,15 19,77 -0,99 20,77 0,60 20,37 19,47 -2,55 22,02 2,82 22,29 17,77 -1,84 19,61 3,15 20,92 17,35 -0,36 17,71 4,14 21,50 16,80 -2,49 19,29 4,32 21,12 15,51 4,46 11,05 4,76 20,27 17,33 -1,64 18,96 4,17 21,50 17,37 -0,73 18,11 3,89 21,27 16,75 -0,53 17,28 4,46 21,21 18,51 -0,77 19,29 1,15 19,66 Poupança Governo Poupança Setor Privado 17,51 0,34 22,75 -3,42 19,09 18,60 Total Fontes:internet IBGE, IPEA-Data, BACEN (1994-2004) 70 Gráfico 3.4: Evolução da Poupança Relativa ao PIB no Período 1980-2003. Poupança - % do PIB 35,00 30,00 Valor em (%) 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 -5,00 1980 0,00 -10,00 Período Poupança Bruta Poupança Governo Poupança Setor Privado Poupança Externa Poupança Total (Doméstica + Externa) Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE. A liberalização financeira ocorreu durante todo o período entre 1990 e 2000, mas a poupança privada relativa ao PIB decresceu neste período. Com isso, pode-se mesmo afirmar que o processo de liberalização financeira falhou em seu objetivo, pois, como visto na seção anterior, as taxas de juros reais se mantiveram elevadas durante toda a década de 90, como prega a doutrina Shaw-Mckinnon, mas a poupança privada relativa ao PIB não cresceu como resposta a estas elevadas taxas reais de juros. Também para Giambiagi e Além (1997), a liberalização financeira apontada não promove o aumento da poupança, pois estudos empíricos já comprovaram que a elasticidade-juros da poupança é baixa, de modo que o aumento das taxas de juros, além de representar um desestímulo ao investimento, não é capaz de aumentar significativamente a poupança. Giambiagi e Além (1997) explicam a redução da poupança privada como o resultado do aumento do consumo viabilizado pela estabilização trazida com o Plano Real. Para os autores, além do aumento da renda real dos trabalhadores, foi a maior oferta e procura de crédito ao consumidor, através de pagamentos em prestações e outros meios de 71 financiamento como, por exemplo, o consórcio, que estimulou mais ao consumo que à poupança nesse período. O resultado para a poupança obtida na década de 90 não é suficiente para afirmarmos que não existe uma relação entre poupança e crescimento econômico, mas põe em cheque a teoria de que o veículo para o aumento da poupança é a elevação das taxas de juros reais, já que a sensibilidade da poupança em relação à taxa de juros é pequena. Se houver o objetivo de estimular a poupança, Giambiagi e Além (1997) defende a diminuição da propensão a consumir através do aumento da poupança pública, do estímulo aos fundos de pensão, do fortalecimento do fundo de aposentadoria programada e do estímulo aos mecanismos de aquisição da casa própria; estes três últimos também contribuiriam para uma melhor canalização dos recursos da poupança, reduzindo a preferência por liquidez através de uma maior procura por ativos de longo prazo. 72 3.5. Meios de Pagamento18 Através da decomposição dos meios de pagamento em M1, M2, M3 e M4 é possível avaliar a preferência por liquidez dos agentes econômicos. Os dados19 para estes agregados referentes ao período anterior a janeiro de 2000 puderam ser levantados através dos relatórios mensais do BACEN segundo o critério de liquidez, pelo qual a liquidez dos ativos que os compunham era decrescente de M1 a M4. Este último agregado é uma medida muito ampla da oferta de moeda na economia, portanto da liquidez disponibilizada ao mercado. Os dados fornecidos por estes relatórios referentes ao período posterior a janeiro de 2000 só puderam ser levantados segundo o critério da “fonte emissora”, que determinou uma nova composição para os agregados monetários, pela qual é a capacidade de criação de moeda ou quase-moeda através destes ativos que é decrescente de M1 a M4. Como para esta dissertação o que interessa é saber quanto do percentual de M4 está alocado em ativos de elevada liquidez no mercado financeiro, o critério de composição dos agregados monetários que será utilizado é o antigo. Para tal, foi preciso converter os dados referentes ao período posterior a janeiro de 2000, segundo tal critério. Seja M1 o somatório do papel moeda em poder do público com os depósitos a vista nos bancos, M2 era definido como a soma de M1 com o total aplicado em títulos públicos federais, estaduais, municipais, fundos de renda fixa de curto prazo, depósitos especiais remunerados e operações compromissadas com títulos públicos20. Já M3 era definido como o somatório de M2 com o total aplicado em depósitos de poupança. Atualmente, M2 é definido como a soma de M1 com os títulos privados, os depósitos de poupança, os depósitos especiais remunerados e as operações compromissadas com títulos públicos. Já M3 é definido como o somatório de M2 com o total aplicado em títulos públicos federais, estaduais e municipais. Em última instância, interessa saber se a participação percentual de M2 sobre M4 é elevada. M2, como é computado nos relatórios com dados referentes ao período anterior a janeiro de 2000, agregava somente aplicações financeiras de curto prazo, e, portanto, 18 Os dados disponibilizados pelos relatórios mensais do BACEN vão somente de 06/1994 a 2003. Tal dificuldade no levantamento dos dados é devido à mudança na forma de mensuração dos agregados monetários a partir de junho de 2001. 20 Embora este último item só tenha passado a ser discriminado nos relatórios do BACEN a partir de 2000. 19 73 demonstrava com maior nitidez a preferência por liquidez da economia brasileira. Entre estas aplicações, os títulos públicos representavam para os agentes econômicos atuando no Brasil um investimento seguro, por possuir elevada liquidez de mercado, reforçada pela segurança trazida pela crescente indexação destes títulos e pelo encurtamento de seus prazos, ambos resultado do grande aumento da dívida na década de 90. A avaliação do percentual sobre o PIB destes agregados monetários vai fornecer uma idéia clara da representação destes investimentos sobre o total da economia. Como podemos ver no gráfico 3.5.a) abaixo, a participação de M1 em relação ao PIB vem aumentando desde julho de 1994, saindo de 2% para 6% do PIB em dezembro de 2003. Esse aumento é explicado tanto por um aumento dos depósitos à vista nos bancos, como pode ser visto no gráfico, quanto do papel-moeda em poder do público. Dado que o aumento dos depósitos não foi resultante de uma redução do papel moeda em poder do público, não é possível alegar que o esse aumento estaria associado a um menor grau de risco no setor financeiro da economia, proporcionado pela liberalização financeira. M1 e Seus Componentes - % do PIB 8,00 Valor em (%) 7,00 6,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 0,00 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Papel Moeda em Poder do Público Depósitos a Vista Gráfico 3.5.a): M1 e Seus Componentes Como Percentual do PIB. Fonte: internet, BACEN (1994-2004). 74 M1 Ao avaliar a participação percentual dos agregados monetários em relação a M4, fica nítido que a participação percentual de M2 cresceu significativamente durante a década de 90 e continuou crescendo até 2002. De 46,11% em julho de 1994 ela chegou a 67,88% em dezembro de 2000. Esse aumento é de fato explicado por um aumento na procura de títulos públicos federais durante toda a segunda metade da década de 90, como pode ser visto no gráfico 3.5.c). Em julho de 1994, as aplicações em títulos públicos federais movimentavam 21,16% de M4, já em julho de 1999 esse valor era de 45,62%. Em contrapartida, a demanda por títulos privados se reduziu, assim como a demanda por depósitos de poupança. Estes eram de 27,50% e 26,39% em julho de 1994, enquanto que em 1999 eram de 16,64% e 20,11%, respectivamente. A demanda por títulos públicos federais se reverteu após julho de 1999, mas a demanda por títulos privados e depósitos de poupança não aumentou. O que aumentou foi a demanda por quotas de fundos de renda fixa, os quais investem grande parcela de seus recursos em títulos públicos. Estes dados podem se avaliados através dos gráficos 3.5.b) e 3.5.c) abaixo: Gráfico 3.5.b): Meios de Pagamento como Percentual de M4 Valor em (%) Meios de Pagamento (% de M4) 90,00 85,00 80,00 75,00 70,00 65,00 60,00 55,00 50,00 45,00 40,00 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Período M1 Fonte: internet, BACEN (1994-2004). 75 M2 M3 2002 2003 Gráfico 3.5.c): Alguns Componentes de M2 e M3 como Percentual de M4 Alguns Componentes de M2 e M3 - Percentual de M4 50,00 45,00 Valor em (%) 40,00 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Títulos federais em poder do público Títulos estaduais e municipais em poder do públ Depósitos de poupança Títulos privados Fonte: internet, BACEN (1994-2004). A avaliação de M2 em relação ao PIB mostra que houve um aumento aproximado de 25% na participação percentual deste agregado no período entre 1994 e 2003, como mostra o gráfico 3.5.d). M3 e M4 acompanharam o aumento de M2 em relação ao PIB, de modo que a diferença entre os agregados permaneceu aproximadamente a mesma. Isso é uma evidência de que efetivamente houve um aumento da preferência por liquidez no período. 76 Gráfico 3.5.d): Meios de Pagamento como Percentual do PIB Valor em (%) Meios de Pagamento - % do PIB 65,00 60,00 55,00 50,00 45,00 40,00 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 19941995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Período M1 M2 Fonte: internet, BACEN (1994-2004). 77 M3 M4 2002 2003 3.6. Financiamento: 3.6.1. As Operações de Crédito e o “Spread” Bancário Analisando o período entre janeiro de 1990 e dezembro de 2003, percebe-se que os empréstimos do Sistema Financeiro Nacional (SFN) feitos ao setor público, expressos em percentuais do PIB, se reduziram de 7,43% em 1990 a 0,94% em 2003, embora tenham permanecido praticamente constantes entre 1994 e 1997. Já os empréstimos do SFN ao setor privado cresceram entre 1990, quando foi de 18,9%, e 1995, quando foi de 28,9%, para depois permanecerem quase fixos num patamar próximo de 25%. A tabela 3.6.1. abaixo e o gráfico 3.6.1.a) na próxima página permitem visualizar a evolução dos empréstimos do SFN (como % do PIB). 21 Tabela 3.6.1: Total de Empréstimos do SFN - % do PIB Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Total de Empréstimos do Sistema Financeiro Nacional - % do PIB Ao Setor privado Ao Setor público Governos Governo Pessoas Outros Indústria Habitação Rural Comércio Estaduais e Total Federal Físicas Serviços Municipais 2,406% 5,024% 7,430% 5,083% 7,710% 2,085% 1,394% 0,591% 2,036% 2,291% 4,880% 7,171% 5,404% 6,488% 2,420% 1,667% 0,687% 2,254% 2,183% 5,147% 7,329% 6,868% 7,563% 3,054% 2,064% 0,870% 2,921% 2,031% 5,324% 7,355% 7,676% 7,652% 3,048% 2,858% 1,285% 3,880% 2,090% 3,892% 5,982% 8,111% 7,115% 3,031% 3,508% 2,221% 4,035% 1,258% 3,822% 5,081% 7,986% 6,906% 3,171% 4,326% 2,481% 4,083% 0,821% 4,477% 5,298% 7,385% 6,165% 2,647% 4,012% 2,289% 3,747% 0,451% 5,263% 5,714% 7,177% 5,643% 2,335% 3,279% 3,411% 3,474% 0,450% 2,174% 2,624% 7,709% 5,680% 2,586% 2,994% 3,816% 3,748% 0,538% 1,704% 2,242% 8,465% 5,553% 2,507% 2,774% 3,747% 3,773% 0,382% 0,944% 1,326% 7,418% 5,214% 2,381% 2,582% 4,547% 3,724% 0,310% 0,605% 0,916% 7,990% 2,998% 2,185% 2,921% 6,076% 4,559% 0,286% 0,500% 0,786% 8,015% 1,787% 2,145% 2,826% 6,071% 4,698% 0,290% 0,651% 0,941% 7,528% 1,627% 2,576% 2,673% 5,771% 4,437% Total Geral Total 18,899% 18,920% 23,340% 26,398% 28,021% 28,954% 26,246% 25,319% 26,535% 26,819% 25,866% 26,728% 25,542% 24,612% 26,329% 26,092% 30,669% 33,753% 34,003% 34,034% 31,543% 31,033% 29,159% 29,061% 27,191% 27,644% 26,328% 25,553% Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais 21 Para cada ano foi feita a média dos estoques mensais de empréstimos, que então foi dividida pelo PIB do ano. Esse critério foi utilizado para todos os gráficos e tabelas envolvendo os empréstimos do Sistema Financeiro Nacional, Público e Privado. 78 Gráfico 3.6.1.a): Empréstimos do SFN, ao Setor Público e Privado - % do PIB Empréstimos do SFN (destino)- % do PIB 35,000% 30,000% 25,000% 20,000% 15,000% 10,000% 5,000% 0,000% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Ao Setor público Ao Setor privado Total Geral de Empréstimos Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais. Analisando a tabela 3.6.1, é possível perceber que os empréstimos à habitação e a pessoas físicas foram os mais afetados. O primeiro decresceu de 7,71% em 1990 para 1,63% do PIB em 2003, enquanto o segundo cresceu de 0,59% em 1990 para 5,77% do PIB em 2003, indicando um aumento da preferência por empréstimos de curto prazo, o que aponta para uma maior preferência por liquidez das instituições que concederam estes empréstimos. Quanto aos empréstimos à indústria, estes cresceram entre 1990, quando foi de 5,1% do PIB e 1994, quando foi de 8,11%. Desde então os empréstimos à indústria pouco variaram, sendo mantidos num patamar médio de 7,78% do PIB22. O gráfico 3.6.1.b) permite visualizar o comportamento dos tipos de empréstimo ao setor privado concedidos pelo SFN, desta vez como percentuais do total destinado ao setor privado e não como percentuais do PIB. Ele só vem a confirmar o que já havia sido constatado na tabela 3.6.1. de empréstimos como percentuais do PIB, que foi o aumento da participação dos empréstimos a pessoas físicas e a redução da participação dos empréstimos à habitação. O comércio também recebeu uma maior parcela do total de empréstimos entre 1994 e 1997, também indicando uma maior preferência por liquidez. Como os resultados do gráfico 3.6.1.b) são afetados pelos empréstimos do Sistema Financeiro Público, a fim de melhor avaliar a preferência por liquidez das instituições 22 Média de 1994-2003. 79 financeiras privadas, o gráfico 3.6.1.c) mostra o comportamento destes mesmos tipos de empréstimo ao setor privado, só que concedidos pelas instituições financeiras privadas. Os percentuais são calculados em relação ao total destinado ao setor privado pelas instituições privadas. Gráfico 3.6.1.b): Empréstimos do SFN ao Setor Privado -% do Total ao Setor Privado Empréstimos do SFN ao Setor Privado - % do Total ao Setor Privado 45,000% 40,000% 35,000% 30,000% 25,000% 20,000% 15,000% 10,000% 5,000% 0,000% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Período Indústria Habitação Rural Comércio Pessoas Físicas Outros Serviços Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais. 80 2001 2002 2003 Gráfico 3.6.1.c): Empréstimos das Instituições Financeiras Privadas ao Setor Privado - % do Total Destinado por Estas Instituições ao Setor Privado Empréstimos das Instituições Financeiras Privadas ao Setor Privado - % do Total Emprestado por Estas Instituições ao Setor Privado 40,000% 35,000% 30,000% 25,000% 20,000% 15,000% 10,000% 5,000% 0,000% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Indústria Habitação Rural Comércio Pessoas Físicas Outros Serviços Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais. Como mostra o gráfico 3.6.1.c) acima, embora a indústria tenha sido o setor privado com maior volume de empréstimos até 2002, as instituições financeiras privadas reduziram os empréstimos a esse setor, assim como para o de habitação, aumentando enormemente a oferta de crédito à pessoa física, cujo volume em 2003 já foi superior ao volume de empréstimos destinados à indústria. Para finalizar a análise dos empréstimos concedidos pelo SFN, resta apenas analisar os empréstimos segundo as fontes, ou seja, o Sistema Financeiro Privado e o Sistema Financeiro Público. É possível perceber que a maior parte dos empréstimos entre 1990 e 2000 veio do Sistema Financeiro Público, como pode ser visto no gráfico 3.6.1.d). Contudo, a diferença entre o volume de empréstimos de ambas as fontes se reduziu ao longo deste período. Como resultado, desde o ano 2000 o Sistema Financeiro Público passou a conceder menos empréstimos que o Sistema Financeiro Privado, o que aumenta ainda mais a relevância da preferência por liquidez das instituições financeiras privadas. 81 Gráfico 3.6.1.d): Empréstimos do SFN, do SF Público e do SF Privado - % do PIB Empréstimos do Sistema Financeiro (fonte) - % do PIB 40,000% 35,000% 30,000% 25,000% 20,000% 15,000% 10,000% 5,000% 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Período Total de Empréstimos do Sistema Financeiro - % do PIB Empréstimos do Sistema Financeiro Privado - % do PIB Empréstimos do Sistema Financeiro Público - % do PIB Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais. Uma outra forma de avaliar a preferência por liquidez das instituições financeiras privadas é estudando o comportamento das taxas cobradas por estas instituições a seus clientes, segundo as diferentes modalidades. Tal estudo permite mensurar o “spread” cobrado pelas instituições nestes empréstimos. Um “spread” alto pode sinalizar uma elevada incerteza quanto ao mercado por parte destas instituições, indicando que deve haver uma elevada preferência por liquidez ao concederem empréstimos, associada a esta incerteza. Desde 1999 o BACEN avalia, em relatórios anuais, o comportamento das taxas de captação e empréstimo para os diversos setores, a fim de mensurar o comportamento do “spread” bancário. (BACEN, 1999-2004) Para calcular o “spread” nestes relatórios, foi subtraída a taxa de captação23 dos bancos das taxas médias dos empréstimos ponderadas pelo volume de crédito concedido pelos bancos. O gráfico 3.6.1.e) permite visualizar a evolução do “spread” desde 1996 até 2003. 23 Medida pela taxa média dos CDBs emitidos pelo sistema bancário. 82 Gráfico 3.6.1.g) Spread nas Operações de Crédito (Ago/1994 – Jun/1999) Fonte: BACEN (2004) A fim de compreender os motivos que expliquem este “spread” ser tão elevado, o BACEN definiu e apurou, para o período entre fevereiro de 1999 e agosto de 2003, a composição do “spread” bancário em cinco parcelas: Despesa de Inadimplência, Despesas Administrativas, Margem Líquida do Banco24, Impostos Indiretos mais FGC (Fundo Garantidor de Créditos) e Impostos Diretos (Imposto de Renda mais Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). A parcela de inadimplência tende a ser sensível às turbulências macroeconômicas, mas não possui grande relevância na composição. A parcela referente à margem líquida é a mais elevada durante todo o período. Se fizermos o somatório desta parcela com a parcela relativa às despesas administrativas e a parcela relativa aos impostos 24 Engloba lucro do banco e compensações para operações obrigatórias não lucrativas (por exemplo, crédito rural obrigatório); a margem líquida é sempre maior que o lucro. 83 diretos, obteremos a parcela do “spread” relativa ao “mark-up” dos bancos. Esta parcela é muito elevada, sendo um reflexo do poder de mercado, possibilitado pela falta de concorrência no setor. O gráfico 3.6.1.h) ilustra este fato. Gráfico 3.6.1.h) Composição do “Spread” Bancário (Fev/1999 - Ago/2003) Percentual Composição do "Spread" (1999 - 2003) 85,0% 80,0% 75,0% 70,0% 65,0% 60,0% 55,0% 50,0% 45,0% 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% 0,0% fev/99 ago/99 fev/00 ago/00 fev/01 ago/01 fev/02 ago/02 fev/03 ago/03 Período Margem Líquida do Banco Impostos Diretos Impostos Indiretos (+FGC*) Despesa Administrativa Despesa de Inadimplência Mark-up Fonte: BACEN (2004). * Fundo Garantidor de Empréstimos. O Plano Real estimulou a oferta de crédito de curto prazo ao controlar a inflação e o câmbio, mas a concentração do setor bancário e a elevada inadimplência, sem dúvida agravada pelas altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 1999, contribuíram para um elevado “spread” bancário. A manutenção de uma taxa de juros real muito alta, com o objetivo de atrair capitais estrangeiros, aumentou os custos do financiamento doméstico e reduziu os ganhos do investimento, além de aumentar o risco de crédito e criar problemas 84 de seleção adversa25. A tendência é de que o financiamento seja concedido em prazos mais curtos, no intuito de reduzir o risco do empréstimo para os bancos e a taxa de juros para o tomador final. Todavia, este encurtamento de prazos não chega a garantir taxas de juros mais baixas, já que a própria taxa básica de juros (Selic) é recorrentemente alta. Esta combinação de prazos curtos de empréstimos e elevada taxa de juros aumenta a inadimplência sobre o crédito bancário, realimentando o ciclo vicioso que limita a oferta de crédito no Brasil. A política de reestruturação bancária a partir de 1995, que favoreceu a concentração do sistema financeiro, acabou por permitir aos bancos a cobrança dos elevados “spreads” sem que estes tivessem perdas devidas à competição entre as instituições financeiras. Segundo Freitas (FREITAS, 1999), o governo acreditava que este problema seria contornado pelo aumento da participação estrangeira no setor bancário que, através do aumento da concorrência no setor, acabaria por equacionar as principais deficiências do mercado financeiro brasileiro; mas isso não ocorreu. Não houve grande aumento no número de instituições estrangeiras entre março de 1995 e março de 1998, que de 68 passaram para 72. O que ocorreu foi um aumento significativo do número de bancos nacionais controlados pelo capital estrangeiro (FREITAS, 1999). Alguns dos aspectos negativos disto estariam relacionados à desnacionalização das decisões relativas à alocação da riqueza brasileira, à maior vulnerabilidade da moeda nacional - em relação aos ataques especulativos no mercado de câmbio - e ao menor poder do Banco Central sobre os bancos nacionais e capitais externos, já que bancos estrangeiros podem mobilizar grande quantidade de recursos fora do país. A política de financiamento do déficit público, especialmente a partir de 1999, foi outro fator que prejudicou o financiamento doméstico ao incentivar a preferência por liquidez dos bancos (HERMANN, 2003), pois era fundamentada na crescente indexação dos títulos públicos e no encurtamento de seus prazos, dando às instituições financeiras uma opção de investimento mais segura que os empréstimos. É possível apontar o seguinte relato de Freitas (Freitas, 1999) com relação à política de juros elevados e à política de financiamento do déficit público praticadas na segunda metade da década de 90: 25 As taxas de juros elevadas fazem com que somente os investidores com maiores retornos esperados, logo com riscos elevados, busquem as instituições que concedem empréstimos, atividade por excelência dos bancos. Carvalho (2001). 85 “O crescimento da dívida pública, em razão da necessidade de esterilização do influxo de capitais estrangeiros e de sua própria rolagem, permanece como fonte de ganhos expressivos para as instituições financeiras, nacionais e estrangeiras. Igualmente, a própria política de juros elevados constitui desestímulo à retomada dos investimentos e do crescimento. A persistir esse quadro, será difícil que o tão esperado financiamento de longo prazo se torne realidade”. (FREITAS, 1999, pág.162-163) 86 3.6.2. Mercado de Capitais: Capitalização de Mercado e Capitalização Relativa26 A capitalização de mercado é uma estatística freqüentemente levantada em análises comparativas de diferentes mercados de capitais internacionais. A capitalização de mercado é definida como o somatório das ações emitidas por cada empresa listada na bolsa, multiplicadas por suas respectivas cotações. A capitalização relativa é obtida pela razão entre o valor em dólares ao final do ano do total das ações negociadas no mercado e o PIB em dólares. A capitalização relativa fornece uma perspectiva quanto ao tamanho do mercado de capitais, podendo também ser utilizada para obter uma noção quanto à importância deste mercado para o financiamento dos investimentos na economia. Entretanto, com este último fim é necessário que sejam feitas comparações com as capitalizações relativas de outros países, pois a mera observação da capitalização relativa no Brasil é insuficiente para concluir se este mercado é importante ou não. Isso só é possível ao comparar esta capitalização com a de economias emergentes, como a brasileira, e de economias mais industrializadas que a brasileira. De 1990 a 2002, a capitalização de mercado dos países industrializados representou, em média, quase o dobro da capitalização dos países emergentes: 73% e 40% do PIB, respectivamente. Essa diferença aponta para uma correlação positiva entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento do mercado de capitais, medido pela capitalização relativa, ou reflete a bolha especulativa do preço das ações em mercados industrializados. Esta última opção é menos provável, uma vez que, ao comparar o movimento da capitalização dos países emergentes com os países industrializados, é possível perceber que os movimentos da capitalização relativa nos países emergentes acompanharam os movimentos da capitalização relativa dos países industrializados. Sendo assim, deve existir alguma correlação entre o valor das ações dos países industrializados e emergentes, ou seja, a bolha especulativa também se formou nos países emergentes. 26 Os dados utilizados nesta seção foram retirados do site da CVM. 87 O Gráfico 3.6.2.a) mostra a evolução da capitalização relativa dos países desenvolvidos e emergentes de 1990 a 2002. A capitalização relativa nos países desenvolvidos é maior que a dos países emergentes durante todo o período, principalmente a partir de 1996, em que nos EUA houve a formação de bolha especulativa das ações de empresas de alta tecnologia e Internet. Nos países emergentes a capitalização relativa é sempre bem menor que 100%. Já nos países industrializados, a diferença entre o PIB e a capitalização de mercado é pequena, de modo que a capitalização relativa por vezes chega a ser superior a 100%. Gráfico 3.6.2.a): Capitalização Relativa de Países Emergentes e Desenvolvidos, Anos 90 Fonte: site da CVM Outras observações podem ser feitas a partir dos gráficos 3..6.2.b) e 3.6.2.c) abaixo Pode-se perceber que a performance da capitalização relativa acompanha a performance da capitalização de mercado. O pico dessas variáveis ocorreu em 1999, ano que a capitalização 88 de mercado nos emergentes cresceu 57% em relação ao ano anterior. Nesse período o PIB se manteve praticamente estável (ver gráfico 3.6.2.b), fazendo com que a capitalização relativa nos países emergentes aumentasse de 36% para 57% do PIB. Já nos países desenvolvidos, a capitalização relativa passou de 79% para 108% do PIB (ver gráfico 3.6.2.c). Em 2000, a capitalização relativa nos países emergentes caiu bruscamente, pois o PIB cresceu ao mesmo tempo em que houve uma queda na capitalização de mercado (ver gráfico 3.6.2.b). Nos países desenvolvidos, o PIB se manteve praticamente estável enquanto a capitalização de mercado apresentou queda de 12%, indicando uma queda lenta e gradual da capitalização relativa (ver gráfico 3.6.2.c). Gráfico 3.6.2.b): Capitalização Relativa dos Países Emergentes Fonte: Site da CVM 89 Gráfico 3.6.2.c): Capitalização Relativa dos Países Desenvolvidos Fonte: Site da CVM A seguir, a tabela 3.6.2. mostra a capitalização relativa dos países compondo os grupos de países desenvolvidos e emergentes. Como foi afirmado antes, o fator de maior relevância após a determinação da capitalização relativa é avaliar o tamanho do mercado de capitais, que, ao ser comparada com a de outros países, reflete, em certo grau, se este mercado é relevante no levantamento de recursos para o financiamento dos investimentos das empresas. Se essa dependência é baixa, isso implica, indiretamente, que os bancos devem possuir um papel mais importante no financiamento das empresas do que o mercado de capitais. 90 EUA 53,51 68,48 71,31 76,93 71,27 93,48 108,17 129,00 144,03 180,43 154,86 137,14 105,83 107,26 BRASIL 2,41 7,89 11,63 22,08 34,64 20,97 27,97 31,63 20,43 43,79 38,18 36,95 28,25 25,14 Fonte: site da CVM 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Média Período 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Média Período CANADÁ 41,52 44,42 41,74 57,93 55,81 62,04 79,34 89,04 88,10 121,43 116,78 98,84 78,79 75,06 JAPÃO 95,94 89,52 60,96 66,46 74,68 67,02 64,07 50,07 61,95 99,26 66,97 55,07 51,83 69,52 ARGENTINA CHILE 2,56 40,70 9,83 73,10 8,14 63,95 18,82 91,34 14,48 121,20 14,61 101,20 16,06 87,07 19,78 87,28 15,16 65,40 19,70 93,47 16,13 80,58 12,42 84,74 16,09 74,54 14,14 81,89 91 Capitalização Relativa - percentual do PIB PAÍSES EMERGENTES MÉXICO SUL CHINA TAILÂNDIA TAIWAN ÁFRICA DO SUL 15,63 43,66 24,26 61,68 122,21 32,68 32,67 39,01 68,82 139,68 38,16 34,21 52,34 47,21 113,90 49,81 40,38 104,66 86,16 165,49 30,95 47,64 87,04 101,23 176,72 31,69 37,19 7,02 80,81 70,65 183,37 32,13 26,74 14,50 52,71 97,91 166,57 39,06 8,79 23,60 15,10 99,19 142,17 21,80 36,14 25,05 30,50 97,50 112,70 32,02 75,39 32,25 46,68 130,78 137,41 21,56 32,15 30,15 23,89 80,03 102,59 20,43 46,06 28,78 31,32 103,69 74,41 16,20 46,78 37,43 36,00 92,79 173,71 29,39 39,06 24,85 48,02 87,51 139,30 PAÍSES INDUSTRIALIZADOS ALEMANHA FRANÇA ITÁLIA REINO UNIDO HONG KONG AUSTRÁLIA 23,61 25,55 13,47 85,46 111,50 35,10 22,09 30,46 13,63 95,08 139,85 45,71 17,13 25,94 9,99 86,08 168,23 43,80 23,53 35,67 14,60 119,26 326,30 68,18 23,82 33,43 18,12 109,75 202,26 64,33 23,46 32,15 19,09 118,63 214,31 67,52 27,89 37,74 20,81 137,99 286,92 76,93 39,04 48,06 29,51 150,29 238,00 72,90 50,61 67,74 47,24 166,68 207,92 90,69 67,85 103,61 61,58 195,52 379,17 109,14 67,74 110,44 71,41 181,29 375,84 98,00 57,77 nd 48,40 152,16 308,63 104,76 34,47 nd 40,16 114,64 284,12 95,24 36,85 50,07 31,39 131,76 249,47 74,79 Tabela 3.6.2: Capitalização Relativa de Países Emergentes e Desenvolvidos, Anos 90 ÍNDIA 28,57 59,53 59,95 49,56 87,33 67,61 47,95 54,18 56,83 ESPANHA HOLANDA 21,79 40,47 23,13 44,84 16,43 40,17 23,69 55,99 24,47 63,74 25,81 69,04 39,51 91,11 51,64 124,18 67,91 152,41 71,59 174,20 89,58 172,22 80,22 nd 70,46 nd 46,63 93,49 HUNGRIA 0,00 0,43 0,60 6,98 7,81 10,88 20,59 30,64 49,84 67,55 74,09 57,03 53,06 29,19 Se as empresas dependem de empréstimos bancários para o financiamento, os bancos passam a ser essenciais para a transição entre um menor e um maior nível de atividade econômica, à medida que estes criam depósitos para saciar as demandas por fontes de financiamento. Este certamente não é o caso de economias como os Estados Unidos e a Inglaterra, mas é o caso da Alemanha, onde os bancos universais são muito fortes, ao contrário do mercado de capitais. No Brasil, como mostra a tabela 3.7., embora a capitalização relativa tenha aumentado, ela é baixa, seja comparada aos países emergentes ou desenvolvidos. A média brasileira para o período de 1990 a 2002 foi de 25,14% enquanto para os Estados Unidos e Reino Unido foi respectivamente de 107,26% e 131,76%, para o Chile e Índia, ambos países emergentes, foi de 81,89% e 56,83% respectivamente. Estes dados apontam para o fato de que, mesmo após o processo de liberalização financeira, o mercado de capitais ainda é pouco desenvolvido no Brasil. Sendo assim, existe uma elevada dependência do setor bancário para o financiamento dos investimentos das empresas brasileiras. Pela teoria keynesiana seria possível alegar que a elevada preferência por liquidez da economia deve também contribuir para a baixa representatividade do mercado de capitais, já que limita a demanda pelas colocações primárias de ações e títulos privados de longo prazo. Não fosse este o caso, seria mais fácil obter “funding” para os investimentos, que pode ocorrer concomitantemente ao “finance”, ou mesmo sem ele, através da colocação primária de títulos privados e ações no mercado de capitais. 92 4. Conclusão 4.1. Considerações Iniciais O objetivo principal deste trabalho foi avaliar o papel da poupança para o crescimento econômico. Pelo enfoque clássico, o “quantum” da poupança agregada é considerado essencial na determinação deste crescimento uma vez que determinaria o montante disponível de recursos financeiros para o investimento. Pela teoria keynesiana, o fator relevante para a determinação do investimento e do crescimento é a alocação desta poupança pelos agentes econômicos, entre ativos financeiros de curto e de longo prazo. Seria a preferência por liquidez da economia que determinaria o ritmo do crescimento, de modo que “quantum” da poupança não seria capaz de, por si só, garantir o crescimento. Essa interpretação sobre a poupança precisava ser mais bem avaliada a fim de melhorar o entendimento e aplicabilidade prática desses conceitos nas políticas de desenvolvimento econômico do governo. A década de 90 foi escolhida para o estudo, por ser um período no qual a relação direta entre poupança e crescimento deveria ter transparecido, se esta existisse, uma vez que os entraves para a formação de poupança teriam sido supostamente retirados, segundo o modelo Shaw-Mckinnon, através da liberalização financeira. Além disso, os entraves mais diretos ao investimento e ao crescimento também foram contornados pelo equilíbrio inflacionário e cambial da segunda metade da década. Segundo o enfoque clássico, o processo se daria da seguinte forma: o processo de liberalização financeira, promovido na década de 90, e as elevadas taxas de juros reais praticadas durante o Plano Real deveriam garantir um aumento da poupança relativa ao PIB, conseqüentemente elevando o investimento relativo ao PIB e promovendo o crescimento econômico. Além disso, com a entrada de capitais externos, a poupança doméstica seria em grande parte complementada pela poupança externa, permitindo o financiamento de um maior montante de investimentos. Segundo o enfoque keynesiano, como a liberalização financeira não reduz a incerteza na economia, não seria alterada a forma pela qual os agentes alocam a poupança entre ativos de curto e longo prazo, que está relacionada à preferência por liquidez dos 93 agentes econômicos. Pelo contrário, a liberalização contribuiria para uma maior preferência por liquidez ao aumentar a vulnerabilidade da economia a crises. Sendo esta preferência elevada na economia brasileira, o processo de financiamento dos investimentos ficaria comprometido, qualquer que fosse a poupança agregada relativa ao PIB. Na próxima seção desta conclusão serão resumidas as principais constatações sobre a análise dos dados apresentados no capítulo 3 e a aproximação destes dados com as teorias clássicas e keynesianas. 94 4.2. Principais Conclusões Pudemos concluir dos dados levantados no capítulo 3, que a liberalização financeira nos moldes do modelo Shaw-Mckinnon não foi capaz nem de promover o crescimento, nem de promover um aumento da razão poupança/PIB no Brasil. Pelo contrário, ele pode até mesmo ser considerado responsável pelo fraco crescimento da década, ao aumentar a vulnerabilidade a crises internacionais. Estudos recentes do FMI (IMF, 2003a, 2003c) já admitem que o processo de liberalização financeira foi muitas vezes acompanhado de uma maior vulnerabilidade a crises, uma vez que a liberalização permite que os choques sejam mais rapidamente transmitidos entre os países. A análise do caso brasileiro comprova este fato, uma vez que o Brasil enfrentou três ataques especulativos, através do contágio de crises cambiais externas, num curto espaço de tempo (1995 – 1998). Além disso, a política de atração de capitais, orientada pelo diferencial positivo da taxa de juros paga no Brasil e no exterior, atraiu capitais de curto prazo e de investidores altamente propensos ao risco. Tais capitais especulativos só contribuíram para aumentar as chances de contágio para o Brasil destas crises, já que, diante do menor sinal de crise, esta fonte de financiamento se esgota rapidamente. No Brasil, após o Plano Real, a economia operou com elevadas taxas de juros reais, de acordo com a política de atração de capitais, mas a poupança relativa não respondeu a essas taxas da maneira enunciada pelo modelo de liberalização de Shaw-Mckinnon. A poupança relativa ao PIB foi mais baixa que a da década de 80 e permaneceu quase constante. Assim, a própria relação entre poupança e taxa de juros, defendida pelos economistas clássicos, foi posta em cheque durante este período. Em contrapartida, foi feita uma constatação de extrema relevância. A economia brasileira da década de 90 mostra que a preferência por liquidez marcou as decisões dos agentes econômicos ao alocarem suas poupanças. A preferência por liquidez deve ser entendida como sendo o encurtamento dos prazos e maturidades de ativos financeiros como um todo, não somente a escolha de reter moeda. O simples fato de a poupança estar alocada em ativos financeiros não basta para o financiamento dos investimentos, pois as características dos ativos escolhidos vão determinar a qualidade do financiamento, pela 95 qual o “finance” e o “funding” dos investimentos serão feitos, e o grau de fragilidade do sistema financeiro. A elevada preferência por liquidez foi expressa principalmente pelo aumento de M2, relativo a M4 e ao PIB. Esse aumento de M2 é em grande parte explicado pela maior procura por títulos públicos federais indexados, opção de investimento mais segura num ambiente de incerteza. A oferta de crédito após o Plano Real expressou com clareza a preferência por liquidez das instituições bancárias, que forneceram crédito de curto prazo, demandaram uma maior quantidade de títulos públicos federais, e cobraram elevados “spreads” em suas operações entre 1994 e 1999. O crédito de curto prazo e os elevados “spreads”, associados à elevada taxa de juros básica da economia brasileira (Selic) levaram os investidores a uma maior dependência do autofinanciamento e do financiamento pelo mercado de capitais. Sendo assim, o financiamento de longo prazo foi comprometido, já que a opção alternativa de financiamento pelo mercado de capitais ainda não é muito desenvolvida no Brasil. Isso foi evidenciado através da comparação entre a capitalização relativa brasileira com a de outros países. Em última instância, a colocação de ações e títulos privados de longo prazo também depende significativamente de uma baixa preferência por liquidez dos agentes econômicos. A teoria keynesiana também permite tirar algumas conclusões a respeito da dependência dos capitais externos para o financiamento. Segundo este enfoque, a captação de recursos externos não livra a economia da influência da preferência por liquidez, pois o que se complementa é a concessão de crédito das instituições domésticas com a das internacionais, tornando a economia dependente da preferência por liquidez internacional além da doméstica. Entretanto, para os investidores estrangeiros o grau de incerteza costuma ser maior, devido ao risco cambial e outros fatores mais subjetivos, como o desconhecimento dos processos políticos, da história, das diferenças culturais, etc. Sendo assim, os investimentos externos têm por natureza uma elevada preferência por liquidez associada a esta incerteza, a qual torna a avaliação do cenário macroeconômico mais difícil, sujeitando-se a falhas. Isso de fato ocorreu no Brasil, uma vez que os investimentos estrangeiros mais recorrentes se deram através do Anexo IV, os quais eram altamente voláteis; como foi visto anteriormente. 96 Apoiando-se no caso brasileiro, a teoria keynesiana é capaz de explicar de forma mais satisfatória a relação entre a poupança e o crescimento, ou melhor, entre a alocação da poupança e o crescimento. Assim, podemos afirmar, com base neste estudo, que o crescimento econômico depende mais da alocação da poupança entre ativos financeiros de curto e longo prazo, do que da poupança em si, já que esta não deve ser pensada como fonte geradora dos meios de financiamento para o investimento, nem como um pré-requisito financeiro ao investimento. Este depende, em última instância, do desejo das instituições bancárias e do mercado de capitais de conceder crédito diante de uma demanda por “finance” e por “funding”. Então, embora o “quantum” da poupança não seja capaz de comprometer o crescimento, a forma como ela é alocada pode compromete-lo, uma vez dificulte estes dois processos de financiamento, caso haja elevada preferência por liquidez na economia. Diante disto, para aumentar o investimento e a procura por ativos financeiros de longo prazo, é preciso reduzir a preferência por liquidez da economia. Logicamente, em primeiro plano, o próprio investimento deve ser desejado pelos empresários. A preferência por liquidez dos empresários, associada às expectativas quanto ao crescimento de seus mercados e até mesmo a seus espíritos empreendedores, deve ser reduzida. Em segundo plano, a preferência por liquidez dos bancos, que como visto, são as instituições mais capacitadas a prover o “finance”, deve ser reduzida para que este tipo de financiamento seja concedido aos investidores. Então, a fim de que seja possível fazer o “funding” dos investimentos, a preferência por liquidez no mercado de capitais também deve ser reduzida, a fim de que haja uma maior demanda por colocações primárias de ações e títulos privados de longo prazo. 97 Bibliografia: ASIMAKOPOLUS (1986), “Finance, Liquidity, Saving and Investment”. Journal of Post Keynesian Economics, vol. IX, n1, Fall. BACEN (1994-2004), “Boletim do Banco Central do Brasil”, edição internet, mensal, de 1994 a 2004. BACEN (1999 - 2004). “Juros e Spread Bancário no Brasil”. Banco Central do Brasil, Departamento de Estudos e Pesquisa – DEPEP, Outubro, 1999. BECK, THORSTEN (2000). “Impediments to the Development of Financial Intermediation in Brazil”. The World Bank Financial Sector Strategy and Policy Department, June 2000. BRESSER PEREIRA, L. C. e NAKANO, Y. (2002). “Uma Estratégia de Desenvolvimento com Estabilidade”. Revista de Economia Política, 21 (2), Julho, pp. 146-177. CARVALHO, F. J. Cardim de (1996). "Financial Innovation and the Post Keynesian Approach to the Process of Capital Formation". Texto para Discussão IE/UFRJ, nº 380, Outubro. CARVALHO, F. J. Cardim de (1996). "Sorting Out the Issues: the Two Debates on Keynes' s Finance Motive Revisited". Revista Brasileira de Economia, 50 (3), Julho-Setembro. CARVALHO, F. J. Cardim de (1997). "On Keynes's Concept of Revolving Fund of Finance". Texto para discussão IE-UFRJ n° 387, Março. CARVALHO, F.; SOUZA, Fr.; SICSÚ, J.; Paula, L.; Studart, R. “Economia Monetária e Financeira.” Editora Campus, 2001. CVM (2003). “O Crescimento Econômico e a Capitalização de Mercado”. Texto retirado do site da CVM. FREITAS, M. C. P. de (Org.). (1999). Abertura do Sistema Financeiro no Brasil nos Anos 1990. São Paulo: FUNDAP/FAPESP e Brasília: IPEA. GIAMBIAGI, Fabio (1999). “A Economia Brasileira dos Anos 90.” BNDES, 1999. GIAMBIAGI, Fabio (2002). “Restrições ao Crescimento da Economia Brasileira: uma visão de longo prazo”. Revista do BNDES, Jun/2002. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia (1997). “Aumento do Investimento: o desafio de elevar a poupança privada no Brasil”. Revista do BNDES, Dez/97. 98 GURLEY, J. e SHAW, E. (1955). "Financial Aspects of Economic Development". American Economic Review, Vol. XLV, n° 4, September: 515-538. HERMANN, J. (2002a) “Financial Structure and Financing Models: The Brazilian Experience over the 1964-1997 Period.” Cambridge University Press HERMANN, J. (2002b). “Liberalização e Crises Financeiras: o debate teórico e a experiência brasileira nos anos 1990”. Tese de Doutoramento. Rio de Janeiro: IE/UFRJ. Cap. 2, 5, 6, 7 e 8. HERMANN, J. (2003). “Financiamento de Longo Prazo: revisão do debate e propostas para o Brasil”, in J. Sicsú, J. L. Oreiro e L. F. de Paula, Agenda Brasil. São Paulo: Ed. Manole e Fundação K. Adenauer. Cap. 7. IMF (2003a), “Foreign Direct Investment in Emerging Market Countries”, Report of the Working Group of the Capital Markets Consultative Group, IMF, September, 2003. IMF (2003b). “The IMF and Recent Capital Account Crises: Indonesia, Korea, Brazil”, Independent Evaluation Office, IMF, 2003, chap.3. IMF (2003c), “Effects of Financial Globalization on Developing Countries: Some Empirical Evidence” IMF, March 17, 2003. IPEA, Séries de dados do IPEA-Data, internet KEYNES (1937a). “Alternative Theories of the Rate of Interest”. The Economic Journal, June, 1937. KEYNES (1937b). “The “ex ante” theory of the rate of interest”. The Economic Journal, December, 1937. KEYNES (1983). “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro”. Abril Cultural, 1983. Publicação Original: “ The General Theory of Employment, Interest, and Money”. Royal Economic Society, 1973. KEYNES “Alternative Theories of the Rate of Interest I”. The Economic Journal, September, 1937. KREGEL, Jan (1995). “Market Form and Financial Performance”. Economic Notes, Vol. 24, nº 3, pp. 485-504. MCKINNON, R. (1978). “A Moeda e o Capital no Desenvolvimento Econômico”. Rio de Janeiro: Interciência. Publicação original: “Money and Capital in Economic Development”. Brookings Institution, 1973. 99 MINSKY, H. “Stabilizing an Unstable Economy.” Yale University Press, 1986. MODIGLIANI “Liquidity Preference, Interest and Money”, Econométrica, 1944. OHLIN (1937a). “Some Notes on the Stockolm Theory of Savings and Investment I”. The Economic Journal, March, 1937. OHLIN (1937b). “Some Notes on the Stockolm Theory of Savings and Investment II”. The Economic Journal, June, 1937. OHLIN (1937c). “Some Notes on the Stockolm Theory of Savings and Investment III”. The Economic Journal, September, 1937 OLIVEIRA, Giuliano Contento de; CARVALHO, Carlos Eduardo. “Juros, Crédito e Bancos: Jogo Mais Pesado”. PINHEIRO, A. C., GIAMBIAGI, F., GOSTKORZEWICZ, J. “O Desempenho Macroeconômico dos Anos 90”. Políticas e Desempenho Macroeconômico, BNDES. SHAW, E. (1973). “Financial Deepening in Economic Development.” Oxford Univ. Press, 1973. THE WORLD BANK (2003), “Brazil Stability for Growth and Poverty Reduction”, Brazil Country Management Unit, Poverty Reduction and Economic Management Unit, Latin America and the Caribbean Region, The World Bank, January 31, 2003. 100