Rev Med (São Paulo). 2007 jan.-mar.;86(1):1-5. Seção Aprendendo Psiconeuroimunologia Psyconeuroimunology Os estados emocionais são desencadeadores, por si só, de uma série de alterações bioquímicas no organismo que afetam diretamente nossas condições imunológicas. Wimer Bottura1 Bottura W. Psiconeuroimunologia. Rev Med (São Paulo). 2007 jan.-mar.;86(1):1-5. RESUMO: Desde meados do século XX que trabalhos científicos indicam que a emoção é algo concreto e se expressa nas alterações da fisiologia do corpo humano. Cada emoção tem um componente muscular, comportamental, bioquímico, e uma função de sobrevivência. Elas atuam como eventos que informam e estimulam o organismo a liberar substâncias, tais como as catecolaminas, a adrenalina ou a noradrenalina. Mas o cérebro não diferencia entre um estímulo real e outro simbólico. Cabe, então, à psicologia compreender que tipo de informação que está chegando e sendo difundida para o corpo. Real é entendido como um evento absoluto que gera reações imediatas de defesa. O estímulo virtual, entretanto, é fruto de experiências individuais pregressas que geram informações automáticas. Nesse caso, o medo, por exemplo, pode ser oriundo de um pensamento interno à pessoa, mas desencadeará todo um processo de resposta no organismo. É nos “microtraumas” — as “agressões silenciosas” dos fatos corriqueiros, repetitivos e padronizados que geram respostas inadequadas do organismo —, na sua freqüência, intensidade e duração, que se encontram as maiores causas para o desencadeamento do estresse. Mudar essa informação poderá mudar o modo de funcionamento do corpo, pois alterações freqüentes podem desencadear desequilíbrios estruturais. A emoção deve ser resolvida para que um ciclo se feche e o organismo possa funcionar de modo equilibrado, produzindo substâncias corretamente. Ciclos emocionais não resolutos resultarão em desequilíbrio bioquímico e, conseqüentemente, em novos comportamentos desempenhados para obter as substâncias químicas que devem ser repostas no organismo. DESCRITORES: Psiconeuroimunologia. 1 Médico psiquiatra e psicoterapeuta, presidente do Departamento Multidisciplinar de Adolescência e presidente do Departamento de Saúde Escolar da Associação Paulista de Medicina e autor de vários livros, entre eles Agressões Silenciosas (2ª. ed., República Literária). Professor convidado na cadeira de Psicologia Médica da FMUSP. Endereço para correspondência: [email protected] 1 Bottura W. Psiconeuroimunologia. L uis Pasteur, criador da bacteriologia e da infectologia, trouxe informações fundamentais sobre a existência de microorganismos. Em uma de suas pesquisas expôs galinhas a condições estressantes e provou que elas se tornavam mais susceptíveis a infecções por Antraz1. Em 1940, outros pesquisadores, Harold Wolff e Stewart Wolff, da Universidade de Cornell, publicaram suas observações sobre as mudanças no estômago humano ante diferentes estímulos emocionais2. Hans Selye publicou Stress, em 1950, em Montreal, e The stress of life, em 1956. Esses autores procuraram demonstrar que a emoção não é algo abstrato. A emoção é concreta, e tal concretude se expressa nas alterações da fisiologia do corpo humano. O medo, por exemplo, desencadeia no organismo a produção de substâncias, como a adrenalina, que provoca alterações corporais específicas. Outras emoções, como raiva, tristeza e alegria geram outros tipos de substâncias. Os trabalhos de Wolff H e Wolff S e de Selye reforçam a idéia de que a emoção atua no funcionamento da fisiologia humana. Assim, a bactéria, o vírus, o acidente interferem na vida humana por outras razões além do acaso. Existem outros fatores que interagem e criam condições para essa interferência. Possivelmente uma pessoa triste tenha mais chance de se acidentar que uma pessoa feliz. Ou talvez a pessoa alegre se acidente porque esteja mais descuidada. Então, a emoção acompanha os fatos. O importante aqui é definir quais as causas do stress que resultam a alteração bioquímica demonstrada pelos autores. Existe uma informação que chega ao organismo e é captada pelo cérebro. Ocorre um estímulo, compreendido pelo corpo como uma ameaça. Tal ameaça é percebida pelo diencéfalo, que por sua vez provoca uma reação no hipotálamo, fazendo trabalhar o sistema nervoso simpático e liberando substâncias como as catecolaminas, adrenalina ou noradrenalina. Mas essas substâncias e esses componentes não atuam aleatoriamente. Eles respondem a uma situação, que pode ser uma enfermidade, ou a partir de uma característica genética. Mas na maioria das vezes eles atuam em virtude de algum evento, que atua como uma informação ou um estímulo. O cérebro humano coordena as atividades corporais no sentido de preservar a vida. Em condições de alta exigência esse aparato 2 programado para fazer o animal sobreviver irá providenciar defesas. O corpo consegue detectar a existência dessa demanda, diante de uma situação de perigo, ao receber uma informação. É a informação que desencadeia todo o processo neuroimunológico. A fim de compreender o tipo de informação que gera a reação de defesa do organismo e qual sua origem, podemos pensar por exemplo na exposição a uma temperatura muito baixa. O organismo ao perceber o perigo causado pelo frio, providencia alterações de defesa, de adaptação e de informação, como os tremores e espirros. A informação segue para o cérebro e este começa a processar respostas. A emoção do medo decorrente da informação acolhida pelo organismo também provoca uma ação como a tentativa de fuga do ambiente ameaçador. Selye demonstrou, em suas pesquisas para provar a existência do stress, que o homem reage, diante da ameaça, fabricando adrenalina. A substância leva à contratura das artérias periféricas porque o sangue tende a se alojar nas áreas nobres do corpo, coração e cérebro. Conseqüentemente resta menos sangue nas extremidades corporais e o homem, assim como os outros animais, se é ferido numa situação de luta, apresenta menos sangramento do que teria numa situação livre de stress. Então, ao mesmo tempo em que a reação de concentrar o sangue em áreas mais nobres, dando-lhe condições de pensar e se posicionar, também o protege, por deixá-lo menos exposto a sangramentos. Também há secreção de substâncias que inibem a sensação de dor e aumentam a capacidade de coagular o sangue, com o que aumentam suas chances de defesa. Mas além de conhecer todo o mecanismo de defesa do organismo, acionado a partir de estímulos estressantes, é preciso entender por que as pessoas se sentem estressadas mesmo vivendo situações nas quais não existe perigo real. Para entender o processo é preciso levar em conta o tipo de informação recebida, real ou virtual. No artigo de Bauer 1 , citado anteriormente, ele descreve nosso cérebro, com o hipotálamo e o diencéfalo funcionando como um correio. Ele apenas distribui as informações que chegam, mas não abre as cartas. Espalha informação para o organismo sem saber o conteúdo. A informação de medo chega ao cérebro independentemente de o temor se dever a um fator real ou simbólico. O cérebro não identifica a diferença. Rev Med (São Paulo). 2007 jan..-mar.;86(1):1-5. O papel da psicologia aqui é compreender, ou seja, “abrir o envelope” e descobrir o tipo de informação que está chegando e sendo difundida para o corpo. O estímulo pode ter como origem a percepção de objeto real ou virtual. Real é entendido como absoluto. Por exemplo, uma circunstância diante da qual qualquer pessoa sentiria medo, independentemente de idiossincrasia ou histórico individual. Uma criança recém-nata tem medo de altura. Se ela está no colo dos pais e ocorrem movimentos bruscos, se amedronta, pois instintivamente sabe que está sob ameaça. Mira y Lopez3 descreve, em Os quatro gigantes da alma, que uma criança levantada bruscamente sofre imediatamente alterações na fabricação de adrenalina. Haverá taquicardia e uma série de sintomas correspondentes à atuação da adrenalina gerada pelo medo causado pelo movimento brusco. O mesmo ocorre se o bebê ou outro indivíduo está próximo de algo que gere um ruído brutal, levando o sistema auditivo a uma sobrecarga. Assim como um cheiro que agrida o olfato ou outro estímulo que exija demais do seu sistema sensorial, como frio ou calor exagerado, fome, o som de um vendaval. Há também o real relativo, que provoca respostas diferentes nas pessoas em virtude de diferenças culturais ou pessoais, apesar de serem fenômenos objetivos. Para muitas pessoas a proximidade de um elefante é assustadora. Mas para alguém criado na Índia é possível que não. O estímulo é real porque a figura do elefante é de fato ameaçadora. No entanto a reação pode variar em decorrência do contexto cultural. O estudo da psiconeuroimunologia exige a compreensão, sobretudo, da ação do estímulo virtual. O estímulo virtual é fruto de experiências individuais. Uma pessoa que tenha vivido uma situação traumática protagonizada por um cachorro pode passar a ter medo de todas as espécies caninas, mesmo as menores e mais inofensivas. O que determina essa reação são mecanismos individuais e subjetivos. A experiência pregressa gera interpretações e o organismo reage a essas informações, independentemente de essa interpretação ser errônea ou não, porque ela acontece automaticamente. Um exemplo é o medo de barata. Apesar de não representar perigo real para o ser humano, grande parte dos indivíduos teme o inseto. E em muitos casos o medo supera o causado por uma ameaça real. A psicologia explica que o poder da barata está no âmbito do simbólico. E isso é passado como um estímulo virtual, porque não há ameaça real na barata, mas as pessoas reagem como se houvesse. Assim como o medo do elevador. O significado simbólico explica: aquilo que o estímulo representa na vida da pessoa desencadeia todo o mecanismo no funcionamento de seu organismo, gerando substâncias e todas as alterações químicas produzidas pelo stress. Também participam os mecanismos de defesa do ego, muito bem descritos pelo psicanalista Sigmund Freud. A projeção é um desses mecanismos. A pessoa projeta no outro o comportamento que ela própria apresenta, ou seja, alguém que julga muito severamente o outro tende a temer o julgamento alheio. Acredita-se que justamente o excesso de medo de ser julgado seja uma das maiores fontes de stress. Uma situação típica que dispara o temor é a entrevista de emprego. Teoricamente, o entrevistador precisa de alguém e quer contratar o entrevistado. Então, por que o temor do candidato? Talvez porque ele se sinta menos merecedor, menos capaz, ou em decorrência de idiossincrasias de seus diálogos internos me o levam a processar aquela informação – a entrevista – de forma ameaçadora. Esse é o aspecto virtual da informação que desencadeia a maioria dos problemas de stress. Assim, mudar a forma de encarar a informação pode melhorar o modo de funcionando do organismo. Ao contrário, se o medo é oriundo de um pensamento interno, fazendo com que todo estímulo virtual seja percebido como real, serão constantemente acionados os mecanismos de defesa e o stress sobrecarregará o corpo. O cérebro deve ser entendido como um sistema de transmissão de dados. Ele contém de 50 a 100 bilhões de neurônios e é um instrumento ativíssimo. Esse engenhoso aparato serve para processar informação. Assim, quanto mais fiel à realidade a informação que o cérebro obtiver, melhor a reação do organismo. Mas para estímulos diferentes o corpo é capaz de gerar respostas fisiológicas semelhantes. Não importa se a ameaça vem de um vírus ou de uma bactéria ou do temor subjetivo de uma barata ou de falar em público. Para o cérebro tudo isso pode ser entendido como informação de perigo. Se o objeto da ameaça de fato chegar ao cérebro ele terá menor possibilidade de reagir, e possibilidade de morrer. Uma bactéria na narina ou na garganta, assim como um vírus, fazem o cérebro produzir rápido uma tosse, um espirro, uma inflação ou uma alergia, a fim de expulsar o microorganismo. Da mesma forma que a agressão, a raiva ou o medo são sentidos pela periferia do organismo, porque se o objeto do medo 3 Bottura W. Psiconeuroimunologia. chegasse diretamente ao cérebro ele não resistiria. O organismo evita o desfecho através de mecanismos sensoriais que providenciam respostas de defesa à nossa sobrevivência. As pessoas tendem a procurar nos macro traumas as razões para o desencadeamento do stress. Mas uma investigação mais profunda costuma revelar que estes não têm tanta relevância nesse processo quanto os micro traumas – as “agressões silenciosas”. Os micro traumas são fatos corriqueiros, repetitivos, padrões que se dão na vida das pessoas no seu dia-a-dia e que ao se repetirem geram respostas inadequadas do organismo, levando-o a um funcionamento indevido e desregulando a fabricação de alguma substância. Como o organismo é um sistema, toda vez que ele fabrica em demasia alguma substância, por qualquer motivo, sobrecarrega também outros componentes. O desequilíbrio compromete outros órgãos e interfere na produção de outras substâncias. É uma reação em cadeia. Então, dependendo da freqüência, da intensidade e da duração desses estímulos repetitivos, há o consumo maior ou menor de algumas substâncias. Como é necessário repor o que se perde e se o desequilíbrio for constante, pode ser gerada uma enfermidade. Primeiramente ocorrem alterações energéticas, depois funcionais, e em seguida estruturais. Alterações energéticas ficam evidentes no cansaço, na necessidade incontrolável de dormir ou comer mais, por exemplo. Se o desequilíbrio persiste, obriga determinados órgãos a trabalhar mais, outros menos, para compensar. As alterações funcionais não configuram uma doença ainda. No entanto, se a circunstância persistir, com freqüência, intensidade e duração significativas, haverá alterações estruturais. Mais ou menos como a criança sobrecarregada de responsabilidade em sua educação. Se a responsabilidade, assim como o peso dos livros colocados em suas costas é demasiado, será produzido efeito em sua musculatura, em seus ossos, e ele começa a desenvolver primeiro um cansaço. Depois, vêm as dores musculares, e alteração no funcionamento da coluna, até a estrutura ser alterada, em virtude do comportamento repetitivo contínuo. Embora exista a sobrecarga física ela pode ser determinada pelo fato da criança ter elevada expectativa ou dificuldade de dizer não e fazer escolhas. Daí carregar uma mala mais cheia que a dos demais colegas. Depois, mesmo que os pais retirem o peso real de suas costas, o peso da responsabilidade pode continuar, ou pior, a estrutura pode já ter sido alterada. Isto mostra que as emoções são concretas. E cada 4 emoção tem um componente muscular, comportamental, bioquímico, e uma função de sobrevivência. Um estudante pode fazer a experiência. Ao apontar um estilete para um pedaço de nervo de rã, ele abraça o estilete ou pula pra trás, ou seja, preparase para a luta ou foge. As reações definem o princípio de seu funcionamento. O organismo se contrai e diminui para poder expandir. O medo provoca diminuição do músculo. A tristeza gera apatia muscular, torna-o menos ativo. A raiva gera expansão. São características de cada emoção expressas no músculo. E cada emoção tem também um componente bioquímico, induzindo à fabricação de determinada substância. O medo gera adrenalina. A tristeza faz sentir a dor da perda e alerta para a necessidade de agir para não perder mais. A alegria é o sentimento que motiva, e impele a cuidar da vida. E o afeto estimula a preservar coisas para quem se ama, ajuda a tolerar certas dificuldades. O afeto desperta a vontade de oferecer coisas boas a alguém. Existe também o comportamental de resolução. Ou seja, a emoção tem de ser resolvida. O indivíduo não pode ficar com o medo ou a raiva em aberto, porque isso provoca um desequilíbrio bioquímico. É necessário processar a adrenalina produzida. Fisicamente, a substância precisa ser degradada e psicologicamente, o medo precisa ser acolhido. Por isso se pode inferir que a informação concreta e consistente é uma forma de proteção. A raiva tem de ser aceita e expressa, pois a resolução da emoção, seja ela qual for, é uma via de sobrevivência do organismo. Quando se fecha o ciclo o organismo tende a funcionar de modo equilibrado e a produzir substâncias corretamente. Se, ao contrário, o ciclo não é fechado, são criados outros desequilíbrios bioquímicos no organismo. Porque para compensar o que é retido bioquimicamente será produzida outra substância. Ciclos emocionais não resolutos resultarão em desequilíbrio bioquímico e, conseqüentemente, em novos comportamentos desempenhados para obter as substâncias químicas que devem ser repostas no organismo. Também serão produzidos comportamentos diferentes dos habituais, a fim de suprir a necessidade. Se os ciclos continuam abertos, se repetindo, gerarão comportamentos errôneos. Por exemplo, se há necessidade de afeto, carinho, proteção, e amor, mas também medo, existe a possibilidade de fazer coisas demais, agitar muito, correr, trabalhar em demasia, enfim, fazer coisas para suprir a falta de proteção e afeto. Em princípio não são comportamentos necessariamente errôneos. Mas se tornam errôneos na medida em que implicam compulsões. Aí, mesmo que o medo tenha passado, a pessoa persiste viciosamente com os mesmos mecanismos. Rev Med (São Paulo). 2007 jan..-mar.;86(1):1-5. Bottura W. Psyconeuroimunology. Rev Med (São Paulo). 2007 jan.-mar.;86(1):1-5. ABSTRACTS: Since the 1950’s, scientific works shows that the emotions are something concrete and express itselves through alterations in the body fisiology. Each emotion has muscular, behavior and biochemical components, and a survival function. They act as events that informs and estimulates the body to liberate certain substancies, as the catecholamines, the adrenaline or the noradrenalines, but the brain does not know the differences between a real or a simbolic stimulus. The psychology must understand the kind of information that is being diffuse throughout the body. Real is understood as an absolute event that gerenates immediate defenses reactions. The virtual smimulus, however, is a consequence of previous individual experiences that generates automatic informations. Fear, for example, can be derived from an internal thought, but will unchain a hole body response process. It is in the micro-traumas — the “silent agressions” of the current and trivial facts, repetitive and padronized, that generates inappropriate body responses —, in it’s frequence, intensity and duration, that are found the biggest causes for the stress. Change this information could chance the way that the body Works, because frequent alterations can produce structural unstability. The emotion must be solved and the circuit be closed to the body be able to perform adequately and to produce substancies correctly. Emocional cicles non-resolutes will result em biochemical unbalance and new behaviors performed to obtain chemical substancies that must be replaced in the organism. KEY WORDS: Psychoneuroimunology. REFERENCIAS 1. Bauer ME. Ciência Hoje. 2002;30(179). stress. Acta, 1950. 2. Kertesz R, Kerman B. El manejo del stress. Buenos Aires: Ippem; 1985. 5. Selye H. The physiology and pathology of exposure to stress. Supplement: annual report on stress. MD Publications (etc.); 1951. 3. Myra y Lopez E. Os quatro gigantes da alma. 25a ed. São Paulo: José Olympio; 2007. 4. Selye H. The physiology and pathology of exposure to 6. Selye H. The stress of life. New York: McGrall-Hill Book ; 1956. 5