1 A PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO DA EAD NA PERSPECTIVA DE APRENDIZAGEM FREIREANA Maria Dalvaci Bento 1 RESUMO O objetivo deste artigo é discutir sobre a produção de material didático para cursos de formação de professores a distância cujo aporte teórico é a perspectiva de aprendizagem proposta por Freire. Esse é um recorte das discussões teóricas de uma pesquisa de doutorado que se encontra em andamento. Estamos investigando como vem sendo elaborados o material didático para os cursos de formação de professores a distância. Participam dessa pesquisa professores da Educação Básica de duas turmas da quinta edição do curso Mídias na Educação numa universidade do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, buscamos fundamentar esse estudo nas teorias que convergem a Fre ire (2001; 2009; 2010) defendendo que a problematização, a conscientização, a contextualização e a dialogicidade são fundamentais ao processo de aprendizagem. Nesse artigo, ainda buscamos contribuições dos estudos de Bandeira (2009); Fernandez (2008); Moore & Kearsley (2007); Preti (2010a, 2010b); Souza (org.1998); Soletic (2001); Silva (2011). PALAVRAS-CHAVE: Material didático. Educação a Distância. Aprendizage m. 1. INTRODUÇÃO A discussão que ora levantamos busca refletir sobre a produção de materiais didáticos para cursos de formação de professores a distância permeada pela concepção de aprendizagem em Freire, que a consideramos ser constituída por quatro elementos conceituais fundamentais: a problematização, a conscientização, a contextualização e a dialogicidade. Para esse artigo, buscamos a conceituação de materia is didáticos em Bandeira (2009, p. 14) que, de forma ampla, diz que estes podem ser vistos “como produtos pedagógicos utilizados na educação e, especificamente, como material instrucional que se elabora com finalidade didática”. Sua classificação é feita a partir das especificidades das diferentes mídias e que podem ser usadas na Educação a Distância – EaD considerando suas vantagens e desvantagens: impresso, audiovisual e eletrônico (para ambientes virtuais de aprendizagem). Bandeira (2009) enfatiza que o material didático impresso é o mais utilizado na EaD pelas instituições de ensino, apesar do 1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte Doutoranda do Programa de Pós -Graduação em Educação [email protected] 2 desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na contemporaneidade em que novas mídias surgem. Esta situação se deve, principalmente, porque, dependendo da localidade do aluno, a utilização da internet ainda representa dificuldade ou impossibilidade de acesso, a infraestrutura, nesse aspecto, é precária. Por outro lado, dependendo das condições das instituições, o material didático pode ser utilizado de forma conjugada com outras mídias (vídeos, teleconferências, ambiente virtual de aprendizagem). Já o material didático audiovisual se refere, principalmente, às teleconferências, aos vídeos, entre outros. Na EaD, esse tipo de material é, normalmente, utilizado como complementar aos materiais impressos e aos eletrônicos, provavelmente devido ao pouco tempo do advento das tecnologias de informática e do acesso ainda não generalizado dos seus recursos. Quanto ao material didático para ambientes virtuais de aprendizagem, Moreira (2004) aponta que como principal característica a possibilidade de digitalização de diferentes tipos de informações, que torna possível tratar, armazenar num mesmo suporte, textos, recursos sonoros e imagens. Nessa perspectiva, a digitalização também permite o apoio de diversos meios de comunicação (computador, rádio, televisão telefone, etc.). Mas, afinal, a que se propõem os materiais didáticos da EaD? Fundamentalmente, esses materiais devem ser propostos de forma que contribuam para promover a aprendizagem dos alunos a partir dos temas abordados num determinado curso. Reconhecemos que em grande parte dos cursos de EaD ainda não é essa realidade que temos visto. 2. ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO TEXTO DIDÁTICO Pensar na estruturação do texto didático para EaD remete-nos à atividade de ensino e, consequentemente, à aprendizagem. Na visão de Moura (2002), a atividade de ensino, em sua essência, tem uma particularidade: a sua intencionalidade – e evidencia as concepções do sujeito que a propõe. Um dos pontos mais críticos do ensino é definir seu objeto, que se transformará (ou, pelo menos, deverá) em objeto de aprendizagem, já que nem sempre isso ocorre. Pensando nisso, concordamos com Pretti (PRETTI, 2010, p. 20) quando diz que o texto didático “é produzido com a intenção de ensinar, num 3 contexto formal de ensino, visando ao processo formativo e educativo dos leitoresestudantes”. Sendo assim, o texto faz parte do complexo ensino/aprendizagem. Ele traz informações, opiniões ou sugestões, mas a comunicação se dá mediada pelo mundo, nesse momento, “simbolizada” pelo texto (a codificação do real). Para iniciar um processo de produção do texto didático de determinado disciplina/módulo, a primeira ação a ser empreendida pelo autor é conhecer os alunos ou destinatários da informação (conteúdo) e a segunda, definir os objetivos. Com o perfil identificado e os objetivos elaborados, os demais aspectos são desencadeados, como: a concepção de educação que permeia o texto didático, os critérios de validação, as estratégias didáticas, as unidades temáticas, os suportes midiáticos, as atividades de aprendizagem, entre outros. Fernandez (2008) comenta que a preparação de material didático para a EaD pode ocorrer por diferentes métodos, porém, dentre suas várias características que podem ser examinadas, destaca três: a concepção de educação que configura o material, os critérios de avaliação em que se baseia o material e o modelo de comunicação em que se apoia a abordagem do conteúdo. Assim, se o autor do material defende que a educação é a mera transmissão de informação, produzirá um texto cheio de informações e comentários, quase sem espaço para reflexão. Todavia, se para ele o conhecimento deve ser construído pelo aluno, sua produção será aberta a diferentes interpretações, possibilitará ao aluno, a partir de suas experiências de vida, atribuir significado. Em relação aos critérios de avaliação do material, a abordagem do conteúdo pode ser feita partindo de questões mais simples para as mais complexas, porém essa é uma visão de educação que realça o ensino. No entanto, quando o autor direciona seu foco para a aprendizagem, o material didático dará ênfase ao conteúdo a partir do contexto do aluno – que nem sempre são os conteúdos mais simples. Acrescentamos, no entanto, que certos conteúdos são dedutíveis (do geral para o particular) e outros são indutíveis (do particular para o geral). Quando se parte da teoria para configurar uma prática é quase sempre o primeiro caso. Quando se parte de um exemplo (uma prática ou uma técnica) se vai do particular para o geral. Quanto à comunicação, se esta for tida como transmissão de informação, a abordagem do conteúdo do material será feita de forma linear ou unidirecional, que resulta na decodificação dessas informações pelo aluno. Porém, se a comunicação for vista como diálogo, no conteúdo do material transparece ideias do leitor, resultando 4 numa interação entre o autor do conteúdo e seu interlocutor – o aluno. Neste último, não concordamos com o posicionamento da autora, pois o autor do conteúdo é o produtor de informações; o interlocutor do aluno é o tutor. Na perspectiva de Preti (2010), a organização do texto didático envolve três elementos, a saber: os pré-textuais, os textuais e os pós-textuais. Quanto aos pré-textuais (capa, página de rosto, apresentação do programa, apresentação do curso, entre outros), destacamos que é preciso levar em consideração se o texto é destinado ao material impresso ou se é produzido para ambiente virtual – pois, neste último, não entram a capa e a página de rosto, por exemplo. Em relação aos elementos textuais, estes dizem respeito à essência do texto e contempla a apresentação da disciplina/módulo, as unidades temáticas e a conclusão. E os pós-textuais envolvem as referências, os glossários, as notas, os créditos – estes, também, podem aparecer como pré-textuais – entre outros. Assim, ao finalizar o texto didático, o autor do conteúdo necessita contar com a colaboração da equipe multidisciplinar que dará o tratamento formal ao texto. No entanto, reconhecemos que essa organização do texto didático proposta por Preti vai depender do objetivo do curso, de sua natureza, dos conteúdos propostos (mais ou menos abstratos), da literatura, entre outros aspectos. Chamamos a atenção, ainda, de que seria interessante realizar, a cada edição de um curso a distância, uma lista de erros e dúvidas mais frequentes sobre o conteúdo. Isso deve servir ao tutor, ao aluno e ao autor do conteúdo (para revisar o material). Na perspectiva de Moore e Kearsley (2007), o texto do material didático prima por apresentar boa estrutura de forma que a compreensão seja facilitada para o aluno. É fundamental que haja uma coerência interna entre as diversas partes que compõe o texto, deixando evidente para o aluno o que necessita aprender e o que se espera dele. Para isso, os objetivos de aprendizagem são formulados em consonância com o conteúdo e a avaliação. A organização do conteúdo é feita por unidades temáticas pequenas, cada uma atendendo a um objetivo específico. Nesse processo, a participação do aluno é planejada e, para isso, é necessário assegurar que haja atividades que levem o aluno a interagir com o professor-tutor e com os outros alunos. Esses autores defendem, também, que os materiais produzidos se destaquem pela integralidade e, sendo assim, além dos conteúdos, apresentem comentários sobre os conteúdos, as atividades de aprendizagem e ilustrações. Outro elemento fundamental a ser considerado no texto didático é a repetição de aspectos básicos do conteúdo, como 5 por exemplo, as ideias e informações importantes que constam nos resumos ao final de um conteúdo. Por outro lado, para que os materiais didáticos possam prender a atenção do aluno, sua apresentação se efetiva em alguns formatos diferentes e por mídias variadas de forma que atenda aos interesses e necessidades dos diferentes perfis de alunos. Por fim, a avaliação constante dos materiais produzidos é essencial, pois reflete a preocupação com a sua qualidade. Enfatizamos que a elaboração do texto didático é uma ação que exige cuidados para evitar problemas no momento de sua utilização pelos alunos, pois dependendo da maneira como for elaborado, pode contribuir para que os alunos desistam do curso. O excesso de conteúdos e de atividades, também, são fatores determinantes para a desistência de muitos alunos. Na perspectiva de Moore e Kearsley (2007), uma das questões que contribuem para a desistência dos alunos está no fato de perceberem que o conteúdo pouco contribui para a melhoria de sua carreira profissional ou não atende às expectativas pessoais. Aqui, vale a pena citar que a “propaganda” do curso e a ampla inscrição podem resultar, exatamente, nesse caso com boa parte dos alunos. Esses autores ainda destacam que é preciso que a quantidade de conteúdo e de atividades produzidos para um curso a distância esteja de acordo com o tempo destinado para sua execução. Por exemplo, um curso com 150 horas, desenvolvido em 15 semanas, pode ser organizado em 15 Unidades de 10 horas. Assim, o material didático produzido para cada Unidade deve atender ao total de horas para estudo. Porém, consideramos que essa conta deveria ser outra. Para cada 10 horas de estudo, o aluno deve ter um tempo para reflexão e sedimentação da aprendizagem. Também a conta deve levar em consideração que os alunos da EaD têm atividades rotineiras e que os cursos são feitos (quase sempre) em horas retiradas do lazer, do descanso ou das relações familiares. 3. AS ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM NO MATERIAL DIDÁTICO Os textos dos materiais didáticos estão estruturados através de conteúdos temáticos e de atividades, as quais requerem o emprego de processos cognitivos simples e complexos. Sua estruturação ocorre de forma simples, quando é solicitado do aluno “identificar, caracterizar, enumerar, descrever ou classificar” (SOLETIC, 2001, p. 86). Porém, quando a atividade envolve a compreensão de conceitos-chave, por exemplo, 6 exige um nível de complexidade maior, como é o caso da “resolução de problemas, a análise de casos, a interpretação de posições diversas, a formulação de hipóteses, a elaboração de argumentos e justificativas, o estabelecimento de relações conceituais e de tomada de decisões” (SOLETIC, 2001, p. 86). Todas essas atividades demandam a utilização progressiva de estratégias cognitivas complexas, uma vez que favorece o avanço do aluno na compreensão dos temas propostos no material didático. Assim, as atividades devem sempre deixar evidente o que se espera do aluno (SOLETIC, 2001; PRETTI, 2010). Porém, sabemos que nem sempre os professores que produzem o conteúdo para EaD estão predispostos a propor atividades levando em consideração esses aspectos ou, pelo menos, consideram isso relevante. Propor atividades supõe uma familiaridade com a sala de aula (prática) e com a didática (teoria) que nem sempre o autor do material possui. Outra preocupação (PRETI, 2010; SOLETIC, 2001; FRANCO, 2010) está relacionada ao tempo que é destinado para resolução das atividades, pois na elaboração do material didático esse fator não é levado em consideração. Sendo assim, muitas vezes, o tempo só atende as atividades de compreensão da leitura. Para entendermos como se dá o processo de elaboração das atividades num curso a distância, consideramos relevante conhecer as características proposta por Preti (2010), reconhecendo que essas atividades serão voltadas para os objetivos específicos e conteúdos propostos em cada unidade, mas também para as especificidades da disciplina e propostas de forma gradual, levando em conta o nível de complexidade. Portanto, entre outras, algumas características das atividades são: elaboradas a partir de temas relevantes; que possibilitem o desenvolvimento do pensamento reflexivo; desenvolvam outras habilidades, além daquelas que o aluno dispõe; contemplem teoriarealidade-teoria e realidade-teoria-realidade; possibilitem o aluno ir além do senso comum; promovam a criatividade e desenvolvam o senso crítico; apresentem diversos problemas reais com soluções possíveis e aceitá veis; possibilitem a organização e a hierarquização do conteúdo; orientem o uso de fontes bibliográficas e de dados. As atividades são consideradas como elementos principais do processo de aprendizagem e, portanto, demarcam o ponto de encontro “entre o ato de ensinar e a ação de aprender” (PRETI, 2010, p. 40). Nessa perspectiva, as atividades contribuem para que os estudantes reflitam sobre sua prática de modo que gerem mudanças – de 7 comportamento, atitudes e valores. Por isso, é fundamental que o autor tenha em mente o projeto pedagógico do curso no momento de elaboração do material didático. Para Preti, essas atividades podem estar organizadas em três grupos: atividades de autoavaliação, de processo e as obrigatórias. Assim, as atividades de autoavaliação estão relacionadas com o conteúdo e objetivos específicos da aprendizagem e são propostas com a intenção de que o aluno verifique se assimilou a informação, resolva exercícios, responda questões específicas relacionadas ao texto, entre outros. Além disso, essas atividades possibilitam que os estudantes constatem se houve compreensão do que foi lido, se os conceitos estão claros, entre outros e, nisso, o aluno pode verificar se alcançou os objetivos, ou não. Já as atividades de processo são aquelas em que são propostos “questionamentos, reflexões, exercícios, estudos de caso, resolução de problemas, coletas de dados, breves pesquisas (bibliográficas, de campo ou de laboratório), simulações, elaboração tabelas, de gráficos, de diagramas, etc.” (PRETI, 2010, p. 145). Os alunos podem desenvolver essas atividades de forma individual, mas também em grupo, já que os ambientes virtuais de aprendizagem possibilitam que seja utilizada essa estratégia. Por fim, as atividades obrigatórias são propostas como etapa formal de avaliação e são realizadas após as atividades de autoavaliação. Há duas maneiras para elaboração dessas atividades: a) quando o autor é, também, professor da disciplina e a instituição atende alunos de várias regiões do país; b) quando o autor produz material que atende a outras instituições (por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB). No primeiro caso, as atividades obrigatórias são contempladas no material didático; no segundo caso, o autor apenas pode sugerir essas atividades, ficando a cargo mesmo, das instituições que estão ofertando o curso. Silva (2011) recomenda que o autor produza materiais didáticos priorizando uma abordagem pedagógica cujo foco seja a aprendizagem do aluno e, para isso, é necessário criar situações de aprendizagem, através de atividades diversificadas, procurando atender aos diferentes perfis de alunos. Nesse contexto, a autora propõe seis tipos de atividades: de pesquisa, de síntese, atividades práticas, de interação, de avaliação e as colaborativas. As atividades de pesquisa são necessárias, pois levam o aluno ao desenvolvimento do potencial investigativo e crítico do aluno. Essas atividades se configuram pela pesquisa em diversas fontes para coleta e sistematização de dados. Já as atividades de síntese possibilitam que o aluno avalie sua própria aprendizagem, 8 verificando em quais pontos do seu conhecimento prévio sobre o tema abordado, avançaram. Essas atividades contribuem para que o aluno compare ideias e concepções diferentes sobre um mesmo tema. Por outro lado, as atividades práticas contribuem para que os conceitos compreendidos possam ser articulados as suas experiências de vida cotidiana. Assim, a articulação entre teoria e prática se materializa por atividades em laboratório, aulas-passeio, pesquisas de campo, entre outras. Além dessas atividades citadas, a autora, também, destaca as atividades de inte ração que são desenvolvidas em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), tais como fóruns, chats, enquetes, além daquelas que podem ser publicadas em blogs, redes sociais, youtube, entre outros. Essas atividades estão bastante relacionadas com as atividades de colaboração, que são desenvolvidas por meio de formação de grupos, gincanas virtuais, campeonatos virtuais, produção de wikis, entre outras. Por fim, as atividades de avaliação demonstram o processo de aprendizagem do aluno. Algumas sugestões dessas atividades são a elaboração de diários, portfólios, memoriais reflexivos e resolução de quiz. Ressaltamos que a forma como as atividades são propostas para os alunos podem ser motivadoras, estimuladoras e provocadoras de aprendizagem, mas também pode ocorrer o contrário disso. Muitas vezes, o material didático traz atividades mecânicas, descontextualizadas, não conduzem a análise, ao confronto e sem possibilitar ao aluno aprender significativamente. No que diz respeito aos cursos em AVA, nem sempre as ferramentas que possibilitam a realização de atividades de forma crítica e criativa são utilizadas. A ênfase é dada somente na ferramenta fórum, embora em diversas situações, a mediação do tutor se apresenta de forma frágil. Para que o professor se sinta mais seguro no seu desempenho, é necessário conhecer as diversas dimensões que constituem a essência da prática educativa, pois aprendemos “para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a” [...] (FREIRE, 2010, p. 69). Sendo assim, um dos pressupostos das atividades propostas nos cursos de formação continuada de professores deve ter como foco a sala de aula com seus sujeitos ali presentes, com suas histórias, expectativas (ou não) de aprendizagem, suas potencialidades e limitações. 9 4. A CONCEPÇÃO FREIREANA DE APRENDIZAGEM QUE NORTEIA A PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO DA EAD Freire defende que para o aluno aprender significativamente, o professor deve partir da problematização de situações reais do seu cotidiano para poder compreendê- lo de forma mais crítica. A aprendizagem é “um ato de conhecimento” da realidade vivida, no entanto esse conhecimento não é imposto; é resultado de um processo de compreensão, reflexão e crítica dessa realidade. Nessa perspectiva freireana, Rumpf e Berber (RUMPF; BERBER, 1998, p. 77) destacam que A própria designação de “educação problematizadora” como correlata da educação libertadora revela a força motivadora da aprendizagem. A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se toma distância para analisá-la criticamente. Essa análise envolve o exercício de abstração, através da qual procuramos alcançar, por meio de representações da realidade concreta, a razão de ser dos fatos. Para esses autores, o papel do professor nesse contexto deve ser o de um problematizador, mas primeiramente, ele precisa dominar o conteúdo para poder propor atividades desafiadoras que levem o aluno a compreender criticamente o mundo em que vive, a provocar a aprendizagem. Freire (2001) afirma que o processo de educar que se reconhece como uma situação gnosiológica autêntica está em constante busca da compreensão do mundo, por meio do pensar correto em detrimento da memorização – pura narrativa verbalista. Para Freire (FERIRE, 2001, p. 81), “[...] se a educação é essa relação entre sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognoscível, na qual o educador reconstrói, permanentemente, seu ato de conhecer, ela é necessariamente, em consequência, um quefazer problematizador”. Sendo assim, a atuação do professor com seus alunos só pode ser por meio da problematização dos conteúdos pelos quais mediatiza-os e, nunca pela transmissão de saber ao aluno, como se fosse algo pro nto, acabado. Por isso, o conteúdo deve ser problematizador, pois quando o professor se limita, apenas, a fazer uma exposição do conteúdo, sem que leve os alunos ao desafio da reflexão (em torno do conteúdo), além de não contribuir para a criticidade do aluno, fica naquilo que Freire chama de “periferia do problema”. 10 Nessa perspectiva, é preciso levar em conta outro aspecto fundamental na aprendizagem, que é a contextualização. Nisso Freire (2001) destaca a importância da seleção do conteúdo programático, que não deve ser feita de forma isolada, simplesmente pelo professor, já que se configura como uma ação educativa realizada de forma vertical. Essa decisão procede, pois, se a intenção é contemplar situações reais vividas pelos alunos, nem sempre as situações concretas do professor são as mesmas dos alunos. Assim, esse teórico defende que é a partir do levantamento de conhecimentos prévios dos alunos que o professor deve fazer a seleção do conteúdo programático, porque a contextualização é necessária. Nesse caso, de acordo com Freire (2010) é preciso olhar para a realidade em que os alunos estão inseridos e relacioná- la com as discussões feitas nos conteúdos curriculares de cada disciplina/área de ensino, ou seja, estabelecer uma relação de intimidade entre os conhecimentos curriculares e as vivências dos alunos. Para provocar a aprendizagem, é fundamental levar em conta a contextualização do saber, te ndo como ponto de partida os saberes locais e, a partir daí, possam intervir em sua realidade. Outro aspecto defendido por Freire é de que, para que o aluno aprenda, é necessário que os professores despertem seu senso crítico. É através da formação da consciência crítica que os alunos podem compreender o meio em que vivem e, consequentemente, promovam mudanças neste meio. A transformação do meio sociocultural pode ocorrer por meio “da ação-reflexão-ação sobre a história e a cultura da sociedade. O homem, consciente e histórico, pode participar dessa recriação do seu mundo sócio-cultural, sendo esta também uma atividade que promove a humanização coletiva dos homens” (MACHADO; KUNTZE, 1998, p. 31). Assim, o aluno deve ser despertado para compreender quem ele, realmente, é e seu papel na sociedade, ou seja, ter consciência crítica. Para que isso ocorra, é necessário s uperar a prática pedagógica que ainda se reflete na transmissão do conhecimento por uma prática transformadora cujo objetivo é o desenvolvimento da “reflexão crítica sobre a realidade e, assim, atuar nesta para transformá- la” (SCALABRIN; SECCO, 1998, p. 90). Freire (FREIRE, 2009, p. 113) diz que o único meio do homem superar uma atitude de simples acomodação e integrar-se é através de uma constante atitude crítica. “A consciência crítica é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais”. Assim, quanto 11 mais o sujeito tem consciência de si e enxerga os motivos pelos quais isso ocorre, tornase cada vez mais capaz de mudar-se. Levar os alunos a se tornarem conscientes do mundo em que vivem a partir dos conteúdos explorados não é uma tarefa simples para o professor. Freire (2001) chama a atenção para a questão de que a conscientização não se dá por um indivíduo isolado, mas em processo de interação com outros indivíduos. Ela ocorre enq uanto os indivíduos estabelecem entre eles mesmos e o mundo, relações de transformação. Sendo assim, a tomada de consciência é própria dos seres humanos e é resultado de suas defrontações com a realidade vivida do mundo concreto. Freire (FREIRE, 2001, p. 77) comenta que “Se a tomada de consciência, ultrapassando a mera apreensão da presença do fato, o coloca, de forma crítica, num sistema de relações, dentro da totalidade em que se deu, é que, superando-se a si mesma, aprofundando-se, se tornou conscientização”. Porém, atentamos para o fato de que, como a conscientização é uma ação própria do homem e em estruturas sociais, ela não pode ser de caráter individual. Um quarto aspecto destacado por Freire é de que, para que haja aprendizagem dos alunos, é necessário que haja diálogo permanente entre professor e alunos e entre alunos x alunos. É na troca, no entendimento entre os pares, na busca conjunta do conhecimento que pode ocorrer a aprendizagem. E não há outra forma mais viável de fazer isso, que não seja através da dialogicidade. Freire (2010) afirma que “[...] não há diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo- homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade” (FREIRE, 2010, p. 95). Para que os alunos aprendam, a educação a lhes ser proposta tem no diálogo/dialogicidade um dos pressupostos principais de um projeto pedagógico crítico. Freire (2010) diz que o diálogo entre educandos e educadores não começa no primeiro encontro destes, numa situação pedagógica, mas logo na definição do conteúdo programático, ou seja, a partir da seleção dos aspectos pelos quais vai se estabelecer o diálogo entre estes. Freire (2010) afirma que é por meio do diálogo que os homens co mpreendem o mundo e o transforma. Por isso, o diálogo é uma exigência da própria vida, que conduz os interlocutores a refletirem e agirem, e, consequentemente, os levam a transformar o mundo. Visto dessa forma, é inaceitável que um sujeito deposite suas ideias na cabeça 12 do outro. Portanto, “esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em ‘seres para outro’ por homens que são falsos ‘seres para si’” (FREIRE, 2001, p. 43). Desse modo, o diálogo reflete o encontro de pessoas que, unidas, compreendem a si mesmos e o mundo, por isso poderão transformar o mundo. Porém, Freire alerta que o diálogo só é possível, quando há amor, solidariedade, humildade, fé, confiança entre os sujeitos (do diálogo). Sendo assim, ele afirma que só há verdadeira educação, se houver comunicação; e só há comunicação, se houver diálogo. Por fim, ao pensarmos na aprendizagem dos alunos de um curso a distância, nos remetemos a Freire que sempre defendeu que os homens têm que ser conscientes de sua realidade para se tornarem livres. É o exercício da reflexão e da ação sobre a realidade vivida que permite sua transformação. Por isso a educação não pode ser mecânica, compartimentada, mas aquela que busca problematizar a prática pedagógica, que leva os sujeitos à reflexão e à ação, permeadas pelo diálogo. Uma prática pedagógica que traz esse delineamento deixa transparecer algo fundamental no processo de aprendizagem, que é o respeito à autonomia dos educandos. É com esse propósito que defendemos a produção de materiais didáticos para a formação de professores a distância. CONSIDERAÇÕES FINAIS A discussão em torno da produção de material didático para cursos de formação de professores nos leva a refletir, primeiramente, a respeito da forma como vem se dando seu planejamento, se a ênfase é dada somente aos aspectos teóricos ou, apenas, aos aspectos práticos ou, ainda, se vem sendo feita uma articulação entre a teoria e a prática docente. Compreendemos que as condições possibilitadas pelas leituras feitas dos textos propostos para tal formação, bem como as atividades relacionadas possam levar à reflexão na e sobre a prática docente e, consequentemente, transformá-la. Essa produção exige uma grande responsabilidade do autor do material no sentido de que possa estar organizado de forma que provoquem a aprendizagem dos alunos. Consideramos que uma perspectiva a ser adotada no sentido de atender a esse propósito, é quando o autor procura levar em conta as ideias defendidas por Freire no 13 que diz respeito aos conceitos de problematização, conscientização, contextualização e dialogicidade em prol da construção do saber. REFERÊNCIAS BANDEIRA, D. Material didático: conceito, classificação geral e aspectos da elaboração. In: CIFFONE, H. (Org.). Curso de Materiais didáticos para smartphone e tablet. Curitiba, IESDE, 2009, p. 13-33. Disponível em: http://www2.videolivraria.com.br/pdfs/24136.pdf. Acesso em: 27 set. 2012. FERNANDEZ, C. T. Os métodos de preparação de material impresso para EAD. In: LITTO, F.; FORMIGA, M. M. M. (org.). Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil. 2008. FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? 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