Poupança Financiamento Crescimento o Caso do Brasileiro 1990

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Agradeço especialmente à minha
orientadora, doutora Jennifer Hermann,
que desde o início esteve disponível para
tirar minhas dúvidas e me auxiliar no
processo de elaboração deste trabalho.
Sem ela, esta dissertação não teria sido
feita com tanto cuidado teórico e
dedicação.
1
Abstract
This dissertation discusses the importance of the aggregated savings to the growth
process of the economy. There is no agreement on the subject, and Keynesians and
Classics’ theories polarize the debate. The divergence has its beginning in the mechanism
through which the interest rate is defined in the markets. For the Classics, the interest rate is
defined between investment and savings, or between supply and demand of credit, being
the total amount of savings a determinant of financing for investment and, indirectly,
economic growth. For the Keynesians, the interest rate is defined by the liquidity
preference and the total amount of money available in the economy. Thus, the total amount
of savings doesn’t determine the conditions for financing economic growth, since the
economic agents may decide to allocate part of theirs savings as money. It’s the desire to
hold money and short-term assets, in other words, the liquidity preference, especially of the
institutions that provide credit, which is going to define the pace of growth. These theories,
which are very dissimilar, are evaluated in the context of the brazilin economy since 1990.
The analyses of the period suggest that the liquidity preference is a determinant factor of
growth, not the “quantum” of savings, as is determined by the Keynesian’s theory. Such
preference is expressed by the allocation of savings in short-term assets, complicating the
financing process of investment and growth.
2
Resumo
Esta dissertação discute a importância da poupança agregada para o processo de
crescimento da economia. Não existe consenso sobre esta matéria, cujo debate é polarizado
por teorias keynesianas e clássicas. A divergência tem começo no mecanismo pelo qual é
definida a taxa de juros nos mercados. Para clássicos, a taxa de juros é definida pelo
equilíbrio entre poupança e investimento, ou entre oferta e demanda de crédito, sendo o
montante da poupança um determinante dos meios de financiamento do investimento e,
indiretamente, do crescimento econômico. Para os keynesianos, a taxa de juros é definida
pela preferência por liquidez e pela oferta de moeda disponível da economia. Assim, o
montante de poupança não determina as condições de financiamento do crescimento
econômico, pois é possível que os agentes econômicos decidam alocar parte de suas
poupanças em moeda. É o desejo de reter moeda e ativos de curto prazo, ou seja, a
preferência por liquidez, especialmente das instituições que concedem crédito, que vai
definir o ritmo do crescimento. Estas teorias, que são muito dissimilares, são avaliadas no
contexto da economia brasileira a partir da década de 1990. A análise deste período sugere
que a preferência por liquidez é um fator determinante do crescimento e não o “quantum”
de poupança, como determina a teoria keynesiana. Esta preferência é expressa pela
alocação da poupança em ativos financeiros de curto prazo, a qual dificulta o processo de
financiamento do investimento e do crescimento.
3
Índice
Introdução, 6
1. Capítulo 1: Teoria da Determinação da Taxa de Juros, Poupança, Investimento e
Financiamento do Crescimento.
1.1. Considerações Iniciais, 9
1.2. O Modelo Clássico, 10
1.3. O Modelo de Keynes, 12
1.4. Desenvolvimentos Críticos à Teoria de Keynes
1.4.1. Notas de Ohlin Sobre a Teoria Clássica de Poupança e Investimento, 15
1.4.2. O Modelo de Modigliani, 21
1.4.3. O Modelo Shaw-Mckinnon, 27
1.5. Desenvolvimentos da Teoria Keynesiana
1.5.1. “Finance” e “Funding”: O Modelo de Financiamento de Keynes, 29
1.5.2. O Modelo Gurley-Shaw, 33
1.6. Considerações e Críticas aos Modelos, 36
2. Capítulo 2: A década de 90 no Brasil.
2.1. Importância do Tema para o Brasil, 46
2.2. Contexto Histórico dos Anos 90
2.2.1. As Principais Mudanças na Política Financeira, 49
2.2.2. A Liquidez Internacional, o Plano Real e Políticas Econômicas, 53
2.2.3. Considerações Finais Sobre a Década, 59
3. Capítulo3: Indicadores Econômicos do Período 1990-2003
3.1. Considerações Iniciais, 60
3.2. A Variação Real do PIB Pela Ótica da Despesa, 62
3.3. Comportamento das Taxas de Juros Reais, 66
3.4. Comportamento da Poupança Agregada, 69
3.5. Meios de Pagamento, 73
3.6. Financiamento
4
3.6.1. As Operações de Crédito e o “Spread” Bancário, 78
3.6.2. Mercado de Capitais: Capitalização de Mercado e Capitalização Relativa, 87
4. Conclusão
4.1. Considerações Iniciais, 93
4.2. Principais Conclusões, 95
Bibliografia, 100
5
Introdução
Esta dissertação discute o papel da poupança para a capacidade de crescimento na
economia brasileira, analisando se ela é essencial na geração de condições de
financiamento do crescimento. Algumas questões serão abordadas, como as seguintes: É a
poupança um pré-requisito para o investimento? Sem uma poupança adequada, o
crescimento econômico fica comprometido? É a poupança mais importante que a
estruturação do mercado financeiro no processo de crescimento? A distribuição da
poupança entre moeda, títulos de curto e longo prazo, tem repercussões sobre os agregados
econômicos? E sobre o crédito?
Sabe-se que a literatura econômica especializada não fornece uma resposta única
para estas questões, já que duas escolas de pensamento econômico rivalizam o debate sobre
o tema: a clássica e a keynesiana. Destarte, a análise destas questões para o Brasil terá base
na discussão sobre o tema entre estas duas correntes teóricas.
Atualmente, esta controvérsia teórica volta a ser de grande importância para o
Brasil, já que o país vivenciou um período de estagnação econômica nas duas últimas
décadas, sendo a reversão deste quadro uma necessidade iminente. Destas duas décadas de
estagnação, sabe-se que os anos 80 foram marcados por alta instabilidade e incerteza
devido à inflação. Além disso, houve a ruptura do modelo de financiamento baseado em
crédito público e externo. Já nos anos 90, os capitais internacionais voltaram à circulação
no país e, na segunda metade da década, o país conquistou a estabilização da inflação e do
câmbio. Entretanto, o país cresceu pouco e sem continuidade, razão pela qual a década foi,
também, considerada perdida. O que explica tal acontecimento?
A partir das teorias clássicas e keynesianas sobre financiamento dos investimentos,
é possível apontar diferentes explicações para os entraves financeiros ao crescimento
econômico brasileiro dos anos 90, além de diferentes soluções. Esta análise do debate
teórico entre as duas escolas de pensamento econômico sobre o papel da poupança para o
investimento e o crescimento pode dar uma contribuição para o entendimento desta questão
no Brasil.
Alega-se que falta um modelo de financiamento do crescimento no Brasil que
substitua aquele anterior à década de 80, baseado no crédito público e externo. O trabalho
6
visa analisar os dados disponíveis da economia brasileira a fim de tentar avaliar se o
entrave ao surgimento de tal modelo tem caráter financeiro, envolvendo a estrutura de
alocação da poupança, como pode ser defendido através da teoria keynesiana, ou se tem
caráter quantitativo, um “quantum” insuficiente de poupança, como pode ser defendido
através da teoria clássica.
O período analisado no trabalho será de 1990 a 2003, pois neste período o
crescimento seguiu uma trajetória difusa, alternando períodos curtos com crescimento e
períodos longos sem crescimento, mesmo com o controle da inflação e do câmbio. A
hipótese principal do trabalho é de que a poupança não foi e não é o empecilho ao
crescimento brasileiro, mas sim a alocação desta poupança. Tal alocação está relacionada
aos fatores financeiros e institucionais relativos à oferta e à demanda de crédito, resultados
de um cenário recorrente de instabilidade e de um conjunto de políticas econômicas
adotadas por governos anteriores.
A década de 90 foi um período onde o modelo Shaw-Mackinnon se fez presente nas
políticas de liberalização do sistema financeiro. Segundo a teoria ortodoxa, tais políticas
deveriam alavancar o crescimento econômico. Atualmente já sabemos que isso não
ocorreu.
Para a avaliação da teoria ortodoxa, que defende a poupança como instrumento para
o crescimento, serão coletados os dados da poupança total relativa ao Produto Interno
Bruto. Esta será desagregada em poupança pública, privada e externa. Segundo a teoria
clássica, as taxas de juros reais incentivam uma maior propensão a poupar na economia.
Por isso, a fim de discutir a validade das concepções neoclássicas a esse respeito, também
serão coletados dados sobre a evolução dos juros reais. Juntos estes dados permitirão não só
questionar a relação entre as taxas de juros reais e a poupança, mas também entre estas duas
variáveis e o crescimento real do Produto Interno Bruto.
Para a avaliação dos argumentos da teoria keynesiana, serão coletados dados sobre a
estrutura de todos os agregados monetários, de M1 a M4, além de dados da oferta de
crédito e do “spread” no sistema financeiro. Os empréstimos do sistema financeiro nacional
serão desagregados por setor e também será feita a decomposição do “spread”. A
decomposição dos agregados monetários em percentuais de M4 e do PIB, será usada como
indicador das preferências dos poupadores e instituições financeiras quanto à alocação de
7
seus recursos. Com estes dados, pretende-se ter um indicador não apenas do
comportamento da preferência por liquidez da economia brasileira, mas também dos fatores
que desestimulam a oferta de crédito de longo prazo pelo setor financeiro brasileiro e a
demanda por crédito. Tal demanda seria teoricamente retraída devido às altas taxas de juros
da economia, comprometendo o crescimento.
O capítulo 1 apresenta a controvérsia teórica sobre o papel da poupança no
investimento e no crescimento entre os economistas clássicos e os keynesianos.
O capítulo 2 aponta, numa primeira parte, o fato desta discussão ter se tornado
novamente atual para a economia brasileira. Numa segunda parte, é historicamente
contextualizada a década de 90, onde ocorreram as principais mudanças dentro do período
escolhido para a coleta de dados. Esta segunda parte terá dois focos principais: apontar as
principais medidas que compuseram o processo de liberalização financeira defendido pelo
modelo Shaw-Mckinnon e avaliar o papel da liquidez internacional de capitais e do Plano
Real sobre a economia e o sistema financeiro. Numa terceira parte serão feitas as
considerações finais sobre a década.
No capítulo 3 são apresentados os dados coletados, através de gráficos e tabelas.
Primeiramente serão expostos os dados relacionados ao Produto Interno Bruto, em seguida
os dados a relativos às taxas de juros reais e depois à poupança. Com estes dados será
possível contestar a teoria clássica. Após, serão apresentados os agregados monetários,
seguidos dos dados sobre a oferta de crédito e sobre o “spread” bancário. Também é feita
uma avaliação da capitalização relativa na economia brasileira, a fim de avaliar a
dependência das empresas em relação ao mercado de capitais e, indiretamente, ao setor
bancário da economia - fator de relevância para a teoria keynesiana.
O capítulo 4 traz a conclusão, que inicialmente avalia qual das teorias parece melhor
explicar a relevância da poupança para o Brasil, através de um apanhado das principais
considerações feitas durante o trabalho e com base na comparação entre os dados coletados
e as teorias apresentadas. Também são feitas considerações relativas aos entraves
financeiros da economia, que vêm contribuindo para a contenção do crescimento
econômico brasileiro.
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1. Capítulo 1: Teoria da Determinação da Taxa de Juros, Poupança, Investimento e
Financiamento do Crescimento.
1.1. Considerações Iniciais
Não há como falar sobre o papel da poupança para o crescimento econômico sem
discutir a teoria econômica de determinação da taxa de juros. A razão disso é a existência
de uma relação entre as formas como a taxa de juros é determinada nas teorias econômicas
e os meios de financiamento da atividade econômica, seja através da poupança no modelo
clássico, seja através da preferência por liquidez no modelo keynesiano. Este capítulo é
dedicado à análise teórica de ambas as escolas de pensamento econômico sobre o papel da
poupança para o investimento e o crescimento, além de uma avaliação crítica destas teorias,
sem, no entanto, descartar qualquer uma delas sem antes fazer uma avaliação empírica de
suas proposições para o Brasil. Inicialmente serão apresentados o modelo clássico e o
modelo keynesiano, depois as teorias propostas para aprimorar ambos os modelos e para
finalizar, as críticas aos modelos apresentados.
9
1.2. O Modelo Clássico
A poupança e o investimento no modelo clássico dependem fundamentalmente da
taxa de juros. A poupança é a parcela da renda não consumida pelos agentes econômicos. A
decisão de não consumir hoje é uma decisão de consumo intertemporal. Dadas as
preferências dos agentes, eles decidem ou não poupar parte da renda, a fim de obter um
maior consumo futuro, a ser garantido pela remuneração desta poupança, a taxa de juros. É
uma transferência de poder de compra no tempo para o agente poupador e uma
transferência de recursos entre os agentes econômicos hoje, já que outros agentes optarão
por um dispêndio maior que a renda, para esta mesma taxa de juros.
A taxa de juros é o prêmio pela espera dos agentes poupadores, permitindo o maior
consumo futuro. Quanto maior esta taxa de juros, maior será o número de agentes que
optará pelo consumo futuro, ou seja, uma maior parte da renda será destinada à poupança
no presente. Desta forma, tanto consumo quanto poupança são funções da taxa real de
juros, que permite avaliar o poder de compra futuro, ao contrário da taxa nominal de juros.
O consumo é função decrescente desta taxa e a poupança é função crescente.
A poupança agregada é igual à oferta de fundos no mercado financeiro, que é
composta de títulos, e não moeda, pelo simples fato desta não pagar juros. A captação por
fundos no mercado financeiro é realizada pelos investidores da economia, que são os
responsáveis pelo acréscimo do estoque de capital da economia, o qual permitirá a maior
produção futura possibilitando, assim, o maior consumo dos agentes poupadores.
A taxa de juros representa o custo do investimento, pagamento pelo empréstimo que
viabilizará a aquisição de bens de capital. Ela é também o custo de oportunidade de não
aplicar em títulos, no caso de imobilização da moeda como ativo. Como supostamente a
produtividade marginal do capital é decrescente, investimentos adicionais trazem menores
retornos. Destes fatores tem-se que a demanda por investimento é função decrescente da
taxa de juros. Definem-se as seguintes relações:
S(r); S’(r) > 0
I(r); I’ (r) < 0
Tanto para o tomador de empréstimo quanto para o aplicador, o que interessa é a
taxa de juros real, que representa os ganhos e perdas em termos de bens (produtos). Assim,
10
a taxa r representada acima é a taxa real de juros. No encontro entre as curvas S(r) e I(r)
teremos a determinação da taxa de equilíbrio re e dos níveis de poupança e investimento de
equilíbrio S(re) e I(re). A taxa de juros real é determinada no equilíbrio entre as preferências
intertemporais dos indivíduos quanto ao consumo futuro e presente e a produtividade
marginal do capital. Ela não é afetada pela política monetária, que só afeta a taxa nominal
de juros ao alterar o nível de preços. Pela equação de Fisher, a taxa nominal de juros seria
definida como a soma da taxa real de juros com a taxa de inflação esperada. Assim, uma
alteração da inflação esperada alteraria a taxa de juros nominal, mas não a real. No gráfico
1.2.1 abaixo, S2 representa uma curva de poupança onde a preferência por consumo futuro
é maior que em S1. A quantidade de recursos transferidos dos poupadores para os
investidores é maior, quanto maior for a preferência por consumo futuro, sendo o mercado
de capitais e as instituições financeiras os intermediários desta transferência de recursos.
Gráfico 1.2.1: Taxa de Juros Para Curvas de Poupança Com Diferentes Preferências
i
S1
S2
I
S,I
Mais tarde, outros economistas procuraram elaborar o modelo clássico,
impulsionados pelo surgimento da teoria de Keynes, que a rivaliza. O modelo de Keynes é
apresentado na próxima seção e depois são apresentadas as principais contribuições aos
modelos, tanto da teoria clássica quanto da teoria keynesiana.
11
1.3. O Modelo de Keynes
Na sua “Teoria Geral”, Keynes considera que um indivíduo se depara com duas
decisões básicas: quanto de sua renda ele vai consumir e de que forma a renda não
consumida será poupada. O agente pode decidir manter a renda não consumida na sua
forma líquida, moeda, ou abdicar desta em prol de outros ativos financeiros, o que o deixa à
mercê das condições futuras pelas quais este poder aquisitivo poderá ser convertido
novamente à sua forma líquida. Antes de Keynes a possibilidade de reter moeda como
poupança não foi considerada e, segundo o autor, nisto estaria o erro de análise dos
economistas clássicos. A taxa de juros é por definição o prêmio pela renúncia à liquidez,
medindo a relutância dos agentes que possuem dinheiro em alienar o seu direito de dispor
deste dinheiro. Ela concilia o desejo de manter a riqueza em forma líquida com a
disponibilidade de moeda. Para uma determinada quantidade de moeda disponível, caso se
reduzisse a taxa de juros, prêmio por abdicar da liquidez, mais agentes prefeririam manter
sua riqueza em moeda, fazendo com que a demanda por moeda excedesse a oferta de
moeda. Se a taxa de juros, ao contrário, aumentasse, menos agentes demandariam moeda
gerando um excedente de moeda que não seria retido. Assim, a taxa de juros se define no
equilíbrio entre a oferta monetária da economia e a demanda por moeda, que expressa a
preferência por liquidez dos agentes.
Para Keynes, a existência de incerteza quanto à taxa de juros futura é fundamental
para que as pessoas demandem moeda como ativo. Esta incerteza é associada à dificuldade
de estimar o risco de incorrer em perdas, caso seja necessário se desfazer de um ativo
financeiro antes do prazo de vencimento, por necessidade de liquidez. Existindo um
mercado organizado para lidar com débitos, como os agentes vêem o futuro de forma
diferente, uns agentes tentarão realizar lucros em cima de outros através da compra ou da
venda de moeda. O comportamento destes agentes tem, então, seu efeito sobre a preferência
por liquidez. No mercado vão existir indivíduos “baixistas”, que acreditam que o preço dos
ativos vai cair e a taxa de juros vai aumentar, e “altistas”, que acreditam que os preços dos
ativos vão subir e a taxa de juros vai diminuir. O preço do mercado se fixa no nível em que
a venda dos “baixistas” se equilibra com as compras dos “altistas”.
12
Keynes subdivide a demanda por moeda em três, segundo os motivos que levam a
tal demanda. Existe o motivo transação, que é a necessidade de moeda como meio de
pagamento para as trocas pessoais e comerciais. Existe o motivo precaução, que é a
necessidade de moeda como garantia de segurança para que não falte liquidez diante de
uma transação imprevista. O terceiro é o motivo especulação, que é a demanda por moeda
visando ganhos, lucros, através da especulação quanto à taxa de juros futura. Esta é a
preferência por liquidez. O motivo transação e o motivo precaução são uma função do nível
de renda e atividade econômica, que quando aumentam geram uma maior busca de moeda
para fazer frente ao maior número de transações. São pouco dependentes, no entanto, da
taxa de juros, uma vez que os pagamentos deverão ser feitos independentemente da taxa.
Uma queda na taxa de juros aumenta a renda nacional, pois estimula um maior
investimento, aumenta o nível de emprego, ao reduzir o custo de oportunidade e captação
dos investimentos. Esse aumento da renda gera uma maior demanda por moeda pelo motivo
transação e a queda na taxa de juros reduz o custo da conveniência de reter moeda,
aumentando a preferência por liquidez.
É de se esperar que um aumento na oferta de moeda acarrete numa redução da taxa
de juros, se a preferência por liquidez não se alterar, mas nada garante que esta não se
altera. A curva de demanda por moeda pode se deslocar, de acordo com as expectativas dos
agentes econômicos. Caso a preferência por liquidez aumente mais que a oferta de moeda,
esse resultado esperado não vai ocorrer.
Para efeito ilustrativo podemos dividir o montante de recursos líquidos total M em
duas partes M1 e M2, onde M1 é a parte do montante utilizada para o motivo transação, e M2
a parte do montante utilizada para o motivo especulação; definindo M1 = L1(Y) como uma
função de liquidez que depende do nível de renda Y e M2 = L2(r) como uma função de
liquidez que depende da taxa de juros. Uma variação em M, ou seja, um aumento da oferta
monetária determinado pela autoridade monetária, faz com que a taxa de juros r se reduza,
por criar um excesso de moeda no mercado. A queda da taxa de juros aumenta M2, uma vez
que o número de agentes esperando uma nova queda da taxa de juros diminui. Isso significa
que haverá um número menor de agentes “altistas” (demandando títulos). Se as
expectativas forem boas, a queda na taxa de juros também vai estimular o investimento,
aumentando a renda, com isso aumentando M1. No equilíbrio, a divisão do incremento de
13
recursos líquidos entre M1 e M2 depende da reação do investimento à queda da taxa de
juros e da renda a um acréscimo do investimento. Sendo Y dependente de r através do
investimento, uma variação em M acarreta uma variação em r suficiente para que a soma
das variações resultantes de M1 e M2 iguale a variação em M.
14
1.4. Desenvolvimentos Críticos à Teoria de Keynes
1.4.1. Notas de Ohlin Sobre Taxa de Juros, Poupança e Investimento
Ohlin começou a expor suas idéias num artigo de março de 1937 (Ohlin,1937a). Ele
acreditava que a conexão entre as decisões de consumo e a parte da renda destinada ao
consumo não existe de forma análoga entre as decisões de investimento e a parte da renda
destinada à poupança. São indivíduos diferentes que tomam as decisões de poupança e
investimento, não havendo garantias de que o volume de ambos se iguale, de modo que a
taxa de juros tem um papel na equalização destes.
A aquisição de bens e serviços tem a finalidade última do consumo ou do
investimento. No caso do investimento, o empreendedor possui expectativas quanto a
eventos futuros que podem não estar sobre seu controle e um conhecimento de seu
potencial produtivo. Através destas expectativas ele faz um plano para o próximo período1,
que é levado à diante. O plano diz respeito somente às ações do empreendedor e é uma
decisão “ex-ante”. Um plano de investimento envolve necessariamente uma receita futura
esperada do investimento, assim como um custo esperado, aí se incluindo a taxa de juros
esperada. Basicamente o empreendedor vai estar formando com isso a sua expectativa de
lucro, mas não vai levar adiante todos os investimentos com taxa de retorno maior que taxa
de juros esperada. Somente alguns investimentos lucrativos são levados para frente, pois o
empreendedor esbarra num limite de crédito. Os recursos financeiros da firma podem não
ser suficientes, ou talvez a firma tenha um maior grau de aversão ao aumento do
endividamento, mesmo sendo capaz de tomar empréstimos.
A aquisição de bens e serviços para o consumo também depende de expectativas;
quanto a suas necessidades presentes e futuras (preferências dos agentes), quanto aos
preços e quanto à renda futura. Segundo Ohlin, a expectativa quanto à renda futura não se
limita ao próximo período apenas, ela leva em consideração um período mais extenso no
futuro, baseando-se na transitoriedade da renda futura esperada. Se o agente crê que sua
renda num futuro mais distante tende a ser menos elevada que a sua renda atual e de
1
Ohlin assume este período como sendo aquele em que o empreendedor não muda seu plano até o começo do
período seguinte.
15
períodos futuros mais próximos, suas decisões de consumo presentes e futuras vão levar
isto em consideração. A partir de tais expectativas, os agentes determinam seu consumo
planejado, também considerando a oferta de crédito, a qual funciona para o consumo como
um fator limitante.
Voltando a considerar investimento e poupança, temos que o investimento
planejado não precisa ser igual à poupança planejada, mas ao final do período, o
investimento realizado é igual à poupança realizada.
Ohlin explica o motivo: uma
desigualdade entre o investimento planejado e a poupança planejada dá início a um
processo pelo qual a renda realizada difere da renda planejada e conseqüentemente leva a
uma poupança realizada diferente da poupança planejada e o mesmo para o investimento.
Ohlin dá os seguintes nomes às diferenças entre os planejados e os realizados de
investimento, poupança e renda: investimento novo inesperado, poupança não intencional e
renda inesperada. Por exemplo, um saldo extra de renda pode levar o agente a poupar mais
do que o planejado, em valor igual a este saldo. De modo semelhante, um estoque maior
que o esperado pelo empreendedor cria um investimento inesperado:
“Suponha que as pessoas tenham decidido reduzir sua poupança para ter seu
consumo aumentado em 10 milhões, se comparada ao consumo e à poupança do
período anterior. Elas não esperam nenhuma alteração de sua renda. Suponha também
que no período anterior o investimento planejado foi igual ao realizado. Qual o
resultado? As vendas de consumo vão aumentar em 10 milhões e os estoques dos
vendedores se reduzirão em sete milhões, levando-se em conta que os outros três
milhões sejam a renda extra dos vendedores. Esses 10 milhões são poupança não
intencional. A poupança realizada diminui em apenas 7 milhões, mesmo valor do
investimento realizado. No próximo período, o investimento planejado dos
vendedores será maior assim como as expectativas de renda futura serão mais
favoráveis, de modo que o consumo planejado aumente. Nesse segundo período,
tanto consumo quanto investimento será maior, dado que a propensão a poupar não
mude. A produção vai aumentar, ou os preços vão subir, ou ambos. Enquanto a
poupança planejada for um pouco superior à do período anterior, devido à melhor
expectativa dos vendedores quanto à renda, o investimento planejado vai aumentar
ainda mais, pois os estoques devem ser reabastecidos. Então, durante este período
também, investimento planejado supera poupança planejada, e o processo de
expansão da soma das transações – e, portanto, quantidade, preço, ou ambos - vai
continuar”. (Ohlin, 1937a, página 65.)
Um processo similar ocorre se a mudança original for um aumento do investimento
planejado desacompanhado de um aumento da poupança planejada. É importante perceber
16
que as reações ao desequilíbrio entre o planejado e o realizado através das aquisições para
consumo e investimento dependem fundamentalmente da velocidade em que as
expectativas sobre lucro e renda são afetadas, da velocidade em que a quantidade de moeda
nas mãos dos agentes (firmas ou indivíduos) varia, da vontade das instituições de crédito de
conceder crédito e da efetiva quantidade de moeda e crédito disponível no momento em que
ocorre o desequilíbrio primariamente.
Se os recursos forem amplos, a movimentação dos meios de pagamento deve ter
pouca influência no processo, sendo o fator principal as expectativas (que determinam o
desejo de gasto dentro do limite de capacidade para tal). Uma melhoria das expectativas
sobre lucros ou uma redução dos juros podem aumentar o volume de investimento.
Segundo Ohlin, isso faz com que uma maior renda seja criada gerando com isso uma
popança maior e um aumento na poupança planejada. “Ex-post” o excesso de renda em
mãos das pessoas não foi consumido e se torna poupança, igualando investimento e
poupança realizados.
A partir do que já foi exposto no artigo de março, Ohlin tira as seguintes conclusões
num segundo artigo escrito em junho de 1937 (Ohlin, 1937b): a taxa de juros não é
determinada pelo equilíbrio entre poupança e investimento (ou oferta e demanda de
poupança, como ele também define), pois estes são iguais “ex definitione”, para qualquer
nível da taxa de juros. A taxa de juros também não equilibra poupança e investimento
planejados, pois estes, como já foi dito, podem ser diferentes. Como então a taxa de juros é
determinada? Para Ohlin, ela nada mais é que o preço do crédito, sendo determinada pela
oferta e demanda de crédito. Isso não significa, no entanto, que ela não afete as decisões de
poupança; significa que essa relação é indireta. O equilíbrio assim determinado veio a ser
conhecido como a teoria dos fundos emprestáveis, principal teoria rival à teoria keynesiana
de preferência por liquidez.
Dada uma disposição a poupar e certas expectativas de renda e consumo, a taxa de
juros determina o volume de investimento, segundo as expectativas de lucro, e determina a
maneira pela qual a produção, as trocas e os preços se desenvolvem. A definição de uma
taxa de juros considerada normal para a economia é arbitrária, pois depende de que tipo de
desenvolvimento econômico é esperado, expectativa que pode se alterar a qualquer
instante. O fato é que qualquer taxa de juros compatível com a expectativa de
17
desenvolvimento econômico poderá ser chamada de normal, sendo a poupança e o
investimento associados a tal expectativa também chamados de normais. Caso a taxa
estivesse abaixo deste normal e o volume de investimento fosse mais elevado, um processo
de ajuste expansionista seria iniciado, pelo qual resultaria produção, preços ou ambos mais
elevados aumentando a quantidade total de poupança. Como o desenvolvimento econômico
“ex definitione” difere daquele tido como normal, a poupança extra também será diferente
da poupança tida como normal. Existem ainda outros fantasmas no que concerne a taxa de
juros normal. Não é certa a existência de uma taxa de juros que garanta o desenvolvimento
normal, assim como é possível que existam várias taxas de juros que o permita. Numa
análise dinâmica, a idéia de uma taxa de juros de equilíbrio deve ser abandonada, devido ao
grau de arbitrariedade envolvendo as suposições sobre o desenvolvimento considerado
normal.
Ohlin expõe o fato de que “ex post” o novo crédito ofertado no período iguala a
soma das poupanças individuais positivas e considera que alguém que use sua própria
poupança oferece crédito para si mesmo, não influenciando o preço do crédito. Assim, o
preço do crédito, que é dado pela taxa de juros, está ligado à atividade econômica, sendo a
poupança parte desta atividade. Entretanto, a relação de causalidade que explica a
determinação da taxa de juros se dá “ex ante”. A quantidade de ativos financeiros ofertados
e demandados, ou seja, o mercado de crédito, depende da taxa de juros, que em última
instância é determinada pelo preço negociado destes ativos, que é definido no equilíbrio
entre demanda e oferta de ativos.
Quanto ao mercado por moeda (“cash”) e outros ativos de alta liquidez, Ohlin faz
referência ao trabalho de Keynes, fazendo as seguintes considerações: o sistema bancário
não determina a quantidade total de moeda (“cash”), esta é determinada pela ação de vários
indivíduos e do desenvolvimento econômico assim como qualquer outro ativo financeiro. O
mercado de moeda (“cash”) não tem uma posição mais relevante que a de outros mercados,
é apenas mais uma forma sob a qual um agente pode manter sua riqueza.
Segundo Ohlin, a teoria da taxa de juros pode ser dividida em três partes: a primeira,
que concerne a sua determinação2 no mercado de ativos através de seus preços, aí se
2
Na verdade, Ohlin afirma que várias taxas de juros são determinadas neste mercado, pois dados diferentes
níveis de risco ou simplesmente maturidades diferentes, cada ativo terá um diferente preço, de acordo com a
18
incluindo a política creditícia dos bancos. A segunda, que concerne ao efeito da taxa de
juros determinada sobre o investimento e a poupança planejados e realizados, assim como o
seu movimento. A terceira, que concerne à ligação entre os processos de poupança e
investimento e o próprio mercado de ativos. O desejo de ofertar e demandar ativos está
muito relacionado com as variações da renda e da poupança planejada dos consumidores e
dos empreendedores.
O que importa economicamente para Ohlin é descobrir como os desencontros entre
o planejado e o realizado interferem nas expectativas futuras a ponto de mudar o curso dos
eventos futuros. Mesmo que o investimento planejado igualasse a poupança planejada, isso
não garantiria um cenário de estabilidade, uma vez que a confirmação “ex post” entre o
realizado e o planejado poderia alterar as expectativas, tornando-as mais positivas, por
exemplo, quando os agentes no período findo tenham esperado crescimento de renda e
nível de emprego e passem a esperar um crescimento ainda maior no período que se inicia.
Caso o maior investimento tenha sido influenciado por antigos contratos que expiraram
neste período, provavelmente as expectativas quanto a um crescimento ainda maior não
serão realizadas, causando novos ajustes econômicos. Parece improvável que o sistema
convirja para uma direção definida, ou que mesmo diante de uma direção, ao chegar-se
nela, não se saia dela.
Num artigo de setembro de 1937 (Ohlin, 1937c), Ohlin faz um maior
esclarecimento do que ele considera ser a diferença entre “ex ante”, quando as curvas de
demanda e oferta de crédito não se encontram em equilíbrio, e “ex post”, quando estas
estão em equilíbrio, definido na interseção das curvas. As curvas expressam os planos
possíveis para o crédito (“claims”), cuja quantidade e preço serão definidos no equilíbrio.
Caso uma taxa de juros fosse autoritariamente fixada abaixo da taxa que prevaleceria no
livre mercado, o investimento “ex post” e a poupança “ex post” continuariam sendo iguais,
mas o mercado de crédito não estaria equilibrado, pois teria sido oferecido menos crédito
que o demandado. Assim, não se pode afirmar que oferta e demanda de crédito são o
mesmo que poupança e investimento3.
demanda e oferta pelos diferentes prazos e riscos em ativos, com isso determinando as várias taxas do
mercado.
3
Esse esclarecimento se deu devido a uma crítica feita por Keynes em “Alternative Theories of the Rate of
Interest” (The Economic Journal, june, 1937), sugerindo que ao definir o crédito líquido ofertado num período
19
Enquanto que a poupança e o investimento serão iguais “ex post”4, qualquer que
seja a taxa de juros, só haverá uma taxa de juros que equilibrará o mercado de crédito para
cada tipo de ativo, aí incluindo-se a moeda.
Não existe um mercado para poupança e investimento, mas existem curvas para
investimentos planejados e uma curva de disposição entre consumir ou não toda a renda,
por parte dos agentes. A relação entre estas curvas e as curvas de demanda e oferta de
crédito são próximas, ou estão inter relacionadas, mas não são a mesma coisa.
Pode-se dizer então, que poupança e investimento afetam o mercado de crédito, pois
mudam a demanda e oferta de crédito (“claims”). Ohlin considera que a determinação das
taxas de juros para os diversos ativos no mercado de crédito iguala a atratividade destes
ativos e a moeda, não contradizendo a teoria keynesiana. Ohlin também considera que não
há contradição entre sua teoria e a teoria keynesiana quanto ao papel da renda no equilíbrio
entre poupança e investimento. Ohlin acredita que a diferença entre sua teoria e a de
Keynes está no papel da preferência por liquidez na determinação da taxa de juros, que na
teoria de Ohlin não seria fundamental, mas uma mera parte do mercado de crédito.
Em suma, Ohlin criticou Keynes, alegando que os investidores, por precisarem de
mais recursos do que dispõem, necessitam de crédito, que seria provido por agentes
demandando ativos financeiros. Como os planos de ambos podem não coincidir, a taxa de
juros deveria variar de modo a acomodar este desajuste entre demanda e oferta de crédito e
ativos financeiros (equilíbrio “ex-ante” da taxa de juros). Essa é a teoria dos fundos
emprestáveis: poupança planejada financia investimento planejado. Para Ohlin, poupança
e investimento estariam proximamente associados à idéia de demanda e oferta de
crédito, pois o desejo de poupar e investir seriam os maiores determinantes da
emissão de ativos e sua procura. A demanda especulativa de moeda de certos agentes,
definida por Keynes, nada mais seria que oferta de crédito para eles mesmos, de modo que
eles não pressionariam o mercado de crédito. Isso deixa claro que para Ohlin esta demanda
não seria liquidez fora de circulação, como definira Keynes.
como o valor monetário do incremento de ativos deste período e ao considerar a quantidade de crédito líquido
ofertado dependente da taxa de juros, Ohlin nada mais está dizendo que a quantidade de poupança depende da
taxa de juros, como prega a doutrina clássica.
4
Isso devido ao fato já mencionado da existência de poupança e investimento não intencionais.
20
1.4.2. O Modelo de Modigliani
Modigliani (Modigliani, 1944) teoricamente aceita as proposições sobre juros,
poupança e investimento apresentadas por Keynes. A partir de sua interpretação pessoal
sobre tais proposições ele apresenta um modelo dividido em quatro etapas: a primeira faz
uma análise da teoria keynesiana sobre a taxa de juros; a segunda avalia as repercussões do
abandono de algumas hipóteses de Keynes; a terceira parte propõe uma teoria para a
determinação da taxa de juros; e a quarta parte traz suas conclusões. Entretanto, o modelo
de Modigliani acaba por integrar as proposições clássicas e keynesianas sobre juros,
poupança e investimento. Por esta razão, ele é aqui considerado como um modelo crítico ao
apresentado por Keynes, já que Keynes não validava as proposições clássicas.
Primeiramente, Modigliani apresenta um conjunto de equações que, para ele, são
representativas do modelo de Keynes. Segue o seguinte conjunto de equações:
1. M = L(r, Y)
2. I = I(r, Y)
3. S = S(r, Y)
4. S = I
5. Y = P.X
6. X = X(N)
7. W = X’(N).P
Onde Y é a renda nominal; M é a quantidade de moeda no sistema; r é a taxa de
juros; S e I são poupança e investimento nominais; P é o nível de preços; N é o nível de
emprego; W é o salário nominal; X é o índice de produção física; X’ é a derivada de X.
Ao apresentar a teoria keynesiana, Modigliani apóia-se no modelo IS-LM de Hicks
(1937). Define-se a demanda por moeda em duas partes: a demanda transacional de moeda
e a demanda por moeda como ativo financeiro (reserva de valor).
A demanda transacional de moeda é aquela que determina a quantidade de moeda
necessária ao agente econômico para pagar suas despesas (decisões de gasto) do período.
A cada período o agente (ou a firma) decide o quanto vai gastar ou poupar de sua renda e
como dispor dos ativos que já possui. A poupança é o incremento líquido de seus ativos,
que podem ser retidos na forma de títulos, moeda, ou ativos físicos. Este último no caso dos
21
agentes definidos como empreendedores, portanto relacionado com as decisões de
investimento. A decisão quanto aos gastos não é rigorosa, mas apenas um planejamento, de
modo que ele pode decidir manter mais moeda que o planejado, a fim de não ser
surpreendido pela falta de moeda, caso seus gastos ultrapassem seu plano. A demanda
transacional de moeda não é influenciada pela taxa de juros (pois não é retida como ativo),
mas pela renda, que está relacionada com a atividade econômica, o nível de transações em
ocorrência.
A demanda por moeda como ativo pode ser explicada da seguinte forma: A moeda
seria um ativo melhor que os outros por ser um meio de troca e não envolver riscos (tem
preço fixo), enquanto títulos, por mais líquidos que sejam, não são meios de troca e
envolvem algum grau de risco, já que não têm preços constantes (quando a taxa de juros
varia, seus preços se alteram). Títulos com maior prazo envolveriam maior risco, uma vez
que se torna mais difícil prever a taxa de juros futura (e, portanto, o preço futuro do ativo),
assim como a renda futura, que pode criar a necessidade de se desfazer do ativo antes de
sua maturidade. Assim, a taxa de juros seria uma maneira de compensar estas desvantagens
entre moeda e títulos, e tornar os agentes indiferentes entre estes.
A quantidade de agentes (ou firmas) a possuírem moeda ou títulos vai depender das
preferências dos agentes, que podem ser agregadas em uma curva de demanda por moeda
como ativo. Certamente existiria uma taxa de juros limite acima da qual todos os agentes
optariam pela posse de títulos (r’), assim como uma taxa de juros limite abaixo da qual
todos os agentes optariam por moeda (r’’).
Assim, a demanda por moeda total se subdivide em duas partes: a demanda por
moeda transacional, Dt(Y), e a demanda por moeda com ativo, Da(r). A demanda total deve
igualar a oferta total de moeda no sistema (M). Para Modigliani, ao subtrair da oferta de
moeda do sistema a demanda transacional de moeda, estar-se-ia definindo a oferta de
moeda disponível como ativo financeiro: Sa = M – Dt (Y). A taxa de juros seria
determinada no equilíbrio ao se defrontar essa oferta Sa(Y) com a demanda por moeda
como ativo financeiro Da(r). Pode ser percebido que a oferta de moeda como ativo, tal
como foi aqui definida, é uma função do nível de atividade, uma vez que depende da
demanda transacional de moeda, que reduziria esta oferta no caso de um aumento no nível
22
de renda5. Isso pode ser visualizado no gráfico abaixo6, em que Sa1 representa a oferta de
moeda quando há um maior nível de atividade que Sa2 e Sa3.
Gráfico 1.2.3.a: Taxa de Juros Para Diferentes Níveis de Atividade Econômica
r
Sa1
Sa2
Sa3
r'
r1
r2
r'' = r3
Da
Modigliani parte então para a análise da poupança, investimento, renda, emprego e
suas relações. Existe obrigatoriamente a igualdade entre investimento e poupança, sendo o
investimento função da renda nominal e da taxa de juros, I(r, Y) e a poupança função dos
mesmos S(r, Y). No entanto, o efeito da taxa de juros sobre a poupança é descartado, pois é
pequeno (por hipótese de Modigliani).
Dado o nível de renda nominal e a poupança, através da curva do investimento, que
define para cada nível de renda e taxa de juros o nível de investimento, pode-se determinar
a taxa de juros do mercado, uma vez que o nível do investimento será o mesmo da
poupança. Se o aumento na renda nominal alterar o desejo de poupar mais que o desejo de
investir, a taxa de juros diminuirá. Se o desejo de investir aumentar mais que o desejo de
poupar, ela aumentará. Modigliani considera que, normalmente, a poupança deve ser mais
sensível que o investimento, o que define a curva IS, formada pelos pontos de equilíbrio
5
Percebe-se que é uma maneira diferente de expor o modelo IS-LM em sua forma mais usual, onde se
defronta a oferta total de moeda M fixa com a demanda total de moeda L = Dt(Y) + Da(r), que é função tanto
da taxa de juros quanto da renda. Os resultados são os mesmos.
6
O gráfico supõe que só vai haver uma taxa de juros, ao invés de um sistema de taxa de juros para títulos com
diferentes durações. Podemos, entretanto, considerar que as taxas dos diferentes títulos mudariam na mesma
direção, mesmo que estas dependam em grande parte das expectativas quanto a taxa de juros futura dos
detentores destes títulos, cujas elasticidades vão determinar o grau de impacto da alteração da taxa “spot” de
juros.
23
entre poupança e investimento para diferentes níveis de renda e taxa de juros (ou de outra
forma, entre entrada e saída de fluxos monetários).
Como vimos anteriormente, para Modigliani, a taxa de juros era definida no
mercado monetário quando a oferta e demanda de moeda como ativo financeiro se
igualassem. Contudo, tal taxa seria de equilíbrio apenas no curto prazo, de modo que para o
longo prazo seria preciso que o preço e a quantidade demandada e ofertada de moeda não
mudassem mais. Isso só vai ocorrer quando taxa de juros definida no mercado monetário se
igualar à taxa de juros definida pelas curvas de investimento e de poupança, momento em
que poupança e investimento não mais se alteram. Afinal, são as variações entre os níveis
de poupança e investimento que levariam às alterações da demanda total de moeda e da
oferta de moeda como ativo, assim definida: Sa = M – Dt (Y).
O processo ocorreria da seguinte maneira: a cada período, os agentes aumentam seu
estoque de ativos no montante da poupança; o dinheiro não gasto aumenta o estoque de
moeda mantido como ativo na economia. Empréstimos, entretanto, diminuem a oferta de
moeda como ativo (pois a demanda por moeda transacional aumenta) e devolvem a moeda
para circulação através de consumo ou investimento. Se a poupança líquida superar o
empréstimo líquido, a oferta de moeda como ativo aumenta em relação ao período anterior.
Dado o aumento da oferta de moeda como ativo, a demanda por moeda como ativo se
equilibrará à oferta num nível de taxa de juros menor (irão comprar títulos até que a taxa de
juros chegue ao novo nível de equilíbrio). O raciocínio é análogo para um empréstimo
líquido maior que uma poupança líquida, quando a oferta de moeda como ativo se reduz,
elevando assim a taxa de juros.
Conclui-se do que foi exposto que a taxa de juros será de equilíbrio no longo prazo
se a poupança líquida igualar o empréstimo líquido e também a demanda por moeda como
ativo igualar a oferta de moeda como ativo, de modo que Da(r) = M – Dt (Y). Isso implica
que os fluxos de poupança e empréstimos sejam constantes no tempo, o que só será
possível se os empréstimos forem iguais ao investimento e se a renda for grande o
suficiente para induzir os agentes a pouparem esse mesmo montante. O equilíbrio é ao
mesmo tempo um ponto da curva IS e da curva LM (interseção das curvas), a LM sendo a
curva formada pelos pontos que equilibram a demanda e oferta de moeda como ativo, para
24
diferentes níveis de renda e taxa de juros (ou equilíbrio entre procura e oferta pelo estoque
de moeda). Podemos representar graficamente este equilíbrio:
Gráfico 1.2.3.b: Taxa de Juros em Equilíbrio de Longo Prazo
r
IS
LM
r3
re
IS
r1
r2
Ye
Y1
Y
No gráfico, Y1 representa a renda nominal de pleno emprego (sob o nível salarial
histórico wo), a partir da qual uma maior renda nominal não altera a taxa de juros real r1, já
que o efeito da inflação mantém a renda real inalterada, e os incremento do investimento e
da poupança se dão na mesma proporção. A taxa de juros não cai abaixo de r2, quando o
mercado passa a esperar o aumento da taxa e deixa de demandar títulos, a demanda por
moeda se torna infinitamente elástica (horizontal), de modo que o aumento da oferta de
moeda não afeta a taxa de juros. Acima de r3, a demanda por moeda passa a ser nula, pois
todos os agentes vão demandar títulos. Fica claro que, no equilíbrio, o nível de emprego só
corresponderá ao pleno emprego caso a IS intercepte a LM no ponto (Y1, r1) ou à direita
dele. O nível de emprego está associado ao “quantum” de dinheiro como ativo, que
depende da taxa de juros, logo da propensão a poupar e a investir.
O importante aqui é perceber que o modelo IS-LM define que a taxa de juros de
equilíbrio no longo prazo é aquela que equilibra não só a preferência por liquidez (demanda
e oferta de moeda como ativo), mas também a poupança e o investimento. Esta é a
interpretação de Modigliani do modelo keynesiano.
Resumindo o modelo, a taxa de juros é determinada pela propensão a poupar e a
investir e pela preferência por liquidez. No curto prazo ela é determinada pela preferência
por liquidez (ou pela oferta e demanda de fundos emprestáveis), mas é insuficiente para
25
explicar porque esta flutua ao redor de um determinado nível. Não explica porque países
com grande poupança como a Inglaterra tem taxas de juros baixas e países menos
desenvolvidos e com menor poupança tem taxas de juros altas. A explicação para isso
estaria em fatores mais fundamentais, tecnológicos e psicológicos, como a eficiência
marginal do investimento e a propensão a poupar. Estes direcionam a taxa de juros de curto
prazo para um nível que equilibre não só o mercado de fundos emprestáveis, mas os fluxos
de poupança e de investimento no longo prazo.7
7
Como uma tentativa a mais de integrar as teorias, Modigliani também define em seu trabalho dois casos
extremos, que ele chamou de caso keynesiano e caso clássico. Como deve existir uma taxa de juros r’’ (ver
gráfico 2.2.3.a.) tal que a demanda por moeda se torne infinitamente elástica, o caso keynesiano seria aquele
onde a taxa de juros de pleno emprego é menor que a taxa r’’. O caso clássico seria aquele em que a taxa de
juros de equilíbrio fosse igual ou maior que a taxa de juros r’ (ver gráfico 2.2.3.a.), onde a demanda por
moeda seria irrelevante. A IS interceptaria a LM onde esta fosse perpendicular (Acima de r3 no gráfico
2.2.3.b.). Nesse caso, aumentos da taxa de juros não alteram a demanda por moeda-ativo, que é nula.
26
1.4.3. O Modelo Shaw-Mckinnon
Shaw (E. Shaw,1973) e Mckinnon (R. Mckinnon, 1978) procuraram, em trabalhos
separados, determinar os fatores limitantes da capacidade de crescimento dos países menos
desenvolvidos. Para isso, eles fizeram uso da abordagem de Modigliani para a
determinação da taxa de juros. Sendo a taxa de juros de longo prazo determinada no
equilíbrio entre poupança e investimento, os autores pretendiam mostrar que taxas de juros
reais baixas impediriam uma maior taxa de poupança nestas economias.
Seus trabalhos fundamentam mais uma crítica ao modelo de Keynes, uma vez que
estes autores defendem a relação de causalidade entre a taxa de poupança da economia com
a taxa de crescimento econômico, e a relação de causalidade entre a taxa de poupança da
economia com a taxa de juros real e com a capacidade de financiamento do investimento.
Segundo os autores, a taxa de poupança é uma função da taxa real de juros, sendo maior
quanto maior a taxa de juros real. É também a taxa de poupança que determina a taxa de
crescimento da economia: quanto maior, maior a taxa de crescimento. O mercado
financeiro livre, com liberdade de escolha e perfeita flexibilidade de preços, determina a
taxa nominal e real de juros “eficientes”, por conduzir a uma melhor alocação de recursos
na economia, já que permite ao mercado incorporar todas as preferências dos agentes em
relação aos retornos e riscos esperados8. Estas taxas permitirão que a taxa de poupança e de
crescimento atinjam seus níveis ótimos, que são seus máximos possíveis. Quando esse
mercado financeiro não é livre (existem restrições legais ao ajuste da taxa de juros às
expectativas dos agentes), as taxas de juros não atingem seus níveis “eficientes”, logo, as
taxas de poupança e de crescimento não atingem seus máximos.
A “repressão financeira” imposta pela excessiva intervenção dos governos sobre
seus mercados financeiros seria, então, responsável pela artificialidade destes mercados e
pela ineficiente determinação da taxa de juros, da taxa de poupança e de crescimento.
Segundo os autores, um processo de liberalização financeira levaria naturalmente a um
aumento das taxas de juros nominais e conseqüentemente das taxas de juros reais. Sensível
ao aumento destas taxas, a taxa de poupança da economia também aumentaria, propiciando
8
Isso corresponde à aceitação da hipótese de mercados eficientes.
27
uma maior taxa de crescimento. Uma vez desregulamentado, o mercado financeiro operaria
de forma Pareto eficiente.
A relação de causalidade entre a taxa de poupança e o processo de financiamento
dos investimentos está intrinsecamente relacionada à adoção pelos autores da Teoria dos
Fundos Emprestáveis, desvencilhando-se da Teoria da Preferência por Liquidez de Keynes.
Na visão dos autores, a taxa de poupança não é rígida, sendo administrável através de
política financeira. A igualdade S = I, analisada do ponto de vista da Teoria dos Fundos
Emprestáveis, não é apenas uma relação de equilíbrio, mas de causalidade: Uma maior
poupança gera um maior investimento.
O processo de financiamento do investimento ou consumo presente dos agentes
deficitários não poderia ocorrer sem a poupança, e ele é tanto mais eficiente quanto maior
for a liberdade de atuação dos agentes no mercado financeiro globalizado e quanto maior
for o grau de desenvolvimento de seus intermediários financeiros. Isso permitiria que a
poupança atingisse seu valor máximo, garantindo, inclusive, a melhor taxa de crescimento
para essa economia.
28
1.5. Desenvolvimentos da Teoria Keynesiana
1.5.1. “Finance” e “Funding”: O Modelo de Financiamento de Keynes
Como o trabalho de Keynes gerou muita polêmica entre os economistas de sua
época, foi preciso que ele detalhasse mais o seu argumento em um novo artigo (Keynes,
1937a) e respondesse às críticas e interpretações errôneas sobre seu trabalho.
Keynes enfatiza que a taxa de juros é um fenômeno estritamente monetário, que
iguala as vantagens entre reter moeda ou título. Explica, de forma mais clara, que para não
optar pela retenção de moeda como poupança, tirando-a de circulação, deve ser pago um
prêmio que, no equilíbrio, torne o agente indiferente entre moeda e título, a fim de fazê-lo
dispor de sua liquidez em prol da liquidez do mercado. A preferência por liquidez dos
agentes vai determinar o valor deste prêmio, que é a própria taxa de juros. Diante de uma
oferta de moeda fixa, quanto maior a preferência por liquidez dos agentes, maior deverá ser
a taxa de juros que fará os agentes optarem por títulos ao invés de moeda. Ainda, se diante
de uma oferta monetária fixa e exógena, aumenta a preferência por liquidez, como esta não
poderá ser satisfeita, uma vez que está limitada pela oferta de moeda, a pressão vai recair
sobre a taxa de juros. Uma maior taxa de juros vai ser oferecida pelos bancos para que mais
agentes abdiquem da liquidez em prol de títulos, equilibrando novamente a demanda e
oferta de moeda. Entretanto, o valor maior deste artigo estava na explicação de como se
daria o financiamento do investimento.
O investimento planejado, ou “ex ante” pode necessitar de uma provisão financeira
antes de sua efetiva realização, ponte entre a decisão de investir e a efetiva ocorrência do
investimento e da poupança. O investidor vai precisar de moeda para fazer o “finance” do
investimento, principalmente quando as decisões de investir estão crescendo. Com essa
moeda ele vai efetuar gastos de implementação deste investimento. Essa necessidade
deverá influenciar a taxa de juros pelo aumento da demanda por moeda. Caso os bancos
não aumentem sua oferta de moeda, alguns destes investimentos não serão realizados
(podem ter deixado de valer a pena devido a uma maior taxa de juros ou à simples
impossibilidade de conseguir financiá-los). Até este momento não se formou poupança
(nem investimento), esta não está relacionada de maneira alguma ao “finance”.
29
O “finance” deve ser interpretado como o fluxo de crédito, os empréstimos
bancários. Esse fluxo funciona como um fundo que pode ser usado diversas vezes, não
absorvendo nem exaurindo recursos (uma vez efetuados os gastos de implementação do
investimento, a moeda volta à circulação no mercado). Todavia, a moeda retida pelo motivo
de especulação não circula no mercado. Essa preferência por liquidez é uma parte da
poupança que não é usada para o financiamento. Isso difere da teoria de Ohlin, que definia
a poupança, ou demanda por ativos financeiros, como sendo igual à oferta de crédito.
Assim, Ohlin acreditava que a poupança mantida na forma de moeda seria utilizada para o
autofinanciamento, ou seja, seria uma oferta de crédito para si mesmo e, portanto, também
circularia no mercado.
Ao considerar crédito como sendo o “finance”, certamente a demanda por “finance”
influenciará a taxa de juros. É uma demanda por recursos líquidos, moeda, em troca de uma
dívida a ser paga no curto prazo. O “finance” é uma fonte bastante peculiar e inconstante de
demanda por moeda, que influencia a determinação da taxa de juros, surgindo de tempos
em tempos, quando o investimento é incentivado. No entanto, a taxa de juros é determinada
pela preferência por liquidez do mercado, parcela permanente de demanda por moeda, e
fator de determinação do desejo do mercado de prover o “finance”. Ou seja, é a preferência
pela liquidez que vai definir a taxa de juros a qual o “finance” será obtido. O passo do novo
investimento (limites de capacidade para execução destes novos investimentos) é regulado
pelas instituições que permitem o “finance”. Caso os bancos permitam o “finance” do novo
investimento, este gerará uma renda extra; desta renda restará uma poupança para fazer
frente ao novo investimento. O controle do “finance” regula a taxa de investimento, e
expressa o poder dos bancos de controle da oferta de moeda e da liquidez.
A novidade no trabalho de Keynes sobre a poupança e investimento está relacionada
à desvinculação da taxa de juros do equilíbrio agregado entre poupança e investimento.
Estes se igualam da mesma forma que compras e vendas se igualam, de modo que são
coisas diferentes, mas de igual valor.
Para Keynes o equilíbrio entre poupança e investimento é garantido pelo nível de
renda, não pela taxa de juros. A taxa de juros é determinada no momento em que torna
igual a atratividade entre manter moeda ou título para os possuidores de riqueza. Ela mede
a perda por não trocar a liquidez por ativos financeiros.
30
Uma vez que seu trabalho ainda não tenha sido totalmente compreendido, Keynes
(Keynes, 1937b) volta a dar maiores explicações sobre seu modelo econômico de análise da
poupança e do investimento, principalmente sobre o conceito de “finance” e “funding” e os
fatores que os determinam.
A decisão de investimento é tomada “ex ante” uma vez que o crédito ou “finance”
precisa ser provido de modo a que esse investimento possa ser efetivado. A quantidade de
“finance” demandado não precisa, entretanto, igualar o total de investimento projetado.
Quanto à poupança, Keynes considera que não existe uma necessidade de decisão
prévia quanto a ela, até porque os agentes não têm certeza quanto a suas rendas
futuras. Mesmo que tenham uma noção preliminar desta renda, os agentes não
precisam decidir previamente sua poupança, nem precisam determina-la ao mesmo
tempo em que o investimento é decidido. Muito menos ainda terem a obrigação de se
desfazer de moeda (“cash”), a fim de permitir o “finance” do investimento, antes
mesmo de ter em mãos a renda da qual farão alguma poupança. O “finance” é
suprido pelos bancos, através de uma mudança de sua política quanto a seus graus de
liquidez.
Para fazer o “finance” os empreendedores dependem do grau de preferência por
liquidez e da política de oferta monetária dos bancos, que determinam a taxa de juros. O
aumento da preferência por liquidez dos empreendedores que demandam o “finance”
implica numa diminuição da liquidez de quem fornece este crédito, neste período entre o
“finance” e o momento em que o investimento é efetivamente realizado. Os bancos é que
estariam capacitados para fornecer este crédito, por serem especialistas, por possuírem
organização e gerenciamento de fundos de financiamento líquido, e não os agentes que
estariam poupando. Se considerássemos que seriam os agentes poupadores os ofertantes
desse crédito, estaríamos a considerar que eles fariam uma poupança prévia à sua renda,
como exposto acima.
A partir do momento em que o crédito concedido é utilizado, gasto, a falta de
liquidez é automaticamente liquidada, pois os recursos são novamente disponibilizados no
mercado. A taxa de juros é determinada no ínterim entre o desejo dos agentes de estarem
mais ou menos líquidos e do desejo dos bancos de ficarem mais ou menos ilíquidos. O
“finance” que é requerido para o investimento “ex ante” é liberado pelo investimento “ex
31
post”. Se o fluxo do investimento se mantiver constante a cada período, de modo que o
investimento “ex ante” seja o mesmo que o investimento “ex post”, a preferência por
liquidez não vai precisar se alterar para prover o “finance” do investimento novo, pois a
cada período os gastos de investimento “ex-post” proverão o “finance” necessário ao novo
investimento.
O “funding” foi definido como sendo a etapa do financiamento dos investimentos
que ocorre após o “finance”. Como o “finance” é provido pelos bancos, que fornecem
empréstimos com prazos mais curtos, devido aos curtos prazos de captação de recursos, à
medida que estes empréstimos contraídos vão vencendo, os investidores fazem a renovação
das dívidas. Esta renovação se daria através da emissão de dívidas de prazos mais longos,
através da emissão, por exemplo, de títulos e ações. Tal alongamento dos prazos para o
pagamento das dívidas se torna possível devido à renda gerada pelo novo investimento, que
gera uma poupança de igual proporção à do investimento, para ser alocada pelos agentes.
Contudo, a disposição dos agentes em alocar suas poupanças nos ativos ofertados pelos
investidores mede a preferência por liquidez da economia. Se as expectativas forem
negativas, estes agentes podem não demandar estes ativos de mais longo prazo, optando por
reter moeda ou ativos de prazos mais curtos, onde existe menor incerteza sobre os retornos.
Estes agentes também poderiam exigir o pagamento de taxas de juros excessivamente altas
para que aceitassem alocar suas poupanças nestes ativos.
Concluindo, o investimento pode ficar congestionado por falta de moeda (“cash”)
para o “finance”, ou pela dificuldade em fazer o “funding”, mas não por falta de poupança
dos agentes econômicos, que não tem nenhum compromisso “ex-ante” com esse
investimento, pelo simples fato de ainda sequer conhecerem suas rendas.
32
1.5.2. O Modelo Gurley-Shaw
O modelo Gurley-Shaw (Gurley e Shaw, 1955) é complexo, atribuindo um amplo
papel aos intermediários financeiros, na definição da taxa de juros, na definição da
preferência por liquidez, na diluição dos riscos, entre outros.
O financiamento toma duas formas diferentes: o financiamento direto e o indireto. O
primeiro ocorre quando os agentes deficitários tomam financiamento direto com os agentes
superavitários no mercado de capitais. O segundo ocorre quando existem intermediários
financeiros nessa transação, de modo que os agentes deficitários e superavitários não
entram em contato direto. A poupança agregada dos superavitários chega aos deficitários
através das instituições depositárias, que captam recursos com os agentes superavitários e
emprestam aos agentes deficitários.
Segundo os autores, o financiamento próprio e o direto retardam ou limitam o
crescimento, restringindo o crédito aos deficitários e aumentando os riscos de crédito, o que
desestimula a poupança dos agentes superavitários. Assim, a função primordial dos
intermediários é emitir endividamento próprio, indireto, tomando recursos diretos dos
superavitários e alocando recursos aos deficitários. Através da oferta de uma diversificada
gama de ativos financeiros, eles contribuem para o estímulo à poupança agregada,
assumindo os riscos dos poupadores e melhor direcionando os rumos do crédito, já que
possuem melhor acesso ao conjunto de informações da economia. Sendo assim, o total de
endividamento tende a aumentar mais rapidamente em relação à renda e à riqueza na
presença de intermediários, que são os bancos e outras instituições financeiras não
bancárias. Estas últimas oferecem diferentes serviços financeiros, competindo com os
bancos, entre si, e com o endividamento direto.
Aponta-se, normalmente, a diferença que bancos criariam fundos emprestáveis
enquanto outras intermediárias apenas transmitiriam ou realocariam estes fundos. Isso não é
verdade, pois intermediárias financeiras não bancárias utilizam os mecanismos de
pagamento, administrados pelo sistema bancário, para suas operações. Isso as torna
criadoras de crédito tanto quanto os bancos. O que interessa é a preferência dos agentes em
reter depósitos, moeda, ou outros ativos financeiros.
33
Estando os bancos comerciais relacionados aos depósitos à vista, o grau de
endividamento absorvido pelos bancos comerciais representa o grau de acumulação de
ativos financeiros sob a forma de depósitos e moeda, expressando a preferência dos agentes
pela moeda.
Para explicar a influência dos intermediários financeiros no financiamento, eles
primeiro explicam como funciona o modelo keynesiano tradicional e depois o adaptam.
Para Gurley e Shaw, o modelo de Keynes não seria apropriado à análise do aspecto
financeiro da economia, já que só existem dois ativos financeiros no modelo, os títulos e a
moeda. É sabido que existem diversos ativos financeiros na economia. O modelo
desconsidera os intermediários não bancários do sistema financeiro, de modo que não leva
em consideração a existência de uma grande diversificação de ativos financeiros. Com isso,
Keynes estaria valorizando excessivamente o papel dos bancos como intermediadores do
sistema financeiro.
Os autores propõem uma adaptação do modelo, que segundo eles permitiria
alterações no nível de endividamento da economia. Para o aprimoramento do modelo de
Keynes, ele deve integrar os intermediários financeiros e os ativos outros que títulos.
Liquidez não é a única diferença entre moeda, títulos e outros ativos financeiros. Cada um
deles oferece algum serviço diferenciado, e compete com os títulos. Eles também
competem com a moeda, oferecendo menos em liquidez e mais em juros, e outros serviços.
A liquidez não deve ser então encarada como o pivô da teoria sobre juros.
Ao competir com moeda e títulos, os diversos ativos financeiros da economia,
resultante da diversidade de intermediários financeiros, vão exercer um papel fundamental
na determinação da demanda por moeda, da taxa de juros, além de uma influência sobre a
eficiência da política monetária.
Segundo os autores, o papel da poupança neste contexto seria o de gerar os recursos
necessários ao financiamento dos investimentos. Com um maior grau de desenvolvimento
dos intermediários financeiros e de seus serviços, aumenta a quantidade de agentes que
optam por ativos financeiros outros que a moeda, aumentando a oferta de crédito da
economia, propiciando o financiamento dos investimentos. Uma estrutura financeira bem
desenvolvida propiciaria um ambiente competitivo entre a moeda, os títulos e os diversos
34
ativos financeiros; com isso a tendência seria a redução das taxas de juros como um todo e
um aumento da oferta de crédito na economia.
Finalmente, para Gurley-Shaw a presença dos intermediários financeiros tem um
papel fundamental sobre a política monetária, que quase nega a sua capacidade de atender
seus objetivos. Para eles, deveria existir política financeira ao invés de política monetária,
pois não adianta limitar ou ampliar a oferta de apenas um ativo financeiro. Na presença dos
diversos ativos financeiros, a moeda se torna um percentual cada vez menor do portfolio
dos agentes econômicos, de modo que seu controle influi cada vez menos nos fluxos de
fundos emprestáveis. Política ou controle financeiro iria regular a criação dos ativos
financeiros, sob qualquer forma, e sua alocação no portfolio dos agentes. Ou seja, caberia
ao banco central o controle não só sobre a moeda, mas sobre o financiamento indireto.
Afinal, é essa gama de ativos financeiros indiretos que passa a representar a maior parte da
poupança agregada, competindo com a moeda, e gerando a capacidade de financiamento da
economia.
35
1.6. Considerações e Críticas aos Modelos
Para os economistas clássicos, o conceito de poupança esteve associado à idéia de
consumo futuro. Para aumentar o consumo futuro, dever-se-ia poupar mais no presente.
Isso para Keynes foi considerado, desde o início, um erro. A renda reservada para o futuro
não tem uma finalidade clara. A negação do gasto no presente não implica um gasto no
futuro.
Os economistas clássicos também não compreenderam a utilização da moeda como
forma de poupança, afinal, quem gostaria de reter moeda sabendo-se que existem outros
tipos de ativos que permitem o recebimento de juros? Cabe aqui a avaliação de que é em
grande parte o fato da moeda poder ser utilizada como ativo que leva à existência dos tais
ativos que pagam juros. A moeda “rende segurança”, enquanto um agente for portador de
moeda, ele terá liquidez em suas mãos para adquirir mercadorias e serviços, os quais não
poderiam ser adquiridos caso outros ativos fossem portados. É exatamente por isso que para
incentivar os agentes a não portarem moeda é preciso ofertar algum ativo que renda juros.
Os juros são um pagamento que visa fazer o agente optar por um ativo de maior risco (risco
de liquidez, risco de capital, etc).
Ainda assim, cada agente econômico poupador vai, segundo suas preferências,
decidir se o nível de juros de mercado é suficiente ou não para que ele abdique de sua
liquidez. Não há nenhuma garantia de que ao nível da taxa de juros de mercado a demanda
de moeda seja nula, como prega a doutrina clássica. Grosso modo, como nem toda
poupança rende juros (afinal ela pode ser alocada entre moeda e títulos), o fator
determinante da taxa de juros não pode ser a poupança (só a parcela de renúncia à liquidez
rende juros). Sendo assim, a taxa de juros é determinada pela disposição dos agentes entre
reter ou não moeda, ter ou não liquidez, logo pela preferência por liquidez e pela liquidez
disponível no mercado.
Na Teoria Geral, Keynes faz uma avaliação da teoria clássica de determinação da
taxa de juros e alerta para um ponto importante. Ao determinar a taxa de juros no equilíbrio
entre poupança e investimento, ao supormos que uma destas curvas se desloque - por
exemplo, a curva de demanda por capital (investimento) - a taxa de juros será determinada
no novo equilíbrio entre as curvas. Um dos problemas é que tal análise desconsidera o
36
efeito do novo investimento sobre a renda, ou seja, determina o equilíbrio pressupondo a
mesma renda. O fato é que um deslocamento da curva de investimento altera o nível de
renda, que altera a curva de poupança. Como resultado deste deslocamento, não há como
saber nem o novo nível de renda da economia, nem a taxa de juros, pela teoria clássica.
Entretanto, sendo a taxa de juros determinada entre a preferência por liquidez e a
oferta de moeda, esse problema é resolvido. Uma vez determinada a taxa de juros podemos
encontrar na nova curva de investimento o valor do investimento para esta taxa. Tendo-se o
valor do investimento na nova curva podemos determinar a poupança, sabendo que a
poupança iguala o investimento. Esta poupança é adequada somente a um dado nível de
renda, que fica assim determinada, levando-se em consideração a taxa de juros em vigor. O
mecanismo clássico de determinação da taxa de juros só vale se a economia estiver no
pleno emprego, quando a renda não se altera. Essa hipótese não é realista, considerando-se
que o desemprego é um problema real mesmo nas economias mais desenvolvidas, como a
norte-americana.
A análise clássica percebeu que a poupança depende da renda, mas ignorou que
renda depende do investimento. Assim, não percebeu a relação de causalidade que
determina que quando o investimento aumenta, a renda aumenta no grau necessário para
que a poupança aumente tanto quanto o investimento. A importância fundamental disto é a
percepção de que o investimento e a poupança não determinam a taxa de juros, mas o
volume agregado de emprego. Uma menor propensão a gastar passa a ser considerada como
um fator de diminuição do emprego, ao invés de aumento do investimento.
Especificamente quanto ao trabalho de Ohlin, Keynes diz que ao definir o crédito
líquido ofertado num período como o valor monetário do incremento de ativos deste
período e ao considerar a quantidade de crédito líquido ofertado dependente da taxa de
juros, Ohlin nada mais está dizendo que a quantidade de poupança depende da taxa de
juros, como prega a doutrina clássica. Quanto à demanda líquida por crédito, que também
dependeria da taxa de juros, ela nada mais seria que a função de investimento líquido a
diferentes taxas de juros. As taxas de juros seriam determinadas no equilíbrio entre
demanda e oferta, como na doutrina clássica. Ainda, como a poupança e o investimento, a
demanda e a oferta líquida de crédito são iguais “ex definitione”, qualquer que seja a taxa
de juros.
37
Sendo o investimento obrigatoriamente igual à poupança somente “ex post”, Ohlin
critica Keynes, no que se refere à chamada propensão a consumir, que multiplicada pela
renda determina o consumo, sendo o restante da renda a poupança e, conseqüentemente, o
investimento. Isso segundo Ohlin só é válido num período já findo, de modo que o que
Keynes chama de propensão a consumir deveria ser chamado de razão de consumo
realizada, que está ligada à renda realizada e determina a poupança realizada que iguala o
investimento realizado. Sendo assim, a teoria de Keynes em nada acrescentaria aos estudos
econômicos anteriores, sendo uma mera comprovação da validade das definições de
poupança e investimento.
O sistema não tenderia para um equilíbrio determinado pela quantidade de moeda,
pela propensão a consumir, pela eficiência marginal do capital e pela preferência por
liquidez. Segundo Ohlin, Keynes estaria assumindo que três destes elementos ficam
constantes quando outro varia. A propensão a poupar não é constante, ela flutua
influenciando a poupança realizada mais que a poupança planejada, embora na mesma
direção. Mesmo que a propensão marginal a poupar e conseqüentemente a poupança
planejada fossem constantes, a poupança realizada não seria constante devido ao aumento
do investimento e da produção e da existência da poupança não intencional. O
multiplicador não é um dado, ele é uma variável.
Analisando a teoria keynesiana é possível perceber que Ohlin cometeu um engano
ao dizer que ele considera fixa a propensão a consumir, e logo a poupar. Quando Keynes
explica o motivo “finance” de demanda por moeda e o processo pelo qual se dá o
financiamento do investimento, fica claro que a propensão a poupar não é fixa, uma vez
que toda a renda gerada pelo novo investimento realizado através do “finance” é poupada
no primeiro momento. Como o aumento do consumo ainda não é possível, devido ao não
aumento da produção, essa renda é poupada, indicando uma propensão a poupar igual a
cem por cento. É à medida que vai se dando o aumento da produção que esta propensão a
poupar decresce, retornando ao seu nível normal, anterior ao novo investimento.
Como sinaliza o modelo de Modigliani, deve existir um determinado patamar acima
do qual a demanda por moeda é nula e deve existir um patamar abaixo do qual a demanda
por moeda é total (a demanda por títulos é nula), mas entre estes dois patamares os agentes
econômicos estarão demandando uma cesta de moeda e títulos, buscando em sua poupança
38
um equilíbrio entre segurança e risco. Modigliani, no entanto, cometeu um grande erro de
interpretação da teoria keynesiana. Ao definir uma “oferta de moeda como ativo”, que se
defronta com a “demanda de moeda como ativo” (demanda especulativa de moeda), ele
subtraiu da oferta total exógena de moeda (definida pelo banco central) a demanda de
moeda transacional. Assim, a oferta de moeda como ativo se tornou uma função da renda
através da demanda transacional de moeda. Afinal, quando há um aumento da atividade
econômica, esta demanda aumenta.
De fato, a oferta total de moeda deve igualar a demanda total de moeda, que é
composta da demanda especulativa e da demanda transacional de moeda. O erro de
Modigliani foi dividir a demanda de moeda nestas duas partes, sem, contudo, perceber que
estas partes se afetam mutuamente. Ou seja, ele não considerou que o aumento da renda e
conseqüentemente da demanda transacional de moeda sinalizam para os agentes
econômicos um menor grau de incerteza e tende com isso a reduzir a preferência por
liquidez. Assim, sem saber qual será a reação da demanda por liquidez, logo da demanda
especulativa de moeda, não há como definir a priori qual será a mudança da taxa de juros,
se é que vai haver alguma. Não há como garantir os resultados do modelo IS-LM, que
considera a demanda especulativa como fixa, diante de alterações da renda, causadas, por
exemplo, por um aumento do investimento.
Keynes disse que a oferta de moeda deveria igualar a demanda por moeda, e que a
demanda por moeda pode ser entendida como sendo, então, de três tipos: a demanda por
moeda transacional, a demanda precaucional e a demanda especulativa. Isso não quer dizer,
entretanto, que um aumento na demanda transacional e precaucional gera um aumento da
taxa de juros, dada uma oferta fixa de moeda. Afinal, aumentos da demanda transacional de
moeda devem ser justificados por algum aumento de renda. Aumentos da demanda
precaucional já poderiam ser devidos a um aumento de renda ou de incerteza. O fato é que
dado um aumento da renda, se este aumento for acompanhado de uma melhoria das
expectativas quanto à economia, a demanda especulativa de moeda vai demonstrar este
fato, uma vez que será reduzida a preferência por liquidez no mercado. Uma parte dos
agentes vai decidir vender moeda e comprar títulos. Assim, seria possível e até mesmo
esperado que o aumento da demanda transacional de moeda fosse acompanhado de uma
diminuição da demanda especulativa de moeda, em nada afetando a taxa de juros, ou
39
afetando-a de uma maneira imprevista. A compra de títulos estaria, ainda, servindo ao
propósito do financiamento, seja de curto ou de longo prazo, contribuindo no processo de
geração de renda e poupança. É a maneira como a preferência pela liquidez vai responder
ao aumento de renda (ou diminuição) que vai determinar a taxa de juros.
Em períodos de recessão, mas em que houvesse um aumento da renda, seria
possível, de fato, que o aumento da demanda transacional de moeda viesse a acarretar um
aumento da taxa de juros. Isso se deve ao fato de não ser esperada uma diminuição da
preferência por liquidez pelo simples fato de haver grande incerteza quanto ao cenário
econômico presente e futuro. Pelo menos enquanto os agentes não entendessem que o
aumento da renda fosse, efetivamente, um sinal de término da recessão, o aumento da
demanda transacional levaria a um aumento da taxa de juros.
Pode-se acrescentar aos três tipos de demanda por moeda um quarto tipo, que é a
demanda pelo motivo de financiamento, quando um maior investimento é planejado na
economia. A fim de angariar os recursos necessários a satisfazer estes gastos de
investimento, os agentes recorrem ao mercado à procura de uma oferta de moeda que
permita este gasto excedente. Essa demanda pressiona, de fato, a taxa de juros. Cabe aos
bancos satisfazer tal demanda, ou não. Aqui a autoridade monetária tem um papel
fundamental, no que concerne o seu desejo de prover esta liquidez, caso os bancos não o
façam. Uma vez que esta liquidez seja disponibilizada, alguns destes investimentos serão
realizados (ou todos) e outros terão sido abandonados por um possível um aumento da taxa
de juros. É a preferência por liquidez dos poupadores e instituições financeiras que vai
determinar quanto do investimento será realizado.
A demanda especulativa por moeda é volátil, uma vez que depende de expectativas
quanto ao futuro da economia e das políticas econômicas. Ela responde rapidamente às
sinalizações do Banco Central quanto ao nível da taxa de juros, ela é sensível aos
indicadores cambiais, e é se defrontando com ela que o Banco Central pode fazer a sua
política monetária. Os agentes econômicos fazem projeções de rumos para a política
monetária, podendo reter poupança em forma de moeda pela simples expectativa de que
num futuro próximo a taxa de juros vai aumentar, permitindo que títulos sejam comprados
com menores preços e ganhos maiores sejam auferidos. Caso tivessem comprado os títulos
antes do aumento, a venda destes títulos antes de suas maturidades seria um pior negócio
40
que a manutenção destes títulos até a maturidade, remunerados uma taxa menor que a nova
taxa que vigora após o aumento, o que compensaria a espera num prazo não muito longo.
Evidentemente a demanda por moeda como ativo não pode ser explicada somente por esta
expectativa9, caso contrário numa economia onde existisse grande transparência da política
monetária, num momento onde não se esperasse alterações de políticas, não haveria tal
demanda por moeda. A mera segurança que a moeda proporciona é um fator de demanda,
muito relevante, por exemplo, em períodos de recessão, quando aumentam os riscos do
capital.
Não há dúvidas de que o investimento possui alguma sensibilidade à taxa de juros,
afinal ela permite aos empresários avaliar o valor presente líquido de seus investimentos e o
custo de captação de empréstimos. O que Keynes procurou mostrar foi que apesar da
relação entre juros e investimento e juros e a alocação de poupança entre moeda e títulos, a
taxa de juros não é determinada no equilíbrio entre poupança e investimento, mas no
equilíbrio entre oferta de moeda e demanda por liquidez (demanda especulativa por
moeda). As repercussões disto são chave para a teoria do crescimento econômico, pois
demonstra que não é preciso aumentar o nível de poupança para permitir o aumento do
nível de investimento. Basta imaginar, por exemplo, que o aumento do nível de poupança
se desse todo em forma de moeda para verificar que isso não poderia de forma alguma
gerar recursos para o aumento do investimento, uma vez que seria moeda retirada de
circulação e não acessível aos empresários. O investimento não é uma conseqüência do
nível de poupança, ou ainda, a poupança não financia o investimento.
Dado uma determinada taxa de juros, são tomadas decisões de investimento que
podem ou não se realizar, dependendo do impacto destas decisões sobre o mercado
bancário de crédito e a taxa de juros. Essas decisões de investimento geram uma demanda
de moeda no mercado de crédito, que a princípio não pode ser satisfeita. Essa pode ser
definida como a demanda pelo motivo “finance”. É uma demanda semelhante à
transacional, depende do nível de atividade econômica, mas que para ser satisfeita, precisa
que algum agente reduza sua demanda por liquidez. O principal agente que está em posição
de reduzir sua demanda por liquidez em prol desta demanda por “finance” é o sistema
bancário, que trabalha com reservas fracionárias, ou seja, empresta mais dinheiro do que
9
É, entretanto, um fator de aumento da demanda por liquidez em situações de incerteza econômica.
41
possui, criando depósitos bancários em seus passivos de acordo com o aumento dos
empréstimos em seus ativos. Se o sistema bancário decidir emprestar um maior volume de
recursos, reduzindo sua liquidez e aumentando sua alavancagem10, ele poderá suprir a
demanda por “finance” em troca de um recebimento de juros. A pressão da demanda por
“finance” sobre a taxa de juros desencadeia este processo pelo qual os bancos vão reduzir
sua liquidez em troca do pagamento de juros. Com estes recursos, os investidores dispostos
a pagar os juros de mercado vão poder financiar no curto prazo seus investimentos. Quanto
maior a preferência por liquidez do setor bancário, maior o impacto sobre a taxa de juros da
demanda por “finance” e menos investidores irão efetivamente realizar seus investimentos.
A eventual diminuição da demanda por liquidez dos bancos vai acabar por compensar a
pressão da demanda por “finance” (Keynes, 1937b).
O processo do multiplicador da renda keynesiano difere da interpretação clássica
deste multiplicador. Ao imaginarmos um aumento no investimento, esse aumento gera uma
renda de igual tamanho tanto para Keynes quanto para os economistas clássicos. A
diferença está na forma pela qual esta renda excedente será utilizada. Para Keynes, como o
esforço de investimento ainda não aumentou a produção, só de bens de capital, toda a renda
excedente gerada será poupada. Isso é essencial no processo de financiamento do
investimento, pois vai permitir o “funding” dos investimentos feitos ou de novos
investimentos, pela oferta de ativos financeiros de longo prazo num momento em que a
renda excedente será poupada. Como se pode perceber, o esforço de investimento, caso seja
concedido o “finance”, cria uma poupança de igual montante. Caso a preferência por
liquidez nesse momento fosse alta por parte dos agentes econômicos, a colocação destes
ativos no mercado seria prejudicada, assim como o alongamento dos prazos da dívida por
parte dos investidores. Isso poderia, em última instância, obrigar os investidores a
interromper o ciclo de investimento, ou os forçaria a renovar continuamente dívidas de
curto prazo, tomando empréstimos perante alguns bancos para efetuar pagamentos em
outros. A autoridade monetária exerce um importante papel neste momento, aumentando a
liquidez da economia, caso seja necessário incentivar a demanda por títulos pelos bancos,
para que eles continuem a prover liquidez aos investidores através do mercado de crédito11.
10
Razão entre depósitos bancários e reservas bancárias.
No entanto, se essa medida do Banco Central fosse tomada quando houvesse grande incerteza sobre o
mercado de títulos, poderia se chegar a um caso extremo de armadilha de liquidez.
11
42
O “finance” e o “funding” não precisam ocorrer em momentos distintos. Eles
podem, perfeitamente, ocorrer concomitantemente. A colocação de títulos privados ou
emissão de ações em mercados primários garante esta possibilidade, mas o grau de
incerteza econômica e o desenvolvimento dos mercados secundários são fundamentais para
esta determinação. Com relação aos mercados secundários, estes são necessários ao prover
liquidez para ativos financeiros que são, em essência, ilíquidos. Dessa forma, para que haja
demanda por títulos e ações, este mercado deve ser desenvolvido de modo a permitir a
atuação dos agentes especuladores. Caso haja muita incerteza, os agentes não arriscarão
demandar títulos de longo prazo ou ações facilmente. Isso gera um maior grau de
fragilidade financeira. Como mencionado, os investimentos ficariam dependentes em
grande parte de financiamento de curto prazo, o que aumenta o risco no mercado, uma vez
que uma reversão negativa das expectativas pode impedir que as dívidas assumidas sejam
renovadas. Ou, seja, dificultaria ou impediria a rolagem das dívidas.12
O “funding”, que é a renovação de dívidas de curto prazo com dívidas de longo
prazo, ocorre mais facilmente quanto menor for o grau de incerteza. No entanto, é quando
há maior incerteza que ele é mais necessário e mais difícil de ser alcançado. Para
renovarem suas dívidas, muitas vezes os investidores se vêem obrigados a pagar juros
altíssimos, a fim de convencer o mercado a lhe concederem crédito. Essa peculiaridade em
si já é um fator de aumento da fragilidade financeira, uma vez que o aumento dos juros
pode em última instância, incapacita-los de cumprir o pagamento de suas dívidas.
Segundo a interpretação clássica do multiplicador de renda keynesiano, o excesso
de renda pode ser usado para consumo e poupança, de modo que vai existir um
desequilíbrio entre poupança e investimento até que se dê fim o processo de multiplicação
da renda. No entanto, não é evidenciado de onde sai o produto para suprir a nova demanda
de consumo, ou como é possível a ocorrência imediata de tal consumo excedente sem que a
produção tenha aumentado.
Caso a interpretação clássica estivesse certa, a implicação disto sobre o modelo
keynesiano seria o não restabelecimento imediato da liquidez disponibilizada para o
“finance” ao mercado, já que a igualdade entre poupança e investimento não seria imediata.
12
Referências para a discussão sobre “finance e funding”: Carvalho (1996), Carvalho (1997), Kregel (1995),
Asimakopolus (1986), Minsky (1986).
43
Enquanto a liquidez não fosse restabelecida aos bancos, estes não se disporiam a conceder
mais crédito, comprometendo novos investimentos. Segundo Asimakopolus (1986), uma
maior propensão a poupar faria com que o processo do multiplicador fosse mais rápido,
restabelecendo o equilíbrio no mercado mais rapidamente, com isso permitindo novos
empréstimos bancários. Ainda assim, Keynes certamente levantaria a crítica de que não
importa a propensão a poupar, mas a forma como é alocada esta poupança, entre moeda e
os outros ativos financeiros. Se o multiplicador for como Keynes o definiu, a liquidez se
restabelece de imediato através da poupança gerada pelo investimento, mas a preferência
por liquidez poderá prejudicar o “funding”.
Com relação ao modelo Shaw-Mckinnon, pode-se dizer que este se apóia em duas
relações fundamentais: uma relacionando a taxa de crescimento (g) à taxa de poupança (δ)
e outra relacionando a taxa de poupança (δ) à taxa de juros real (θ). Isso implica na
poupança como veículo de impacto da taxa de juros sobre o crescimento (θ-g). Entretanto,
não existe um consenso entre os economistas quanto a estas relações. Hermann (2002,
cap.5) mostra que estas relações foram testadas por diversos economistas e resume as
principais observações, concluindo que “...a maioria dos autores deposita pouca confiança
na validade da relação θ-δ...” (Hermann, 2002: 152) e que “De acordo com os estudos
relatados,..., entendemos que os testes empíricos não sustentam evidências de uma relação
θ-g economicamente significativa.” (Hermann, 2002: 158)
Hermann também conclui que uma taxa de juros real mais elevada parece
efetivamente propiciar uma realocação da poupança existente em prol de ativos de mais
longo prazo de maturidade, mas só até certo ponto, pois este processo é barrado à medida
que aumenta a percepção do risco de crédito associado ao aumento da taxa de juros. A
percepção do risco envolve a idéia de incerteza, ou seja, não basta que o maior risco
assumido esteja associado a maiores retornos, em um determinado momento as incertezas
envolvendo os empreendimentos financeiros de prazos mais longos vão conter a sua
demanda. Isso nada mais é que a expressão da preferência por liquidez do mercado, o qual
vai procurar garantir seus retornos buscando investimentos financeiros com prazos mais
curtos de maturidade. Assim, a capacidade da taxa de juros como mecanismo de estímulo à
procura de ativos perde a eficácia enquanto aumenta a incerteza quanto aos retornos.
44
Quanto ao modelo de Gurley-Shaw, muito embora ele tenha dado um tratamento
inovador à teoria keynesiana, ao considerar que a poupança tem um papel no
desenvolvimento do mercado financeiro, ele cometeu o erro de inverter a causalidade
demonstrada por Keynes. Ao contrário do que foi exposto, é o desenvolvimento do
mercado financeiro e de suas instituições que tem um papel sobre a poupança; ou melhor,
sobre a alocação da poupança entre moeda e ativos financeiros. Afinal, quanto mais
desenvolvidos estes forem, mais facilmente será saciada a demanda por diversificação dos
poupadores e menor será a preferência por liquidez da economia, uma vez que os riscos
associados aos ativos financeiros negociados na economia tendem a ser reduzidos. Keynes
definiu apenas títulos e moeda como ativos financeiros da economia de modo a simplificar
o entendimento de seu trabalho e certamente não queria dizer com isso que os outros ativos
financeiros não possuem um importante papel econômico: claramente, o de reduzir a
preferência por liquidez na economia através da diversificação de serviços prestados por
tais ativos, relacionados a diferentes graus de risco e retorno.
45
2. Capítulo 2: A década de 90 no Brasil
2.1. Importância do Tema Para o Brasil
Existem diversos problemas estruturais intrínsecos à economia brasileira até hoje
não resolvidos, que podem ser considerados empecilhos ao crescimento econômico. Entre
os problemas estruturais, está o problema do financiamento. A obtenção de crédito para o
investimento, como vimos no capítulo anterior, pode ser considerada uma função da
poupança total ou da preferência por liquidez, que está mais relacionada à alocação desta
poupança.
De um modo geral no Brasil, períodos de crescimento econômico, tornaram-se
dependentes da facilidade de crédito externo. A década de 90 foi marcada por grande
liquidez internacional de capitais, da qual o Brasil se beneficiou. Até mesmo porque a
economia brasileira passou por um processo de liberalização financeira e comercial, que
ampliou o grau de abertura da economia. Dois novos acordos para a dívida externa
brasileira foram fechados através do “Brady Plan”, um em 1992 e o outro em 1994,
sinalizando para os investidores estrangeiros um cenário econômico de menor risco.
A percepção deste risco foi ainda mais diluída após 1994, com a estabilização
inflacionária e cambial. No entanto, durante os anos 90 o Brasil teve períodos de
crescimento curtos alternados com longos períodos sem crescimento. Esta dissertação
analisa se a poupança, ou a sua alocação possui, um papel relevante na determinação do
crescimento. Fundamentalmente, este papel estaria relacionado ao desenvolvimento de
eficientes mecanismos de financiamento domésticos do investimento, substitutos da usual
dependência do crédito público e externo.
A década de 90 é ideal para aprofundar essa discussão, por duas razões:
primeiramente porque, apesar da maior liquidez internacional, do maior poder de consumo
após o Plano Real e de melhores indicadores macroeconômicos e monetários - o que
deveria implicar em expectativas mais otimistas quanto ao crescimento - não houve
relevante crescimento. A década foi tida por muitos como perdida. Depois porque, como a
liberalização financeira promovida na década e a política monetária de juros elevados do
Plano Real estão em conformidade com as proposições do modelo Shaw-Mckinnon sobre
46
poupança e crescimento, o contexto macroeconômico se torna ideal para avaliar estas
proposições. Dado que não houve relevante crescimento, o modelo de Keynes mostrar-se-á
mais correto na medida em que as falhas do modelo Shaw-Mckinnon puderem ser
explicadas pelas proposições keynesianas sobre a preferência por liquidez.
Pela teoria clássica, é possível dizer que a insuficiência de poupança explica a falta
de condições de financiamento do investimento e do crescimento no Brasil. Isso ocorreria
porque apesar dos altos juros nominais, as taxas de retorno reais líquidas de impostos sobre
os ativos de longo prazo estariam baixas em relação a seus riscos. Se houvesse ainda menos
intervenção estatal no sistema financeiro, maiores seriam as taxas reais de juros,
estimulando a poupança e o mercado de crédito. O resultado seria um maior investimento e
um maior crescimento.
Pela teoria keynesiana, é possível alegar que a carência de mecanismos de
financiamento seria explicada pela elevada preferência por liquidez na economia brasileira.
Na década de 90 esta preferência estaria principalmente relacionada à instabilidade cambial
e às características dos títulos da dívida pública transacionados no mercado. Tais títulos
passaram a pagar juros altíssimos e a ter prazos cada vez mais curtos - meio encontrado
pelo governo para amenizar os efeitos da incerteza sobre a demanda por títulos - de modo a
garantir a continuidade do financiamento do déficit público. Estes títulos passaram a ser
indexados às principais variáveis fontes de instabilidade: o câmbio, os juros, e a inflação,
permitindo aos bancos associar alta rentabilidade e baixo risco; característica que os
empréstimos não poderiam garantir neste período devido às altas taxas de juros. A
concentração do setor bancário, os elevados “spreads” bancários, a incerteza sobre os
retornos dos ativos financeiros, seriam alguns outros fatores relevantes na determinação da
preferência por liquidez. Por todos estes fatores, os processos de “finance” e de “funding”
teriam sido altamente comprometidos nos anos 90.
Em suma, enquanto pelo enfoque clássico seria defendido um mercado financeiro
livre de intervenções do governo como solução para a escassez de financiamento, pelo
enfoque keynesiano seria necessária uma política governamental de estímulo à redução da
preferência por liquidez. O aumento da demanda dos agentes econômicos por ativos de
longo prazo facilitaria o financiamento de longo prazo. Apenas em um ponto deve existir
algum consenso entre clássicos e keynesianos: não seria viável no Brasil uma estratégia de
47
financiamento do crescimento dependente do fluxo de capitais externos. Existe grande
incerteza sobre estes fluxos e a dívida externa brasileira já se encontra excessivamente
elevada, sujeitando o país ao pagamento de remessas de juros muito altas. Como afirma
Bresser (2002), existe um elemento perverso na dependência dos fluxos de capitais
externos, pois a taxa de câmbio se aprecia quando se recorre à poupança externa, já que
com o ingresso de capital aumenta a disponibilidade de divisas. Isso é prejudicial a um país
altamente endividado, pois deteriora a balança comercial e diminui a capacidade de
pagamento da dívida externa.
48
2.2. Contexto histórico dos anos 90
2.2.1. As Principais Mudanças na Política Financeira dos Anos 90
Nos anos 90, o Conselho Monetário Nacional (CMN) permaneceu como regulador
do sistema financeiro, o Banco Central do Brasil (BACEN) como executor da política
monetária, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) como financiador do
setor industrial e de infraestrutura e o Banco do Brasil (BB) como financiador das
exportações e da agricultura. Embora a base governamental do sistema financeiro não tenha
se alterado, o fim da década de 80 e a década de 90 trouxeram importantes mudanças. A
partir de 1987 voltou-se a uma política de desenvolvimento econômico, desta vez marcada
pela liberalização do sistema financeiro, a exemplo do que se fazia nos países
desenvolvidos. Hermann (2002a), Giambiagi (1999).
Como parte da liberalização financeira iniciada em 1987, foi feita uma reforma
bancária em 1988 que legalizou a criação e atuação de bancos múltiplos (Resolução
1524/88 do CMN )13 no país, dando início oficial a um sistema financeiro de bancos
universais. Esta resolução só veio a legalizar o que já ocorria na economia: as instituições
financeiras, que podiam ser donas de instituições não financeiras, formavam empresas
“holdings” com estruturas muito parecidas com as de bancos múltiplos. Isso facilitava a
transferência de fundos entre as empresas assim estruturadas, além de diversificar os
serviços.
Não é comprovado que o sistema financeiro de bancos universais é melhor que o
sistema financeiro segmentado. Tal discussão é polêmica, mas não é o foco deste trabalho.
No entanto, uma vez que o sistema financeiro de bancos universais foi adotado pelo país e
vigora até os dias atuais, cabe aqui apontar uma conseqüência da adoção deste sistema.
De uma maneira geral, bancos universais tendem a se tornar instituições de grande
porte, sendo comuns as aquisições de outras empresas já experientes em outros segmentos,
para agregar know-how e aumentar seus patrimônio. Deve existir algum benefício desse
13
Um banco múltiplo pode ter até quatro áreas de operação distintas, desde que uma delas seja banco
comercial ou banco de investimento. As fontes de captação não mais estariam vinculadas ao tipo de
aplicações das instituições, com exceção às captações de caderneta de poupança vinculada ao crédito
imobiliário, os recolhimentos compulsórios vinculados aos depósitos à vista e ao crédito rural e as captações
externas vinculadas a repasses a empresas domésticas.
49
ganho em termos de escala. Grandes instituições podem transmitir maior segurança para os
agentes econômicos. Por atuarem em diversos segmentos de mercado, diminui-se o medo
de quebra das instituições, pois dificilmente a instituição estará tendo perdas em todos os
seus segmentos de atuação. Além disso, eles oferecem crédito nas mais variadas formas,
atraindo o mercado através de diferentes serviços. Se existe competição no setor, a oferta de
crédito tende a se expandir, pois aumenta a liberdade de atuação das empresas que querem
aumentar (ou ao menos preservar) seus “market shares”.
Contudo, no caso do Brasil, a mudança para um sistema financeiro de bancos
universais aumentou consideravelmente a concentração do setor, ao estimular a fusão entre
instituições financeiras existentes. De certo modo, este resultado foi incentivado pelo
governo, uma vez que ele facilitou as fusões constituídas até 1989, através da redução em
50% da exigência de capital mínimo na constituição de bancos múltiplos, permitindo que os
outros 50% fossem integralizados nos cinco anos subseqüentes. Apesar desta concentração
facilitar os atos de fiscalização e aumentar o controle da autoridade monetária sobre as
instituições restantes, ela veio a dificultar o acesso dos agentes econômicos ao crédito. A
falta de competição permitiu que estas instituições obtivessem lucros através da cobrança
de elevados “spreads” sobre as taxas de juros.
O processo iniciado no final da década de 80 de liberalização financeira se estendeu
até a década de 90. O grau de abertura do mercado financeiro foi ampliado, de modo que
foram reguladas as operações no mercado brasileiro de investidores não residentes em 1987
(Resolução 1289/87 do CMN), foram regulados os fundos de capitais estrangeiros de
securitização da dívida estrangeira brasileira em 1988 (Resolução 1289/87 do CMN), foram
reguladas as operações de investidores institucionais no mercado de capitais doméstico em
1991 (Anexo IV à Resolução 1289 do CMN) e permitida a criação de fundos de
privatização estrangeiros (Anexo IV à Resolução 1289 do CMN).
O resultado prático das mudanças na regulação do ingresso de capitais só passou a
ser satisfatório a partir de 1991, após o Anexo IV, quando o fluxo líquido de capitais
passou a ser positivo. O Anexo IV veio a permitir a entrada direta dos investidores
institucionais (fundos de pensão, companhias de seguro, etc) no mercado de ações
brasileiro, sem sujeições de prazo, capital mínimo ou critérios de composição. Estes
investimentos contavam ainda com isenção de tributação; não seria pago IOF no momento
50
de ingresso ao país, nem seriam tributados os ganhos de capital em ações. Acreditava-se
que tal privilégio seria virtuoso às bolsas de valores brasileiras, uma vez que estes
investimentos estimulassem a liquidez e o valor das ações. O Anexo IV foi a principal
modalidade de investimento de portfolio estrangeiro na economia, chegando a 32,19
bilhões de dólares em 1997 com uma participação percentual de 90,4% (FREITAS, 1999).
Este ingresso de capitais via Anexo IV aumentou a volatilidade do mercado acionário, já
que retroagia nos momentos de maior incerteza internacional, como durante a crise asiática,
em que os investidores estrangeiros efetuaram elevados resgates nas bolsas brasileiras,
possivelmente para cobrir as perdas em mercados asiáticos. Nestes momentos o Ibovespa
apresentava expressiva desvalorização, conseqüência da venda das posições dos
investidores estrangeiros.
Os bancos predominavam entre estes investidores, representando 47,7% , seguidos
das corretoras com 19,1%; dentre o restante estariam as seguradoras e os fundos de
investimento (FREITAS, 1999). Quase a totalidade dos investimentos estava voltada à
aquisição das ações mais negociadas, que seriam de empresas estatais sendo privatizadas,
de modo que a concentração das atividades em bolsa foi pouco afetada; as dez ações mais
negociadas representavam cerca de 81,85% do total das negociações no mercado à vista em
1997 (FREITAS, 1999). Embora fosse esperado que este maior dinamismo nos mercados
secundários de ações levasse a um maior estímulo à emissão de ações no mercado primário,
esse efeito foi muito pouco significativo no Brasil (FREITAS, 1999).
Segundo Hermann (2002), dos três tipos de relação financeira com o exterior;
ingresso de capitais, remessa de capital decorrente de investimentos ou pagamentos de
residentes no exterior e conversão entre moedas estrangeiras em moeda nacional, os dois
primeiros foram os mais afetados pelo processo de liberalização no que concerne a
regulação financeira.
Em 1992 passou a ser permitida a emissão de ações de empresas brasileiras na bolsa
dos Estados Unidos e outras bolsas estrangeiras (Anexo V à Resolução 1289 do CMN).
Esta emissão se daria nos Eua através dos “American Depositary Receipts” (ADR) e, em
outras bolsas estrangeiras, através dos “International Depositary Receipts” (IDR). Segundo
Hermann (2002), como ambos são negociados em dólares no mercado externo, acreditavase que a eliminação do risco cambial do investidor estrangeiro seria um grande atrativo ao
51
investimento, o que não ocorreu, já que a pouca liquidez das ações brasileiras nas bolsas
externas representava um alto risco para os investidores. Após o plano real, quando o risco
cambial foi muito reduzido, estes perderam ainda mais sua atratividade.
Quanto ao mercado de renda fixa, em 1990, a Resolução 1743 incluiu títulos de
curto prazo, os “commercial papers”, entre as fontes de captação externa para o
financiamento das operações na Resolução 63. O curto prazo da captação era um fator
importante devido à instabilidade política e macroeconômica do período. Em 1991, títulos
de médio e longo prazo, os “notes” e os “bonus”, foram incluídos entre estas fontes de
captação pela Resolução 1835. A importância da inserção de títulos entre as fontes de
captação das operações na Resolução 63 é explicada pelo movimento de securitização nos
sistemas financeiros dos países desenvolvidos. Empréstimos de bancos estrangeiros,
método único de captação originalmente definido na Resolução 63, seriam dificilmente
conseguidos diante desta tendência e principalmente após a crise da dívida latinoamericana.
A abertura financeira foi ainda mais ampliada após 1994, durante o Plano Real. Para
o ingresso de capital, foram estendidas as operações de captação pelos bancos para o
repasse, ao setor agropecuário (Resolução 2148/95), imobiliário (Resolução 2170/96) e
exportador (Resolução 2312/96). Foi criado o Fundo Mútuo de Investimento Estrangeiro
em Empresas Emergentes (Resolução 2247/96) que permitiu a captação de recursos
externos para estas empresas através da colocação de seus papéis neste tipo de fundo.
Também foi criado o Fundo Mútuo de Investimento Estrangeiro Imobiliário (Resolução
2248/96) que permitiu a captação de recursos externos para as empresas do setor
imobiliário através da colocação de seus títulos neste tipo de fundo.
Com a abertura financeira, em 1995 o ingresso de capitais já se encontrava tão
elevado que medidas de contenção chegaram a ser tomadas. Por exemplo, através da
tributação com imposto sobre operações financeiras (IOF) de 5% em bônus, “commercial
papers” e fundos de privatizações; 7% em fundos de renda fixa, contas de não residentes e
operações interbancárias com divisas. Operação com opções e futuros, aquisição de
“moedas de privatização”, utilização de recursos das “operações 63” para compra de títulos
públicos, foram proibidos aos investidores estrangeiros.
52
2.2.2. A Liquidez Internacional, O Plano Real e Políticas Econômicas do
Período
As medidas de liberalização financeira não seriam capazes de causar sozinhas um
profundo impacto sobre os fluxos de capitais estrangeiros para o Brasil nos anos 90. Estes
voltaram a circular no país devido a uma maior liquidez internacional associada a taxas de
juros em queda nos países exportadores mais desenvolvidos da Europa e os Estados
Unidos, na primeira metade dos anos 90. Na época, estava sendo implantado o “Brady
Plan”, reduzindo e securitizando a dívida estrangeira de países da América Latina, entre os
quais o Brasil. Sob este plano, em 1992 foi assinado um acordo de dívida estrangeira com o
Brasil.
No entanto, a economia brasileira ainda sinalizava muita incerteza para os
investidores externos. Até 1993 o país viveu um período de instabilidade econômica
provocada pela alta inflação e pela crise política do governo de Fernando Collor, que
culminou em seu “impeachment”. Diante da incerteza e da instabilidade política e
macroeconômica, as mudanças trazidas pelo processo de liberalização financeira neste
período foram muito mais uma resposta às pressões do mercado que um projeto de longo
prazo pré-estabelecido. Era essencial que a legislação financeira se flexibilizasse, para dar
continuidade à convivência com a inflação herdada dos anos 80, ao mesmo tempo em que a
abertura financeira era ampliada, para incentivar o fluxo de capitais externo e o retorno do
país ao mercado financeiro internacional.
A incerteza sobre o Brasil diminuiu com o “impeachment” do presidente Collor em
setembro de 1992, que deu fim à crise política. Nesta época, a liberalização financeira e a
política monetária de altas taxas de juros já geravam atrativos para os investidores
estrangeiros, ao criar novas possibilidades de investimento associadas a retornos esperados
mais elevados que os de países desenvolvidos. Essa atratividade se tornou realmente alta
após a estabilização inflacionária e cambial conseguida através do Plano Real. A redução
da incerteza macroeconômica e o fato de que em abril de 1994 um novo acordo de dívida
estrangeira foi fechado sob o “Brady Plan”, permitiram ao país o amplo usufruto da
liquidez internacional.
53
O Plano Real foi um plano de estabilização bem sucedido, implementado a partir de
1994 com o objetivo de controlar a inflação, que vinha comprometendo a capacidade de
dispêndio dos agentes econômicos e restringindo o investimento das unidades produtivas.
O plano adotou uma âncora cambial para os preços, iniciando um regime de câmbio fixo. O
regime escolhido era compatível naquele momento com o cenário de alta liquidez
internacional, com a abertura comercial e com o processo de liberalização financeira.
Afinal, a ampliação da abertura comercial na 1ª metade dos anos 90 garantiu que a
formação dos preços domésticos sofresse maior influência dos preços externos (de bens
“tradeables”); enquanto que o processo de liberalização associado à alta liquidez
internacional permitiu que o país financiasse os déficits em conta corrente com a entrada de
capital estrangeiro, chegando até a acumular reservas internacionais. Esse acúmulo de
reservas era essencial para a manutenção da credibilidade da taxa de câmbio. O fechamento
do novo acordo da dívida sob o “Brady Plan” contribuiu também para que o Brasil
desfrutasse da maior liquidez internacional ao reduzir o risco-país.
Sob o Plano Real, a inflação foi efetivamente controlada através da âncora cambial,
que acabou por impor uma política monetária restritiva sobre a economia. Taxas de juros
altas passaram a ser praticadas e eram justificadas pela manutenção do regime inicial de
câmbio fixo - que mais tarde foi substituído por um regime de bandas cambiais devido à
crise mexicana de dezembro de 1994 a março de 1995 - atraindo capitais estrangeiros e
mantendo a valorização do Real.
A política fiscal durante o Plano Real acabou sendo expansionista, mas foi devido
ao resultado que o controle da inflação e a indexação de despesas e receitas tiveram sobre o
valor real dos gastos públicos, não sendo uma política programada pelo governo. Houve
também um aumento da demanda doméstica, conseqüência da expansão do crédito e da
forte redução do imposto inflacionário.
Quanto à política monetária restritiva, esta se deu através do aumento das alíquotas
de recolhimento compulsório, sobre depósitos a vista para 100% na margem e sobre os
depósitos a prazo para 20% sobre saldos, além de maiores impostos, limites de prazo e
recolhimentos compulsórios sobre operações de crédito. Após a crise cambial mexicana,
que gerou um ataque especulativo e ameaçou o Plano Real recém iniciado, a taxa de juros
54
anual em março de 1995 chegou a 65%. O aumento da taxa de juros para conter ataques
especulativos foi uma atividade que vigorou durante o Plano Real até 1998.
A política monetária restritiva utilizava instrumentos por demais onerosos aos
bancos e, associada ao controle da inflação, reforçou o processo de concentração do setor
financeiro, ao liquidar pequenos bancos exploradores de receitas inflacionárias, reduzindo o
número de bancos. A oferta de crédito se expandiu no setor bancário14, respondendo à
maior procura por crédito das famílias, explicada pela menor incerteza quanto à renda
futura, e das empresas, que buscavam compensar a perda das receitas inflacionárias.
Contudo, a inadimplência não tardou a se manifestar diante de tão elevadas taxas de juros
nominais e reais. O risco de crédito era muito alto e foi mal avaliado pelas instituições
financeiras. Houve um aumento da fragilidade financeira, conseqüência lógica da elevada
taxa de juros e da inadimplência. Outros fatores também prejudicaram os bancos, como a
fuga de capitais devida à crise mexicana e a falta de informação sobre mudança de um
regime de câmbio fixo para um regime de bandas cambiais. Esta troca de regime levou a
perdas no mercado de câmbio “spot” e futuro, agravando as incertezas sobre as operações
cambiais.
Entretanto, a maior fragilidade não foi suficiente para gerar uma crise bancária, pois
o BACEN se prontificou a prestar socorro às instituições. Ele atuou não só como
emprestador de última instância, mas também promovendo medidas de saneamento e
auxílio do sistema bancário, o que permitiu a liquidação de bancos de pequeno porte e
bancos públicos estaduais sem grandes efeitos sobre o mercado, e através da promoção de
medidas de incentivo à entrada de bancos estrangeiros.
Os poderes do Banco Central antes eram limitados e de caráter emergencial, através
do uso da reserva monetária. Entretanto, seu poder de atuação foi altamente ampliado como
parte do arcabouço institucional instituído em fins de 1995 para prevenir o sistema
financeiro contra os riscos de crise financeira. O BACEN passou a atuar preventivamente
para o saneamento do setor, através de exigências direcionadas às instituições com
problemas de liquidez, sobre matérias como controle acionário, organização societária,
aporte de recursos; e da fiscalização em áreas direcionadas, como de operações em
dependências no exterior onde bancos possuíssem participação.
14
Maiores detalhes na seção 3.6 do capítulo 3.
55
O Acordo da Basiléia, que exige 8% dos ativos ponderados pelo risco como limite
de capital mínimo para a operação de bancos, passou a fazer parte da legislação brasileira
em 1994. Em 1997 os limites exigidos pelo Banco Central eram ainda maiores que o do
acordo da Basiléia, ficando em 10% dos ativos ponderados pelo risco. Em novembro de
1995 foi criado o Proer, que destinou uma linha especial de assistência financeira destinada
ao financiamento de reestruturações administrativas, operacionais ou societárias que
transferissem controle ou envolvessem mudança de objetos sociais das instituições
financeiras. Além disso, foram reduzidas as alíquotas de reservas compulsórias e
aumentadas as operações de redesconto, como mecanismo de controle da liquidez.
Os bancos privados de grande porte permaneceram fortes durante este período, se
protegendo dos riscos de liquidez e solvência através do “empoçamento de liquidez”, pelo
qual estes bancos racionavam o crédito ao negar socorro aos bancos com problemas. Dos
grandes bancos, somente o Banco Nacional e o Banco Econômico, ambos em 1995,
precisaram sofrer intervenção do BACEN, mas sem dúvida acabaram contribuindo bastante
para o clima de iminência de crise bancária.
Apesar da crise bancária não ter ocorrido devido à ação do BACEN, existiam outros
fatores de risco a serem considerados pelos investidores externos. A política monetária, ao
impor sobre a economia elevadas taxas de juros, colaborou radicalmente para o aumento da
dívida pública antes mesmo do fim da década de 90, fato que deteriorava a percepção dos
investidores externos quanto ao risco-país.
Além disso, um outro efeito destas elevadas taxas de juros, foi a sobrevalorização
do Real. Tal valorização real do câmbio foi apontada pelo FMI anos antes da crise de 199899 como um fator de risco para o país, mas o governo não deu muita relevância e esperava
que as taxas de juros pagas pelo país mais do que compensassem este risco.
A crise cambial asiática de 1997-98 criou uma ameaça de contágio para outros
países menos desenvolvidos, entre os quais o Brasil. Diante do ataque especulativo, a taxa
de juros básica da economia foi elevada abruptamente, no intuito de amenizar a saída de
capitais do país e manter a taxa de câmbio. O BACEN atuou no mercado vendendo dólares,
títulos com indexação ao dólar também foram colocados no mercado e, além disso, um
pacote de ajuste fiscal foi anunciado. Apesar de uma elevada perda de reservas, em 1998
fluxos de capitais estrangeiros de curto prazo voltaram a circular com mais intensidade no
56
país, diante da razoável certeza de que a taxa de câmbio seria mantida até o período de
eleições em outubro, o que permitiu a redução da taxa de juros.
Apesar de alguns indicadores macroeconômicos serem positivos, como a baixa
inflação e perspectivas de ingresso de investimento estrangeiro direto apontadas pelo
cronograma de privatizações, o déficit fiscal e a sobrevalorização do Real não foram
esquecidos. Um novo ataque especulativo era cada vez mais iminente e o país dependia em
grande parte de um cenário internacional de estabilidade para evitá-lo. Esta estabilidade foi
rompida rapidamente com o surgimento da crise Russa e com as dificuldades de
gerenciamento de capital de longo prazo nos Estados Unidos, que diminuíram intensamente
a liquidez de capitais internacional. A nível doméstico, as reformas propostas para o ajuste
fiscal enfrentavam dificuldade de aprovação e o quadro do déficit fiscal não apresentava
melhoria.
Embora o Banco Central tenha dobrado a taxa de juros básica e voltado a vender
dólares e títulos cambiais, a saída de capitais desta vez não pôde ser contida. Em dezembro
de 1998, o governo fechou um acordo com o FMI a fim de afirmar sua credibilidade para o
mercado internacional e de evitar o próprio contágio da crise brasileira a outros países. De
início o regime de bandas cambiais não foi abandonado devido ao efeito adverso adicional
ao da taxa de juros que isso acarretaria sobre a dívida pública e sobre o risco-país, mas foi
exigido um forte ajuste fiscal. Contudo, a ajuda do FMI não foi suficiente para convencer o
mercado da sustentação do regime, e muitos investidores aproveitaram a oportunidade para
retirar seus capitais, antes que o câmbio se desvalorizasse. Ainda, o fato da taxa de juros ter
sofrido uma redução e do programa fiscal enfrentar dificuldades no Congresso também não
ajudaram; sem falar na moratória de 90 dias no pagamento da dívida do Estado de Minas
Gerais decretada pelo governador Itamar Franco.
Em meados de janeiro de 1999 e após ter perdido US$ 14 bilhões em dois dias,
Francisco Lopes assumiu a presidência do Banco Central tentando implementar um novo
tipo de regime de bandas cambiais, a “banda diagonal endógena”, que não obteve a
aprovação do FMI nem a confiabilidade do mercado. Dois dias depois, Armínio Fraga
assumiu a presidência do BACEN permitindo a flutuação da taxa de câmbio15. Diante da
15
Para maiores detalhes sobre as medidas de liberalização financeira e Reforma Fiscal após a crise cambial de
199, ver Jennifer (2000), capítulo 8.
57
mudança para um regime de câmbio flutuante, o qual o FMI acabou por aprovar, o FMI e o
Brasil fizeram a revisão do acordo que ficou pronta em março. A taxa de juros foi elevada
para cerca de 40% de modo a não permitir uma desvalorização excessiva do Real e a
política monetária passaria a seguir um regime de metas inflacionárias. A taxa de juros
passaria a ser determinada de forma a contribuir para que a inflação efetiva anual fosse a
mais próxima possível da meta inflacionária pré-estabelecida. Este é um regime de
flutuação suja do câmbio, uma vez que o câmbio contamina em grande parte a própria
inflação, e por isso não pode passar de determinados níveis críticos, que não são
formalmente definidos.
Quanto às exigências fiscais, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que só foi aprovada
em 2000, contribuiu para a disciplina fiscal, melhorando a execução e o planejamento
orçamentário, além de permitir uma maior credibilidade ao país. O Brasil conseguiu
contornar a crise cambial, voltando a reduzir a taxa de juros, mesmo que esta ainda
permanecesse bastante elevada. Além disso, foi adotado um novo regime de política fiscal,
apoiado em metas para o superávit primário e para a relação Dívida Pública Líquida/PIB.
O setor bancário foi pouco afetado pela crise, pois tinha poucas obrigações externas,
atuava principalmente no curto prazo nas operações de repasse dos recursos estrangeiros
para os tomadores de empréstimos brasileiros, mantinham elevados “spreads” sobre a taxa
de juros nestas operações e mantinham em seus ativos um grande número de títulos
públicos com indexados de juros e de câmbio, o que lhes trouxeram lucros consideráveis.
Pode-se apontar o seguinte relato quanto ao comportamento do setor bancário:
“Os bancos, como todos os outros agentes econômicos, possuem preferência
pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, que norteiam as estratégias traçadas
em suas buscas incessantes de valorização. Como o desejo dos bancos em se
manterem líquidos depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o
estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas
circunstâncias, eles decidam racionar o crédito, refreando o crescimento econômico
ou mesmo conduzindo à regressão da produção e dos investimentos. De igual modo,
eles podem decidir privilegiar o aumento da circulação financeira, financiando os
agentes especuladores ou suas próprias atividades especulativas”. (FREITAS, 1999,
pág. 162)
58
2.3. Considerações Finais Sobre a Década de 90
Os anos 90 para o Brasil foram marcados pelo processo de liberalização financeira
baseado no modelo de Shaw-Mackinnon que pretendia, através da integração financeira
internacional, ampliar o acesso do país aos recursos internacionais de financiamento para o
crescimento econômico sustentado e estimular a oferta de crédito doméstica.
No entanto, embora nos anos 90 os fluxos de capitais estrangeiros tenham voltado
em massa ao país, estes fluxos se mostraram excessivamente voláteis durante o período,
tornando a dependência destes capitais altamente arriscada. O ambiente macroeconômico
estabilizado após 1994, representado pela inflação controlada e pelo câmbio fixo apoiado
pelo elevado volume de reservas, não foi suficiente para impedir ataques especulativos à
moeda brasileira. A volatilidade dos fluxos de capitais estrangeiros está associada às
medidas de liberalização adotadas e à capacidade da política monetária em estimular estes
fluxos:
“..., se, por um lado, as medidas de desestímulo aos investimentos estrangeiros
de curto prazo em renda fixa foram eficazes para diminuir a participação desses
recursos no total da captação externa num contexto de abundância de capitais
externos, não foram instituídos, por outro lado, mecanismos que contribuíssem para
amenizar a saída de capitais em momentos de reversão dos fluxos, como no último
trimestre de 1997, e de crise cambial, como em janeiro de 1999. Assim, os recursos
que ingressam tanto pelo segmento livre – direcionados a aplicações em renda fixa
e/ou variável – quanto pelas contas de não residentes do mercado flutuante (CC-5)
apresentam elevado grau de conversibilidade, ou seja, conseguem “abandonar” o país
rapidamente e com pouca perda de capital.” (FREITAS, 1999, pág. 53)
59
3. Capítulo 3: Indicadores Econômicos do Período 1990-2003.
3.1. Considerações Iniciais
De acordo com o modelo Shaw-Mckinnon, a estruturação do sistema financeiro
após a liberalização financeira da década de 90 deveria proporcionar uma maior poupança
relativa ao PIB na economia brasileira, através do aumento da poupança externa e da taxa
de juros real, com isso garantindo um maior crescimento econômico. Dados mais
específicos sobre o crescimento da década serão aqui apresentados, mas já se sabe que o
crescimento econômico não foi significativo. Será mostrado também que a poupança
relativa ao PIB não aumentou, pois embora tenha aumentado a popança externa, medida
pelo déficit em conta corrente, a poupança nacional decresceu. Pela teoria clássica é
possível atribuir à taxa real de juros a razão para este decréscimo. Por isso, iremos neste
capítulo avaliar se a taxa de juros real e a poupança agregada se comportaram, ou não,
como o previsto pelo modelo de liberalização econômica. Assim, poderemos fazer as
devidas considerações sobre o efetivo papel da poupança para o crescimento, ou seja, saber
se o pequeno crescimento da década de 90 pode ser associado a uma insuficiência de
poupança.
As taxas de juros reais foram calculadas a partir de dois índices de inflação, o Índice
Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), que reflete em maior parte a evolução
de preços por atacado, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que
reflete em maior parte o preço de prateleira dos produtos, para que a avaliação sobre o
comportamento dos juros reais não fique viesada a apenas um tratamento. Também será
investigado o comportamento das operações de crédito e estipulados os principais
determinantes deste comportamento, para que seja esclarecida a questão quanto às relações
entre taxa de juros, poupança e oferta de crédito.
A investigação desta relação entre poupança e oferta de crédito é importante. Os
agentes que tomam a decisão de poupar não são os mesmos que tomam a decisão de
investir, ou prover o consumo futuro. Para os economistas clássicos, que consideram que a
poupança disponibiliza os recursos para o financiamento do investimento, isso implicaria
que na ausência de garantias de que os recursos da poupança seriam usados para o
60
financiamento dos investimentos. Sendo assim, algumas medidas precisariam ser tomadas
para que os recursos sejam efetivamente canalizados para os investidores. Então, será
preciso avaliar se o problema na década de 90 foi uma “má canalização dos recursos
disponibilizados pela poupança”, ou seja, se o mercado de crédito não funcionou
adequadamente. Tal fato, segundo Giambiagi (1997), levaria a uma diminuição da demanda
agregada e da renda. O comportamento das operações de crédito será avaliado juntamente
com o problema do “spread” bancário na seção 3.6.1.
Para contrapor o modelo Shaw-Mckinnon, os dados macroeconômicos associados à
determinação da preferência por liquidez da economia brasileira também serão
apresentados neste capítulo. O objetivo tem a mesma natureza: fazer uma avaliação da
adequação do modelo, neste caso o keynesiano, à realidade da economia brasileira a partir
da década de 90. Para isso, serão relacionados entre si os principais agregados monetários,
M1, M2, M3, e M4. A preferência por liquidez é exposta principalmente por M216, onde se
concentram os títulos públicos, de modo que se a razão entre M2 e M4 for elevada, a
economia brasileira estará dando sinais de elevada preferência por liquidez. O último item
se dedica a avaliar a capitalização relativa na economia brasileira; ao mostrar o valor de
mercado das empresas de capital aberto em relação ao PIB é possível obter-se um indicador
do tamanho do mercado de capitais brasileiro. Este indicador, quando comparado ao de
outros países, fornece uma perspectiva a respeito da importância do mercado de capitais
para o financiamento das empresas. A razão de interesse é avaliar se existe facilidade na
securitização do passivo das empresas, meio alternativo aos empréstimos bancários para o
financiamento das atividades empresariais e à utilização de ativos previamente acumulados
(autofinanciamento).
16
Segundo a classificação antiga do BACEN; maiores detalhes ficam reservados à seção 3.5.
61
3.2. A Variação Real do PIB Pela Ótica da Despesa
Na tabela 3.2.a) e no gráfico 3.2.a) abaixo, podemos constatar que o comportamento
do PIB seguiu uma trajetória errática. Somente em 1993, 1994, 1995 e 2000, o PIB mostrou
um crescimento significativo, acima de 4% ao ano. Mesmo durante a segunda metade da
década de 90, com a estabilização inflacionária e cambial, o PIB não assumiu um ciclo de
crescimento determinado, pelo contrário, a taxa de variação percentual do PIB decresceu
durante todo o Plano Real, chegando a meros 0,13% em 1998.
Tabela 3.2.a):
Variação Real Anual do PIB e Seus Componentes - Sob a Ótica da Despesa (em %)
Componentes do Produto Interno Bruto - Ótica da Despesa
Formação Bruta de
Produto
Consumo
PIB per
Exportação Importação de
Capital
Interno
Ano
capita
de bens e
bens e
Consumo Consumo da
Formação
Bruto
serviços
serviços (-)
Total
Total
das
Adm.
Bbruta de
famílias
Pública
Capital Fixo
-4,35
1990
1,03
(-) 0,54
0,50
-0,10
2,33
8,96
-4,72
-4,83
11,10
1991
-0,54
(-) 2,05
0,09
-0,70
2,84
-8,57
-6,62
16,54
4,52
1992
4,92
3,37
4,07
4,55
2,31
14,28
6,33
11,68
26,78
1993
5,85
4,33
5,87
7,50
0,33
13,03
14,25
4,01
20,35
1994
4,22
2,75
7,01
8,71
1,34
8,09
7,29
-2,03
30,68
1995
2,66
1,24
3,13
3,70
1,38
2,83
1,20
0,64
5,39
1996
3,27
1,87
2,90
3,13
2,11
8,28
9,33
11,15
17,83
1997
0,13
(-) 1,21
-0,05
-0,76
2,38
-0,62
-0,33
3,71
-0,28
1998
0,79
(-) 0,52
0,27
-0,40
2,44
-7,58
-7,24
9,25
-15,45
1999
4,36
2,99
3,24
3,84
1,27
9,98
4,46
10,59
11,63
2000
1,31
0,10
0,63
0,53
0,96
-1,14
1,06
11,24
1,21
2001
1,93
0,05
-0,37
1,36
-4,27
-4,16
7,90
-12,30
2002
-0,22
-2,29
-3,31
0,63
-4,48
-6,63
14,22
-1,90
2003
Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE.
62
Gráfico 3.2.a): Variação Real Anual do PIB e PIB per Capta
Variação Real Anual (%) do PIB
7,00
6,00
5,00
4,00
Valor em (%)
3,00
2,00
1,00
0,00
-1,00
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
-2,00
-3,00
-4,00
-5,00
Período
PIB per capita
Produto Interno Bruto
Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE.
Alega-se que o investimento no período não foi suficiente para impulsionar
melhores taxas de crescimento. De fato, como pode ser visto na tabela 3.2.a), a variação
real anual da formação bruta de capital fixo chegou a ser negativa em alguns anos deste
período. O gráfico 3.2.b) mostra a evolução da formação bruta da capital relativa ao PIB no
período 1990-2003. Através deste gráfico é possível perceber que a trajetória da formação
bruta de capital fixo, que é a formação bruta de capital subtraída da variação dos estoques,
foi declinante no período após 1994. Os dados anuais podem ser vistos na tabela 3.2.b).
63
Gráfico 3.2.b): Evolução da Formação Bruta da Capital Relativa ao PIB
Formação Bruta de Capital 1990-2003
23,00%
22,00%
21,00%
20,00%
19,00%
18,00%
17,00%
16,00%
15,00%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Período
Capital fixo - formação bruta
Capital - formação bruta
Fonte: internet IPEA-Data
Tabela 3.2.b): Evolução da Formação Bruta da Capital Relativa ao PIB
Formação Bruta de Capital Relativa ao PIB
Formação Bruta de Capital
Período
Variação de
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Total
Capital Fixo
20,17%
19,77%
18,93%
20,85%
22,15%
22,29%
20,92%
21,50%
21,12%
20,16%
21,54%
21,20%
19,76%
20,07%
20,66%
18,11%
18,42%
19,28%
20,75%
20,54%
19,26%
19,86%
19,69%
18,90%
19,29%
19,47%
18,32%
18,04%
Estoque
-0,49%
1,66%
0,51%
1,56%
1,40%
1,74%
1,66%
1,64%
1,43%
1,26%
2,26%
1,73%
1,44%
2,02%
Fonte: internet IPEA-Data
É possível apontar razões para tal fato segundo a teoria de ambas as escolas de
pensamento econômico que foram citadas neste trabalho. Pelo enfoque da teoria clássica, o
problema estaria associado à falta de poupança, pela qual são liberados os recursos para o
64
financiamento do investimento; ou seja, seria preciso poupança nova para que se
efetuassem novos investimentos. Essa poupança se forma em função do comportamento
dos juros reais, que baixos neste período, não teriam incentivado os agentes econômicos a
postergar o consumo para o futuro em troca do recebimento de juros. Segundo o enfoque
keynesiano, a falta de investimento se deve a uma elevada preferência por liquidez,
inclusive agravada por elevadas taxas de juros reais do período, que são uma medida do
custo do capital investido. O retorno do investimento vem no longo prazo, mas se há
elevada preferência por liquidez, a tendência é que se faça a opção por aplicações de curto
prazo. O investimento pode ser ainda ser comparado a um ativo financeiro de longo prazo;
quanto maior a incerteza, menor a demanda por tal ativo. Para melhor avaliar estas críticas,
a próxima variável a ser analisada será a taxa de juros.
65
3.3. Comportamento das Taxas de Juros Reais
Para melhor ilustrar a evolução da taxa de juros básica (taxa Selic), estas foram
tomadas desde 1980 até 2003. As taxas de juros reais da economia brasileira durante a
década de 90 foram nitidamente superiores às taxas de juros reais da década de 80, como
pode ser visto na tabela 3.3. e gráfico 3.3. abaixo.
Tabela 3.3: Taxas de Juros Anuais Durante o Período 1980-2003.
Taxas de Juros da Economia Brasileira
Ano
Taxa Over/Selic Taxa Over/Selic
Taxa Over/Selic
Real (%aa) pelo Real (%aa) pelo
(%aa)
IGPDI
IPCA
1980
46,35
1981
89,27
1982
119,35
1983
199,73
1984
255,51
1985
276,53
1986
66,54
1987
353,00
1988
1057,69
1989
2407,28
1990
1153,22
1991
536,89
1992
1549,24
1993
3060,01
1994
1153,84
1995
53,09
1996
27,41
1997
24,78
1998
28,79
1999
25,59
2000
17,43
2001
17,32
2002
19,17
2003
23,34
Fonte: internet IPEA-Data
-30,39
-3,04
9,83
-3,63
9,79
12,35
0,91
-12,20
1,77
33,16
-20,52
9,77
31,12
12,53
5,02
33,38
16,54
16,09
26,62
4,67
6,95
6,26
-5,73
14,56
66
-26,56
-3,26
7,10
13,54
12,76
10,02
-7,30
-2,25
7,17
20,95
-27,18
11,21
35,28
22,62
23,36
25,06
16,29
18,59
26,69
15,28
10,81
8,96
5,90
12,85
Gráfico 3.3: Taxas de Juros Anuais Durante o Período 1980-2003.
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
-5,00
-10,00
-15,00
-20,00
-25,00
-30,00
-35,00
1980
Valor em (%)
Taxa Real de Juros
Período
Taxa Over/Selic Real (%aa) pelo IGPDI
Taxa Over/Selic Real (%aa) pelo IPCA
Fonte: internet IPEA-Data.
Em 1990 ainda consta uma taxa de juros real anual entre –20,58% e –27,18%, mas a
partir de então estas taxas foram recorrentemente positivas e altas, principalmente entre
1994 e 1998, durante o Plano Real. Pode-se dizer que as taxas de juros reais tiveram o
comportamento esperado após o processo de liberalização financeira, sendo mantida em
patamares especialmente elevados, até mesmo devido à escolha feita pelo governo quanto
ao regime cambial a ser adotado. A fim de manter a taxa de câmbio fixa, era preciso
contrabalançar o déficit comercial através da promoção da entrada de capitais estrangeiros,
só possíveis mediante um pagamento de elevados juros sobre o capital aplicado.
Como já foi afirmado, o “timing” do Plano Real não foi uma coincidência histórica
com o processo de liberalização financeira, ele foi planejado para, concomitantemente à
liberalização financeira, alcançar a estabilidade macroeconômica necessária à criação das
condições para o crescimento da economia brasileira. Assim, a crítica de que embora as
taxas de juros nominais tenham sido elevadas, as taxas de juros reais teriam sido baixas,
não é válida, sendo contrária à evidência empírica proporcionada no período. Mesmo
calculando para dois diferentes índices de inflação, podemos verificar que as taxas de juros
reais se mantiveram elevadas durante toda a década de 90 e mesmo após a mudança do
regime cambial. Adiante, iremos analisar o impacto destas elevadas taxas de juros para a
economia brasileira. Tal impacto se refletirá no mercado de crédito e na preferência por
67
liquidez dos agentes econômicos, além de ter contribuído para o aumento da dívida pública,
como foi visto no capítulo anterior. Entretanto, a próxima seção será dedicada a demonstrar
que não houve impacto destas elevadas taxas de juros reais sobre a poupança relativa ao
PIB; ou seja, sobre a propensão a poupar dos agentes econômicos.
68
3.4. Comportamento da Poupança Agregada
A poupança total da economia é o somatório da poupança doméstica, subdividida
em poupança privada e poupança pública, com a poupança externa, contabilmente igual ao
déficit em conta corrente. A poupança pública, por sua vez, é o diferencial entre o
investimento do governo e o déficit público primário17. A poupança pública permaneceu
negativa, embora tenha aumentado um pouco, mas a poupança privada se reduziu
significativamente durante a década de 90. Houve um aumento da participação da poupança
externa em relação ao PIB durante o Plano Real, um resultado esperado do processo de
liberalização financeira, mas como este aumento ocorreu concomitantemente a uma
redução da participação da poupança doméstica em relação ao PIB, explicada
principalmente pela redução da poupança do setor privado. O resultado final foi a
manutenção da poupança total relativa em patamares mais baixos, se comparados ao final
da década de 80. Estes resultados podem se avaliados através da tabela 3.4 e gráfico 3.4
abaixo:
17
Déficit Primário (DP) são os gastos do governo (G) com consumo (Cg) e investimento (Ig), subtraídos da
arrecadação do governo com tributos (T). Assim, DP = G – T = Cg + Ig - T. Como a poupança pública (Sg) é
a sua arrecadação (T) menos o seu consumo (Cg), Sg = T – Cg, temos que DP = (- Sg) + Ig. Logo, Sg = Ig DP.
69
Tabela 3.4: Evolução da Poupança Relativa ao PIB no Período 1980-2003.
Poupança Total, Doméstica e Externa (%do PIB)
Poupança Doméstica
ANO
Média 80-84
Média 85-89
1990
1991
1992
1993
1994
Média 90-94
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Média 95-00
2001
2002
Poupança
Externa
Poupança Total
(Doméstica + Externa)
17,17
3,91
21,42
26,16
0,21
22,96
-0,75
19,84
1,07
20,17
-5,13
23,73
1,17
19,77
19,86
-5,18
25,03
-0,92
18,93
20,09
5,16
14,93
0,76
20,85
21,23
0,93
20,30
0,92
22,15
19,77
-0,99
20,77
0,60
20,37
19,47
-2,55
22,02
2,82
22,29
17,77
-1,84
19,61
3,15
20,92
17,35
-0,36
17,71
4,14
21,50
16,80
-2,49
19,29
4,32
21,12
15,51
4,46
11,05
4,76
20,27
17,33
-1,64
18,96
4,17
21,50
17,37
-0,73
18,11
3,89
21,27
16,75
-0,53
17,28
4,46
21,21
18,51
-0,77
19,29
1,15
19,66
Poupança
Governo
Poupança Setor
Privado
17,51
0,34
22,75
-3,42
19,09
18,60
Total
Fontes:internet IBGE, IPEA-Data, BACEN (1994-2004)
70
Gráfico 3.4: Evolução da Poupança Relativa ao PIB no Período 1980-2003.
Poupança - % do PIB
35,00
30,00
Valor em (%)
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
-5,00
1980
0,00
-10,00
Período
Poupança Bruta
Poupança Governo
Poupança Setor Privado
Poupança Externa
Poupança Total (Doméstica + Externa)
Fonte: internet, BACEN (1994-2004), IPEA-Data, IBGE.
A liberalização financeira ocorreu durante todo o período entre 1990 e 2000, mas a
poupança privada relativa ao PIB decresceu neste período. Com isso, pode-se mesmo
afirmar que o processo de liberalização financeira falhou em seu objetivo, pois, como visto
na seção anterior, as taxas de juros reais se mantiveram elevadas durante toda a década de
90, como prega a doutrina Shaw-Mckinnon, mas a poupança privada relativa ao PIB não
cresceu como resposta a estas elevadas taxas reais de juros. Também para Giambiagi e
Além (1997), a liberalização financeira apontada não promove o aumento da poupança,
pois estudos empíricos já comprovaram que a elasticidade-juros da poupança é baixa, de
modo que o aumento das taxas de juros, além de representar um desestímulo ao
investimento, não é capaz de aumentar significativamente a poupança.
Giambiagi e Além (1997) explicam a redução da poupança privada como o
resultado do aumento do consumo viabilizado pela estabilização trazida com o Plano Real.
Para os autores, além do aumento da renda real dos trabalhadores, foi a maior oferta e
procura de crédito ao consumidor, através de pagamentos em prestações e outros meios de
71
financiamento como, por exemplo, o consórcio, que estimulou mais ao consumo que à
poupança nesse período.
O resultado para a poupança obtida na década de 90 não é suficiente para
afirmarmos que não existe uma relação entre poupança e crescimento econômico, mas põe
em cheque a teoria de que o veículo para o aumento da poupança é a elevação das taxas de
juros reais, já que a sensibilidade da poupança em relação à taxa de juros é pequena. Se
houver o objetivo de estimular a poupança, Giambiagi e Além (1997) defende a diminuição
da propensão a consumir através do aumento da poupança pública, do estímulo aos fundos
de pensão, do fortalecimento do fundo de aposentadoria programada e do estímulo aos
mecanismos de aquisição da casa própria; estes três últimos também contribuiriam para
uma melhor canalização dos recursos da poupança, reduzindo a preferência por liquidez
através de uma maior procura por ativos de longo prazo.
72
3.5. Meios de Pagamento18
Através da decomposição dos meios de pagamento em M1, M2, M3 e M4 é possível
avaliar a preferência por liquidez dos agentes econômicos. Os dados19 para estes agregados
referentes ao período anterior a janeiro de 2000 puderam ser levantados através dos
relatórios mensais do BACEN segundo o critério de liquidez, pelo qual a liquidez dos
ativos que os compunham era decrescente de M1 a M4. Este último agregado é uma medida
muito ampla da oferta de moeda na economia, portanto da liquidez disponibilizada ao
mercado. Os dados fornecidos por estes relatórios referentes ao período posterior a janeiro
de 2000 só puderam ser levantados segundo o critério da “fonte emissora”, que determinou
uma nova composição para os agregados monetários, pela qual é a capacidade de criação de
moeda ou quase-moeda através destes ativos que é decrescente de M1 a M4.
Como para esta dissertação o que interessa é saber quanto do percentual de M4 está
alocado em ativos de elevada liquidez no mercado financeiro, o critério de composição dos
agregados monetários que será utilizado é o antigo. Para tal, foi preciso converter os dados
referentes ao período posterior a janeiro de 2000, segundo tal critério. Seja M1 o somatório
do papel moeda em poder do público com os depósitos a vista nos bancos, M2 era definido
como a soma de M1 com o total aplicado em títulos públicos federais, estaduais,
municipais, fundos de renda fixa de curto prazo, depósitos especiais remunerados e
operações compromissadas com títulos públicos20. Já M3 era definido como o somatório de
M2 com o total aplicado em depósitos de poupança.
Atualmente, M2 é definido como a soma de M1 com os títulos privados, os
depósitos de poupança, os depósitos especiais remunerados e as operações compromissadas
com títulos públicos. Já M3 é definido como o somatório de M2 com o total aplicado em
títulos públicos federais, estaduais e municipais.
Em última instância, interessa saber se a participação percentual de M2 sobre M4 é
elevada. M2, como é computado nos relatórios com dados referentes ao período anterior a
janeiro de 2000, agregava somente aplicações financeiras de curto prazo, e, portanto,
18
Os dados disponibilizados pelos relatórios mensais do BACEN vão somente de 06/1994 a 2003.
Tal dificuldade no levantamento dos dados é devido à mudança na forma de mensuração dos agregados
monetários a partir de junho de 2001.
20
Embora este último item só tenha passado a ser discriminado nos relatórios do BACEN a partir de 2000.
19
73
demonstrava com maior nitidez a preferência por liquidez da economia brasileira. Entre
estas aplicações, os títulos públicos representavam para os agentes econômicos atuando no
Brasil um investimento seguro, por possuir elevada liquidez de mercado, reforçada pela
segurança trazida pela crescente indexação destes títulos e pelo encurtamento de seus
prazos, ambos resultado do grande aumento da dívida na década de 90. A avaliação do
percentual sobre o PIB destes agregados monetários vai fornecer uma idéia clara da
representação destes investimentos sobre o total da economia.
Como podemos ver no gráfico 3.5.a) abaixo, a participação de M1 em relação ao
PIB vem aumentando desde julho de 1994, saindo de 2% para 6% do PIB em dezembro de
2003. Esse aumento é explicado tanto por um aumento dos depósitos à vista nos bancos,
como pode ser visto no gráfico, quanto do papel-moeda em poder do público. Dado que o
aumento dos depósitos não foi resultante de uma redução do papel moeda em poder do
público, não é possível alegar que o esse aumento estaria associado a um menor grau de
risco no setor financeiro da economia, proporcionado pela liberalização financeira.
M1 e Seus Componentes - % do PIB
8,00
Valor em (%)
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
1994 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Período
Papel Moeda em Poder do Público
Depósitos a Vista
Gráfico 3.5.a): M1 e Seus Componentes Como Percentual do PIB.
Fonte: internet, BACEN (1994-2004).
74
M1
Ao avaliar a participação percentual dos agregados monetários em relação a M4,
fica nítido que a participação percentual de M2 cresceu significativamente durante a década
de 90 e continuou crescendo até 2002. De 46,11% em julho de 1994 ela chegou a 67,88%
em dezembro de 2000. Esse aumento é de fato explicado por um aumento na procura de
títulos públicos federais durante toda a segunda metade da década de 90, como pode ser
visto no gráfico 3.5.c). Em julho de 1994, as aplicações em títulos públicos federais
movimentavam 21,16% de M4, já em julho de 1999 esse valor era de 45,62%. Em
contrapartida, a demanda por títulos privados se reduziu, assim como a demanda por
depósitos de poupança. Estes eram de 27,50% e 26,39% em julho de 1994, enquanto que
em 1999 eram de 16,64% e 20,11%, respectivamente. A demanda por títulos públicos
federais se reverteu após julho de 1999, mas a demanda por títulos privados e depósitos de
poupança não aumentou. O que aumentou foi a demanda por quotas de fundos de renda
fixa, os quais investem grande parcela de seus recursos em títulos públicos. Estes dados
podem se avaliados através dos gráficos 3.5.b) e 3.5.c) abaixo:
Gráfico 3.5.b): Meios de Pagamento como Percentual de M4
Valor em (%)
Meios de Pagamento (% de M4)
90,00
85,00
80,00
75,00
70,00
65,00
60,00
55,00
50,00
45,00
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
1994 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Período
M1
Fonte: internet, BACEN (1994-2004).
75
M2
M3
2002
2003
Gráfico 3.5.c): Alguns Componentes de M2 e M3 como Percentual de M4
Alguns Componentes de M2 e M3 - Percentual de M4
50,00
45,00
Valor em (%)
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
1994 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Período
Títulos federais em poder do público
Títulos estaduais e municipais em poder do públ
Depósitos de poupança
Títulos privados
Fonte: internet, BACEN (1994-2004).
A avaliação de M2 em relação ao PIB mostra que houve um aumento aproximado
de 25% na participação percentual deste agregado no período entre 1994 e 2003, como
mostra o gráfico 3.5.d). M3 e M4 acompanharam o aumento de M2 em relação ao PIB, de
modo que a diferença entre os agregados permaneceu aproximadamente a mesma. Isso é
uma evidência de que efetivamente houve um aumento da preferência por liquidez no
período.
76
Gráfico 3.5.d): Meios de Pagamento como Percentual do PIB
Valor em (%)
Meios de Pagamento - % do PIB
65,00
60,00
55,00
50,00
45,00
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
19941995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Período
M1
M2
Fonte: internet, BACEN (1994-2004).
77
M3
M4
2002
2003
3.6. Financiamento:
3.6.1. As Operações de Crédito e o “Spread” Bancário
Analisando o período entre janeiro de 1990 e dezembro de 2003, percebe-se que os
empréstimos do Sistema Financeiro Nacional (SFN) feitos ao setor público, expressos em
percentuais do PIB, se reduziram de 7,43% em 1990 a 0,94% em 2003, embora tenham
permanecido praticamente constantes entre 1994 e 1997. Já os empréstimos do SFN ao
setor privado cresceram entre 1990, quando foi de 18,9%, e 1995, quando foi de 28,9%,
para depois permanecerem quase fixos num patamar próximo de 25%. A tabela 3.6.1.
abaixo e o gráfico 3.6.1.a) na próxima página permitem visualizar a evolução dos
empréstimos do SFN (como % do PIB). 21
Tabela 3.6.1: Total de Empréstimos do SFN - % do PIB
Ano
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Total de Empréstimos do Sistema Financeiro Nacional - % do PIB
Ao Setor privado
Ao Setor público
Governos
Governo
Pessoas Outros
Indústria Habitação Rural Comércio
Estaduais e
Total
Federal
Físicas Serviços
Municipais
2,406%
5,024%
7,430%
5,083%
7,710% 2,085% 1,394%
0,591% 2,036%
2,291%
4,880%
7,171%
5,404%
6,488% 2,420% 1,667%
0,687% 2,254%
2,183%
5,147%
7,329%
6,868%
7,563% 3,054% 2,064%
0,870% 2,921%
2,031%
5,324%
7,355%
7,676%
7,652% 3,048% 2,858%
1,285% 3,880%
2,090%
3,892%
5,982%
8,111%
7,115% 3,031% 3,508%
2,221% 4,035%
1,258%
3,822%
5,081%
7,986%
6,906% 3,171% 4,326%
2,481% 4,083%
0,821%
4,477%
5,298%
7,385%
6,165% 2,647% 4,012%
2,289% 3,747%
0,451%
5,263%
5,714%
7,177%
5,643% 2,335% 3,279%
3,411% 3,474%
0,450%
2,174%
2,624%
7,709%
5,680% 2,586% 2,994%
3,816% 3,748%
0,538%
1,704%
2,242%
8,465%
5,553% 2,507% 2,774%
3,747% 3,773%
0,382%
0,944%
1,326%
7,418%
5,214% 2,381% 2,582%
4,547% 3,724%
0,310%
0,605%
0,916%
7,990%
2,998% 2,185% 2,921%
6,076% 4,559%
0,286%
0,500%
0,786%
8,015%
1,787% 2,145% 2,826%
6,071% 4,698%
0,290%
0,651%
0,941%
7,528%
1,627% 2,576% 2,673%
5,771% 4,437%
Total Geral
Total
18,899%
18,920%
23,340%
26,398%
28,021%
28,954%
26,246%
25,319%
26,535%
26,819%
25,866%
26,728%
25,542%
24,612%
26,329%
26,092%
30,669%
33,753%
34,003%
34,034%
31,543%
31,033%
29,159%
29,061%
27,191%
27,644%
26,328%
25,553%
Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais
21
Para cada ano foi feita a média dos estoques mensais de empréstimos, que então foi dividida pelo PIB do
ano. Esse critério foi utilizado para todos os gráficos e tabelas envolvendo os empréstimos do Sistema
Financeiro Nacional, Público e Privado.
78
Gráfico 3.6.1.a): Empréstimos do SFN, ao Setor Público e Privado - % do PIB
Empréstimos do SFN (destino)- % do PIB
35,000%
30,000%
25,000%
20,000%
15,000%
10,000%
5,000%
0,000%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Período
Ao Setor público
Ao Setor privado
Total Geral de Empréstimos
Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais.
Analisando a tabela 3.6.1, é possível perceber que os empréstimos à habitação e a
pessoas físicas foram os mais afetados. O primeiro decresceu de 7,71% em 1990 para
1,63% do PIB em 2003, enquanto o segundo cresceu de 0,59% em 1990 para 5,77% do PIB
em 2003, indicando um aumento da preferência por empréstimos de curto prazo, o que
aponta para uma maior preferência por liquidez das instituições que concederam estes
empréstimos. Quanto aos empréstimos à indústria, estes cresceram entre 1990, quando foi
de 5,1% do PIB e 1994, quando foi de 8,11%. Desde então os empréstimos à indústria
pouco variaram, sendo mantidos num patamar médio de 7,78% do PIB22.
O gráfico 3.6.1.b) permite visualizar o comportamento dos tipos de empréstimo ao
setor privado concedidos pelo SFN, desta vez como percentuais do total destinado ao setor
privado e não como percentuais do PIB. Ele só vem a confirmar o que já havia sido
constatado na tabela 3.6.1. de empréstimos como percentuais do PIB, que foi o aumento da
participação dos empréstimos a pessoas físicas e a redução da participação dos empréstimos
à habitação. O comércio também recebeu uma maior parcela do total de empréstimos entre
1994 e 1997, também indicando uma maior preferência por liquidez.
Como os resultados do gráfico 3.6.1.b) são afetados pelos empréstimos do Sistema
Financeiro Público, a fim de melhor avaliar a preferência por liquidez das instituições
22
Média de 1994-2003.
79
financeiras privadas, o gráfico 3.6.1.c) mostra o comportamento destes mesmos tipos de
empréstimo ao setor privado, só que concedidos pelas instituições financeiras privadas. Os
percentuais são calculados em relação ao total destinado ao setor privado pelas instituições
privadas.
Gráfico 3.6.1.b): Empréstimos do SFN ao Setor Privado -% do Total ao Setor Privado
Empréstimos do SFN ao Setor Privado - % do Total ao Setor Privado
45,000%
40,000%
35,000%
30,000%
25,000%
20,000%
15,000%
10,000%
5,000%
0,000%
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Período
Indústria
Habitação
Rural
Comércio
Pessoas Físicas
Outros Serviços
Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais.
80
2001
2002
2003
Gráfico 3.6.1.c): Empréstimos das Instituições Financeiras Privadas ao Setor Privado
- % do Total Destinado por Estas Instituições ao Setor Privado
Empréstimos das Instituições Financeiras Privadas ao Setor Privado - %
do Total Emprestado por Estas Instituições ao Setor Privado
40,000%
35,000%
30,000%
25,000%
20,000%
15,000%
10,000%
5,000%
0,000%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Período
Indústria
Habitação
Rural
Comércio
Pessoas Físicas
Outros Serviços
Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais.
Como mostra o gráfico 3.6.1.c) acima, embora a indústria tenha sido o setor privado
com maior volume de empréstimos até 2002, as instituições financeiras privadas reduziram
os empréstimos a esse setor, assim como para o de habitação, aumentando enormemente a
oferta de crédito à pessoa física, cujo volume em 2003 já foi superior ao volume de
empréstimos destinados à indústria.
Para finalizar a análise dos empréstimos concedidos pelo SFN, resta apenas analisar
os empréstimos segundo as fontes, ou seja, o Sistema Financeiro Privado e o Sistema
Financeiro Público. É possível perceber que a maior parte dos empréstimos entre 1990 e
2000 veio do Sistema Financeiro Público, como pode ser visto no gráfico 3.6.1.d).
Contudo, a diferença entre o volume de empréstimos de ambas as fontes se reduziu ao
longo deste período. Como resultado, desde o ano 2000 o Sistema Financeiro Público
passou a conceder menos empréstimos que o Sistema Financeiro Privado, o que aumenta
ainda mais a relevância da preferência por liquidez das instituições financeiras privadas.
81
Gráfico 3.6.1.d): Empréstimos do SFN, do SF Público e do SF Privado - % do PIB
Empréstimos do Sistema Financeiro (fonte) - % do PIB
40,000%
35,000%
30,000%
25,000%
20,000%
15,000%
10,000%
5,000%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Período
Total de Empréstimos do Sistema Financeiro - % do PIB
Empréstimos do Sistema Financeiro Privado - % do PIB
Empréstimos do Sistema Financeiro Público - % do PIB
Fonte: internet, IPEA-Data e BACEN – Séries Temporais.
Uma outra forma de avaliar a preferência por liquidez das instituições financeiras
privadas é estudando o comportamento das taxas cobradas por estas instituições a seus
clientes, segundo as diferentes modalidades. Tal estudo permite mensurar o “spread”
cobrado pelas instituições nestes empréstimos. Um “spread” alto pode sinalizar uma
elevada incerteza quanto ao mercado por parte destas instituições, indicando que deve
haver uma elevada preferência por liquidez ao concederem empréstimos, associada a esta
incerteza.
Desde 1999 o BACEN avalia, em relatórios anuais, o comportamento das taxas de
captação e empréstimo para os diversos setores, a fim de mensurar o comportamento do
“spread” bancário. (BACEN, 1999-2004) Para calcular o “spread” nestes relatórios, foi
subtraída a taxa de captação23 dos bancos das taxas médias dos empréstimos ponderadas
pelo volume de crédito concedido pelos bancos. O gráfico 3.6.1.e) permite visualizar a
evolução do “spread” desde 1996 até 2003.
23
Medida pela taxa média dos CDBs emitidos pelo sistema bancário.
82
Gráfico 3.6.1.g) Spread nas Operações de Crédito (Ago/1994 – Jun/1999)
Fonte: BACEN (2004)
A fim de compreender os motivos que expliquem este “spread” ser tão elevado, o
BACEN definiu e apurou, para o período entre fevereiro de 1999 e agosto de 2003, a
composição do “spread” bancário em cinco parcelas: Despesa de Inadimplência, Despesas
Administrativas, Margem Líquida do Banco24, Impostos Indiretos mais FGC (Fundo
Garantidor de Créditos) e Impostos Diretos (Imposto de Renda mais Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido). A parcela de inadimplência tende a ser sensível às turbulências
macroeconômicas, mas não possui grande relevância na composição. A parcela referente à
margem líquida é a mais elevada durante todo o período. Se fizermos o somatório desta
parcela com a parcela relativa às despesas administrativas e a parcela relativa aos impostos
24
Engloba lucro do banco e compensações para operações obrigatórias não lucrativas (por exemplo, crédito
rural obrigatório); a margem líquida é sempre maior que o lucro.
83
diretos, obteremos a parcela do “spread” relativa ao “mark-up” dos bancos. Esta parcela é
muito elevada, sendo um reflexo do poder de mercado, possibilitado pela falta de
concorrência no setor. O gráfico 3.6.1.h) ilustra este fato.
Gráfico 3.6.1.h) Composição do “Spread” Bancário (Fev/1999 - Ago/2003)
Percentual
Composição do "Spread" (1999 - 2003)
85,0%
80,0%
75,0%
70,0%
65,0%
60,0%
55,0%
50,0%
45,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
fev/99
ago/99
fev/00
ago/00
fev/01
ago/01
fev/02
ago/02
fev/03
ago/03
Período
Margem Líquida do Banco
Impostos Diretos
Impostos Indiretos (+FGC*)
Despesa Administrativa
Despesa de Inadimplência
Mark-up
Fonte: BACEN (2004). * Fundo Garantidor de Empréstimos.
O Plano Real estimulou a oferta de crédito de curto prazo ao controlar a inflação e o
câmbio, mas a concentração do setor bancário e a elevada inadimplência, sem dúvida
agravada pelas altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 1999, contribuíram para um
elevado “spread” bancário. A manutenção de uma taxa de juros real muito alta, com o
objetivo de atrair capitais estrangeiros, aumentou os custos do financiamento doméstico e
reduziu os ganhos do investimento, além de aumentar o risco de crédito e criar problemas
84
de seleção adversa25. A tendência é de que o financiamento seja concedido em prazos mais
curtos, no intuito de reduzir o risco do empréstimo para os bancos e a taxa de juros para o
tomador final. Todavia, este encurtamento de prazos não chega a garantir taxas de juros
mais baixas, já que a própria taxa básica de juros (Selic) é recorrentemente alta. Esta
combinação de prazos curtos de empréstimos e elevada taxa de juros aumenta a
inadimplência sobre o crédito bancário, realimentando o ciclo vicioso que limita a oferta de
crédito no Brasil.
A política de reestruturação bancária a partir de 1995, que favoreceu a concentração
do sistema financeiro, acabou por permitir aos bancos a cobrança dos elevados “spreads”
sem que estes tivessem perdas devidas à competição entre as instituições financeiras.
Segundo Freitas (FREITAS, 1999), o governo acreditava que este problema seria
contornado pelo aumento da participação estrangeira no setor bancário que, através do
aumento da concorrência no setor, acabaria por equacionar as principais deficiências do
mercado financeiro brasileiro; mas isso não ocorreu.
Não houve grande aumento no
número de instituições estrangeiras entre março de 1995 e março de 1998, que de 68
passaram para 72. O que ocorreu foi um aumento significativo do número de bancos
nacionais controlados pelo capital estrangeiro (FREITAS, 1999). Alguns dos aspectos
negativos disto estariam relacionados à desnacionalização das decisões relativas à alocação
da riqueza brasileira, à maior vulnerabilidade da moeda nacional - em relação aos ataques
especulativos no mercado de câmbio - e ao menor poder do Banco Central sobre os bancos
nacionais e capitais externos, já que bancos estrangeiros podem mobilizar grande
quantidade de recursos fora do país.
A política de financiamento do déficit público, especialmente a partir de 1999, foi
outro fator que prejudicou o financiamento doméstico ao incentivar a preferência por
liquidez dos bancos (HERMANN, 2003), pois era fundamentada na crescente indexação
dos títulos públicos e no encurtamento de seus prazos, dando às instituições financeiras
uma opção de investimento mais segura que os empréstimos. É possível apontar o seguinte
relato de Freitas (Freitas, 1999) com relação à política de juros elevados e à política de
financiamento do déficit público praticadas na segunda metade da década de 90:
25
As taxas de juros elevadas fazem com que somente os investidores com maiores retornos esperados, logo
com riscos elevados, busquem as instituições que concedem empréstimos, atividade por excelência dos
bancos. Carvalho (2001).
85
“O crescimento da dívida pública, em razão da necessidade de esterilização do
influxo de capitais estrangeiros e de sua própria rolagem, permanece como fonte de
ganhos expressivos para as instituições financeiras, nacionais e estrangeiras.
Igualmente, a própria política de juros elevados constitui desestímulo à retomada dos
investimentos e do crescimento. A persistir esse quadro, será difícil que o tão
esperado financiamento de longo prazo se torne realidade”. (FREITAS, 1999,
pág.162-163)
86
3.6.2. Mercado de Capitais: Capitalização de Mercado e Capitalização
Relativa26
A capitalização de mercado é uma estatística freqüentemente levantada em análises
comparativas de diferentes mercados de capitais internacionais. A capitalização de mercado
é definida como o somatório das ações emitidas por cada empresa listada na bolsa,
multiplicadas por suas respectivas cotações. A capitalização relativa é obtida pela razão
entre o valor em dólares ao final do ano do total das ações negociadas no mercado e o PIB
em dólares.
A capitalização relativa fornece uma perspectiva quanto ao tamanho do mercado de
capitais, podendo também ser utilizada para obter uma noção quanto à importância deste
mercado para o financiamento dos investimentos na economia. Entretanto, com este último
fim é necessário que sejam feitas comparações com as capitalizações relativas de outros
países, pois a mera observação da capitalização relativa no Brasil é insuficiente para
concluir se este mercado é importante ou não. Isso só é possível ao comparar esta
capitalização com a de economias emergentes, como a brasileira, e de economias mais
industrializadas que a brasileira.
De 1990 a 2002, a capitalização de mercado dos países industrializados representou,
em média, quase o dobro da capitalização dos países emergentes: 73% e 40% do PIB,
respectivamente. Essa diferença aponta para uma correlação positiva entre o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento do mercado de capitais, medido pela
capitalização relativa, ou reflete a bolha especulativa do preço das ações em mercados
industrializados. Esta última opção é menos provável, uma vez que, ao comparar o
movimento da capitalização dos países emergentes com os países industrializados, é
possível perceber que os movimentos da capitalização relativa nos países emergentes
acompanharam os movimentos da capitalização relativa dos países industrializados. Sendo
assim, deve existir alguma correlação entre o valor das ações dos países industrializados e
emergentes, ou seja, a bolha especulativa também se formou nos países emergentes.
26
Os dados utilizados nesta seção foram retirados do site da CVM.
87
O Gráfico 3.6.2.a) mostra a evolução da capitalização relativa dos países
desenvolvidos e emergentes de 1990 a 2002. A capitalização relativa nos países
desenvolvidos é maior que a dos países emergentes durante todo o período, principalmente
a partir de 1996, em que nos EUA houve a formação de bolha especulativa das ações de
empresas de alta tecnologia e Internet. Nos países emergentes a capitalização relativa é
sempre bem menor que 100%. Já nos países industrializados, a diferença entre o PIB e a
capitalização de mercado é pequena, de modo que a capitalização relativa por vezes chega a
ser superior a 100%.
Gráfico 3.6.2.a): Capitalização Relativa de Países Emergentes e Desenvolvidos, Anos
90
Fonte: site da CVM
Outras observações podem ser feitas a partir dos gráficos 3..6.2.b) e 3.6.2.c) abaixo
Pode-se perceber que a performance da capitalização relativa acompanha a performance da
capitalização de mercado. O pico dessas variáveis ocorreu em 1999, ano que a capitalização
88
de mercado nos emergentes cresceu 57% em relação ao ano anterior. Nesse período o PIB
se manteve praticamente estável (ver gráfico 3.6.2.b), fazendo com que a capitalização
relativa nos países emergentes aumentasse de 36% para 57% do PIB. Já nos países
desenvolvidos, a capitalização relativa passou de 79% para 108% do PIB (ver gráfico
3.6.2.c).
Em 2000, a capitalização relativa nos países emergentes caiu bruscamente, pois o
PIB cresceu ao mesmo tempo em que houve uma queda na capitalização de mercado (ver
gráfico 3.6.2.b). Nos países desenvolvidos, o PIB se manteve praticamente estável enquanto
a capitalização de mercado apresentou queda de 12%, indicando uma queda lenta e gradual
da capitalização relativa (ver gráfico 3.6.2.c).
Gráfico 3.6.2.b): Capitalização Relativa dos Países Emergentes
Fonte: Site da CVM
89
Gráfico 3.6.2.c): Capitalização Relativa dos Países Desenvolvidos
Fonte: Site da CVM
A seguir, a tabela 3.6.2. mostra a capitalização relativa dos países compondo os
grupos de países desenvolvidos e emergentes. Como foi afirmado antes, o fator de maior
relevância após a determinação da capitalização relativa é avaliar o tamanho do mercado de
capitais, que, ao ser comparada com a de outros países, reflete, em certo grau, se este
mercado é relevante no levantamento de recursos para o financiamento dos investimentos
das empresas. Se essa dependência é baixa, isso implica, indiretamente, que os bancos
devem possuir um papel mais importante no financiamento das empresas do que o mercado
de capitais.
90
EUA
53,51
68,48
71,31
76,93
71,27
93,48
108,17
129,00
144,03
180,43
154,86
137,14
105,83
107,26
BRASIL
2,41
7,89
11,63
22,08
34,64
20,97
27,97
31,63
20,43
43,79
38,18
36,95
28,25
25,14
Fonte: site da CVM
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Média
Período
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Média
Período
CANADÁ
41,52
44,42
41,74
57,93
55,81
62,04
79,34
89,04
88,10
121,43
116,78
98,84
78,79
75,06
JAPÃO
95,94
89,52
60,96
66,46
74,68
67,02
64,07
50,07
61,95
99,26
66,97
55,07
51,83
69,52
ARGENTINA CHILE
2,56
40,70
9,83
73,10
8,14
63,95
18,82
91,34
14,48
121,20
14,61
101,20
16,06
87,07
19,78
87,28
15,16
65,40
19,70
93,47
16,13
80,58
12,42
84,74
16,09
74,54
14,14
81,89
91
Capitalização Relativa - percentual do PIB
PAÍSES EMERGENTES
MÉXICO
SUL
CHINA
TAILÂNDIA
TAIWAN
ÁFRICA DO SUL
15,63
43,66
24,26
61,68
122,21
32,68
32,67
39,01
68,82
139,68
38,16
34,21
52,34
47,21
113,90
49,81
40,38
104,66
86,16
165,49
30,95
47,64
87,04
101,23
176,72
31,69
37,19
7,02
80,81
70,65
183,37
32,13
26,74
14,50
52,71
97,91
166,57
39,06
8,79
23,60
15,10
99,19
142,17
21,80
36,14
25,05
30,50
97,50
112,70
32,02
75,39
32,25
46,68
130,78
137,41
21,56
32,15
30,15
23,89
80,03
102,59
20,43
46,06
28,78
31,32
103,69
74,41
16,20
46,78
37,43
36,00
92,79
173,71
29,39
39,06
24,85
48,02
87,51
139,30
PAÍSES INDUSTRIALIZADOS
ALEMANHA
FRANÇA
ITÁLIA REINO UNIDO HONG KONG
AUSTRÁLIA
23,61
25,55
13,47
85,46
111,50
35,10
22,09
30,46
13,63
95,08
139,85
45,71
17,13
25,94
9,99
86,08
168,23
43,80
23,53
35,67
14,60
119,26
326,30
68,18
23,82
33,43
18,12
109,75
202,26
64,33
23,46
32,15
19,09
118,63
214,31
67,52
27,89
37,74
20,81
137,99
286,92
76,93
39,04
48,06
29,51
150,29
238,00
72,90
50,61
67,74
47,24
166,68
207,92
90,69
67,85
103,61
61,58
195,52
379,17
109,14
67,74
110,44
71,41
181,29
375,84
98,00
57,77
nd
48,40
152,16
308,63
104,76
34,47
nd
40,16
114,64
284,12
95,24
36,85
50,07
31,39
131,76
249,47
74,79
Tabela 3.6.2: Capitalização Relativa de Países Emergentes e Desenvolvidos, Anos 90
ÍNDIA
28,57
59,53
59,95
49,56
87,33
67,61
47,95
54,18
56,83
ESPANHA HOLANDA
21,79
40,47
23,13
44,84
16,43
40,17
23,69
55,99
24,47
63,74
25,81
69,04
39,51
91,11
51,64
124,18
67,91
152,41
71,59
174,20
89,58
172,22
80,22
nd
70,46
nd
46,63
93,49
HUNGRIA
0,00
0,43
0,60
6,98
7,81
10,88
20,59
30,64
49,84
67,55
74,09
57,03
53,06
29,19
Se as empresas dependem de empréstimos bancários para o financiamento, os
bancos passam a ser essenciais para a transição entre um menor e um maior nível de
atividade econômica, à medida que estes criam depósitos para saciar as demandas por
fontes de financiamento. Este certamente não é o caso de economias como os Estados
Unidos e a Inglaterra, mas é o caso da Alemanha, onde os bancos universais são muito
fortes, ao contrário do mercado de capitais. No Brasil, como mostra a tabela 3.7., embora a
capitalização relativa tenha aumentado, ela é baixa, seja comparada aos países emergentes
ou desenvolvidos. A média brasileira para o período de 1990 a 2002 foi de 25,14%
enquanto para os Estados Unidos e Reino Unido foi respectivamente de 107,26% e
131,76%, para o Chile e Índia, ambos países emergentes, foi de 81,89% e 56,83%
respectivamente.
Estes dados apontam para o fato de que, mesmo após o processo de liberalização
financeira, o mercado de capitais ainda é pouco desenvolvido no Brasil. Sendo assim, existe
uma elevada dependência do setor bancário para o financiamento dos investimentos das
empresas brasileiras. Pela teoria keynesiana seria possível alegar que a elevada preferência
por liquidez da economia deve também contribuir para a baixa representatividade do
mercado de capitais, já que limita a demanda pelas colocações primárias de ações e títulos
privados de longo prazo. Não fosse este o caso, seria mais fácil obter “funding” para os
investimentos, que pode ocorrer concomitantemente ao “finance”, ou mesmo sem ele,
através da colocação primária de títulos privados e ações no mercado de capitais.
92
4. Conclusão
4.1. Considerações Iniciais
O objetivo principal deste trabalho foi avaliar o papel da poupança para o
crescimento econômico. Pelo enfoque clássico, o “quantum” da poupança agregada é
considerado essencial na determinação deste crescimento uma vez que determinaria o
montante disponível de recursos financeiros para o investimento. Pela teoria keynesiana, o
fator relevante para a determinação do investimento e do crescimento é a alocação desta
poupança pelos agentes econômicos, entre ativos financeiros de curto e de longo prazo.
Seria a preferência por liquidez da economia que determinaria o ritmo do crescimento, de
modo que “quantum” da poupança não seria capaz de, por si só, garantir o crescimento.
Essa interpretação sobre a poupança precisava ser mais bem avaliada a fim de melhorar o
entendimento e aplicabilidade prática desses conceitos nas políticas de desenvolvimento
econômico do governo.
A década de 90 foi escolhida para o estudo, por ser um período no qual a relação
direta entre poupança e crescimento deveria ter transparecido, se esta existisse, uma vez
que os entraves para a formação de poupança teriam sido supostamente retirados, segundo
o modelo Shaw-Mckinnon, através da liberalização financeira. Além disso, os entraves
mais diretos ao investimento e ao crescimento também foram contornados pelo equilíbrio
inflacionário e cambial da segunda metade da década.
Segundo o enfoque clássico, o processo se daria da seguinte forma: o processo de
liberalização financeira, promovido na década de 90, e as elevadas taxas de juros reais
praticadas durante o Plano Real deveriam garantir um aumento da poupança relativa ao
PIB, conseqüentemente elevando o investimento relativo ao PIB e promovendo o
crescimento econômico. Além disso, com a entrada de capitais externos, a poupança
doméstica seria em grande parte complementada pela poupança externa, permitindo o
financiamento de um maior montante de investimentos.
Segundo o enfoque keynesiano, como a liberalização financeira não reduz a
incerteza na economia, não seria alterada a forma pela qual os agentes alocam a poupança
entre ativos de curto e longo prazo, que está relacionada à preferência por liquidez dos
93
agentes econômicos. Pelo contrário, a liberalização contribuiria para uma maior preferência
por liquidez ao aumentar a vulnerabilidade da economia a crises. Sendo esta preferência
elevada na economia brasileira, o processo de financiamento dos investimentos ficaria
comprometido, qualquer que fosse a poupança agregada relativa ao PIB.
Na próxima seção desta conclusão serão resumidas as principais constatações sobre
a análise dos dados apresentados no capítulo 3 e a aproximação destes dados com as teorias
clássicas e keynesianas.
94
4.2. Principais Conclusões
Pudemos concluir dos dados levantados no capítulo 3, que a liberalização financeira
nos moldes do modelo Shaw-Mckinnon não foi capaz nem de promover o crescimento,
nem de promover um aumento da razão poupança/PIB no Brasil. Pelo contrário, ele pode
até mesmo ser considerado responsável pelo fraco crescimento da década, ao aumentar a
vulnerabilidade a crises internacionais. Estudos recentes do FMI (IMF, 2003a, 2003c) já
admitem que o processo de liberalização financeira foi muitas vezes acompanhado de uma
maior vulnerabilidade a crises, uma vez que a liberalização permite que os choques sejam
mais rapidamente transmitidos entre os países. A análise do caso brasileiro comprova este
fato, uma vez que o Brasil enfrentou três ataques especulativos, através do contágio de
crises cambiais externas, num curto espaço de tempo (1995 – 1998). Além disso, a política
de atração de capitais, orientada pelo diferencial positivo da taxa de juros paga no Brasil e
no exterior, atraiu capitais de curto prazo e de investidores altamente propensos ao risco.
Tais capitais especulativos só contribuíram para aumentar as chances de contágio para o
Brasil destas crises, já que, diante do menor sinal de crise, esta fonte de financiamento se
esgota rapidamente.
No Brasil, após o Plano Real, a economia operou com elevadas taxas de juros reais,
de acordo com a política de atração de capitais, mas a poupança relativa não respondeu a
essas taxas da maneira enunciada pelo modelo de liberalização de Shaw-Mckinnon. A
poupança relativa ao PIB foi mais baixa que a da década de 80 e permaneceu quase
constante. Assim, a própria relação entre poupança e taxa de juros, defendida pelos
economistas clássicos, foi posta em cheque durante este período.
Em contrapartida, foi feita uma constatação de extrema relevância. A economia
brasileira da década de 90 mostra que a preferência por liquidez marcou as decisões dos
agentes econômicos ao alocarem suas poupanças. A preferência por liquidez deve ser
entendida como sendo o encurtamento dos prazos e maturidades de ativos financeiros como
um todo, não somente a escolha de reter moeda. O simples fato de a poupança estar alocada
em ativos financeiros não basta para o financiamento dos investimentos, pois as
características dos ativos escolhidos vão determinar a qualidade do financiamento, pela
95
qual o “finance” e o “funding” dos investimentos serão feitos, e o grau de fragilidade do
sistema financeiro.
A elevada preferência por liquidez foi expressa principalmente pelo aumento de
M2, relativo a M4 e ao PIB. Esse aumento de M2 é em grande parte explicado pela maior
procura por títulos públicos federais indexados, opção de investimento mais segura num
ambiente de incerteza. A oferta de crédito após o Plano Real expressou com clareza a
preferência por liquidez das instituições bancárias, que forneceram crédito de curto prazo,
demandaram uma maior quantidade de títulos públicos federais, e cobraram elevados
“spreads” em suas operações entre 1994 e 1999. O crédito de curto prazo e os elevados
“spreads”, associados à elevada taxa de juros básica da economia brasileira (Selic) levaram
os investidores a uma maior dependência do autofinanciamento e do financiamento pelo
mercado de capitais. Sendo assim, o financiamento de longo prazo foi comprometido, já
que a opção alternativa de financiamento pelo mercado de capitais ainda não é muito
desenvolvida no Brasil. Isso foi evidenciado através da comparação entre a capitalização
relativa brasileira com a de outros países. Em última instância, a colocação de ações e
títulos privados de longo prazo também depende significativamente de uma baixa
preferência por liquidez dos agentes econômicos.
A teoria keynesiana também permite tirar algumas conclusões a respeito da
dependência dos capitais externos para o financiamento. Segundo este enfoque, a captação
de recursos externos não livra a economia da influência da preferência por liquidez, pois o
que se complementa é a concessão de crédito das instituições domésticas com a das
internacionais, tornando a economia dependente da preferência por liquidez internacional
além da doméstica. Entretanto, para os investidores estrangeiros o grau de incerteza
costuma ser maior, devido ao risco cambial e outros fatores mais subjetivos, como o
desconhecimento dos processos políticos, da história, das diferenças culturais, etc. Sendo
assim, os investimentos externos têm por natureza uma elevada preferência por liquidez
associada a esta incerteza, a qual torna a avaliação do cenário macroeconômico mais difícil,
sujeitando-se a falhas. Isso de fato ocorreu no Brasil, uma vez que os investimentos
estrangeiros mais recorrentes se deram através do Anexo IV, os quais eram altamente
voláteis; como foi visto anteriormente.
96
Apoiando-se no caso brasileiro, a teoria keynesiana é capaz de explicar de forma
mais satisfatória a relação entre a poupança e o crescimento, ou melhor, entre a alocação da
poupança e o crescimento. Assim, podemos afirmar, com base neste estudo, que o
crescimento econômico depende mais da alocação da poupança entre ativos financeiros de
curto e longo prazo, do que da poupança em si, já que esta não deve ser pensada como fonte
geradora dos meios de financiamento para o investimento, nem como um pré-requisito
financeiro ao investimento. Este depende, em última instância, do desejo das instituições
bancárias e do mercado de capitais de conceder crédito diante de uma demanda por
“finance” e por “funding”. Então, embora o “quantum” da poupança não seja capaz de
comprometer o crescimento, a forma como ela é alocada pode compromete-lo, uma vez
dificulte estes dois processos de financiamento, caso haja elevada preferência por liquidez
na economia.
Diante disto, para aumentar o investimento e a procura por ativos financeiros de
longo prazo, é preciso reduzir a preferência por liquidez da economia. Logicamente, em
primeiro plano, o próprio investimento deve ser desejado pelos empresários. A preferência
por liquidez dos empresários, associada às expectativas quanto ao crescimento de seus
mercados e até mesmo a seus espíritos empreendedores, deve ser reduzida. Em segundo
plano, a preferência por liquidez dos bancos, que como visto, são as instituições mais
capacitadas a prover o “finance”, deve ser reduzida para que este tipo de financiamento seja
concedido aos investidores. Então, a fim de que seja possível fazer o “funding” dos
investimentos, a preferência por liquidez no mercado de capitais também deve ser reduzida,
a fim de que haja uma maior demanda por colocações primárias de ações e títulos privados
de longo prazo.
97
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