A FUNÇÃO DO TRIBUTO EM TEMPOS DE IGUALDADE BASEADA NA DIGNIDADE HUMANA Palavras chaves: tributação, igualdade material, solidariedade, dignidade humana, estado social, pósmodernidade, globalização, direitos fundamentais, dever fundamental. MIGUEL ANGELO MACIEL, Advogado, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino – UMSA, Buenos Aires, Argentina. Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília – UCB; Especialista em Direito Tributário pelo ICAT/UDF SUMÁRIO introdução 1. a evolução do conceito de igualdade e do Estado 2. a esteira dos direitos fundamentais 3. a maturidade da solidariedade social 4. os caminhos da tributação e do Estado Fiscal conclusões referencial bibliográfico INTRODUÇÃO Tempos de pós-modernidade, de interdisciplinaridade científica, de tolerância, de globalização econômica e cultural, de crise do estado (liberal, bem estar e neoliberal), de solidariedade, de direitos humanos fundamentais, de principiologia no direito, de análise estruturante da interpretação, vive-se, indubitavelmente, um novo paradigma de Estado de Direito, tempos de concepções diferentes àqueles em que o Estado e o direito moderno foram fundamentados. Nos países centrais o momento é de superação do modelo da Modernidade. Ocorre o mesmo em terrae brasilis, porém, conjugado com a dificuldade de ainda se situar naquele grupo de países considerados de modernidade tardia em busca das promessas não cumpridas da modernidade (liberdade, igualdade e fraternidade). O Brasil ao mesmo tempo em que experimenta ascensão e estabilidade econômica ainda enfrenta desigualdades e privilégios odiosos entre os segmentos de seus cidadãos. Uma parcela representativa da população vive abaixo dos padrões internacionalmente firmados para delimitar a linha da miséria e no extremo oposto uma pequena parcela da população detém quase a totalidade da riqueza nacional. A escolaridade, a saúde e a habitação igualmente se distribuem de maneira desigual pelas classes e regiões de nosso país. Debate-se o resgate do modelo liberal por intermédio das políticas neoliberais ao mesmo tempo em que se empreendem esforços para minimamente alcançar alguns patamares do Estado Social de Bem-estar. Não raro, nos enfrentamentos intelectuais travados nesta seara verifica-se o claro ataque ao instrumento a partir da suposição do seu mau uso. Assim é que o modelo e a carga tributária não podem ser confundidos com a nobreza das razões da existência dos tributos. O tributo, como dito ao largo, é o preço das liberdades. Para que se possa compreender a atual função dos tributos e do Estado entende-se de extrema utilidade verificar as pegadas geradas na trilha evolutiva da história da sociedade, eis que a construção do entendimento dos fatores atuais não pode prescindir do conhecimento, ainda que mínimo, do amálgama sócio-cultural que forjou os padrões atuais. Um debate sério acerca da função dos tributos na atualidade implica a convergência de temas como a igualdade, o Estado, a justiça, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, compromisso com as gerações futuras e solidariedade social e jurídica. Temas que serão percorridos nos tópicos que seguem. Objetiva-se ao final demonstrar o porquê da tributação, como condição de existência social, sob o prisma da solidariedade e da dignidade humana (igualdade material), configurar mais do que simples poder do Estado e um mero sacrifício para o cidadão. 1. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE E DO ESTADO Desde os períodos clássicos o homem se envolve intelectualmente na busca da compreensão existencial sob os mais diversos prismas, tais quais o social, o moral, o ético, o político, o militar, o relacionado ao exercício do poder, a dominação da riqueza e o cultural, dentre muitos. Desde já se pode perceber que o tributo, nas mais diversas formas que assumiu durante os tempos, está diretamente relacionado à maioria dos enfoques mencionados, guardando coerência com a axiologia vigente a cada momento. Assim é que a igualdade através dos tempos ocupou diferentes formas e espaços conforme o estágio do desenvolvimento do pensamento. No período grego, a igualdade não era sinônimo de isonomia tal qual a concebemos modernamente. Pelo nascimento os gregos já eram diferenciados entre cidadãos, escravos, estrangeiros, mulheres e crianças, ou seja, o ideal democrático era aplicável apenas aos homens livres maiores de 20 anos. A igualdade na Grécia antiga, contudo, trazia caracteres de que segundo a classificação apresentada, perante a lei, para as suas disputas privadas, os homens estariam em relação de igualdade. Buscava-se a neutralidade do legislador, segundo seus critérios de democracia, para que se estipulassem leis neutras1. No período romano não se observam evoluções significativas no conceito de igualdade. Conforme sabido, a desigualdade era um dos fundamentos da Roma Antiga, julgamento extraído das diferenciações entre os patrícios, os plebeus e os estrangeiros, bem como da consideração do instituto da escravidão. Durante o período romano a igualdade sofre, em relação ao período grego, um decréscimo dado que haviam diversas disposições legais que agravavam as penas quando os delitos ou ações cíveis eram cometidas entre pessoas de estamentos (status) diferenciados, ainda que pertencentes à categoria de cidadãos romanos. As discriminações atribuídas em razão dos status dos 1 KELLY, John M. Uma breve história da teoria do direito ocidental. Trad. Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 38. cidadãos romanos eram tidas pelos juristas da época como necessárias para uma comunidade política bem regulada, fazendo uma antítese à pretensão grega (Ateniense) de democracia.2 Estas diferenciações extremas foram gradativamente diminuídas durante a existência do império romano. No curso do seu tempo foi atribuída igualdade de cidadania a todos os povos dominados por Roma. Contudo essas variantes, apesar de significativas alterações ao padrão então vigente não servem absolutamente para atestar a igualdade tal qual a compreendemos em nossos dias. O período que segue, denominado por Alta Idade Média, se estende até por volta do ano de 1100 e apresentou como traços característicos a desigualdade, a imobilidade social e os laços de servidão e vassalagem como marcas indeléveis da existência de um sociedade extremamente estamental baseada na estrutura feudal que era rigorosamente dividida entre nobres, clérigos e servos. Nesse período o indivíduo tinha pouco valor enquanto elemento, o valor estava depositado na idéia de coletividade, porém, ainda não a universal, de modo que a valoração social era conferida conforme o estamento a que o indivíduo pertencesse (nobreza, clero ou vassalagem). Durante esse tempo a escravidão era admitida como uma condição humana natural, ainda que um dos valores morais apregoados e registrados por seus escritores era a igualdade de todos os seres humanos na condição universal de filhos de Deus. Por sua vez, a Baixa Idade Média, período que vai até aproximadamente o ano de 1350, apesar de manter o discurso da igualdade universal segundo princípios do cristianismo, nesse período não desapareceram as diferenciações por classes experimentadas na Alta Idade Média, entretanto, algumas mudanças se fizeram sentir, tal como a extinção da escravidão no norte da Europa, exceto na Inglaterra. Nesse período a idéia de propriedade privada inicia sua dissociação do direito natural. 2 Id. Ibid. p. 138. Dentre tantas mudanças tivemos aquelas que servem de embrião ao atual estágio das funções do Estado e da tributação, a que se propõe analisar no presente trabalho, eis que, passa-se a conceber precariamente a noção de que o ônus do Estado deve ser justamente distribuído e proporcionalizado aos meios daqueles que lhe são sujeitos.3 O renascimento e a reforma, situados entre os anos de 1350 e 1600, dão nome ao período histórico marcados pelo resgate da influência cultural Greco-romana e pela fragmentação da unidade católica da Europa Ocidental, que implicaram na secularização4 da vida pública e a emancipação dos leigos em relação à hierarquia clerical. Estes são considerados fatores a partir dos quais o mundo moderno nasceu.5 Período marcado pelo Estado nacional e pelo autoritarismo absolutista monárquico fortalecido por intermédio da aliança entre o rei e a burguesia. Nessa etapa da evolução tem-se o nascimento do entendimento do Estado como fruto de um contrato social e não mais do direito natural (divino), por intermédio da subsunção voluntária de um povo a um soberano ou governo. Para fins de conceituação da igualdade, neste período inicia-se a compreensão de que todo o homem é livre por natureza. Durante o século XVII toma corpo o ideal de Estado de Direito6, ou seja, o princípio do primado do direito (ainda sem a dimensão que as revoluções do século XVIII lhe confeririam) pelo qual o Estado deve ser governado de acordo com certas leis e não arbitrariamente. Este fato se consolida na Inglaterra, em especial por intermédio da Revolução Inglesa, enquanto que nos demais países as arbitrariedades e privilégios eram mantidos inabalados. O Iluminismo, movimento intelectual dominante do século XVIII, significou uma ruptura total com toda a tradição e estrutura européia até então vigentes, cujos marcos são a Revolução Francesa e a Revolução Americana. Trouxe por 3 Id. Ibid. p. 191. Secularização: tirar ou perder o caráter religioso. 5 Id. Ibid. p. 207. 6 Id. Ibid. p. 305. 4 características a rejeição a toda autoridade espiritual e intelectual e da posição da fé e obediência cristã na civilização.7 Aqui encorpa à igualdade humana natural a igualdade perante à lei, de forma tal que todos devem contribuir para a manutenção do Estado, inclusive a Igreja, a Nobreza e os Magistrados, passando, inclusive, a fazer parte da Constituição Francesa. A partir de agora, fala-se do século XIX, torna-se mais árdua a tarefa de rastrear a evolução do conceito de igualdade diante da multiplicidade de enfoques que passam a povoar a discussão acerca do tema, em especial, do direito. Temos o prisma antropológico, o sociológico, o positivismo, o utilitarismo, o marxismo. Ocorre o adensamento da percepção do direito civil à propriedade e inicia-se a visão individual de valor por meio da qual o indivíduo pode adquirir relevância independentemente de classes originárias, ou seja, é possível a mobilidade social. A igualdade passa a ser, em certa medida, responsabilidade individual, produto de seu sucesso e capacitação. Este século inicia-se com a política do laissez- faire (Estado Liberal) e termina com um ideal de Estado intervencionista e protetor. Na primeira metade do século XX a igualdade esteve seriamente restringida por regimes ditatoriais e duas grandes guerras desfiguraram a Europa a ponto de abalar o pensamento acerca da igualdade. Contudo, durante este período foram extintos, praticamente em todos os países, os privilégios ainda herdados do período feudal. Como exemplo menciona-se a extinção da maioria das monarquias. Os ultrajes cometidos durante as guerras, em especial a segunda grande guerra, fez com que os direitos humanos passassem a figurar como preocupação fundamental da sociedade, o que resultou na construção de um novo modelo de estado em relação à igualdade de direitos das pessoas, tratado por Estado de bem-estar. Instituíram-se muitas estruturas de proteção e responsabilidade social. 7 Id. Ibid. p. 321. Nasce, baseado nos conceitos germânicos de companheirismo e solidariedade de grupo, um sentimento de união e pertencimento relativo à condição humana que transcendia a sua idéia de Estado, para alcançar todos os grupos e todas as associações voluntárias que não derivavam sua existência do Estado, mas dele advinha apenas o seu reconhecimento. Verificável, também, a implementação quase geral do sufrágio universal, importante influência no conceito de igualdade contemporâneo, assim como as importantes mutações no direito à educação pública, na saúde e na proteção ao trabalho e à velhice, políticas que ganharam forma neste período e adensaram a concepção de igualdade humana. Desde 1950 o mundo experimenta diversos movimentos que interferem positiva ou negativamente na conceituação de igualdade. As políticas neoliberais, as crises do petróleo dos anos 70, a queda da URSS e o conseqüente fim da guerra fria, a globalização econômica, as crises do Estado-nação, a ascensão do terrorismo internacional, o tráfico de drogas e armas, a intolerância religiosa, enfim, diversas alternâncias no cenário mas que indubitavelmente requerem pontos de reflexão. As políticas de um estado provedor ou meramente garantidor das liberdades são objeto de discussão contemporânea na qual a proeminência da economia capitalista sobre os demais valores existenciais é questionada quanto a sua capacidade de promover o bem-estar social e a igualdade humana. Certo resta que o caminho percorrido pela sociedade ocidental nos trás a conclusão de que, contemporaneamente, a igualdade está umbilicalmente relacionada com a percepção da dignidade humana a partir de seus pressupostos fundamentais fortemente determinados nas conquistas liberais e plasmado na modelagem do Estado. A igualdade através dos tempos vem tomando a forma contemporânea e é ancorada no Estado que passa atuar como garantidor desse valor. Qualquer que seja o modelo, mesmo o liberal, de bem-estar ou o neoliberal, no caso atual, necessita de recursos que o capacite a alcançar seu intento sendo que a maior fonte destes recursos reside no modelo de financiamento vigente, de fontes secundárias, por intermédio da tributação da riqueza. Posto está que a tributação é condição de liberdade e pressuposto do atual Estado. 2. A ESTEIRA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Como visto cada era teve seu estágio conceitual para igualdade e por conseqüência para os direitos fundamentais da qual são corolários. A concepção temporal respeitava os valores vigentes e implicava, quase que inexoravelmente, um avanço em relação ao período que o antecede. O direito natural é tido por autores como a versão original dos direitos do homem e deita suas raízes no período clássico de nossa história.8 Em período mais recente nasce a compreensão iluminista convencionalmente chamada de direitos humanos fundamentais, numa acepção mais familiar ao nosso modo de vida e percepção atuais. Seu marco inicial pode ser firmado ao final do século XVII e trouxe a percepção das liberdades públicas, aquilo a que se reporta por direitos de primeira geração. A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e das Revoluções Francesa e Americana ocorre a consolidação de ideal da proteção das liberdades individuais dos cidadãos frente ao Estado. As liberdades consistiam elementarmente em: liberdade em geral, segurança, liberdade de locomoção, liberdade de opinião, liberdade de expressão e a propriedade (liberdade de usar e dispor dos bens), a liberdade econômica, liberdade de trabalho, liberdade de comércio, indústria e profissão. Delas decorreram a presunção de inocência, a legalidade criminal e a legalidade processual.9 A segunda geração dos direitos fundamentais é marcada pelos direitos econômicos e sociais consolidados a partir do final da primeira Guerra Mundial por intermédio, em especial, da Constituição de Weimar, em 191910. Também, 8 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 11 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9. 9 Id. Ibid. p. 23-24. 10 Id. Ibid. p. 41. na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU), de 1948, reconhecese um documento basilar, do qual constavam direitos de primeira e segunda gerações, ou seja, as liberdades e os direitos sociais. As liberdades: liberdade pessoal, a igualdade, com a proibição das discriminações, os direitos à vida e à segurança, a proibição das prisões arbitrárias, o direito ao julgamento pelo juiz natural, a presunção de inocência, a liberdade de ir e vir, o direito de propriedade, a liberdade de pensamento e de crença, inclusive a religiosa, a liberdade de opinião, de reunião, de associação e também direitos novos como o direito de asilo, à uma nacionalidade, liberdade de casar, direitos políticos. Os direitos sociais: direito à seguridade, ao trabalho, à associação sindical, ao repouso, aos lazeres, à saúde, à educação, à vida cultural, o direito a um nível de vida adequado (alimentação, alojamento, vestuário).11 Por sua vez, os direitos fundamentais de terceira geração estão ligados à idéia de solidariedade, nascidos da consciência de novos desafios para além daqueles atrelados à vida e à liberdade, mas sim, também, à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças e todas as nações dentre os quais destacam-se o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito dos povos de autodeterrminação e o direito à comunicação.12 3. A MATURIDADE DA SOLIDARIEDADE SOCIAL Para a reconstrução histórica da solidariedade social opta-se por seguir a obra de Contipelli13, fruto do sua tese de doutoramento: constatado o conteúdo de sua evolução semântico-cultural através dos tempos e compreendido com maior profundidade o teor de seus possíveis significados, desde a antiguidade clássica, em que se embrenhava nos conceitos de caridade e justiça, passando pela Idade Moderna, na qual é pesquisada, diante do modelo de Estado Liberal, como espécie de dever moral fraterno, por conta da incondicional vigência do valor liberdade, até sua percepção axiológica inicial como modalidade de dever jurídico, ainda que fortemente confundida com a idéia de igualdade contida nas raízes do Estado Social, especialmente, em razão da influência determinante das correntes do solidarismo sociológico e jurídico, representadas, respectivamente, por Emile Durkheim e León Duguit, para, finalmente, ser alcançada a concepção contemporânea de solidariedade social, com identificação das dificuldades sentidas para sua objetivação social, com a identificação das dificuldades sentidas para sua objetivação no plano social, a 11 Id. Ibid. p. 53. Id. Ibid.p. 57-58. 13 CONTIPELLI, Ernani. Solidariedade social tributária. Coimbra: Almedina, 2010, p. 97. 12 partir do advento da política econômica neoliberal e as exigências da pósmodernidade, o que demanda a formulação do modelo de Estado Democrático de Direito, período este que alcança as feições necessárias para ser concebida como invariante axiológica. A idéia de solidariedade remonta períodos por demais remotos cuja acepção estaria atrelada à noção de união entre os seres humanos como associação para ajuda recíproca (estóicos e cristianismo primitivo). Contudo, em Aristóteles e seus escritos sobre justiça pairam os primeiros registros históricos mais consistentes, em especial na análise feita sobre a justiça distributiva, consoante a qual “devem ser distribuídos proporcionalmente entre os membros da comunidade os encargos comuns, sendo observada a capacidade de absorção do indivíduo, e os benefícios sociais, de acordo com as necessidades apresentadas.14 No período romano as referências feitas à solidariedade dizem mais respeito à aplicação contratual de coobrigação ou de direitos compartilhados (credores ou devedores solidários)15. Complementarmente, tem-se que, neste período histórico, a beneficência complementaria a justiça, porém, a satisfação das necessidades humanas estava condicionada apenas àquelas previstas pela justiça praticada. A Idade Média aplicou a solidariedade sob forte influência do pensamento religioso, impregnados do sentido de caridade e de piedade, relacionados à benemerência, dando início, considerados os valores vigentes ao seu tempo, a sua inserção nos fundamentos das relações sociais.16 O deslocamento do teocentrismo vigorante pelo antropocentrismo ocorrido na Idade Moderna invoca o renascimento das idéias da Antiguidade Clássica, implicando robustecimento da solidariedade ao permitir que o ser humano baseado na fruição de sua liberdade possa buscar o bem para si e partilhá-lo com seus semelhantes, obedecendo aos conceitos da harmonia da vida em sociedade. 14 Id. Ibid. p. 99. GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In.: solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 142. 16 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 100. 15 Contudo, a transição apresentou como traço inicial a prevalência do individualismo sobre o coletivismo, concedendo privilégios à segurança do direito em detrimento da justiça social. A Revolução Francesa trouxe em seu bojo o ideal da fraternidade calcado na caridade e na filantropia plasmado no direito ao socorro público inserido no texto constitucional francês de 1793. Assim, conforme registrou Contipelli, baseado na obra de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o constitucionalismo e seu ideário liberal contribuíram para que o valor liberdade fosse percebido por todos os povos (ocidentais, ao menos), influenciando a atual concepção acerca dos direitos humanos, ainda que limitados pelo modelo das codificações, o qual preserva as liberdades, especialmente as patrimoniais.17 O modelo liberal baseado no capitalismo econômico, a partir de meados do século XIX, passa a ser contestado por suas externalidades não desejadas, tais como a realidade das massas humanas, denominadas por proletárias, alijadas de condições dignas minimamente satisfatórias, promovendo extremos desajustes sociais. Surgem propostas de modelos situados no extremo oposto, como, por exemplo, o marxismo e o socialismo, calcados na centralização exacerbada do poder político pelo Estado. A transição do século XIX para o século XX se fez acompanhar pelo nascimento do movimento solidarista na França, do qual decorre a proposta da alternância do modelo embasado na fraternidade pelo modelo calcado na solidariedade, segundo o qual há a objetivação e cientificização do conceito da solidariedade18. O solidarismo sociológico propunha ser uma alternativa aos modelos extremados a partir da percepção da interdependência social, porém, por admitir a repartição desigual e injusta dos produtos sociais dependia da ética e da moral para estabelecer continuamente um maior grau de solidariedade entre os indivíduos.19 17 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 105. CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 109. 19 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 111. 18 O solidarismo sociológico implicou olhar o direito sob o prisma da solidariedade social, nasce então o solidarismo jurídico, a partir do qual, “a atuação do coletivismo no plano do fenômeno jurídico, que influencia as diversas consciências individuais para agregá-las às finalidades comuns da vida social e sedimentar a dimensão da consciência solidária que possibilita o direcionamento das condutas humanas para fundamentar as regras de Direito”20. O período contemporâneo, verificado ao longo do século XX, consagra o pensamento solidário, ou o valor solidariedade social para além da sua abstratividade (filosófica e política), fazendo-se se sentir como um princípio fundamental de direito positivo, a ser atingido pelos ordenamentos estatais, por intermédio da consagração dos direitos sociais constitucionalmente previstos. Esta seria a gênese do Estado Social, em continuidade substitutiva ao Estado Liberal, ancorado no primado da igualdade material e não apenas perante a lei. Reclama políticas públicas positivas e ações afirmativas na promoção do bem comum. Para Paulo Bonavides21: São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não podem se separar, pois fazê-los equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula. Com efeito, originado nas necessidades originadas, em especial durante a Segunda Guerra Mundial, e nas atrocidades dela decorrentes, molda-se o ideal de Estado Social onde verifica-se a extensão dos serviços públicos assistenciais, o aprimoramento da técnica da tributação progressiva, a interferência na manutenção do emprego visando um maior equilíbrio na redistribuição de rendas e nas diferenças existentes entre classes sociais numa busca clara de resgate e manutenção da dignidade humana22. 20 C CONTIPELLI, E. Op. Cit. p.118. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22 ed, ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564. 22 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 129. 21 Entretanto, por sua vez, o Estado Social não estaria imune as suas crises e, a partir dos anos 60 e 70, diante do endividamento público (déficit) causador de desequilíbrios e instabilidade econômica e social, de incremento de carga tributária, cede espaço ao resgate do pensamento liberal, batizado por neoliberalismo, capitaneados nos anos 80 por Thatcher e Reagan23. Este movimento volta a propor o Estado mínimo sem, contudo, ter por corolário a retroatividade da legitimação da solidariedade jurídica. Assim, a coexistência dos ideais liberais com a realidade dos direitos humanos e difusos confirma a solidariedade como invariante axiológica eleita como valor norteador dos denominados direitos humanos de terceira geração24. Posto o cenário descrito, observável o nascimento do que se convencionou nominar por, ainda não em termos definitivos, pós-modernidade, momento em volta a ocorrer o choque entre as políticas (neo)liberais e os valores essenciais à pessoa humana (liberdade, igualdade e solidariedade). Uma das facetas facilmente percebida é a mercantilização da prestação de diversos serviços públicos, tais como a saúde e a educação em substituição ao Estado. Considerando a hipercomplexidade dos tempos atuais e que a pósmodernidade, segundo leciona Bittar25, “não é decorrência de uma corrente filosófica”, mas a mescla de diversas forças e valores coexistentes, que por ora convergem, por ora divergem e exigem uma ponderação racional frente aos casos concretos, tem-se que a economia e a atuação estatal configuram, ambos, elementos imprescindíveis para a concreção dos direitos humanos fundamentais, como premissa para evitar o retorno do crescimento da exclusão social experimentada na etapa histórica liberal, atentos à vedação de retrocesso social. O Estado na pós-modernidade pode ser definido como Estado Democrático de Direito, o qual: “atua no dimensionamento e harmonização dos valores liberdade e igualdade, respeitando as condições existenciais individuais e coletivas em sintonia com os 23 MACIEL, Miguel Angelo. O tratamento tributário discriminatório como combate à concorrência fiscal prejudicial internacional e a sua legitimidade. São Paulo: MP Editora, 2009, p. 47. 24 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 131.. 25 BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária: 2005. ideais axiológicos propostos pela solidariedade, para efetivamente atender e estabilizar os dissensos e questionamentos existentes nos quadrantes da sociedade pós-moderna: “está-se verificando, em nosso tempo, é um ‘revisionismo’ que se estende do campo liberal ao campo socialista, visando preservar os valores da liberdade jurídica e política (conquistas por excelência do liberalismo) como imperativos de igualdade, cujo corolário é a ‘liberdade social’, só possível onde e quando todos os cidadãos venham dispor de um mínimo de base econômica e existencial”” 26 Nas palavras do Professor Ricardo Lobo Torres, mencionado por Contipelli, “a solidariedade pode ser visualizada ao mesmo tempo como valor ético e como princípio positivado nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral ou um dever jurídico. Mas, em virtude da correspectividade entre deveres e direitos, informa e vincula a liberdade e a justiça.”27 4. OS CAMINHOS DA TRIBUTAÇÃO E DO ESTADO FISCAL Nesta seção não serão percorridas todas as grandes etapas históricas do mundo ocidental, a exemplo do que se praticou nos capítulos que a antecedem. Por opção de relevância, parte-se da instituição do Estado Fiscal. Apenas para não ficar absolutamente sem menção registra-se a descrição efetuada por Godoi28: À medida que iam se formando os Estados Modernos, os monarcas percebiam que as receitas espontâneas arrecadadas da nobreza e os recursos eventuais obtidos em pilhagens e assaltos já não se mostravam suficientes para o custeio da expansão territorial de seus domínios. Abria-se assim o caminho para a instituição de prestações constantes e obrigatórias a serem exigidas dos cidadãos, o que contudo tropeçava na filosofia política antiga e medieval, na qual o tributo era sinônimo de sujeição e espoliação de um povo por outro. As imunidades e os privilégios fiscais dos homens livres, principalmente dos componentes da nobreza e da Igreja, eram parte fundamental da idéia mais ampla de liberdade estamental, a forma de liberdade presente no chamado Estado Patrimonial. Como os homens livres e detentores de renda e riqueza não aceitavam obrigarse a entregar ao Estado uma parte de seu sagrado patrimônio, e como os escravos, servos e outros subjugados não tinham capacidade de contribuir ainda mais, desenvolveu-se a noção de representatividade, de auto-imposição, de livre consentimento da tributação, que marcará desde então de maneira indelével a ordem constitucional das nações ocidentais (universalidade do princípio da legalidade tributária, que como visto não é de ordem meramente formal). Surge então, contemporâneo às revoluções liberais do final do século XVIII, o Estado Fiscal. 26 CONTIPELLI, E. Op. Cit. p. 141. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 145. 28 GODOI, M. Op.Cit. p. 152-153. 27 As principais mudanças econômicas e políticas que o Estado Fiscal incorporou foram: a) A drástica liquidação do patrimônio, principalmente imobiliário do Estado e da Igreja (e sua transferência às mãos produtivas da burguesia); b) A nova estruturação do sistema de produção (valorização da atividade empreendedora-empresarial e da riqueza mobiliária em detrimento da terra como fator de produção); e c) A afirmação do tributo como dever fundamental de cidadania no contexto de uma nova dimensão do princípio da igualdade de todos perante à lei (fim dos privilégios odiosos das imunidades fiscais do patrimonialismo pretérito). Segundo Torres29 o imposto em sua feição moderna é uma típica invenção da burguesia, que incide sobre a renda e a riqueza obtida pelo exercício da livreiniciativa econômica, nos limites do consentimento do cidadão. Em sua primeira fase o Estado Fiscal (fim do século XVIII e século XIX) a vocação tributária recai sobre a riqueza da aristocracia e sobre o consumo. Tributa-se pouco as atividades empresariais e os rendimentos do trabalho. Nesta etapa a representatividade eleitoral era censitária (exercida pelos detentores de renda e riqueza), ou seja, quem financiava o Estado (contribuinte) podia eleger e ser eleito. Na segunda fase, pós primeira guerra mundial, a votação passa a ser universal e a tributação se avulta para fazer frente aos direitos sociais positivos. Trás como características elementares, segundo Josef Isensee, citado por Godoi30: a) As necessidades públicas são eminentemente satisfeitas pelo Estado; b) Os encargos em dinheiro exigidos dos cidadãos deixam de ser esporádicos; 29 TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 108. 30 GODOI, M. Op. Cit. p. 154. c) As novas funções assumidas pelos Estados contemporâneos provocam a necessidade crescente de recursos; d) Como prestação compulsória, o imposto tem a marca da soberania; e) Taxas e tributos causais ou contraprestacionais constituem parcela pequena das receitas; f) As receitas públicas originárias são estranhas à filosofia do Estado Fiscal; g) Respeita a propriedade e a autonomia privadas, a liberdade de iniciativa e de profissão; h) Não tem filosofia própria: se aplica tanto em Estado mínimo com baixa arrecadação e alta desigualdade social quanto em Estado com pesados tributos progressivos e desconcentradores de renda; i) O funcionamento regular depende da exigência dos tributos respeitando princípios materiais como a igualdade, a capacidade econômica e a vedação ao confisco. O princípio da capacidade contributiva constitui um dos principais elos entre o Estado Fiscal e a solidariedade, determinando, o que hoje aparenta lugar comum, que o peso dos impostos seja distribuído conforme a capacidade econômica de cada um, refutando privilégios anteriores às revoluções liberais (condição e classe social, nacionalidade, religião...). Para este fim colaboram o legislador ordinário com sua liberdade de conformação e o judiciário como guardião do controle de proporcionalidade e do núcleo principiológico. A capacidade econômica contemporânea se justifica a partir de31: a) Teoria do Benefício: Economia política materialista de Adam Smith – os mais ricos, com maior capacidade econômica devem arcar de forma preferencial com o financiamento do Estado, pois o Estado existe ao fim e ao cabo para preservar a sua propriedade e garantir o processo de acumulação de riqueza; 31 GODOI, M. Op. Cit. p.154-156. b) Teoria do sacrifício igual: implica a adoção de alíquotas progressivas proporcional ao sacrifício experimentado pelo cidadão diante das suas desigualdades econômicas; c) Teoria da solidariedade social: fundamenta a constituição tributária de diversos países como Alemanha, Espanha e Itália, implicando sacrifício não igual entre os indivíduos. Para diversos autores como Ricardo Lobo Torres, Casalta Nabais e Francesco Moschetti o tributo se configura em um DEVER FUNDAMENTAL, de tal sorte que o imposto não pode significar um mero poder do Estado e sequer um mero sacrifício para o cidadão32. No campo filosófico temos pensadores como Rawls que vinculam os conceitos de “valor equitativo das liberdades políticas” e “igualdade equitativa de oportunidades” à uma tributação progressiva sobre as heranças e doações bem como em alguns casos sobre a renda. Dworkin em sua teoria sobre a “igualdade de recursos” trata como tema central a tributação e a diferencia das igualdades de bem-estar e igualdade de resultados.33 CONCLUSÕES Por mais que o empenho busca equilibrar o máximo de abrangência histórico temática com o mínimo de delongas para assegurar a compreensão sem contudo incorrer em reducionismos simplistas e lugares comuns, percorrer tamanho desafio em forma de artigo pode ter sido uma pretensão mal dimensionada. Porém,seguro de ter buscado tratar do tema com a seriedade que o mesmo atrai passa-se às conclusões. A primeira delas reclama o reconhecimento de que a sociedade atual vive um momento de extrema interdependência e coresponsabilidade, intersubjetiva e objetiva, em diversos campos, em especial no social. 32 33 GODOI, M. Op. Cit. p. 157. GODOI, M. Op. Cit. p. 157-158. Contudo, recorre-se à análise exemplificativa de uma outra área temática para tornar mais didática a compreensão: os direitos ambientais. Pois bem, o planeta, assumindo que as questões ecológicas comumente apresentadas na mídia sejam verdade (superaquecimento, extinção de espécies, poluição), vive em uma interdependência de difícil manutenção e de delicado equilíbrio em seus múltiplos sistemas (biológicos, climáticos, migratórios, do norte, do sul, dos oceanos, dos ventos, dos pólos, dos desertos, das florestas, dos rios), de tal sorte que toda e qualquer ação que afete qualquer destes sistemas inexoravelmente afeta direta ou indiretamente os demais, cujo corolário, é que todos os seres, em especial os humanos, serão afetados por tais reflexos, positiva ou negativamente. Esse mecanismo é aplicável à sociedade. Reivindicando um espaço de licença poética, como imortalizado por Alexandre Dumas, “um por todos e todos por um” seria uma boa definição da atual condição humana. A pós-modernidade consolida a transição da caridade, transpassando a fraternidade, para ancorar no contemporâneo conceito de solidariedade. Em tempos idos a caridade era tida (e o era efetivamente) como um ato nobre pelo qual ocorria o auxílio a um ente necessitado (conjugando o pensamento da época, em que o direito natural justificava e legitimava as diferenças de classes, isentando seus ocupantes de culpa ou responsabilidade pelo infortúnio dos menos favorecidos), em atestado de louvável desprendimento parcial aos valores materiais. Em que pese a herança cultural da qual somos portadores e que mantém ainda caracteres de pensamento da relatada relação social para com a caridade, a solidariedade invoca uma transcendência existencial para, como no exemplo ambiental, compreendermos que somos co-responsáveis historicamente e os únicos agentes capazes da transformação social futura, e que a solidariedade implica a introjecção destes valores em todos os níveis de nossas estruturas vivenciais, políticas, institucionais, escolares, empresariais, relacionais, jurídicas, legislativas e familiares. Enfim, passa a fazer parte integrante da construção da dignidade humana incorporar essa forma comportamental diante da realidade humana presente e futura. O modelo de Estado constituído, o social e democrático de direito, já trás essas premissas enquanto ideologia e filosofia, com pretensão de valor fundante da solidariedade dos modernos. O limite da justa acumulação de capital, conforme explorado por Rawls34, é aquele que propicia o maior benefício possível para todos, ou seja, não se busca uma distribuição equânime das riquezas, mas implica lembrar que a razão proporcional ideal desta concentração é aquela que mais benefícios produza para todos. Não é esperado, nesta sociedade que, como se viu após as revoluções liberais, mergulhou em um individualismo exacerbado que espontaneamente se opere a redistribuição solidária dos benefícios. Isto se dará pelo mecanismo distributivo do Estado Fiscal, em especial pelo instituto da tributação conjugada com os princípios da capacidade contributiva e da progressividade na distribuição das cargas fiscais, observados ainda o mínimo existencial e a eficiência da economia em gerar recursos dos quais derivará a patrocínio do Estado. A solidariedade fiscal não implica proporcionalidade aritmética quando se compara a contribuição tributária e o retorno direto obtido. Muito provavelmente aqueles que mais pagam serão aqueles que menos benefícios diretos obterão. Por exemplo, num estado com carga efetivamente progressiva, o que não é o caso brasileiro, aquele cidadão que possui rendas elevadas pagará mais tributo em valores absolutos e percentuais do que aquele cidadão de baixa renda, contudo, provavelmente este cidadão mais tributado preferirá consumir benefícios adquiridos da iniciativa privada (educação, saúde, transportes...) àqueles oferecidos pelos mecanismos estatais. Em contrapartida, o cidadão menos aquinhoado e, por conseguinte, menos tributado será provavelmente o maior consumidor destas prestações estatais. Não se olvida de outras formas de analisar a relação de benefícios, considerando que os investimentos estatais servem para preparar e possibilitar a segurança dos investimentos empresariais, garantindo as liberdades de primeira geração, então poderia aí residir o maior benefício. 34 GODOI, M. Op. Cit. p. 150. A atual quadra história reclama igualdade material donde, para se preservar o valor equitativo das liberdades fundamentais, é necessário, por exemplo, garantir a todos os indivíduos condições adequadas de um ensino gratuito e de qualidade (sem as quais a liberdade de pensamento e de expressão por exemplo perdem substância), bem como medidas que impeçam o abuso do poder econômico nos processos eleitorais.35 Sevegnani escreve que mais importante que a existência de leis justas é a qualidade moral dos cidadãos. Segundo o pensamento aristotélico, conta mais o cidadão formado nas virtudes e especialmente na justiça, do que a lei com suas prescrições objetivas. Isto, é, de pouco vale a lei sem cidadãos virtuosos, e neste caso, a educação fiscal tem um papel fundamental na formação de cidadãos éticos e na construção do novo paradigma social.36 Difícil opor o valor solidário de que está investida a tributação como meio de adensamento da dignidade humana. Para Dworkin há uma diferença básica entre tratar igualmente as pessoas e tratar as pessoas como iguais, situando seu posicionamento nesta última a partir do ideal da redistributividade tributária37. Em que pese o reconhecimento do devido respeito àqueles que vislumbram o Estado (fiscal), a economia e os direitos humanos sob outro enfoque ou ideologia, reputo cumprida a missão de entregar ao leitor aquilo que julgo possível extrair das observação da evolução do fenômeno sócio-políticocultural ocidental a caminho de prover de cidadania material os indivíduos agregados em comunidades, sendo a solidariedade social e jurídica o espírito norteador dos institutos humanos responsáveis por produzir benefícios e riquezas e de adensar o princípio da dignidade humana. A tributação solidária deve ser o ponto de equilíbrio na pós-modernidade. 35 GODOI, M. Op. Cit. p. 150. SEVEGNANI, Joacir. A resistência aos tributos no Brasil – estado e sociedade em conflito. Florianópolis: Conceito, 2009, p. 205. 37 GODOI, M. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999, p. 86. 36 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. ALMEIDA, Alberto Carlos. O dedo na ferida – menos imposto, mais consumo. Rio de Janeiro: Record, 2010. ALTOÉ, Marcelo Martins. Direito versus dever tributário – colisão de direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. BARBOSA, Alice Mouzinho. Cidadania fiscal. Curitiba: Juruá, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo – os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. BASTIT, Michel. Nascimento da lei moderna – o pensamento da lei de Santo Tomás a Suarez. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. _____. Do estado liberal ao estado social. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BUFFON, Marciano. A tributação como instrumento de densificação do principio da dignidade da pessoa humana. Tese de doutoramento no programa de pós-graduação em direito da Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS – São Leopoldo: 2007. CHEVALLIER, Jacques. O estado pós-moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009. CONTIPELLI, Ernani. Solidariedade social tributária. Coimbra: Almedina, 2010. CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania – reflexões histórico-políticas. 3 ed. Ijuí: Unijui, 2002. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária – exiquibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007. DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. 1. ed. 5. reimp. Barcelona: Editora Ariel, 2002. FARIA, José Eduardo. Direito e conjuntura. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. _____. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 11 ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2009. FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: UFMG, 2008. FISCHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004. GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999. GOUVÊA, Clóvis Ernesto. Justiça fiscal e tributação indireta. Tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1999. GRECO, Marco Aurélio. (Coord) Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005. KELLY, John M. Uma breve história da teoria do direito ocidental. Trad. Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, 2010. MACHADO NETO, Antonio Luis. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1973. MACIEL, Miguel Ângelo. O tratamento tributário discriminatório como combate à concorrência fiscal internacional e a sua legitimidade. São Paulo: MP Editora, 2009. _____. Terceiro setor, estado neoliberal e a solidariedade fiscal. In.: Terceiro setor e tributação 2. Brasília: Fortium, 2008. MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, propriedade e igualdade fiscal – sob elementos de direito & economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. MÜLLER, Friedrich. Igualdade e Normas de Igualdade. Revista Brasileira de Direito Constitucional. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Método, p. 11-19, v. 1: Justiça Constitucional, 2003. ______. Que Grau de Exclusão Social ainda pode ser tolerado por um Sistema Democrático? Revista da Procuradoria-Geral. Tradução de Peter Naumann. Porto Alegre, 2000. Disponível em: <http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/especial.zip>. Acesso em: 20 maio 2005. MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade – os impostos e a justiça. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos - contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004. NOGUEIRA, Alberto. Teoria dos Princípios Constitucionais Tributários: A nova matriz da cidadania democrática na pós-modernidade tributária. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Fundamentos do dever tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. PAES, José Eduardo Sabo (Coord.) Terceiro setor e tributação. Brasília: Fortium, 2006. _____. Terceiro setor e tributação 2. Brasília: Fortium, 2008. _____. Terceiro setor e tributação 3. Brasília: Fórtium, 2010. POHLMANN, Marcelo Coletto; IUDÍCIBUS, Sérgio. Tributação e política tributária – uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2006. REALE, Miguel. Nova fase do direito moderno. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. _____. O estado democrático de direito e o conflito das ideologias.3 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. SANTOS, Boaventura de Sousa. De la mano de Alicia – lo social y lo político en la postmodernidad. Trad. Consuelo Bernal e Maurício García Villegas. Bogotá: Siglo del Hombre, 1998. SEVEGNANI, Joacir. A resistência aos tributos no Brasil: estado e sociedade em conflito. Florianópolis: Conceito, 2009. SOLON, Ari. Direito e tradição – o legado grego, romano e bíblico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. SUPIOT, Alain. Homo juridicus – ensayo sobre La función antropológica del derecho. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007. TAGLIARI, Carlos Agustinho. Os princípios e a construção da norma jurídica tributária. Curitiba: Juruá, 2009. TORRES. Ricardo Lobo. TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 108. _____.Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Vol. II. Valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. _____.Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Vol. III. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. 3a ed. ver. Atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.