saúde e enfermagem - Instituto Formação

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2012.2
SAÚDE E ENFERMAGEM
Prof.ª Lívia Pires
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Capítulo I – O processo saúde – doença
1. INTRODUÇÃO
O homem é um ser dotado de uma grandiosa capacidade de adaptaçãofisiológica, que permite que viva ou
sobreviva em quase todos os ambientes docontinente terrestre. O meio onde vive oferece obstáculos
naturais e/ouartificiais que se transformam ciclicamente em novas barreiras, à medida que ohomem se
adapta à condição existente. Esses obstáculos ou barreiraspromovem mudanças permanentes ou
transitórias na vida do individuo sendodenominados fatores determinantes do processo saúde-doença e
oferecem abase para estudos epidemiológicos (BELLUSCI, 1995).
Desde os primórdios da civilização humana, a doença, o processo comoela se desenvolve, suas causas e
conseqüências, conquistam o pensamentodo homem no intuito de controlá-las ou evitá-las. Para
GUTIERREZ &OBERDIEK (2001), desde os primordiais agrupamentos nômades até acivilização
contemporânea, culturalmente praticou-se quatro políticas de saúde,cada qual na sua época, definindo-se
pelo imenso panteão de filósofos,clérigos, estudiosos e pessoas comuns que praticavam a medicina.
A primeira fase ou política de saúde foi conhecida como a fase da magiaou dos aspectos sociais, onde os
fatores determinantes da doença provinhamde forças sobrenaturais, atribuídos a deuses ou demônios, ou
forças do mal.
Se fosse cristão, era considerado como uma forma de expiação dos pecados ese fosse de outra orientação
religiosa, era considerado como possessãodemoníaca.
Na segunda fase, imperava os fatores físico-químicos, os ‘’miasmas’’,que se caracterizavam por emanações
do solo ou do ar, supostamentenocivos, como o chorume do lixo e sujeiras que porventura vinham produzir
adoença no corpo sadio.
A terceira fase, denominada biológica ou microbiológica, que seestabelece com a descoberta do
microscópio e do mundo das bactérias, seenfatiza a ação dos germes e a conseqüente degradação sobre a
saúde(SOUZA et al, 1997).
Essas três primeiras fases têm um ponto em comum, a abordagemunicausal, que relaciona o agravo à
saúde a um único agente etiológico, eassim, as intervenções se direcionavam para um único fator
determinante dadoença. Uma visão simplificada, que deixa de tratar o homem como sercomplexo, dotado
de necessidades, desejos e vontades, de ordem intermitente,cíclica, sazonal, regional e variável.
A quarta fase muda a abordagem da doença, relacionando-a a umacausalidade múltipla e incorporando os
aspetos sociais ou psicossociais noprocesso de adoecer, buscando explicar o aparecimento e a
manutenção dadoença na coletividade como resultante da interação do homem com os fatoresbiológicos,
químicos e físicos. Na abordagem multicausal, uma única doença éproveniente de diversos fatores
determinantes, inter-relacionados e dinâmicos.
A intervenção é baseada em múltipla direção de modo a abranger os fatoresmulticausais.Nessa
perspectiva, a saúde e a doença estão interligadas num processodinâmico, interdependente que, quando
desequilibrado, leva o individuo a umestado não favorável de satisfação orgânica, que então chamaremos
dedoença (FORATTINI, 1996). Ainda segundo essa concepção, o adoecer deixade ser o resultado de
apenas um fator, passando a ser entendido como umprocesso em que inúmeros fatores estão envolvidos.A
identificação, o registro e a análise dos fatores determinantes dacólera em Londres foram observados no
estudo realizado pelo médico inglêsJohn Snow, nos anos compreendidos entre 1848-1849 e 1853-1854. Em
suasanotações sobre o surto de cólera, Snow, recém-formado em medicina, demonstrou a relação entre os
óbitos gerados por uma desconhecida infecçãogastrointestinal e as empresas que abasteciam a cidade de
Londres com águade caminhões-pipa. Antes que pudesse concluir seus estudos, Snow morreu
vítima de um acidente vascular cerebral em 1858, mas suas anotações sobreuma nova teoria, a da infecção
por via enteral, serviria de base para os futurosestudos que eclodiram derrubando a teoria miasmática e
inspirando cientistascomo Robert Koch e FillipoPacini a desenvolver novos estudos sobre o
processo de adoecer (BELLUSCI, 1995; SCLIAR, 2001; FREITAS &FREITAS, 2005).No campo da
Enfermagem, Florence Nightingale, colocou a profissãona Era Moderna após observar o ambiente em que
trabalhava, propondoestudos de estatística para análise das condições de saúde, medidas dehigiene e
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cuidados, conseguiu diminuir a taxa de mortalidade entre ossoldados ingleses na Guerra da Criméia
(OGUISSO, 2005).NIGHTINGALE, considerada a precursora da Enfermagem, realizoures, pois reafirma que
é numdireito de todos os cidadãos e um dever do Estado, garantindo sua obra na segunda metade do
século XIX, na Inglaterra, em meio àRevolução Industrial. Sua capacidade de gerenciamento baseada em
estudosde estatística permitiu que reformasse os hospitais de campanha, propusessemudanças na
administração sanitária do exército, participasse da elaboraçãode políticas externas e internas à população
e também gerenciasse problemas nas colônias inglesas na Índia.
Florence baseou sua teoria em multifatores do ambiente que exerciam poder sobre o indivíduo, como o ar
puro, a claridade, o aquecimento, o silêncio, a limpeza, a pontualidade no cuidar, a dieta e o interrelacionamento pessoal. Na sua maneira de pensar, a ausência de um ou mais fatores poderiam
desencadear o adoecimento e competia à enfermagem buscar
formas de supri-los, trabalhar para que a saúde fosse restabelecida (NIGHTINGALE, 1989). Atualmente, o
processo saúde-doença é considerado como resultante de fatores, bio-psiquico-sociais e essa concepção
permeia todas as políticas públicas para a saúde instituídas após a Constituição brasileira de 1988, que
define a saúde como resultante de inúmeros fatores mediante políticas sociais e econômicas que visem a
redução dos riscos de adoecer e o acesso universal e igualitário às ações e serviços (BRASIL, 1988).
Por sua vez, a Lei Orgânica da Saúde no. 8.080/90 define que a saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 1990).
Dessa forma, o planejamento dos programas de saúde voltados à promoção da saúde e à prevenção,
controle e tratamento das doenças, a identificação dos fatores etiológicos determinantes do processo
saúde/doença, ganharam relevância a partir da edição das Leis Orgânicas da Saúde (ROUQUAYROL,
1999; BRASIL, 1990).
Na assistência de enfermagem voltada à prevenção das doenças, os determinantes do processo saúdedoença devem ser devidamente identificados, mensurados e documentados de modo a subsidiar a
elaboração da prescrição dos cuidados, previstos na Sistematização da Assistência de
Enfermagem – SAE (DECISÃO COREN-SP/DIR/008/1999).
2. Os determinantes do processo saúde – doença
Desde a sua concepção, o homem, visto como espécie, sofre ações provindas do meio em que está
inserido, estando suscetível a uma grande variedade de agentes do meio, que podem ser de natureza
orgânica ou inorgânica, que com ele interagindo provocam disfunções. A suscetibilidade está ligada
intrinsecamente à natureza do homem (ROUQUAYROL & ALMEIDA FILHO 2002).
Para SAVASTANO (1980), o homem e o ambiente formam um conjunto eticamente correto, contendo uma
determinada afinidade, interdependente, entre seres vivos e o meio ambiente. O meio, segundo a teoria da
História Natural das Doenças (Leavell& Clark, 1976 apud ROUQUAYROL, GOLDBAUM, 1999), oferece
uma grande variedade de estímulos que se complementam, potencializando, limitando ou anulando a ação
do outro fator estimulante.
Essa interação é chamada de sinergismo multifatorial. Os fatores estimulantes pertencentes ao ambiente
agirão sobre o individuo – o suscetível, provocando alterações desde o nível celular chegando a atingir todo
o organismo, alterando sua funcionabilidade temporariamente ou permanentemente, podendo levá-lo a
deformidades irreversíveis, cura ou morte (ROUQUAYROL, 2003; ALBUQUERQUE et. Al 2006).
Esses fatores estimulantes ou determinantes incluem causas necessárias e as suficientes para a instalação
de um processo de doença. FORATTINI (1996), refere que a exposição a um conjunto de determinantes
nem sempre pode promover a alteração orgânica de imediato. Para este estudo o trinômio ambientedeterminante-suscetível provocará o desequilíbrio homeostático tardiamente, quando oportuno.
O autor também divide a apresentação dos determinantes do processo saúde-doença como endógenos, o
agente que é produzido pelo organismo e exógenos, os determinantes concernentes do ambiente que cerca
o indivíduo. Nas últimas décadas, tanto na literatura nacional, como internacional, observa-se um
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extraordinário avanço no estudo das relações entre a maneira como se organiza e se desenvolve uma
determinada sociedade e a situação de saúde de sua população (ALMEIDA-FILHO, 2002).
Esse avanço é
particularmente marcante no estudo das iniqüidades em saúde, ou seja, daquelas
desigualdades de saúde entre grupos populacionais que, além de sistemáticas e relevantes, são também
evitáveis, injustas e desnecessárias (WHITEHEAD, 2000). Segundo Nancy Adler (2006), podemos
identificar três gerações de
estudos sobre as iniqüidades em saúde. A primeira geração se dedicou a descrever as relações entre
pobreza e saúde; a segunda, a descrever os gradientes de saúde de acordo com vários critérios de
estratificação socioeconômica; e a terceira e atual geração está dedicada principalmente aos estudos dos
mecanismos de produção das iniqüidades ou, para usar a expressão de Adler, está dedicada a responder à
pergunta: como a estratificação econômico-social consegue “entrar” no corpo humano?
O principal desafio dos estudos sobre as relações entre determinantes sociais e saúde consiste em
estabelecer uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza social, econômica,
política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e
pessoas, já que a relação de determinação não é uma simples relação direta de causa-efeito.
É através do conhecimento deste complexo de mediações que se pode entender, por exemplo, por que não
há uma correlação constante entre os macroindicadores de riqueza de uma sociedade, como o PIB, com os
indicadores de saúde. Embora o volume de riqueza gerado por uma sociedade seja um elemento
fundamental para viabilizar melhores condições de vida e de saúde, o estudo dessas mediações permite
entender por que existem países com um PIB total ou PIB per capita muito superior a outros que, no
entanto, possuem indicadores de saúde muito mais satisfatórios.
O estudo dessa cadeia de mediações permite também identificar onde e como devem ser feitas as
intervenções, com o objetivo de reduzir as iniqüidades de saúde, ou seja, os pontos mais sensíveis onde
tais intervenções podem provocar maior impacto.
Outro desafio importante em termos conceituais e metodológicos se refere à distinção entre os
determinantes de saúde dos indivíduos e os de grupos e populações, pois alguns fatores que são
importantes para explicar as diferenças no estado de saúde dos indivíduos não explicam as diferenças entre
grupos de uma sociedade ou entre sociedades diversas.
Em outras palavras, não basta somar os determinantes de saúde identificados em estudos com indivíduos
para conhecer os determinantes de saúde no nível da sociedade. As importantes diferenças de mortalidade
constatadas entre classes sociais ou grupos ocupacionais não podem ser explicadas pelos mesmos fatores
aos quais se atribuem as diferenças entre indivíduos, pois se controlamos esses fatores (hábito de fumar,
dieta, sedentarismo etc.), as diferenças entre estes estratos sociais permanecem quase inalteradas.
Enquanto os fatores individuais são importantes para identificar que indivíduos no interior de um grupo
estão submetidos a maior risco, as diferenças nos níveis de saúde entre grupos e países estão mais
relacionadas com outros fatores, principalmente o grau de eqüidade na distribuição de renda. Por exemplo,
o Japão é o país com a maior expectativa de vida ao nascer, não porque os japoneses fumam menos ou
fazem mais exercícios, mas porque o Japão é um dos países mais igualitários do mundo. Ao confundir os
níveis de análise e tratar de explicar a saúde das populações a partir de resultados de estudos realizados
com indivíduos, estaríamos aceitando o contrário da chamada “falácia ecológica” (KAWACHI et al., 1997;
WILKINSON, 1997; PELEGRINI FILHO, 2000).
O clássico estudo de Rose e Marmot (1981) sobre a mortalidade por doença coronariana em funcionários
públicos ingleses ilustra muito bem esta situação. Fixando como um o risco relativo de morrer por esta
doença no grupo ocupacional de mais alto nível na hierarquia funcional, os funcionários de níveis
hierárquicos inferiores, como profissional/executivo, atendentes e outros, teriam risco relativo
aproximadamente duas, três e quatro vezes maiores, respectivamente.
Os autores encontraram que os fatores de risco individuais, como colesterol, hábito de fumar, hipertensão
arterial e outros explicavam apenas 35 a 40% da diferença, sendo que os restantes 60-65% estavam
basicamente relacionados aos DSS. Há várias abordagens para o estudo dos mecanismos através dos
quais os DSS provocam as iniqüidades de saúde.
A primeira delas privilegia os “aspectos físico-materiais” na produção da saúde e da doença, entendendo
que as diferenças de renda influenciam a saúde pela escassez de recursos dos indivíduos e pela ausência
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de investimentos em infra-estrutura comunitária (educação, transporte, saneamento, habitação, serviços de
saúde etc.), decorrentes de processos econômicos e de decisões políticas.
Outro enfoque privilegia os “fatores psicosociais”, explorando as relações entre percepções de
desigualdades sociais, mecanismos psicobiológicos e situação de saúde, com base no conceito de que as
percepções e as experiências de pessoas em sociedades desiguais provocam estresse e prejuízos à saúde.
Os enfoques “ecossociais” e os chamados “enfoques multiníveis” buscam integrar as abordagens
individuais e grupais, sociais e biológicas numa perspectiva dinâmica, histórica e ecológica.
Finalmente, há os enfoques que buscam analisar as relações entre a saúde das populações, as
desigualdades nas condições de vida e o grau de desenvolvimento da trama de vínculos e associações
entre indivíduos e grupos. Esses estudos identificam o desgaste do chamado “capital social”, ou seja, das
relações de solidariedade e confiança entre pessoas e grupos, como um importante mecanismo através do
qual as iniqüidades de renda impactam negativamentena situação de saúde.
Anotações:
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Capítulo II –A História das Políticas públicas no Brasil
1. Cronologia histórica
Entre os anos de 1920 e os anos 1980, o Brasil conviveu com dois tipos de atenção à saúde, a saúde
pública e a medicina previdenciária, sendo esta última restrita àqueles pertencentes às categorias de
trabalho reconhecidas por lei e para as quais criou-se um seguro social.
Esta vinculação medicina/trabalho formal fez parte de um processo de ampliação dos direitos sociais que
promovia uma vinculação entre a obtenção dos direitos e a carteira assinada, a qual Wanderley Guilherme
dos Santos chamou de "cidadania regulada": somente são cidadãos aqueles cujas profissões são
reconhecidas por lei, e para os quais foram criadas formas de proteção social, dando início à estrutura
previdenciária, da qual fazia parte a assistência à saúde. (Santos, 1979:74)
As políticas sociais que acompanharam quase todas as décadas do século XX estavam ancoradas na
questão da cidadania regulada. Houve uma ampliação dos direitos dos cidadãos neste período, mas como
cidadãos eram considerados apenas os indivíduos pertencentes ao mercado de trabalho formal, para as
profissões reconhecidas em lei. O sistema de proteção social no Brasil ficou atrelado a esta cidadania
regulada até os anos 80.
Como o grande desenvolvimento da medicina assistencial-hospitalar neste período aconteceu dentro do
sistema de proteção social formado pela Previdência, só era oferecida a atenção à saúde àqueles
beneficiários da Previdência, e não a toda a população. Os recursos financeiros que financiavam a medicina
previdenciária tinham como foco atender à demanda daqueles grupos protegidos pelo sistema.
Por outro lado, fora deste sistema de proteção da Previdência, havia as ações de saúde pública, de
vigilância epidemiológica, de promoção do saneamento do país, que não estavam incluídas entre as
responsabilidades da Previdência. Havia órgãos responsáveis pela execução de programas nessas áreas
tanto no nível federal, como nos Estados e Municípios. Mesmo havendo por lei uma característica de
federalismo no país, cabendo aos Estados e Municípios os serviços de saúde, estava presente uma
tentativa política do estado de centralizar o poder, tanto para as políticas sociais como para outras áreas.
A maior presença do Estado na saúde pública foi acontecer principalmente após a criação, em 1953, do
Ministério da Saúde, quando houve uma maior organização dos serviços, criação de departamentos
específicos para cada finalidade. O Ministério da Saúde era responsável pela formulação de políticas
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nacionais de saúde, de alimentação e de nutrição, assim como pelas ações de atenção à saúde de
interesse coletivo.
O Ministério da Saúde foi financiado com recursos do Tesouro, do qual faziam parte, em maior proporção,
os Recursos Ordinários da União. Em termos orçamentários, o Ministério da Saúde não recebia uma grande
fatia de recursos para implementar seus programas. Pelos dados a seguir, verifica-se que houve um
declínio nos percentuais destinados ao Ministério nas décadas de 60 e 70 pelo orçamento geral da União:
em 1968, coube ao MS 2,21%; em 1972, houve redução para 1,40%; em 1973, foi de apenas 0,91%; e em
1974, de 0,90%! (Braga e Paula, 1981)
AS FONTES DE FINANCIAMENTO DA SAÚDE
RECURSOS ORDINÁRIOS DA UNIÃO
Os Recursos Ordinários são classificados como a Fonte 100 na classificação do orçamento federal.
Esta fonte é composta por receitas do Tesouro Nacional sem destinação específica, sem vínculo
com órgãos ou programas específicos e não passíveis de transferência para Estados e Municípios.
Fonte: elaboração própria a partir de Brasil (1995)
No que se refere ao financiamento das políticas de saúde, havia neste período uma corrente de sanitaristas,
influenciada pela posição norte-americana, que defendia o crescimento dos gastos com saúde no país no
mesmo patamar do gasto realizado nos países desenvolvidos, como se tal medida fosse o bastante para
resolver o problema da saúde e da pobreza no país. O grande aporte de recursos garantiria o
desenvolvimento do setor saúde e a melhoria da qualidade de saúde da população.
No entanto, o Estado brasileiro vivia um período de desenvolvimento com autonomia e crescimento
limitados, quando tais possibilidades financeiras jamais seriam alcançadas. Segundo Braga e Paula, já
desde a sua criação em 1953, o Ministério da Saúde sofreu injustiças quanto ao financiamento da sua
estrutura. Na partilha do espólio do extinto Ministério da Educação e Saúde, coube à saúde somente um
terço dos recursos do orçamento. Com isso, a estrutura do Ministério da Saúde criada não assistia a maioria
da população, que ficava à margem de qualquer proteção social, sendo a população rural a mais atingida.
(Braga e Paula,1981:57)
Além das questões levantadas acima, que mostram o papel secundário do Ministério da Saúde dentro da
estrutura de atenção à saúde no país, é interessante ressaltar que com a existência de dois processos de
desenvolvimento do setor saúde acontecendo ao mesmo tempo - por um lado, a medicina previdenciária;
por outro, as ações do Ministério da Saúde - para a sociedade era difícil entender o que eram os serviços
públicos de saúde. A medicina previdenciária era pública, mas em caráter parcial, não pleno. Havia uma
limitação no fornecimento dos serviços de saúde por parte do Estado.
2.1 - A Previdência e o financiamento da atenção à saúde
Para mostrar o papel da Previdência no desenvolvimento de ações de saúde ao longo do século XX, serão
abordados a seguir os aspectos gerais que caracterizaram os períodos 1930-1960, depois 1970 e 1980.
Como não é objetivo do texto o aprofundamento das questões relativas às décadas muito anteriores à
década de 1990, o texto que segue objetiva apenas mostrar dados que permitam uma comparação com a
situação que se conformará nos anos 1980 e 1990, em termos da relação saúde/previdência.
Entre as décadas de 1930 e 1960, período de vida dos Institutos de Aposentadorias e Pensões por
categoria, antes da unificação, o Brasil passou por um grande desenvolvimento econômico-industrial, mas
com recursos financeiros insuficientes para manter a máquina que se formava no sistema previdenciário. A
própria medicina teve um grande avanço tecnológico, e isso implicava em elevação de custos, além de que
os tratamentos faziam do hospital o centro do processo. A medicina previdenciária, ao contrário da saúde
pública de caráter preventivo e assistencial, estava centrada no hospital e na atenção de caráter curativo.
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Criou-se o sistema previdenciário e não atentou-se para o previsível crescimento que ele teria com o passar
dos anos, com o maior assalariamento, maior filiação dos trabalhadores e aumento progressivo da
demanda por benefícios. Para sustentar a estrutura da Previdência Social, optou-se pela conjugação de um
regime de repartição - União, empregados e empregadores contribuindo - com um regime de capitalização através do investimento em bens imobiliários. Mas a participação da receita imobiliária na receita total do
INPS nunca teve muita representatividade.
A arrecadação previdenciária possibilitou o crescimento do setor, a criação de uma grande estrutura
hospitalar privada - situada nos grandes centros -, o incentivo ao avanço da indústria farmacêutica
(principalmente estrangeira) no país. O Estado financiava, através da arrecadação previdenciária e de
subsídios, a formação de uma produção de serviços hospitalares capitalista privada. Este esquema
possibilitou o surgimento de uma massa de médicos assalariados vinculados aos hospitais privados. O
mercado de trabalho no setor cresceu muito.
O aumento do assalariamento no país, no entanto, teve maior importância especificamente nos anos do
chamado "milagre econômico". Os Institutos de Aposentadorias e Pensões cresciam com o maior número
de trabalhadores filiados, aumentando a receita da Previdência, mas também crescia muito o nível de
despesa. Mesmo com toda a estrutura criada, não havia geração de recursos que compensasse as
despesas crescentes, então tanto este suporte econômico-financeiro como a base institucional dos institutos
de aposentadorias e pensões que já sobreviviam há décadas entrou em colapso. (Braga e Paula, 1981: 77)
Em 1967, houve uma fusão dos institutos e foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Com a criação do INPS, consolidou-se a tendência de contratação dos serviços hospitalares privados, que
já era visível nos anos anteriores, possibilitando ainda mais a expansão da oferta de serviços e garantindo o
mercado dos produtores privados dos serviços de saúde, ao mesmo tempo em que houve uma deterioração
da rede própria da Previdência. (Carvalho, 1998:6)
O novo quadro institucional que se estabeleceu no pós-1964, com o governo militar, rompeu aos poucos
com a estrutura corporativa-populista das décadas anteriores, e se caracterizou por oscilações entre
momentos de vitória e de crise no desenvolvimento da proteção social e da atenção à saúde, em especial.
A pequena participação da União no financiamento da saúde, que já acontecia no período de existência dos
Institutos, continuou a existir após a criação do INPS. O INPS, neste período anterior à criação do SINPAS
(Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), foi responsável tanto pela parte de benefícios
previdenciários quanto pela parte de assistência médica.
A União não financiou nem as medidas de saúde coletiva nem a atenção individualizada da medicina
curativa previdenciária. A saúde coletiva (recursos do Ministério da Saúde) recebeu pouca atenção do
Estado. O orçamento do Ministério não era prioridade para os governos. Por outro lado, a medicina
previdenciária foi financiada principalmente pela contribuição de empregados (já que a União pouco
participava e as empresas podiam adotar a compensação dos custos com o aumento de preço dos produtos
comercializados). A receita destinada à medicina previdenciária representava um percentual da receita total
do INPS.
a.
São a contribuição de empregados e empregadores;
b.
São a participação do governo;
c.
São os recursos arrecadados com o patrimônio da Previdência (capitalização).
Esta pequena participação relativa da União na receita do INPS (transferências correntes) se fundamenta
no fraco interesse político sobre as questões sociais. As transferências correntes inclusive declinaram ao
longo dos anos mostrados, o que significa que o financiamento da Previdência - de onde saíam os recursos
para a medicina previdenciária - não estava sendo uma responsabilidade do governo. As transferências do
governo, que representavam 9,2% do volume de recursos da Previdência em 1967, tiveram um decréscimo
dessa representação até atingir apenas 4,7% dos recursos, em 1976.
Por outro lado, havia uma forte participação, claramente majoritária, dos recursos da arrecadação tributária
da contribuição de empregados e empregadores para a previdência. Em 1967, a participação desta fonte
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significou 85,5%; nos anos seguintes o percentual variou até atingir 91,1 % em 1974, voltando a 85,8% em
1976.
A medicina previdenciária era financiada por uma fração da atividade econômica do país, pelo trabalho
assalariado e pela indústria. A arrecadação da contribuição que financiava a previdência era altamente
vulnerável às oscilações no ritmo da atividade econômica. O regime da previdência era o de repartição
simples.
AS FONTES DE FINANCIAMENTO DA SAÚDE
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DE EMPREGADOS E EMPREGADORES PARA A PREVIDÊNCIA
SOCIAL NOS ANOS 70 E 80
Contribuição compulsória que atingia principalmente os empregados urbanos e as empresas urbanas
(em 1981, 96% da receita das contribuições compulsórias era proveniente das folhas de salários
urbanas, sendo 2/3 de contribuição das empresas e 1/3 dos empregados). Também contribuíam os
trabalhadores autônomos e facultativos, os empregados domésticos e os empregadores rurais. Esta
contribuição representou uma média de 89% da receita do INPS (SINPAS) nos anos 80. A
contribuição era arrecadada para o Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS),
posteriormente era repassado aos diversos programas do SINPAS. Este tipo de contribuição está
totalmente atrelado ao processo de desenvolvimento econômico, portanto há grande sensibilidade da
arrecadação em relação a mudanças na economia. Ao mesmo tempo, dada a vinculação ao nível de
assalariamento, o ônus da arrecadação recai fortemente sobre as empresas e os setores intensivos
em mão-de-obra.
Esta contribuição tem caráter regressivo porque as alíquotas reais de contribuição do empregado , na
prática, decrescem à medida que aumenta o nível de renda, ou seja, quem ganha menos tem um
maior percentual do seu salário descontado. Além disso, é possível para as empresas repassarem o
valor de suas contribuições para o preço final dos produtos, o que significa que novamente a
sociedade está contribuindo para o sistema.
Fonte: elaboração própria a partir de Azeredo (1987)
Enquanto duraram os anos do chamado "milagre econômico", de 1967 a 1973, crescia a economia, crescia
o assalariamento e, portanto, garantia-se o orçamento da previdência. O grande assalariamento, nesses
anos, assegurava o acesso futuro dos trabalhadores aos benefícios previdenciários, pelo regime de
repartição simples vigente.
O que acontecerá nos anos seguintes, no entanto, é uma retração do crescimento da economia e
conseqüente redução do assalariamento, gerando diminuição da arrecadação da contribuição sobre a folha
de salários. Mesmo com problemas nítidos de financiamento das políticas sociais, o que incluía o orçamento
para a medicina previdenciária, o governo federal continuou criando e desenvolvendo programas sociais.
Novos programas foram implementados, atendendo a algumas das necessidades da população.
A partir de 1974, o governo começou a perceber a sua deficiente atenção às questões sociais,
principalmente pela deterioração da distribuição de renda, pela elevação dos níveis de mortalidade infantil era necessário ampliar o poder político conquistando as classes baixas via políticas sociais - e a
necessidade de reduzir a miséria da população brasileira para permitir que o país se tornasse uma potência.
(Braga e Paula, 1981:124)
Vários programas criados a partir de 1974 e implementados pelo INPS e pelo Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e também pelo Ministério da Saúde, permitiram que
uma nova camada da população, que antes não era assistida pela Previdência Social, passasse a ter
acesso aos serviços. A atitude do governo federal em relação às políticas sociais foi tomando diferentes
formas ao longo do período de governo militar no país. Em 1974, foi criado o Plano de Pronta Ação (PPA) e
o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), que modificavam o desenvolvimento do setor saúde.
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Costa descreve os três momentos distintos do período de governo militar e do período transitório posterior,
quanto ao desenvolvimento das políticas sociais:
"(i) a conjuntura 1964-1973, quando as políticas de ajuste do regime, ao encaminhar uma ruptura com a
herança do período corporativo-populista, impuseram grandes perdas às populações assalariadas urbanas,
provocando uma regressão dos indicadores de qualidade de vida e o anúncio da crise de "legitimação" do
regime autoritário;
(ii) a conjuntura 1974-1985, quando foi acelerada a expansão de investimentos sociais e da estrutura
urbana por força da ação intencional do regime visando ampliar as bases de apoio, redefinindo as políticas
sociais, e conter a crise nas condições de vida anunciada em fins da década de 60;
(iii) a conjuntura 1986-1990, que se desenvolveu dentro dos parâmetros da "transição democrática" e do
"resgate da dívida social", portanto, em contexto das tentativas de reinstitucionalização das políticas
públicas de proteção e da democratização dos processos de tomada de decisão" (Costa, 1998:30)
Com o intuito de ampliar a atenção sobre o social, após as dificuldades dos primeiros anos do período
militar, o governo federal também criou, em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social e
impulsionou a política nacional de medicamentos através da Central de Medicamentos - CEME. Tanto o
FAS quanto a CEME significavam uma possível variação nas fontes de financiamento do setor, antes
concentradas especialmente na contribuição de empregados e empregadores. Era necessário gerar
recursos para financiar uma estrutura gigantesca que, no ano de 1985, incluía 42 hospitais federais.
AS FONTES DE FINANCIAMENTO DA SAÚDE
FUNDO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SOCIAL (FAS)
O FAS foi criado em 1974 para atender ao financiamento das políticas de saúde, educação,
saneamento, trabalho, assistência social e outros. As fontes que financiavam o Fundo eram a
receita dos concursos de prognósticos e os saldos operacionais da Caixa Econômica Federal.
Os recursos deveriam ser destinados preferencialmente aos projetos de interesse público ou
privado naquelas áreas. Os recursos do FAS eram a fundo perdido quando destinados ao
setor público e quando destinados ao setor privado aplicava-se juros subsidiados. O Fundo era
administrado pela Caixa Econômica Federal.
Fonte: elaboração própria a partir de Marques (1999:12)
Na distribuição dos projetos aprovados para receberem recursos do FAS, os 30% de recursos que poderiam
ser destinados a projetos privados recaíram justamente sobre o setor saúde, e serviram para financiar a
expansão de estabelecimentos hospitalares e ambulatoriais em vários Estados, principalmente na região
sudeste. (Braga e Paula, 1981:131) Nos outros setores, O FAS financiou basicamente projetos públicos. Na
saúde, o financiamento do FAS visava a construção de mais estabelecimentos de saúde para atender à
demanda crescente por assistência médica. Havia crescido a população economicamente ativa e o setor
formal do mercado de trabalho, possibilitados pelo crescimento econômico dos anos do milagre. (Buss,
1995:77)
O outro meio de financiamento, neste caso indireto, do setor saúde que surgiu neste período foi a CEME,
que no seu programa de distribuição de medicamentos, possibilitou algum investimento em pesquisas na
área de medicamentos e a produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais. Também houve aquisição
de medicamentos da indústria farmacêutica privada, oferecendo um grande impulso para os setor. Nos anos
80, a CEME passou a integrar o Ministério da Saúde.
Para Vilaça, enquanto o Programa de Pronta Ação (PPA) - que estendeu o atendimento de urgência a toda
a população - abriu um mercado cativo para o setor privado, em especial o setor hospitalar, o FAS garantia
uma expansão fiscal adicional com recursos subsidiados para atender ao setor. Desta forma, o setor
privado fornecedor de serviços de saúde era duplamente beneficiado. (Vilaça, 1993:24)
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2.2 - O sistema de saúde nos anos 1970: início da ampliação do acesso
Na década de 1970, no Brasil, já surgiam medidas características da transformação do modelo de atenção
à saúde previdenciário para um modelo universalista. O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural FUNRURAL - promoveu o atendimento aos trabalhadores rurais e seus dependentes, o Programa de
Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento para o Nordeste - PIASS - e principalmente o Programa
de Pronta Ação - PPA - foram tornando o sistema de saúde brasileiro mais universalista.
O PPA promovia a universalização do atendimento de urgência e emergência médica na rede própria e
conveniada. Para Mendes (1993), "a ação combinada do PPA e do FAS representou, na verdade, um
poderoso mecanismo de alavancagem do setor privado na área da saúde, aquele abrindo mercado cativo e,
este, garantindo uma expansão física adicional, com recursos subsidiados, especialmente na área
hospitalar".
Um outro passo dado nos anos 70 foi a reestruturação interna da Previdência Social no Brasil, com a
redefinição dos papéis e criação de órgãos que formaram um sistema de previdência. Em 1977, o Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) foi criado, reunindo num único sistema os seguintes
órgãos: INPS, INAMPS, IAPAS, LBA, FUNABEM, DATAPREV. A fonte principal de financiamento do
SINPAS era a contribuição sobre a folha de salários. Com a criação do SINPAS, o INPS perdeu a função de
responsável pela assistência médica, que foi assumida pelo recém-criado INAMPS.
Para financiar o SINPAS, também foi criado o Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS), composto
principalmente da fonte "contribuição compulsória de empregados e empregadores sobre a folha de
salários". A segunda fonte mais importante era a contribuição da União. Os recursos do Fundo eram
distribuídos de acordo com o Plano Plurianual de Custeio da Previdência.
Ao final dos anos 70, vários fatores afetavam a arrecadação de recursos destinados aos programas sociais:
a conjuntura econômica de crise com desaceleração das taxas de crescimento, e com conseqüente
influência negativa sobre o nível de emprego do país, e ainda a redução da massa de salários. Era
necessário haver uma reorganização da atenção à saúde no país, e reavaliação das condições de seu
financiamento.
Na área específica da saúde, dentro das políticas sociais, houve nos anos 70, uma maior regulamentação
das políticas de saúde, gerada através da criação do Sistema Nacional de Saúde, pela Lei nº 6.229, de 17
de julho de 1975. Segundo a lei, este novo sistema formaria o complexo de serviços do setor público e
privado voltados para ações de interesse da saúde e seria composto pelos seguintes órgãos:

Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), para acompanhar as medidas do governo em termos
de políticas e programas de saúde;

Ministério da Saúde (MS), para formular as políticas nacionais de saúde, promover e executar
ações de atenção à saúde de caráter coletivo;

Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), para o atendimento médico-assistencial
individualizado;

Ministério da Educação e Cultura (MEC), para formar no nível universitário os profissionais que
atuarão do setor saúde;

Ministério do Interior (MI), para promover o saneamento ambiental e a aplicação dos sistemas de
água e esgoto;

Ministério do Trabalho (MT), para garantir políticas de segurança no trabalho e políticas salariais
voltadas para a classe trabalhadora do setor saúde;

Estados, Territórios e Distrito Federal, para planejar ações de coordenação dos serviços de saúde e
de acompanhamento das ações municipais; e

Municípios, para manter os serviços de saúde, principalmente os serviços de pronto-socorro e de
vigilância epidemiológica. (Oliveira e Teixeira, 1986)
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Para diferenciar as ações e os órgãos que desempenhavam papéis nas políticas de saúde no Brasil, o
quadro abaixo mostra as principais subdivisões do sistema de saúde que existia no país até os anos 80:
O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL NA DÉCADA DE 70
SUBSISTEMA 1: da Saúde da Previdência Social
INAMPS (hospitais e postos de assistência médica), pela CEME , além de uma rede de
estabelecimentos privados contratados.
SUBSISTEMA 2
is
próprias, além de fundações e institutos como a Fundação Oswaldo Cruz, a Superintendência
Nacional de Campanhas Sanitárias (SUCAM) e outros. Dentre as áreas de atuação do Ministério da
Saúde, faziam parte os programas contra tuberculose, de dermatologia, saúde mental, câncer,
atenção materno-infantil, atividades de vigilância sanitária, epidemiológica, ambiental, além de
outros programas.
SUBSISTEMA 3: dos Militares e dos Servidores Públicos
próprios que estes grupos mantinham. O Instituto (IPASE) de assistência médica dos servidores
públicos federais, no entanto, foi extinto nos anos 80. Continuaram a existir alguns institutos nos
Estados e os sistemas próprios de saúde dos militares.
SUBSISTEMA 4
entes subnacionais, mas que existiam em condições muito precárias.
Fonte: elaboração própria a partir de Marques (1999:13)
Dentro dessa estrutura do sistema de saúde existente, houve ao longo do período uma hipercentralização
dos recursos e do poder decisório dentro do INAMPS (Previdência), o que deixava a participação do
Ministério da Saúde e da estrutura a ele vinculada (secretarias estaduais e municipais) em segundo plano.
(Marques, 1999:13) Na prática, diferente da separação de funções existente na Lei do SNS, a função de
entidade responsável pela formulação da política de saúde que cabia ao Ministério da Saúde acabou sendo
sempre assumido pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. O MPAS detinha a maior parte dos
recursos da saúde e, por isso, predominava na definição das políticas setoriais. (Carvalho, 1998:8)
Paradoxalmente, o domínio sobre a política nacional de saúde não foi suficiente para que o INAMPS
também tivesse domínio sobre o orçamento previdenciário e pudesse desenvolver e executar todas as suas
ações. Dentro da estrutura do SINPAS a saúde não era prioritária. Havia uma preferência dos benefícios
previdenciários na alocação dos recursos, dada a sua natureza contratual, e então a receita disponibilizada
para a saúde previdenciária era limitada, e teve um orçamento decrescente nos anos das décadas de 70 e
80. Em 1976, as despesas do INAMPS correspondiam a 30% do orçamento da Previdência, e em 1982
corresponderam apenas a 20%. (Carvalho, 1998:8)
Dentro do FPAS, o componente principal do financiamento até fins dos anos 70 era a contribuição de
empregados e empregadores sobre a folha de salários, mesmo já havendo a extensão da cobertura dos
serviços de saúde a não-contribuintes. (Costa, 1998:96) Com a mudança no quadro econômico até meados
de 1983, o governo teve que encontrar soluções para financiar a Previdência. O artifício do governo, em
tempos de crise, foi o de ampliar as alíquotas de contribuição para contornar o déficit gerado na
Previdência. Houve elevação do teto dos salários de contribuição dos empregados de 15,5 salários-mínimos
para 20 salários-mínimos e aumento das alíquotas de contribuição de trabalhadores autônomos, facultativos
e empregadores. (Azeredo, 1987:40)
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2.3 - Os Anos 1980: as tentativas de descentralização do sistema de saúde e o seu financiamento
Para promover a descentralização do sistema de saúde foram desenvolvidas algumas propostas de
unificação das redes federal, estadual e municipal nos anos 80. Era necessário incorporar o Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), vinculado ao Ministério da Previdência e
Assistência Social (MPAS), ao Ministério da Saúde. O INAMPS ficaria responsável pela assistência
ambulatorial e hospitalar integral a toda a população. A Previdência deixaria de oferecer serviços de saúde
e teria seu papel restrito ao gerenciamento dos benefícios de auxílio e aposentadoria. (Lucchese, 1996:84)
Para financiar o sistema deveriam ser adotadas inovações referentes a:
a. diversificação das fontes tributárias;
b. garantia de recursos permanentes e contínuos para a gestão de uma política de saúde consistente.
(Lucchese, 1996:85)
O sistema de saúde presente na década de 1980 era financiado principalmente por contribuições sociais.
Havia a contribuição de empregados e empregadores para a Previdência Social (desconto na folha de
pagamentos) e a contribuição do Fundo de Investimento Social - FINSOCIAL. A primeira representava a
maior parcela de receita para a saúde e integrava o Fundo da Previdência e Assistência Social - FPAS,
portanto sua arrecadação não era computada como recursos do Tesouro. A segunda foi criada para incidir
sobre o faturamento das empresas e financiar as políticas sociais.
Essas contribuições sociais, que tinham passado por uma redução de receita nos primeiros anos da década
de 80, voltaram a ter uma tendência de crescimento a partir de 1984, porque além das medidas que o
governo já havia adotado para elevar receita, começou a haver uma recuperação da economia. Houve
flutuação de arrecadação acompanhando os movimentos cíclicos da economia do país. Em 1986, por
exemplo, houve uma grande elevação das taxas de crescimento da receita previdenciária, explicada pelos
ganhos salariais após o Plano Cruzado e pelo aumento do número de trabalhadores assalariados no
mercado formal de trabalho. (Azeredo, 1987:41)
Em 1982 foi criado, durante o governo Figueiredo, o Fundo de Investimento Social - FINSOCIAL. Junto à
criação do fundo foi criada uma contribuição social a ele relacionada.
O financiamento da saúde teve uma maior participação de recursos do Tesouro ao longo dos anos 80, mas
esta mudança não alterou significativamente o percentual elevado de participação da Previdência no
orçamento da saúde. O sistema foi sendo ampliado e continuava sendo financiado pelos empregados e
empregadores do mercado formal de trabalho.
Como já dito anteriormente, mesmo havendo novos programas e novas modalidades de financiamento, foi o
Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS) a grande fonte de recursos para o setor nos anos 80. O
Fundo representava, em média, 80% dos recursos federais destinados à saúde, o que deixava claro que
nessa década o setor saúde continuava fortemente atrelado à estrutura da Previdência Social, dependente
dela. (Mendes, 1997:6)
As contribuições sociais desempenharam papel fundamental no financiamento das políticas sociais nos
anos 80. Como mostra a tabela 4 a seguir, no período entre 1980 e 1990, do total de gastos do Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS, as contribuições representavam 86,69%, em média.
No ano de 1982, ano em que a participação percentual das contribuições foi maior, este número alcançou
92,58%.
Nos anos 80 foram criados alguns programas dentro do setor saúde, para o desenvolvimento de políticas de
atenção. Em 1984, foi criado o Programa das AIS - Ações Integradas de Saúde - um programa que marcou
a passagem definitiva do modelo de atenção à saúde previdenciário para um modelo mais universalista. Um
dos principais objetivos do modelo era expandir a atenção primária à saúde.
A partir daí, quando já haviam sido incorporadas novas camadas da população brasileira à atenção à
saúde, passa a haver uma racionalização do sistema de saúde. De acordo com Oliveira Junior, "com
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inúmeras instituições federais, estaduais e, embrionariamente, municipais, intervindo no sistema, sem
nenhuma articulação, (...) iniciam-se as AIS, cujo objetivo, além da racionalização da gestão e dos recursos
financeiros, é de descentralizar e pactuar, iniciando um longo caminho de redefinição dos papéis de cada
esfera de governo na área da saúde." (Oliveira Jr, s.d.:22) Ou seja, haviam fortes anseios no setor saúde
para que houvesse a descentralização, mas dentro da estrutura existente qualquer movimento
descentralizador encontraria muitas barreiras.
Mesmo com as dificuldades, "a estratégia das AIS impulsionou novos arranjos institucionais, mediante os
colegiados estaduais (CIS), municipais (CIMS), locais (CLIS) ou regionais (CRIS) que provocaram, em
meados da década de 80, um visível deslocamento dos gastos em internações hospitalares e consultas
médicas do setor privado para as agências de governo, especialmente os hospitais universitários e
secretarias municipais e locais". (Costa, 1998:104)
Segundo Médici, as AIS foram criadas sob influência dos anseios daquele período - fins da década de 1970
e início da década de 1980 -, ou seja, do surgimento de um movimento municipalista (concedendo maior
volume de recursos para a saúde nos Municípios) em algumas regiões do país, pelas propostas de
reformulação do sistema de saúde do país baseadas nos princípios de universalização e descentralização
presentes nos discursos em prol da democratização do país, representando um "ponto de inflexão" na
história institucional do INAMPS. (Médici, 1994:88-89)
Com o tempo, as AIS passaram a seguir a lógica das "necessidades de financiamento", valorizando-se mais
as ações de caráter coletivo, mesmo que ainda persistissem os repasses "por produção". (Médici, 1994:91)
As transferências "negociadas" geravam uma distribuição de recursos que atendia aos interesses maiores
de curto prazo, ou aos interesses das regiões (Estados e Municípios) com maior poder de barganha. E os
Estados e Municípios continuavam dependentes do poder decisório do governo federal, ainda sem
autonomia sobre o financiamento do sistema. Além disso, estes repasses que eram feitos por produção,
para as ações curativas, somente na Nova República passaram a contemplar também as ações de caráter
coletivo. (Marques, 1999:14)
Os anos 80, em termos de políticas de saúde, foram marcados pela implementação de programas de
reorganização da atenção à saúde no Brasil, voltados para a descentralização (vista na época como
associada à bandeira da democratização do país) e universalização do acesso. As AIS haviam sido criadas
no início da década e depois, em 1987, é criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS).
O país já vivia um período político democrático, a Constituição da Nova República estava sendo criada, e
nela estavam presentes os preceitos de criação de um sistema único de saúde descentralizado, integral e
com participação social. (Costa,1998:112)
O SUDS foi criado concomitantemente às discussões da VIII Conferência Nacional de Saúde - que marcou
o crescimento do projeto da Reforma Sanitária e à elaboração da nova Constituição do Brasil. Os anos de
funcionamento do SUDS mudaram as relações MPAS/MS, já que houve uma alteração nos papéis e nos
poderes do INAMPS e do Ministério da Saúde.
O sistema funcionou como um programa transitório entre as AIS e a implementação do Sistema Único de
Saúde (SUS). As principais mudanças apresentadas pelo SUDS foram as seguintes: houve uma
desconcentração para os Estados, e destes para os Municípios; a restrição dos poderes do INAMPS
(instituição sustentadora do modelo médico-assistencial privatista), com a sua retirada gradual da prestação
direta dos serviços de saúde; o incremento dos recursos repassados aos Municípios; a diminuição relativa
das transferências ao setor privado; priorização dos serviços por Estados pelas entidades filantrópicas e
maiores investimentos na alta tecnologia. (Mendes, 1993:44)
Com o SUDS, o INAMPS deveria firmar convênios diretamente com as secretarias estaduais de saúde,
buscando passar gradativamente para as Secretarias a administração dos contratos e as unidades de
saúde. Os primeiros convênios chamados de Convênios SUDS foram realizados entre o INAMPS e as
Secretarias de Estado da Saúde em 1987. As secretarias estaduais receberiam recursos do FPAS,
determinados somente por negociação direta entre as partes, sem seguir legislação ou regras sobre o
assunto. Houve falha e não-cumprimento da negociação por parte do INAMPS para o repasse dos recursos.
Portanto, os orçamentos estaduais ficaram sobrecarregados, o que gerou instabilidade na implementação
das políticas, afetando a qualidade da assistência médica prestada à população. (NEPP, 1989:207-211)
O procedimento adotado pelo sistema SUDS, ao repassar recursos sem que houvessem mecanismos de
controle e auditoria, permitia que houvesse substituição de receita, ou seja, ao entrarem recursos de origem
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federal através dos repasses, o nível estadual reduzia ou eliminava a sua participação financeira no
financiamento da saúde. (NEPP, 1989:211)
O SUDS, com todos os seus contratempos gerados, foi substituído pelo Sistema Único de Saúde - SUS
após a aprovação da nova Constituição da República, a "Constituição Cidadã".
2.4 - Constituição de 1988
A Constituição de 1988 adotou o modelo de seguridade social, abandonando o modelo de seguro social,
que já vinha sendo abolido nos anos 80. Foi estabelecida a criação do Sistema Único de Saúde, que rompia
com duas lógicas presentes nas políticas de saúde dos trinta anos anteriores, ou seja, promovendo a
mudança de um modelo de seguro social para a seguridade social - permitindo a universalização - e a
mudança do modelo de atenção curativa da saúde para um modelo de atenção integral à população.
(Carvalho, 1998:3)
A Constituição conta com um capítulo dedicado à seguridade social - que abrange a Previdência Social, a
saúde e a assistência social - dentro do qual alguns artigos dizem respeito especificamente à saúde.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III- participação da comunidade.
Parágrafo Único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de
outras fontes."
Ficou estabelecido "um novo pacto social", passando a saúde a ser um direito de todos - condição de
cidadania social - e dever do Estado - ou seja, uma responsabilidade e solidariedade do conjunto da
sociedade - para a qual as clientelas seriam beneficiadas independente de contribuírem para o
financiamento do sistema. (Carvalho, 1998:17)
Estes preceitos constitucionais inaugurados com a Constituição de 1988 requeriam um padrão de
financiamento adequado, o que no entanto não foi claramente determinado pela nova Constituição. Foi
criado pela Constituição o Orçamento da Seguridade Social exclusivo para financiar previdência, saúde e
assistência social. Entretanto, os artigos da Carta que tratam das fontes de financiamento do setor deixam
dúvidas quanto à responsabilidade que cabe aos entes federativos, quanto ao papel de cada fonte, quanto
aos requisitos legais para que novas fontes de financiamento sejam criadas posteriormente.
A regulamentação dos artigos constitucionais referentes à saúde aconteceu por meio das leis 8.080/90 e
8.142/90. A primeira determinava "as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes", o que incluía as condições para a
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transferência de recursos para o setor, os critérios de repasse de recursos para Estados e Municípios, etc. A
lei 8.142 estabeleceu as formas de participação da comunidade na gestão do SUS, tratou da criação dos
Conselhos de Saúde, e tratou das transferências intergovernamentais de recursos para a saúde; das
possibilidades de repasse regular e automático, da distribuição dos recursos entre Estados e Municípios.
Definiu-se também que a questão do financiamento seria de responsabilidade dos três níveis de governo:
União, Estados e Municípios, mas, como dito anteriormente, faltou clareza quanto aos critérios de definição
da contribuição de cada um dos níveis. Com a não especificação das responsabilidades, coube ao governo
federal arcar com a maior parcela dos recursos para o setor público da saúde.
Não foi definida pela Constituição qual seria a participação da saúde no Orçamento da União, o que
dependia de aprovação de lei complementar posterior. Enquanto não fosse aprovada a lei de diretrizes
orçamentárias , havia no Ato das Disposições Transitórias da Constituição um artigo que determinava a
destinação de 30% do orçamento da seguridade social para a saúde.
A Constituição de 1988, como um todo, defendia o processo de descentralização no país, não só do
sistema de saúde, que garantisse um novo pacto federativo e novos mecanismos de descentralização fiscal
e administrativa aos Estados e Municípios. Em termos fiscais, Estados e Municípios teriam maior autonomia
para tributar e haveria um incremento nos mecanismos de partilha de receita (as transferências
intergovernamentais).
A característica principal da descentralização dos recursos tributários foi o movimento de municipalização
da receita. Tem havido um incremento na arrecadação direta dos Municípios e o fortalecimento do sistema
de transferência de impostos (principalmente através do Fundo de Participação Municipal - FPM). A
arrecadação municipal direta apresentou um grande desempenho nos últimos anos, passando de R$ 6.227
bilhões, em 1988, para R$18.438 bilhões, em 2000. As transferências do Sistema Único de Saúde tiveram
uma participação significativa na ampliação do volume de receita dos Municípios. (BNDES, 2001).
Entretanto, de acordo com Dain (2000), este movimento descentralizador e de redesenho federativo foi em
parte neutralizado porque o governo federal adotou medidas, ao longo dos anos 90, que reforçaram o seu
próprio poder e capacidade de arrecadação, ao mesmo tempo em que criou mecanismos inibidores da
participação dos níveis subnacionais no processo. Por um lado, o governo promoveu a ampliação das
contribuições sociais na arrecadação fiscal, de competência exclusiva da União, não partilhada com
Estados e Municípios. Por outro lado, o governo conseguiu inibir a atuação de Estados e Municípios através
das dificuldades para renegociar as dívidas destes. Com isso, torna-se mais difícil para os níveis
subnacionais participarem da formulação e do financiamento das políticas públicas. (Dain, 2000:93)
Para Vianna, ainda hoje existe, mesmo com a ampliação do peso político das secretarias de saúde nos
últimos anos, uma impotência relativa destas em relação ao Ministério da Saúde. "Responsável por mais de
70% dos recursos financeiros do SUS e amparado em um entendimento abrangente do papel do gestor
nacional do SUS o Ministério, literalmente, comanda o sistema coerente com a cultura institucional
centralizadora herdada do antigo MS e do INAMPS dos programas verticais e da normatização nacional."
(Vianna, 2000:17)
Anotações:
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Capítulo III – Sistema Único de Saúde(SUS)
1. O Que é o SUS?
Um sistema nacional integrado
O Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído pelo conjunto das ações e dos serviços de saúde sob
gestão pública. Está organizado em redes regionalizadas e hierarquizadas e atua em todo o território
nacional, com direção única em cada esfera de governo. O SUS não é, porém, uma estrutura que atua
isolada na promoção dos direitos básicos de cidadania. Insere-se no contexto das políticas públicas de
seguridade social, que abrangem, além da saúde, a previdência (INSS) e a assistência social. O SUS é
responsabilidade das três esferas de governo A Constituição brasileira estabelece que a saúde é um
dever do Estado.
Aqui, deve-se entender Estado não apenas como o governo federal, mas como Poder Público, abrangendo
a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A implementação e a gestão do SUS são, portanto,
também obrigações das municipalidades, que devem trabalhar integradas às demais esferas de governo, na
construção de políticas setoriais e intersetoriais que garantam à população acesso universal e igualitário à
saúde. O conceito de saúde Um direito assegurado pela Constituição.
A saúde é, acima de tudo, um direito universal e fundamental do ser humano, firmado na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e assegurado pela Constituição Federal de 1988. A efetivação da saúde
como direito universal – ou seja, de todos – é um desafio que só pode ser alcançado por meio de políticas
sociais e econômicas que reduzam as desigualdades sociais e regionais em nosso País, assegurando a
cidadania e o fortalecimento da democracia. O SUS promove e protege a saúde pública Ao SUS cabe a
tarefa de promover e proteger a saúde, garantindo atenção qualificada e contínua aos indivíduos e às
coletividades, de forma eqüitativa. Intersetorialidade: a saúde resulta de vários fatores A atual legislação
brasileira ampliou a
definição de saúde, considerando-a resultado de vários fatores determinantes e condicionantes, como
alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer,
acesso a bens e serviços essenciais. Por isso mesmo, as gestões municipais do SUS – em articulação com
as demais esferas de governo – devem desenvolver ações conjuntas com outros setores governamentais,
como meio ambiente, educação, urbanismo etc., que possam contribuir, direta ou indiretamente, para a
promoção de melhores condições de vida e da saúde para a população.
Princípios do SUS
São conceitos que orientam o SUS, previstos no artigo 198 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 7º
do Capítulo II da Lei n.º 8.080/1990. Os principais são:
Universalidade – significa que o SUS deve atender a todos, sem distinções ou restrições, oferecendo toda
a atenção necessária, sem qualquer custo.
Integralidade – o SUS deve oferecer a atenção necessária à saúde da população, promovendo ações
contínuas de prevenção e tratamento aos indivíduos e às comunidades, em quaisquer níveis de
complexidade;
Eqüidade– o SUS deve disponibilizar recursos e serviços com justiça, de acordo com as necessidades de
cada um, canalizando maior atenção aos que mais necessitam;
Participação social – é um direito e um dever da sociedade participar das gestões públicas em geral e da
saúde pública em particular; é dever do Poder Público garantir as condições para essa participação,
assegurando a gestão comunitária do SUS; e Descentralização – é o processo de transferência de
responsabilidades de gestão para os municípios, atendendo às determinações constitucionais e legais que
embasam o SUS, definidor de atribuições comuns e competências específicas à União, aos estados, ao
Distrito Federal e aos municípios.
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Principais leis
Os textos integrais das principais leis brasileiras referentes à saúde podem ser acessados no CD-ROM que
acompanha esta publicação.
Constituição Federal de 1988
Estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Determina ao Poder Público sua
“regulamentação, fiscalização e controle”, que as ações e os serviços da saúde “integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único”; define suas diretrizes, atribuições, fontes
de financiamento e, ainda, como deve se dar a participação da iniciativa privada.
Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei n.º 8.080/1990 (Ver Anexo I)
Regulamenta, em todo o território nacional, as ações do SUS, estabelece as diretrizes para seu
gerenciamento e descentralização e detalha as competências de cada esfera governamental. Enfatiza a
descentralização político-administrativa, por meio da municipalização dos serviços e das ações de saúde,
com redistribuição de poder, competências e recursos, em direção aos municípios.
Determina como competência do SUS a definição de critérios, valores e qualidade dos serviços. Trata da
gestão financeira; define o Plano Municipal de Saúde como base das atividades e da programação de cada
nível de direção do SUS e garante a gratuidade das ações e dos serviços nos atendimentos públicos e
privados contratados e conveniados.
Lei n.º 8.142/1990 (Ver Anexo II)
Dispõe sobre o papel e a participação das comunidades na gestão do SUS, sobre as transferências de
recursos financeiros entre União, estados, Distrito Federal e municípios na área da saúde e dá outras
providências. Institui as instâncias colegiadas e os instrumentos de participação social em cada esfera de
governo.
Responsabilização sanitária
Desenvolver responsabilização sanitária é estabelecer claramente as atribuições de cada uma das esferas
de gestão da saúde pública, assim como dos serviços e das equipes que compõem o SUS, possibilitando
melhor planejamento, acompanhamento e complementaridade das ações e dos serviços. Os prefeitos, ao
assumir suas responsabilidades, devem estimular a responsabilização junto aos gerentes e equipes, no
âmbito municipal, e participar do processo de pactuação, no âmbito regional.
Responsabilização macrossanitária
O gestor municipal, para assegurar o direito à saúde de seus munícipes, deve assumir a responsabilidade
pelos resultados, buscando reduzir os riscos, a mortalidade e as doenças evitáveis, a exemplo da
mortalidade materna e infantil, da hanseníase e da tuberculose. Para isso, tem de se responsabilizar pela
oferta de ações e serviços que promovam e protejam a saúde das pessoas, previnam as doenças e os
agravos e recuperem os doentes. A atenção básica à saúde, por reunir esses três componentes, coloca-se
como responsabilidade primeira e intransferível a todos os gestores. O cumprimento dessas
responsabilidades exige que assumam as atribuições de gestão, incluindo:
• execução dos serviços públicos de responsabilidade municipal;
• destinação de recursos do orçamento municipal e utilização do conjunto de recursos
da saúde, com base em prioridades definidas no Plano Municipal de Saúde; • planejamento, organização,
coordenação, controle e avaliação das ações e dos serviços de saúde sob gestão municipal; e •
participação no processo de integração ao SUS, em âmbito regional e estadual, para assegurar a seus
cidadãos o acesso a serviços de maior complexidade, não disponíveis no município.
Responsabilização microssanitária
É determinante que cada serviço de saúde conheça o território sob sua responsabilidade. Para isso, as
unidades da rede básica devem estabelecer uma relação de compromisso com a população a ela adscrita e
cada equipe de referência deve ter sólidos vínculos terapêuticos com os pacientes e seus familiares,
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proporcionando-lhes abordagem integral e mobilização dos recursos e apoios necessários à recuperação de
cada pessoa. A alta só deve ocorrer quando da transferência do paciente a outra equipe (da rede básica ou
de outra área especializada) e o tempo de espera para essa transferência não pode representar uma
interrupção do atendimento: a equipe de referência deve prosseguir com o projeto terapêutico, interferindo,
inclusive, nos critérios de acesso.
2. Participação e Controle Social
Organização e participação da sociedade civil
Determinada pela Constituição e pela Lei Complementar n.º 8.142/1990, a participação popular confere à
gestão do SUS realismo, transparência, comprometimento coletivo e efetividade de resultados. Ela está
diretamente relacionada ao grau de consciência política e de organização da própria sociedade civil.
A construção de consensos formando lideranças
As práticas participativas preservam a autodeterminação das comunidades. Para se construir consensos, é
preciso saber escutar o outro como legítimo e ter consciência sobre o significado do bem público, do papel
do Estado e da ampla representação do conjunto da sociedade. Por isso mesmo, é importante que haja
autonomia nos processos de escolha das representações municipais, como forma de se combater a
formação de grupos fechados ao debate.
O que é participação social na saúde?
É uma das maneiras de se efetivar a democracia, por meio da inclusão de novos sujeitos sociais nos
processos de gestão do SUS, como participantes ativos em debates, formulações e fiscalização das
políticas desenvolvidas pela saúde pública brasileira, o que lhes confere legitimidade e transparência. O
SUS deve identificar o usuário como membro de uma comunidade, com direitos e deveres, e não como
recebedor passivo de benefícios do Estado.
Canais municipais de participação
A participação da comunidade no SUS acontece, nos municípios, por meio de canais institucionalizados –
ou seja, previstos por leis ou normas do SUS –, como as Conferências Municipais de Saúde, os Conselhos
Municipais de Saúde, os Conselhos Gestores de Serviços ou, ainda, por meio de reuniões de grupos, por
áreas de afinidade. Mesmo nos órgãos internos do SUS, os processos participativos são importantes, como
as mesas de negociação trabalhista, a direção colegiada e outras.
É preciso informar e saber escutar
As ouvidorias municipais do SUS, as consultas públicas e as pesquisas de opinião de usuários permitem
colher as avaliações e as demandas da população sobre a saúde pública local e conhecer a realidade do
atendimento fornecido pelo SUS. É preciso estabelecer canais de comunicação que levepermanentemente
à comunidade esclarecimentos sobre as ações e os serviços de saúde – em particular sobre prestações de
contas, informações de saúde e relatórios de gestão. Para isso, podem ser utilizados não apenas veículos
convencionais, como jornais, rádio e tv, mas também meios alternativos, como rádios comunitárias ou
jornais murais – eficientes e de baixo custo.
3. Gestão da Saúde
Instâncias de pactuação
São espaços intergovernamentais, políticos e técnicos onde ocorrem o planejamento, a negociação e a
implementação das políticas de saúde pública. As decisões se dão por consenso (e não por votação),
estimulando o debate e a negociação entre as partes.
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Comissão Intergestores Tripartite (CIT)
Atua na direção nacional do SUS, formada por composição paritária de 15 membros, sendo cinco indicados
pelo Ministério da Saúde, cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e
cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). A representação de
estados e municípios nessa Comissão é, portanto regional: um representante para cada uma das cinco
regiões existentes no País.
Comissões IntergestoresBipartites (CIB)
São constituídas paritariamente por representantes do governo estadual, indicados pelo Secretário de
Estado da Saúde, e dos secretários municipais de saúde, indicados pelo órgão de representação do
conjunto dos municípios do Estado, em geral denominado Conselho de Secretários Municipais de Saúde
(Cosems). Os secretários municipais de Saúde costumam debater entre si os temas estratégicos antes de
apresentarem suas posições na CIB. Os Cosems são também instâncias de articulação política entre
gestores municipais de saúde, sendo de extrema importância a participação dos gestores locais nesse
espaço.
Espaços regionais
A implementação de espaços regionais de pactuação, envolvendo os gestores municipais e estaduais, é
uma necessidade para o aperfeiçoamento do SUS. Os espaços regionais devem-se organizar a partir das
necessidades e das afinidades específicas em saúde existentes nas regiões.
Descentralização
Municipalização exige novas competências locais
O princípio de descentralização que norteia o SUS se dá, especialmente, pela transferência de
responsabilidades e recursos para a esfera municipal, estimulando novas competências e capacidades
político-institucionais dos gestores locais, além de meios adequados à gestão de redes assistenciais de
caráter regional e macrorregional, permitindo o acesso, a integralidade da atenção e a racionalização de
recursos. Os estados e a União devem contribuir para a descentralização do SUS, fornecendo cooperação
técnica e financeira para o processo de municipalização.
Regionalização: consensos e estratégias
As ações e os serviços de saúde não podem ser estruturados apenas na escala dos municípios. Existem no
Brasil milhares de pequenas municipalidades que não possuem em seus territórios condições de oferecer
serviços de alta e média complexidade; por outro lado, existem municípios que apresentam serviços de
referência, tornando-se pólos regionais que garantem o atendimento da sua população e de municípios
vizinhos. Em áreas de divisas interestaduais, são freqüentes os intercâmbios de serviços entre cidades
próximas, mas de estados diferentes. Por isso mesmo, a construção de consensos e estratégias regionais é
uma solução fundamental, que permitirá ao SUS superar as restrições de acesso, ampliando a capacidade
de atendimento e o processo de descentralização.
O financiamento da saúde pública
A EC n.º 29/2000 deu previsibilidade aos recursos
A Emenda Constitucional n.º 29/2000 estabeleceu uma participação orçamentária mínima obrigatória para
União, estados, Distrito Federal e municípios, para financiamento da saúde pública. O percentual fixado
para os municípios é, a partir de 2004, de no mínimo 15% do orçamento próprio. Municípios que aplicarem
recursos abaixo desse mínimo, podem sofrer sanções, como ajustes compensatórios progressivos (ao longo
de cinco anos), suspensão de repasses federais e intervenção do Estado; além disso, as autoridades
municipais responsáveis podem ser alvo de processos que as tornam inelegíveis. A Emenda Constitucional
nº 29/2000 ampliou os recursos para a saúde pública e lhes deu previsibilidade, permitindo o planejamento,
antes impossível devido às variações bruscas nos orçamentos, de um ano para outro. Tramita atualmente
no Congresso Nacional um projeto de lei que regulamenta esta Emenda.
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Como funcionam os Fundos de Saúde?
A gestão dos recursos financeiros da saúde pública se dá, por determinação legal, por meio dos Fundos de
Saúde, que existem nas três esferas de poder e se colocam, ao lado dos Conselhos, Planos de Saúde e
Relatórios de Gestão, como instrumentos fundamentais do SUS. Todos os recursos municipais, estaduais
ou federais alocados na saúde no município devem ser administrados pelo Fundo Municipal de Saúde
(FMS).
Transferências automáticas de recursos
As transferências automáticas de recursos (“fundo a fundo”) são repasses regulares feitos pelo Fundo
Nacional de Saúde para os estados, o Distrito Federal e os municípios, ou pelo Fundo Estadual de Saúde a
municípios. Esses repasses ocorrem independentemente de convênios ou instrumentos similares e se
destinam ao financiamento das ações e dos serviços do SUS, abrangendo recursos para a atenção básica e
para os procedimentos de média e alta complexidade. Se determinado município deixa de atender aos
requisitos estabelecidos pela lei na administração dessas verbas, perde sua habilitação para geri-las, e elas
passam a ser administradas, respectivamente, pelos estados ou pela União.
Monitoramento dos recursos e das ações
É atribuição constitucional da União acompanhar as ações e monitorar a aplicação dos recursos da saúde
os estados e nos municípios; e dos estados realizar essas funções com relação aos municípios. Cabe a
todos gerir com transparência e cuidado os recursos públicos.
4. Ações programáticas
Plano de saúde fixa diretriz e metas à saúde
municipal
É responsabilidade do gestor municipal desenvolver o processo de planejamento, programação e avaliação
da saúde local, de modo a atender as necessidades da população de seu município com eficiência e
efetividade. O Plano Municipal de Saúde (PMS) deve orientar as ações na área, incluindo o orçamento para
a sua execução. Um instrumento fundamental para nortear a elaboração do PMS é o Plano Nacional de
Saúde. Cabe ao Conselho Municipal de Saúde estabelecer as diretrizes para a formulação do PMS, em
função da análise da realidade e dos problemas de saúde locais, assim como dos recursos disponíveis. No
PMS, devem ser descritos os principais problemas da saúde pública local, suas causas, conseqüências e
pontos críticos. Além disso, devem ser definidos os objetivos e metas a serem atingidos, as atividades a
serem executadas, os cronogramas, as sistemáticas de acompanhamento e de avaliação dos resultados.
Sistemas de informações ajudam a planejar a saúde
O SUS opera e/ou disponibiliza um conjunto de sistemas de informações estratégicas para que os gestores
avaliem e fundamentem o planejamento e a tomada de decisões, abrangendo: indicadores de saúde;
informações de assistência à saúde no SUS (internações hospitalares, produção ambulatorial, imunização e
atenção básica); rede assistencial (hospitalar e ambulatorial); morbidade por local de internação e
residência dos atendidos pelo SUS; estatísticas vitais (mortalidade e nascidos vivos); recursos financeiros,
informações demográficas, epidemiológicas e socioeconômicas. Caminha-se rumo à integração dos
diversos sistemas informatizados de base nacional, que podem ser acessados no site do Datasus
(http://www.datasus.gov.br). Nesse processo, a implantação do Cartão Nacional de Saúde tem papel
central. Cabe aos prefeitos conhecer e monitorar esse conjunto de informações essenciais à gestão da
saúde do seu município.
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5. Atenção a Saúde
Níveis de atenção à saúde
O SUS ordena o cuidado com a saúde em níveis de atenção, que são de básica, média e alta
complexidade. Essa estruturação visa à melhor programação e planejamento das ações e dos serviços do
sistema de saúde. Não se deve, porém, desconsiderar algum desses níveis de atenção, porque a atenção à
saúde deve ser integral.
O que é atenção básica em saúde?
Constitui o primeiro nível de atenção à saúde adotada pelo SUS. É um conjunto de ações que engloba
promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Desenvolve-se por meio de práticas
gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a
populações de territórios delimitados, pelos quais assumem responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada
complexidade e baixa densidade, objetivando solucionar os problemas de saúde de maior freqüência e
relevância das populações. É o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde. Deve considerar
o sujeito em sua singularidade, complexidade, inteireza e inserção sociocultural, além de buscar a
promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos
que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável.
Por que as Unidades Básicas são prioridade?
Porque, quando as Unidades Básicas de Saúde funcionam adequadamente, a comunidade consegue
resolver com qualidade a maioria dos seus problemas de saúde. É comum que a primeira preocupação de
muitos prefeitos se volte para a reforma ou mesmo a construção de hospitais. Para o SUS, todos as níveis
de atenção são igualmente importantes, mas a prática comprova que a atenção básica deve ser sempre
prioritária, porque possibilita melhor organização e funcionamento também dos serviços de média e alta
complexidade. Estando bem estruturada, ela reduzirá as filas nos prontossocorros e hospitais, o consumo
abusivo de medicamentos e o uso indiscriminado de equipamentos de alta tecnologia. Isso porque os
problemas de saúde mais comuns passam a ser resolvidos nas Unidades Básicas de Saúde, deixando os
ambulatórios de especialidades e hospitais cumprirem seus verdadeiros papéis, o que resulta em maior
satisfação dos usuários e utilização mais racional dos recursos existentes.
Saúde da Família é a saúde mais perto do cidadão
A Saúde da Família é parte da estratégia de estruturação eleita pelo Ministério da Saúde para
reorganização da atenção básica no País, com recursos financeiros específicos para o seu custeio. Cada
equipe é composta por um conjunto de profissionais (médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e
agentes comunitários de saúde, podendo agora contar com profissional de saúde bucal) que se
responsabiliza pela situação de saúde de determinada área, cuja população deve ser de no mínimo 2.400 e
no máximo 4.500 pessoas. Essa população deve ser cadastrada e acompanhada, tornando-se
responsabilidade das equipes atendê-la, entendendo suas necessidades de saúde como resultado também
das condições sociais, ambientais e econômicas em que vive. Os profissionais é que devem ir até suas
casas, porque o objetivo principal da Saúde da Família é justamente aproximar as equipes das
comunidades e estabelecer entre elas vínculos sólidos.
A saúde municipal precisa ser integral
O município é responsável pela saúde de sua população integralmente, ou seja, deve garantir que ela tenha
acessos à atenção básica e aos serviços especializados (de média e alta complexidade), mesmo quando
localizados fora de seu território, controlando, racionalizando e avaliando os resultados obtidos.
Só assim estará promovendo saúde integral, como determina a legislação. É preciso que isso fique claro,
porque muitas vezes o gestor municipal entende que sua responsabilidade acaba na atenção básica em
saúde e que as ações e os serviços de maior complexidade são responsabilidade do Estado ou da União –
o que não é verdade.
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A promoção da saúde
A promoção da saúde é uma estratégia por meio da qual os desafios colocados para a saúde e as ações
sanitárias são pensados em articulação com as demais políticas e práticas sanitárias e com as políticas e
práticas dos outros setores, ampliando as possibilidades de comunicação e intervenção entre os atores
sociais envolvidos (sujeitos, instituições e movimentos sociais). A promoção da saúde deve considerar as
diferenças culturais e regionais, entendendo os sujeitos e as comunidades na singularidade de suas
histórias, necessidades, desejos, formas de pertencer e se relacionar com o espaço em que vivem. Significa
comprometer-se com os sujeitos e as coletividades para que possuam, cada vez mais, autonomia e
capacidade para manejar os limites e riscos impostos pela doença, pela constituição genética e por seu
contexto social, político, econômico e cultural. A promoção da saúde coloca, ainda, o desafio da
intersetorialidade, com a convocação de outros setores sociais e governamentais para que considerem
parâmetros sanitários, ao construir suas políticas públicas específicas, possibilitando a realização de ações
conjuntas.
Vigilância em saúde
Vigilância expande seus objetivos
Em um país com as dimensões do Brasil, com realidades regionais bastante diversificadas, a vigilância em
saúde é um grande desafio. Apesar dos avanços obtidos, como a erradicação da poliomielite, desde 1989, e
com a interrupção da transmissão de sarampo, desde 2000, convivemos com doenças transmissíveis que
persistem ou apresentam incremento na incidência, como a AIDS, as hepatites virais, as meningites, a
malária na região amazônica, a dengue, a tuberculose e a hanseníase. Observamos, ainda, aumento da
mortalidade por causas externas, como acidentes de trânsito, conflitos, homicídios e suicídios, atingindo,
principalmente, jovens e população em idade produtiva. Nesse contexto, o Ministério da Saúde com o
objetivo de integração, fortalecimento da capacidade de gestão e redução da morbimortalidade, bem como
dos fatores de risco associados à saúde, expande o objeto da vigilância em saúde pública, abrangendo as
áreas de vigilância das doenças transmissíveis, agravos e doenças não transmissíveis e seus fatores de
riscos; a vigilância ambiental em saúde e a análise de situação de saúde.
Competências municipais na vigilância em saúde
Compete aos gestores municipais, entre outras atribuições, as atividades de notificação e busca ativa de
doenças compulsórias, surtos e agravos inusitados; investigação de casos notificados em seu território;
busca ativa de declaração de óbitos e de nascidos vivos; garantia a exames laboratoriais para o diagnóstico
de doenças de notificação compulsória; monitoramento da qualidade da água para o consumo humano;
coordenação e execução das ações de vacinação de rotina e especiais (campanhas e vacinações de
bloqueio); vigilância epidemiológica; monitoramento da mortalidade infantil e materna; execução das ações
básicas de vigilância sanitária; gestão e/ou gerência dos sistemas de informação epidemiológica, no âmbito
municipal; coordenação, execução e divulgação das atividades de informação, educação e comunicação de
abrangência municipal; participação no financiamento das ações de vigilância em saúde e capacitação de
recursos.
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Capítulo IV – Estratégia Saúde da Família
1. Introdução
Nas últimas décadas, a crise estrutural do setor público é entrevista pela fragilidade apresentada tanto na
eficiência como na eficácia da gestão das políticas sociais e econômicas, o que gera um hiato entre os
direitos sociais constitucionalmente garantidos e a efetiva capacidade de oferta dos serviços públicos
associados aos mesmos. Como continuidade ao processo iniciado com as Ações Integradas de Saúde
(AIS), o qual foi seguido pelo movimento denominado Reforma Sanitária – amplamente debatido por
ocasião da VIII Conferência Nacional de Saúde, cujas repercussões culminaram na redação do artigo 196
da Constituição de 1988 –, a efetiva consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) está diretamente
ligada à superação dessa problemática. Com relação aos estados e municípios, o processo de
descentralização foi deflagrado através dos convênios do Sistema Descentralizado e Unificado de Saúde
(SUDS), enquanto se realizavam os debates para aprovação da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
complementada pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro do mesmo ano.
Em vista da necessidade do estabelecimento de mecanismos capazes de assegurar a continuidade dessas
conquistas sociais, várias propostas de mudanças – inspiradas pela Reforma Sanitária e pelos princípios do
SUS – têm sido esboçadas ao longo do tempo, traduzidas, entre outras, nos projetos de criação dos
distritos sanitários e dos sistemas locais de saúde. Essas iniciativas, entretanto, apresentam avanços e
retrocessos e seus resultados têm sido pouco perceptíveis na estruturação dos serviços de saúde,
exatamente por não promover mudanças significativas no modelo assistencial. Nessa perspectiva, surgem
situações contraditórias para estados e municípios, relacionadas à descontinuidade do processo de
descentralização e ao desenho de um novo modelo. Assim, o PSF elege como ponto central o
estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de corresponsabilidade entre os
profissionais de saúde e a população.
Sob essa ótica, a estratégia utilizada pelo Programa Saúde da Família (PSF) visa a reversão do modelo
assistencial vigente. Por isso, nesse, sua compreensão só é possível através da mudança do objeto de
atenção, forma de atuação e organização geral dos serviços, reorganizando a prática assistencial em novas
bases e critérios. Essa perspectiva faz com que a família passe a ser o objeto precípuo de atenção,
entendida a partir do ambiente onde vive. Mais que uma delimitação geográfica, é nesse espaço que se
constróem as relações intra e extrafamiliares e onde se desenvolve a luta pela melhoria das condições de
vida – permitindo, ainda, uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e, portanto, da
necessidade de intervenções de maior impacto e significação social. As ações sobre esse espaço
representam desafios a um olhar técnico e político mais ousado, que rompa os muros das unidades de
saúde e enraíze-se para o meio onde as pessoas vivem, trabalham e se relacionam. Embora rotulado como
programa, o PSF, por suas especificidades, foge à concepção usual dos demais programas concebidos no
Ministério da Saúde, já que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde.
Pelo contrário, caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e promove a organização
das atividades em um território definido, com o propósito de propiciar o enfrentamento e resolução dos
problemas identificados.
Acerca desses aspectos, o Ministério da Saúde reafirma positivamente os valores que fundamentam as
ações do PSF, entendendo-o como uma proposta substitutiva com dimensões técnica, política e
administrativa inovadoras. O PSF não é uma estratégia desenvolvida para atenção exclusiva ao grupo
mulher e criança, haja vista que se propõe a trabalhar com o princípio da vigilância à saúde, apresentando
uma característica de atuação inter e multidisciplinar e responsabilidade integral sobre a população que
reside na área de abrangência de suas unidades de saúde. Outro equívoco – que merece negativa – é a
identificação do PSF como um sistema de saúde pobre para os pobres, com utilização de baixa tecnologia.
Tal assertiva não procede, pois o Programa deve ser entendido como modelo substitutivo da rede básica
tradicional –
de cobertura universal, porém assumindo o desafio do princípio da eqüidade – e reconhecido como uma
prática que requer alta complexidade tecnológica nos campos do conhecimento e do desenvolvimento de
habilidades e de mudanças de atitudes.
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2. Objetivos
2.1 Geral
Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os
princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas
de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população.
2.2 Específicos
. Prestar, na unidade de saúde e no domicílio, assistência integral, contínua, com resolubilidade e boa
qualidade às
necessidades de saúde da população adscrita . Intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está
exposta . Eleger a família e o seu espaço social como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde
. Humanizar as práticas de saúde através do estabelecimento de um vínculo entre os profissionais de saúde
e a população.
Proporcionar o estabelecimento de parcerias através do desenvolvimento de ações intersetoriais . Contribuir
para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da
produção social da saúde . Fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de cidadania e,
portanto, expressão da qualidade de vida. Estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício
do controle social.
3. Diretrizes Operacionais
As diretrizes a serem seguidas para a implantação do modelo de Saúde da Família nas unidades básicas
serão operacionalizadas de acordo com as realidades regionais, municipais e locais.
3.1 Caráter substitutivo, complementariedade e hierarquização
A unidade de Saúde da Família nada mais é que uma unidade pública de saúde destinada a realizar
atenção contínua nas especialidades básicas, com uma equipe multiprofissional habilitada para desenvolver
as atividades de promoção, proteção e recuperação, características do nível primário de atenção.
Representa o primeiro contato da população com o serviço de saúde do município, assegurando a
referência e contra-referência para os diferentes níveis do sistema, desde que identificada a necessidade de
maior complexidade tecnológica para a resolução dos problemas identificados. Corresponde aos
estabelecimentos denominados, segundo classificação do Ministério da Saúde, como Centros de Saúde. Os
estabelecimentos denominados Postos de Saúde poderão estar sob a responsabilidade e acompanhamento
de uma unidade de Saúde da Família. A unidade de Saúde da Família caracteriza-se como porta de entrada
do sistema local de saúde. Não significa a criação de novas estruturas assistenciais, exceto em áreas
desprovidas, mas substitui as práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada nos princípios da
vigilância à saúde.
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4. Adscrição da clientela
A unidade de Saúde da Família deve trabalhar com a definição de um território de abrangência, que
significa a área sob sua responsabilidade. Uma unidade de Saúde da Família pode atuar com uma ou mais
equipes de profissionais, dependendo do número de famílias a ela vinculadas. Recomenda-se que, no
âmbito de abrangência da unidade básica, uma equipe seja responsável por uma área onde residam de 600
a 1.000 famílias, com o limite máximo de 4.500 habitantes. Este critério deve ser flexibilizado em razão da
diversidade sociopolítica e econômica das regiões, levando-se em conta fatores como densidade
populacional e acessibilidade aos serviços, além de outros considerados como de relevância local.
4.1 Cadastramento
As equipes de saúde deverão realizar o cadastramento das famílias através de visitas aos domicílios,
segundo a definição da área territorial pré-estabelecida para a adscrição. Nesse processo serão
identificados os componentes familiares, a morbidade referida, as condições de moradia, saneamento e
condições ambientais das áreas onde essas famílias estão inseridas. Essa etapa inicia o vínculo da unidade
de saúde/ equipe com a comunidade, a qual é informada da oferta de serviços disponíveis e dos locais,
dentro do sistema de saúde, que prioritariamente deverão ser a sua referência.
A partir da análise da situação de saúde local e de seus determinantes, os profissionais e gestores
possuirão os dados iniciais necessários para o efetivo planejamento das ações a serem desenvolvidas. O
cadastramento possibilitará que, além das demandas específicas do setor saúde, sejam identificados outros
determinantes para o desencadeamento de ações das demais áreas da gestão municipal, visando contribuir
para uma melhor qualidade de vida da população.
4.2 Instalação das unidades de Saúde da Família
As unidades de Saúde da Família deverão ser instaladas nos postos de saúde, centros de saúde ou
unidades básicas de saúde já existentes no município, ou naquelas a serem reformadas ou construídas de
acordo com a programação municipal em áreas que não possuem nenhum equipamento de saúde. Por sua
vez, a área física das unidades deverá ser adequada à nova dinâmica a ser implementada. O número de
profissionais de cada unidade deve ser definido de
acordo com os seguintes princípios básicos: - capacidade instalada da unidade - quantitativo populacional a
ser assistido - enfrentamento dos determinantes do processo saúde/ doença - integralidade da atenção possibilidades locais
Composição das equipes
É recomendável que a equipe de uma unidade de Saúde da Família seja composta, no mínimo, por um
médico de família ou generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde
(ACS). Outros profissionais de saúde poderão ser incorporados a estas unidades básicas, de acordo com
as demandas e características da organização dos serviços de saúde locais, devendo estar identificados
com uma proposta de trabalho que exige criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e em grupo.
Os profissionais das equipes de saúde serão responsáveis por sua população adscrita, devendo residir no
município onde atuam, trabalhando em regime de dedicação integral. Para garantir a vinculação e
identidade cultural com as famílias sob sua responsabilidade, os Agentes Comunitários de Saúde devem,
igualmente, residir nas suas respectivas áreas de atuação.
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4.3 Atribuições das equipes
As atividades deverão ser desenvolvidas de forma dinâmica, com avaliação permanente através do
acompanhamento dos indicadores de saúde de cada área de atuação. Assim, as equipes de Saúde da
Família devem estar preparadas para: - conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis,
com ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas - identificar os problemas de
saúde prevalentes e situações de risco aos quais a população está exposta - elaborar, com a participação
da comunidade, um plano local para o enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença restar assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada à demanda organizada ou
espontânea, com ênfase nas ações de promoção à saúde - resolver, através da adequada utilização do
sistema de referência e contra-referência, os principais problemas detectados - desenvolver processos
educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos - promover ações intersetoriais
para o enfrentamento dos problemas identificados A base de atuação das equipes são as unidades básicas
de saúde, incluindo as atividades de: - visita domiciliar - com a finalidade de monitorar a situação de saúde
das famílias. A equipe deve realizar visitas programadas ou voltadas ao atendimento de demandas
espontâneas, segundo critérios epidemiológicos e de identificação de situações de risco.
O acompanhamento dos Agentes Comunitários de Saúde em microáreas, selecionadas no território de
responsabilidade das unidades de Saúde da Família, representa um componente facilitador para a
identificação das necessidades e racionalização do emprego dessa modalidade de atenção - internação
domiciliar - não substitui a internação hospitalar tradicional. Deve ser sempre utilizada no intuito de
humanizar e garantir maior qualidade e conforto ao paciente. Por isso, só deve ser realizada quando as
condições clínicas e familiares do paciente a permitirem. A hospitalização deve ser feita sempre que
necessária, com o devido acompanhamento por parte da equipe - participação em grupos comunitários - a
equipe deve estimular e participar de reuniões de grupo, discutindo os temas relativos ao diagnóstico e
alternativas para a resolução dos problemas identificados como prioritários pelas comunidades.
4.3.1
Atribuições do médico
Preferencialmente, o médico da equipe preconizada pelo PSF deve ser um generalista; portanto, deve
atender a todos os componentes das famílias, independentemente de sexo e idade. Esse profissional
deverá comprometer-se com a pessoa, inserida em seu contexto biopsicossocial, e não com um conjunto
de conhecimentos específicos ou grupos de doenças. Sua atuação não deve estar restrita a problemas de
saúde rigorosamente definidos. Seu compromisso envolve ações que serão realizadas enquanto os
indivíduos ainda estão saudáveis.
Ressalte-se que o profissional deve procurar compreender a doença em seu contexto pessoal, familiar e
social. A convivência contínua lhe propicia esse conhecimento e o aprofundamento do vínculo de
responsabilidade para a resolução dos problemas e manutenção da saúde dos indivíduos. Suas atribuições
básicas são: - prestar assistência integral aos indivíduos sob sua responsabilidade - valorizar a relação
médico-paciente e médico-família como parte de um processo terapêutico e de confiança - oportunizar os
contatos com indivíduos sadios ou doentes, visando abordar os aspectos preventivos e de educação
sanitária - empenhar-se em manter seus clientes saudáveis, quer venham às consultas ou não - executar
ações básicas de vigilância epidemiológica e sanitária em sua área de abrangência - executar as ações de
assistência nas áreas de atenção à criança, ao adolescente, à mulher, ao trabalhador, ao adulto e ao idoso,
realizando também atendimentos de primeiros cuidados nas urgências e pequenas cirurgias ambulatoriais,
entre outros - promover a qualidade de vida e contribuir para que o meio ambiente seja mais saudável discutir de forma permanente - junto à equipe de trabalho e comunidade - o conceito de cidadania,
enfatizando os direitos à saúde e as bases legais que os legitimam - participar do processo de programação
e planejamento das ações
e da organização do processo de trabalho das unidades de Saúde da Família.
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4.3.2
Atribuições do enfermeiro
Este profissional desenvolve seu processo de trabalho em dois campos essenciais: na unidade de saúde,
junto à equipe de profissionais, e na comunidade, apoiando e supervisionando o trabalho dos ACS, bem
como assistindo às pessoas que necessitam de atenção de enfermagem, Suas atribuições básicas são:
- executar, no nível de suas competências, ações de assistência básica de vigilância epidemiológica e
sanitária nas áreas de atenção à criança, ao adolescente, à mulher, ao trabalhador e ao idoso - desenvolver
ações para capacitação dos ACS e auxiliares de enfermagem, com vistas ao desempenho de suas funções
junto ao serviço de saúde - oportunizar os contatos com indivíduos sadios ou doentes, visando promover a
saúde e abordar os aspectos de educação sanitária - promover a qualidade de vida e contribuir para que o
meio ambiente torne-se mais saudável - discutir de forma permanente, junto a equipe de trabalho e
comunidade, o conceito de cidadania, enfatizando os direitos de saúde e as bases legais que os legitimam
- participar do processo de programação e planejamento das ações e da organização do processo de
trabalho das unidades de Saúde da Família.
4.3.3
Atribuições do auxiliar de enfermagem
As ações do auxiliar de enfermagem são desenvolvidas nos espaços da unidade de saúde e no
domicílio/comunidade, e suas atribuições básicas são: - desenvolver, com os Agentes Comunitários de
Saúde, atividades de identificação das famílias de risco - contribuir, quando solicitado, com o trabalho dos
ACS no que se refere às visitas domiciliares - acompanhar as consultas de enfermagem dos indivíduos
expostos às situações de risco, visando garantir uma melhor monitoria de suas condições de saúde executar, segundo sua qualificação profissional, os procedimentos de vigilância sanitária e epidemiológica
nas áreas de atenção à criança, à mulher, ao adolescente, ao trabalhador e ao idoso, bem como no controle
da tuberculose, hanseníase, doenças crônico-degenerativas e infecto-contagiosas - participar da discussão
e organização do processo de trabalho da unidade de saúde.
4.3.4
Atribuições do Agente Comunitário de Saúde
O ACS desenvolverá suas ações nos domicílios de sua área de responsabilidade e junto à unidade para
programação e supervisão de suas atividades. Suas atribuições básicas são: - realizar mapeamento de sua
área de atuação - cadastrar e atualizar as famílias de sua área - identificar indivíduos e famílias expostos a
situações de risco - realizar, através de visita domiciliar, acompanhamento mensal de todas as famílias sob
sua responsabilidade - coletar dados para análise da situação das famílias acompanhadas - desenvolver
ações básicas de saúde nas áreas de atenção à criança, à mulher, ao adolescente, ao trabalhador e ao
idoso, com ênfase na promoção da saúde e prevenção de doenças - promover educação em saúde e
mobilização comunitária, visando uma melhor qualidade de vida mediante ações de saneamento e
melhorias do meio ambiente - incentivar a formação dos conselhos locais de saúde - orientar as famílias
para a utilização adequada dos serviços de saúde - informar os demais membros da equipe de saúde
acerca da dinâmica social da comunidade, suas disponibilidades e necessidades - participação no processo
de programação e planejamento local das ações relativas ao território de abrangência da unidade de Saúde
da Família, com vistas a superação dos problemas identificados.
5. Diagnóstico da saúde da comunidade
Para planejar e organizar adequadamente as ações de saúde, a equipe deve realizar o cadastramento das
famílias da área de abrangência e levantar indicadores epidemiológicos e sócio-econômicos. Além das
informações que compõem o cadastramento das famílias, deverão ser também utilizadas as diversas fontes
de informação que possibilitem melhor identificação da área trabalhada., sobretudo as oficiais, como dados
do IBGE, cartórios e secretarias de saúde. Igualmente, devem ser valorizadas fontes qualitativas e de
informações da própria comunidade.
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5.1 Planejamento/programação local
Para planejar localmente, faz-se necessário considerar tanto quem planeja como para quê e para quem se
planeja. Em primeiro lugar, é preciso conhecer as necessidades da população, identificadas a partir do
diagnóstico realizado e do permanente acompanhamento das famílias adscritas. O pressuposto básico do
PSF é o de que quem planeja deve estar imerso na realidade sobre a qual se planeja. Além disso, o
processo de planejamento deve ser pensado como um todo e direcionado à resolução dos problemas
identificados no território de responsabilidade da unidade de
saúde, visando a melhoria progressiva das condições de saúde e de qualidade de vida da população
assistida. Essa forma de planejamento contrapõe-se ao planejamento centralizado, habitual na
administração clássica, em vista de características tais como abertura à democratização, concentração em
problemas específicos, dinamismo e aproximação dos seus objetivos à vida das pessoas.
5.2 Complementariedade
Como já foi dito, a unidade de Saúde da Família deve ser a porta de entrada do sistema local de saúde. A
mudança no modelo tradicional exige a integração entre os vários níveis de atenção e, nesse sentido, já que
apresenta um poder indutor no reordenamento desses níveis, articulando-os através de serviços existentes
no município ou região, o PSF é um dos componentes de uma política de complementariedade, não
devendo isolar-se do sistema local.
Como um projeto estruturante, Saúde da Família deve provocar uma transformação interna ao próprio
sistema, com vistas á reorganização das ações e serviços de saúde. Essa mudança implica na colaboração
entre as áreas de promoção e assistência á saúde, rompendo com a dicotomia entre as ações de saúde
pública e a atenção médica individual.
5.3 Abordagem multiprofissional
O atendimento no PSF deve ser sempre realizado por uma equipe multiprofissional. A constituição da
equipe deve ser planejada levando-se em consideração alguns princípios básicos: - o enfrentamento dos
determinantes do processo saúde/ doença - a integralidade da atenção - a ênfase na prevenção, sem
descuidar do atendimento curativo - o atendimento nas clínicas básicas de pediatria, ginecologiaobstetrícia,
clínica médica e clínica cirúrgica (pequenas cirurgias ambulatoriais) - a parceria com a comunidade - as
possibilidades locais.
5.4 Referência e contra-referência
Em conformidade com o princípio da integralidade, o atendimento no PSF deve, em situações específicas,
indicar o encaminhamento do paciente para níveis de maior complexidade. Estes encaminhamentos não
constituem uma exceção, mas sim uma continuidade previsível e que deve ter critérios bem conhecidos
tanto pelos componentes das equipes de Saúde da Família como pelas demais equipes das outras áreas do
sistema de saúde. Compete ao serviço municipal de saúde definir, no âmbito municipal ou regional, os
serviços disponíveis para a realização de consultas especializadas, serviços de apoio diagnóstico e
internações hospitalares. A responsabilidade pelo acompanhamento dos indivíduos e famílias deve ser
mantida em todo o processo de referência e contrareferência.
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5.5 Educação continuada
Para que produza resultados satisfatórios, a equipe de Saúde da Família necessita de um processo de
capacitação e informação contínua e eficaz, de modo a poder atender às necessidades trazidas pelo
dinamismo dos problemas. Além de possibilitar o aperfeiçoamento profissional, a educação continuada é
um importante mecanismo no desenvolvimento da própria concepção de equipe e de vinculação dos
profissionais com a população - característica que fundamenta todo o trabalho do PSF.
Da mesma forma que o planejamento local das ações de saúde responde ao princípio de participação
ampliada, o planejamento das ações educativas deve estar adequado às peculiaridades locais e regionais,
à utilização dos recursos técnicos disponíveis e à busca da integração com as universidades e instituições
de ensino e de capacitação de recursos humanos. A formação em serviço deve ser priorizada, uma vez que
permite melhor adequação entre os requisitos da formação e as necessidades de saúde da população
atendida. A educação permanente deve iniciar-se desde o treinamento introdutório da equipe, e atuar
através de todos os meios pedagógicos e de comunicação disponíveis, de acordo com as realidades de
cada contexto - ressalte-se que a educação à distância deve também ser incluída entre essas alternativas.
5.6 Estímulo à ação intersetorial
A busca de uma ação mais integradora dos vários setores da administração pública pode ser um elemento
importante no trabalho das equipes de Saúde da Família. Como conseqüência de sua análise ampliada do
processo saúde/doença, os profissionais do PSF deverão atuar como catalisadores de várias políticas
setoriais, buscando uma ação sinérgica. Saneamento, educação, habitação, segurança e meio ambiente
são algumas das áreas que devem estar integradas às ações do PSF, sempre que possíveis.
A parceria e a ação tecnicamente integrada com os diversos órgãos do poder público que atuam no âmbito
das políticas sociais são objetivos perseguidos. A questão social não será resolvida apenas pelo esforço
setorial isolado da saúde; tampouco se interfere na própria situação sanitária sem que haja a interligação
com os vários responsáveis pelas políticas sociais.
5.7Acompanhamento e avaliação
A avaliação, assim como todas as etapas do PSF, deve considerar a realidade e as necessidades locais, a
participação popular e o caráter dinâmico e perfectível da proposta - que traz elementos importantes para a
definição de programas de educação continuada, aprimoramento gerencial e aplicação de recursos, entre
outros. O resultado das avaliações não deve ser considerado como um dado exclusivamente técnico, mas
sim como uma informação de interesse de todos (gestores, profissionais e população ). Por isso, devem ser
desenvolvidas formas de ampliação da divulgação e discussão dos dados obtidos no processo de
avaliação. É importante ressaltar que os instrumentos utilizados para a avaliação devem ser capazes de
aferir: - alterações efetivas do modelo assistencial - satisfação do usuário - satisfação dos profissionais qualidade do atendimento/desempenho da equipe - impacto nos indicadores de saúde Por sua vez, o
acompanhamento do desenvolvimento e a avaliação dos resultados da atuação das unidades de Saúde da
Família podem ser realizados através de: - sistema de informação - a organização de um sistema de
informações deve permitir o monitoramento do desempenho das unidades de Saúde da Família, no que se
refere à resolubilidade das equipes, melhoria do perfil epidemiológico e eficiência das decisões gerenciais.
Para tanto, deve contar com os seguintes instrumentos: cadastro familiar, cartão de identificação, prontuário
familiar e ficha de registros de atendimentos - relatório de gestão - é um instrumento vital para o
acompanhamento do processo e resultados da organização das ações e serviços das unidades de Saúde
da Família, em especial no tocante ao impacto nos indicadores de saúde, bem como nas ações referentes
às demais áreas da gestão municipal - outros instrumentos definidos pelos gestores municipais e/ ou
Estaduais.
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5.8
Controle social
O controle social do sistema de saúde é um princípio e uma garantia constitucional regulamentada pela Lei
Orgânica de Saúde (Lei nº 8.142/90). Assim, as ações desenvolvidas pelo PSF devem seguir as diretrizes
estabelecidas pela legislação no que se refere à participação popular. Muito mais do que apenas segui-las,
o PSF tem uma profunda identidade de propósitos com a defesa da participação popular em saúde,
particularmente na adequação das ações de saúde às necessidades da população.
A Lei nº 8.142/90 definiu alguns fóruns próprios para o exercício do controle social - as conferências e os
conselhos de saúde -, a serem efetivados nas três esferas de governo. Porém, a participação da população
não se restringe apenas a esses. Através de outras instâncias formais (como Câmaras de Vereadores e
Associação de Moradores) e informais, os profissionais de saúde devem facilitar e estimular a população a
exercer o seu direito de participar da definição, execução, acompanhamento e fiscalização das políticas
públicas do setor.
Capítulo V – Processo de Trabalho em Saúde
1. Gênese do conceito
Pioneiramente, Maria Cecília Ferro Donnangelo (1975, 1976), no final da década de 1960,
iniciou estudos sobre a profissão médica, o mercado de trabalho em saúde e a medicina
como prática técnica e social. Utilizou como referenciais teóricos estudos sociológicos, o
que lhe permitiu construir análises consistentes sobre as relações entre saúde e sociedade e
entre profissão médica e práticas sociais no país, rompendo com a visão que o modo de
executar a prática médica e as relações entre os indivíduos envolvidos (usuários, médicos e
demais profissionais de saúde) seriam independentes da vida social (Mota, Silva &Schraiber,
2004; Schraiber, 1997).
Esses estudos tiveram vários desdobramentos, no Brasil e na América Latina, na área
médica e nas demais áreas profissionais da saúde, constituindo -se importante referencial
para o estudo do campo da saúde, sobretudo em relação a duas grandes tem áticas: de um
lado, as políticas e estruturação da assistência, que derivou em muitos estudos do sistema
de saúde brasileiro, até o atual Sistema Único de Saúde (SUS); de outro, os estudos sobre o
mercado, as profissões e as práticas de saúde.
Esta segunda linha expandiu-se para a constituição de dois importantes conceitos: força de
trabalho em saúde e ‘processo de trabalho em saúde ’ (Schraiber, 1997). Ricardo Bruno
Mendes Gonçalves, discípulo e colaborador de Donnangelo, foi o autor que formulou o
conceito de ‘processo de trabalho em saúde ’, a partir da análise do processo de trabalho
médico, em particular.
Mendes Gonçalves (1979, 1992) estuda a aplicação da teoria marxista do trabalho ao campo
da saúde. Segundo Marx (1994), no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma
transformação no objeto sobre o qual atu a por meio de instrumentos de trabalho para a
produção de produtos, e essa transformação está subordinada a um determinado fim.
Portanto, os três elementos componentes do processo de trabalho são: a atividade
adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho, o objeto de trabalho, ou seja, a matéria a que
se aplica o trabalho, e os instrumentos ou meios do trabalho. Im portante lembrar que o
processo de trabalho e seus componentes constituem categorias de análise, portanto
abstrações teóricas por meio das quais é possível abordar e compreender certos aspectos
da realidade, no presente caso, as práticas de saúde, cujo trabalho constitui “a base mais
fundamental de sua efetivação” (Mendes Gonçalves, 1992, p. 2).
No estudo do processo de trabalho em saúde Mendes Gonçalves (1979, 1992) analisa os
seguintes componentes: o objeto do trabalho, o s instrumentos, a finalidade e os agentes, e
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destaca que esses elementos precisam ser examinados de forma articulada e não em
separado, pois somente na sua relação recíproca configuram um dado processo de trabalho
específico.
O objeto representa o que vai ser transformado: a matéria -prima (matéria em estado natural
ou produto de trabalho anterior), e no setor saúde , necessidades humanas de saúde. O
objeto será, pois, aquilo sobre o qual incide a ação do trabalhador. Segundo Mendes
Gonçalves o objeto de trabalho contém, potencialmente, o produto resultante do processo de
transformação efetivado pelo trabalho, no enta nto, não deixa essa qualidade potencial
transparecer por si mesma, imediatamente, de modo que essa qualidade de produto precisa
ser evidenciada ativamente no objeto.
Portanto, um certo aspecto da realidade destaca -se como objeto de trabalho somente
quando o sujeito assim o delimita, o objeto de trabalho não é um objeto natural, não existe
enquanto objeto por si só, mas é recortado por um ‘olhar’ que contém um projeto de
transformação, com uma finalidade. Esta representa a intencionalidade do processo de
trabalho, o projeto prévio de alcançar o produto desejado que está na mente do trabalhador,
ou seja, em que direçã o e perspectiva será realizada a transformação do objeto em produto.
Os instrumentos de trabalho tampouco são naturais, mas constituídos historicamente pelos
sujeitos que, assim, ampliam as possibilidades de intervenção sobre o objeto. O meio ou
instrumento de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador insere
entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse
objeto (Marx, 1994). Mendes Gonçalves (1979, 1992, 1994) analisa, no ‘ processo de
trabalho em saúde’, a presença de instrumentos materiais e não -materiais.
Os primeiros são os equipamentos, material de c onsumo, medicamentos, instalações,
outros. Os segundos são os saberes, que articulam em determinados arranjos os sujeitos
(agentes do processo de trabalho) e os instrumentos materiais. Além disso, constituem
ferramentas principais do trabalho de natureza intelectual. O autor salienta que esses
saberes são também os que permitem a apreensão do objeto de trabalho.
Objeto e instrumentos de trabalho só podem ser configurados por referência à sua posição
relacional, intermediada pela presença do agente do trabalho que lhe imprime uma dada
finalidade. Por meio da presença e ação do agente do trabalho torna -se possível o processo
de trabalho – a dinâmica entre objeto, instrumentos e atividade.
Portanto, o agente pode ser interpreta do, ele próprio, como instrumento do trabalho e,
imediatamente sujeito da ação, na medida em que traz, para dentro do processo de trabalho,
além do projeto prévio e sua finalidade, outros projetos de caráter coletivo e pessoal, dentro
de um certo campo de possíveis (Peduzzi, 1998).
O conceito ‘processo de trabalho em saúde ’ diz respeito à dimensão microscópica do
cotidiano do trabalho em saúde, ou seja, à prática dos trabalhadores/ profissionais de saúde
inseridos no dia-a-dia da produção e consumo de serviços de saúde. Contudo, é necessário
compreender que neste processo de trabalho cotidiano está reproduzida toda a dinâmica do
trabalho humano, o que torna necessário introduzir alguns aspectos centrais do trab alho que
é a grande categoria de análise da qual deriva o conceito de ‘ processo de trabalho em
saúde’.
O trabalho constitui o processo de mediação entre homem e natureza, visto que o homem
faz parte da natureza, mas consegue diferenciar -se dela por sua ação livre e pela
intencionalidade e finalidade que imprime ao trabalho. Portanto, o trabalho é um processo no
qual os seres humanos atuam sobre as forças da natureza submetendo - as ao seu controle e
transformando- as em formas úteis à sua vida, e nesse processo de intercâmbio,
simultaneamente, transformam a si próprios.
Todo trabalho produz algo que tem utilidade e p ode ser trocado por outros produtos
necessários. Contudo, no processo de produção da sociedade capitalista, são tornados
radicalmente distintos o valor de uso e o valor de troca. O valor de uso é produzido no
trabalho concretamente realizado ou chamado trabalho concreto, o qual dá o sentido
qualitativo do produto. O valor de troca corresponde ao valor que o produto adquire como
mercadoria colocada em mercado, o que só se revela quando se contrapõem mercadorias de
valores de usos diversos, pois o valor de troca não é algo inerente à mercadoria. O valor de
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troca faz aflorar a dimensão de trabalho abstrato, na qual o produto do trabalho perde
sentido (utilidade) e assume um significado quantitativo de co isas produzidas em
quantidade.
É nesta dimensão que o agente de trabalho torna -se alienado do sentido desse trabalho, do
produto dele e de si próprio como agente dessa produção. O trabalho é, portanto, uma
transformação não só de objetos, mas do próprio tr abalhador, e, nesse sentido, um
movimento dialético de exploração/alienação e de criação/emancipação (Antunes, 1995,
1999, 2005).
2. Desenvolvimento histórico
Embora o conceito de ‘processo de trabalho em saúde ’ tenha sido desenvolvido inicialmente
com base no trabalho médico desde o início dos anos 80, passa a ser utilizado para o estudo
de processos de trabalho es pecíficos de outras áreas profissionais em saúde. Dentre estes,
destaca-se a área de enfermagem que inicia a análise do processo de trabalho de
enfermagem com a tese de Doutorado de Maria Cecília Puntel de Almeida, de 1984 (Almeida
& Rocha, 1986), seguida de várias outras pesquisas com esta abordagem até a atualidade.
Embora Mendes Gonçalves tenha apontado para a categoria ‘necessidades’ e a categoria
‘saber’ como elementos do processo de trabalho desde sua formulação ori ginal, ao longo do
desenvolvimento do conceito, este mesmo autor retoma estas categorias. Em seu texto de
1992, analisa a consubstancialidade entre trabalho e necessidades humanas, de modo que
os processos de trabalho são também ‘re -produção’ das necessida des, ou seja, tanto
reiteram as necessidades de saúde e o modo como os serviços se organizam para atendê las quanto podem criar novas necessidades e respectivos processos de trabalho e modelos
de organização de serviços.
Já na categoria ‘saber’, o autor mo stra que, ao expressar a intermediação entre ciência e
trabalho, remete à dimensão tecnológica deste. Formula, então, o saber como o recurso que
põe em movimento os demais componentes do processo de trabalho. Será, pois, saber
operante ou tecnológico – saber que tem sua origem ‘no’ e ‘através do’ processo de
trabalho, fundamentando intervenção em saúde (Mendes Gonçalves, 1994; Schraiber, 1996;
Peduzzi, 1998).
Um último aspecto a ser desenvolvido por Mendes Gonçalves e que terá muitas
repercussões no campo da saúde, refere -se aos aspectos dinâmicos e relacionais do
‘processo de trabalho em saúde’. Se os primeiros estudos buscam, na referência da
sociabilidade e historicidade do trabalho em saúde, suas articulaç ões na estrutura social, a
articulação do estudo do ‘processo de trabalho em saúde ’ com abordagens teóricas, como
Canguilhem (1982), Heller (1991) e a escola de Frankfurt (Habermas, 1994, 2001), permitirá,
no dizer de José Ricardo Ayres (2002), tratar mais positiva e produtivamente os aspectos
relacionais do trabalho em saúde, necessários para pensá-lo não apenas como estrutura de
sociabilidade, mas como prática social.
Ao introduzir a análise da micropolítica do trabalho vivo em ato na saúde e a tipologia das
tecnologias em saúde (leve, leve-dura e dura), Emerson Elias Merhy (Merhy, 1997, 2002;
Merhy&Chakhour, 1997) parte das contribuições de Mendes Gonçalves e de autores como
CorneliusCastoriades, Felix Guatarri e Gilles Delleuze, da escola de análise institucional.
Recuperando de Marx a concepção de trabalho vivo e trabalho morto, define este último
como todos os produtos-meio que estão envolvidos no processo de trabalho e que são
resultado de um trabalho anteriormente r ealizado, e aquele outro como trabalho instituinte,
buscando compreender a potencialidade de esse trabalho vivo em ato questionar, no próprio
processo de trabalho, a intencionalidade e a finalidade do trabalho em saúde e de seus
modos de operar os modelos tecno-assistencias.
A dimensão processual e transformadora do trabalho vivo em ato na saúde é atribuída à
característica desse trabalho que tem a sua essencialidade na ação. E como tal será fonte
de tecnologias, na medida em que o trabalho em ato pode abrir linhas de fuga no já
instituído.
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3. Emprego do conceito na área da saúde na atualidade
O estudo do ‘processo de trabalho em saúde ’ representou desde sua origem e continua
representando importante abordagem teórico -conceitual para as questões sobre recursos
humanos em saúde. Segundo Nogueira (2002), a noção clássica de trabalho e de processo
de trabalho constitui relevante categoria interpretativa nos estudos sobre recursos humanos
em saúde. Nesse sentido, destaca-se o Projeto Capacitação em Desenvolvimento de
Recursos Humanos de Saúde – CADRHU –, implantado em 1987, que, em sua primeira
unidade didática, previa a caracterização da problemática de recursos humanos de saúde
como parte do processo produtivo do setor saúde, em especial, como processo de trabalho
(Santana & Castro, 1999).
A partir dos anos 90, um conjunto de questões novas estabelece um diviso r de águas para a
reflexão e pesquisa sobre o ‘processo de trabalho em saúde ’: por um lado, aparecem
questões relacionadas às novas formas de trabalho flexível e/ou informal e da regulação
realizada pelo Estado, com foco nos mecanismos institucionais de gestão do trabalho; por
outro, as questões da integralidade do cuidado e da autonomia dos sujeitos, cujo foco de
análise se desloca para o plano da interação envolvendo a relação profissional - usuário ou
as relações entre os profissionais (Nogueira, 2002). No que se refere especificamente ao
cuidado em saúde, destacam -se as contribuições do estudo sobre o trabalho vivo em ato
(Merhy, 1997, 2002; Merhy&Chakhour, 1 997) e sobre a intersubjetividade e a prátic a
dialógica (Ayres, 2001, 2002).
Assim, na atualidade, o conceito ‘ processo de trabalho em saúde ’ é utilizado no estudo dos
processos de trabalho específicos das diferentes áreas que compõem o campo da saúde,
permitindo sua abordagem como práticas sociais para além de áreas profissionais
especializadas. Também é utilizad o nas pesquisas e intervenções sobre atenção à saúde,
gestão em saúde, modelos assistenciais, trabalho em equipe de saúde, cuidado em saúde e
outros temas, permitindo abordar tanto aspectos estruturais como aspectos relacionados aos
agentes e sujeitos da açã o, pois é nesta dinâmica que se configuram os processos de
trabalho.
Questões bem atuais referentes ao ‘processo de trabalho em saúde’ abordam as mudanças
do mundo do trabalho que se iniciam em meados dos anos 70 e suas repercussões no setor
saúde, particularmente: a crescente incorporação tecnológica, o desemprego estrutural, a
flexibilização e precarização do trabalho , entre outros fenômenos que ocorrem no mundo do
trabalho em geral e se r eproduzem no setor saúde com especificidades (Peduzzi, 2003;
Nogueira, Baraldi& Rodrigues, 2004; Antunes, 2005b).
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Elaborado pela Docente:
Lívia Maria Pires Melo
Email: [email protected]
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