a violação dos direitos dos presos e a vinculação do juiz à lei

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS
E A VINCULAÇÃO DO JUIZ À LEI
Monografia apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Direito, na Universidade do Vale de Itajaí,
Centro de Educação São José.
Acadêmico: Jesus José de Pina Correia
São José (SC), outubro, 2007
2
JESUS JOSÉ DE PINA CORREIA
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS
E A VINCULAÇÃO DO JUIZ À LEI
Monografia apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Direito, na Universidade do Vale de Itajaí,
Centro de Educação São José, sob a orientação
do Prof. Msc. Rodrigo Mioto dos Santos.
São José (SC), outubro, 2007
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
Primeiramente à Deus, base sólida e guardião de todos os meus passos;
O meu orientador, pela paciência, dedicação, apoio e principalmente, por estar sempre
presente nas horas que mais precisei para suprir as minhas dúvidas acadêmicas;
A minha família, particularmente aos meus dedicados pais, irmãos e sobrinhos;
A minha namorada, pela paciência, apoio, amor, carinho e compreensão;
Por fim, agradeço aos meus professores, conterrâneos, amigos e fiéis companheiros da batalha
acadêmica, pelas calorosas e profícuas discussões nos corredores da Universidade,
principalmente após cada prova.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho:
Primeiramente à Deus, base sólida e guardião dos meus passos;
Aos meus pais, meus ídolos – Sr. Cácá e Sra Maria – pela dedicação, carinho, amor, pelos
ensinamentos, apoio, enfim, por tudo que fizeram e fazem por mim;
Aos meus irmãos Jordan, Judith, Neusa, Jerymias, Janeth e Jorge Pacheco, a minha avó
Virgínia (in memoriam) - que sempre estiveram do meu lado e participaram intensamente da
minha formação pessoal e acadêmica.
Aos meus sobrinhos – Flávia e Dasley
À minha namorada Sandra Bettencourt, pelo carinho, amor, dedicação, compreensão, apoio
acadêmico e emocional, enfim, por ser essa pessoa muito especial.
E por fim, aos meus conterrâneos, amigos e colegas de faculdade, pela amizade e por
dividirem comigo as aflições e peripécias da vida acadêmica. Sem dúvida, são amizades
sinceras e perenes.
5
JESUS JOSÉ DE PINA TAVARES CORREIA
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS
E A VINCULAÇÃO DO JUIZ À LEI
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovação pelo curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI/São José –
CES VII.
São José (sc), 09 de novembro de 2007.
Prof. Rodrigo Mioto dos Santos, MSc. UNIVALI
Orientador
Prof. Giovani de Paula, MSc. UNIVALI
Prof. Juliano Keller do Valle, MSc. UNIVALI
6
RESUMO
A pesquisa tem como finalidades específicas verificar e analisar o status dos direitos
assegurados aos presos no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrar ilustrativamente o
atual quadro do sistema penal no Brasil, e conseqüentemente, demonstrar ilustrativamente às
freqüentes violações dos direitos dos apenados para, ao final, analisar o instituto da
vinculação do juiz à lei. Durante a presente pesquisa foi utilizado o método dedutivo. O
trabalho está dividido em 3 capítulos: no primeiro capítulo será analisado o status das normas
protetivas dos presos asseguradas no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a
Constituição Federal/88, o Pacto São José de Costa Rica (Convenção Americana Sobre os
Direitos Humanos) e a Lei de Execução Penal – Lei n.º 7.210/84; no segundo capítulo será
elencado e analisado o catálogo dos direitos assegurados aos presos nos documentos legais
supra; e no terceiro e derradeiro capítulo será trabalhado o instituto da vinculação do juiz à lei,
bem como mostrar-se-á ilustrativamente o atual quadro do sistema penal brasileiro. Por fim,
salienta-se que o apenado, pelo fato de estar encarcerado, não perde a sua condição de pessoa
humana, por isso, os seus direitos não atingidos pela sentença penal condenatória devem ser
rigorosamente respeitados, sob pena de flagrante violação da Constituição. E assim, o juiz não
pode se eximir de aplicar a lei, pois, o mesmo a ela está vinculado de forma obrigatória. É
imperioso que fique bem claro a obrigatoriedade do juiz em aplicar a lei, sob pena de afastarse de um Estado de Direito Democrático.
Palavras-chave: direitos dos presos, direitos e garantias constitucionais; Lei de Execução
Penal; Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vinculação do juiz à lei.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................08
1 O STATUS DAS NORMAS PROTETIVAS DOS PRESOS.................................................11
1.1 Status das normas constitucionais de direitos fundamentais....................................................11
1.2 A proteção dos direitos humanos pelo Pacto de San José de Costa Rica (Convenção
Americana sobre Direitos Humanos): o apoio internacional na defesa dos direitos
fundamentais .................................................................................................................................17
1.3 A Lei de Execuções Penais como especificação dos direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados aos presos .................................................................................24
2 O CATÁLOGO DE DIREITOS RECONHECIDOS AOS PRESOS PELO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO........................................................................29
2.1 Os direitos assegurados na Constituição Federal.....................................................................29
2.2 Direitos assegurados aos presos na Convenção Americana sobre Direito Humanos ..............34
2.3 Os direitos assegurados na Lei de Execução Penal..................................................................38
3 AVINCULAÇÃO DO JUIZ À LEI E A ATITUDE A SER TOMADA DIANTE DE
FLAGRANTE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS ASSEGURADOS AOS PRESOS.................49
3.1 O quadro do sistema prisional brasileiro: a violação da lei pelo Estado ..................................49
3.2 O caso do juiz LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO ..............................................................55
3.3 A vinculação do juiz à lei: poderia o juiz LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO ter decidido
de forma diversa? ..........................................................................................................................59
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................70
ANEXO ........................................................................................................................................73
8
INTRODUÇÃO
Em novembro de 2005, foi noticiada com certa ênfase, nos órgãos de comunicação
social, a decisão do então Juiz titular da Vara de Execuções Criminais da Comarca de
Contagem/MG – Livingsthon José Machado – que determinou a expedição de alvará de
soltura aos presos que estavam cumprindo pena em condições degradantes e desumanas nas
carceragens do citado município.
Com efeito, por mais paradoxal que possa parecer, não se trata tão somente de um caso
isolado dentro do atual sistema prisional brasileiro, muito pelo contrário, é cada vez mais
corriqueira essa situação de cumprimento de penas em condições desumanas e degradantes.
Nesse passo, pressupõe-se afirmar que os direitos humanos fundamentais dos presos
assegurados no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque à Constituição, não estão sendo
observados. Assim, pergunta-se: Quais são os direitos e o status desses direitos assegurados
aos presos? O que deve fazer o Judiciário diante dessa situação? Qual é o papel do juiz nesses
casos? O juiz é obrigado a aplicar a lei para fazer cessar essas violações de direitos humanos
fundamentais?
Dessas reflexões provém a importância da presente pesquisa. Assim, propõe-se
verificar e analisar o status dos direitos assegurados aos presos no ordenamento jurídico
brasileiro, demonstrar ilustrativamente o atual quadro do sistema penal no Brasil e
conseqüentemente, apresentar as freqüentes violações dos direitos dos apenados e, por fim
analisar o instituto da vinculação do juiz à lei.
Assim, para atingir os objetivos traçados no presente trabalho usar-se-á o método
dedutivo, tendo como ponto de partida ou premissa maior, a análise dos direitos assegurados e
reconhecidos no ordenamento brasileiro. A segunda premissa se refere à universalidade
desses direitos, ou seja, são direitos que se estendem a todos, pois, todos são iguais perante a
lei e por fim, concluiu-se que os presos também têm acesso a esses direitos
constitucionalmente reconhecidos.
Para abordar as questões acima mencionadas o presente trabalho está dividido em três
capítulos.
O primeiro capítulo versará sobre o status das normas protetivas dos presos
asseguradas no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a Constituição Federal/88, o
Pacto São José de Costa Rica (Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos) e a Lei de
Execução Penal – Lei n.º 7.210/84.
9
É na Constituição Federal/88 que se encontram uma grande parte dos direitos
assegurados aos presos, basicamente no seu art. 5º, o que equivale afirmar, que os direitos
assegurados aos presos fazem parte do denominado direitos fundamentais, o que lhes
conferem maior credibilidade, respeito e aplicabilidade, pois as normas constitucionais
definidores de direitos fundamentais têm aplicação imediata e eficácia plena, além de serem
hierarquicamente superiores às demais, motivo pelo qual, qualquer norma infraconstitucional
ou
ato
administrativo
que
contrariem
as
disposições
constitucionais
devem
ser
veementemente repudiados.
Relativamente ao Pacto de São José de Costa Rica, ratificada no Brasil pelo Decreto
678/92, é que se encontra a proteção internacional dos direitos humanos fundamentais dos
presos. Assim, a proteção dos direitos humanos ganharam uma proporção e proteção
internacional na qual cada Estado tem por obrigação zelar, respeitar e fazer respeitar os
mesmos, criando mecanismos eficazes de responsabilização internacional de um Estado pelas
suas violações – é a responsabilidade internacional do Estado decorrente de um
descumprimento de uma obrigação internacional. Por outro lado, Convenção Americana foi
criada para proteger os direitos fundamentais da pessoa humana, contra qualquer Estado e
essa proteção independe da nacionalidade do indivíduo. A Convenção Americana é um
instrumento multilateral entre os Estados que consiste no compromisso de, acima de tudo,
respeitar os direitos humanos dos indivíduos.
No último tópico do primeiro capítulo é feita uma abordagem sobre a Lei de Execução
Penal como especificação dos direitos fundamentais reconhecidos aos presos na Constituição.
É por isso que se afirma que o processo de execução penal, em momento algum pode arranhar
a dignidade da pessoa humana, garantida contra qualquer ofensa física ou moral, sendo
incontestável que qualquer ato – judicial ou administrativo - que contrarie essa disposição, é
indubitavelmente inconstitucional.
No segundo capítulo buscou-se elencar e analisar o catálogo de direitos reconhecidos
aos presos pelo ordenamento jurídico brasileiro. No primeiro item, destacam-se os direitos
assegurados na Constituição Federal/88, basicamente, no seu art. 5º. Pretendeu-se, no entanto,
identificar na Constituição Federal alguns direitos reconhecidos aos presos, e que
freqüentemente lhes são acintosamente negados.
No que tange aos direitos assegurados no Pacto de São José de Costa Rica que se
refere à proteção internacional dos direitos humanos, destacou-se a vinculação dos Estadosmembros, sendo que em caso de violação estarão sujeitos a responsabilidade internacional,
pois, o Estado é responsável por reparar as violações aos direitos humanos fundamentais
ocorridos, proporcionando recursos de modo a custear a investigação, condenação dos
10
responsáveis pelas violações e o pagamento de indenizações tanto a vítima como também aos
familiares.
E, por último, é feita uma análise dos direitos estabelecidos na Lei de Execução Penal,
com ênfase no seu art. 88, que estabelece claramente que o apenado será alojado em cela
individual com área mínima de seis metros quadrados (art. 88, b) e tal local deverá conter
obrigatoriamente dormitório, aparelho sanitário e lavatório. De igual modo, a salubridade do
ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico
adequado à existência humana são requisitos básicos e imprescindíveis da unidade celular
(art. 88, alínea a).
O terceiro e derradeiro capítulo debruçou-se sobre o instituto da vinculação do juiz à
lei e a atitude a ser tomada diante de flagrante violação aos direitos assegurados aos presos.
Nesse passo, propôs-se abordar primeiramente o atual quadro do sistema penal brasileiro e a
situação da violação dos direitos dos presos pelo Estado, através de inúmeras reportagens
veiculadas nos órgãos de comunicação social. Reportagens essas que retratam de uma forma
cristalina a realidade dos estabelecimentos prisionais no Brasil.
Por conseguinte, no segundo tópico do derradeiro capítulo, analisou-se um dos casos
mais marcantes da realidade prisional brasileira, rotulado no presente trabalho de “O caso do
Juiz Livingsthon José Machado”, no qual serão verificados os fundamentos jurídicos que
motivaram a decisão de expedir alvará de soltura aos presos custodiados nas carceragens do
1º DP de Contagem prolatada pelo então Juiz titular da Vara de Execuções Criminais da
Comarca de Contagem/MG.
Em decorrência da citada decisão, por derradeiro, buscou-se no último tópico analisar
o instituto da vinculação do juiz à lei e a possibilidade de o Juiz Livingsthon José Machado de
decidir de maneira diversa.
Em suma, com o presente trabalho, não se pretende, como é óbvio, esgotar e analisar
todos os direitos dos presos, mas sim, apenas mostrar a situação alarmante do atual sistema
prisional brasileiro e demonstrar, concomitantemente, que por mais grave que seja a infração
cometida pelo condenado, os seus direitos e garantias legais (Constituição Federal/88, Pacto
São José de Costa Rica e a Lei de Execução Penal) hão de ser resguardados e preservados,
sobretudo os relacionados com a dignidade da pessoa humana, salvo aqueles incompatíveis
com o cumprimento da sentença penal condenatória.
11
1 O STATUS DAS NORMAS PROTETIVAS DOS PRESOS
Os presos, assim como qualquer outro cidadão livre, são possuidores de obrigações e
igualmente, como é óbvio, de direitos. Esses direitos estão assegurados e reconhecidos em
vários documentos legais, com destaque à Constituição Federal/88, Pacto de São José de
Costa Rica (Convenção Americana sobre Direito Humanos) – o qual Brasil é signatário e a
Lei de Execução Penal, instituído pela Lei 7210/84.
Portanto, neste tópico, pretende-se fazer uma análise no sentido de evidenciar a
natureza ou status das normas que assegurem os direitos dos presos nos documentos
enumerados anteriormente.
Nesse passo, o primeiro e o principal documento legal protetor dos direitos dos presos
a ser analisado é a Constituição Federal de 1988. Esses direitos possuem status de normas
constitucionais de direitos fundamentais, o que pressupõe afirmar que são normas
hierarquicamente superiores às demais e que, por isso, merecem um tratamento e atenção
peculiar por parte do judiciário.
O segundo documento legal protetor dos direitos humanos e conseqüentemente dos
direitos dos presos, é o Pacto São José de Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos
Humanos). Pretende-se mostrar a panorama de proteção dos direitos fundamentais no
contexto internacional e de que forma funcionam os mecanismos de proteção desses mesmos
direitos.
Por fim, no que tange às normas protetivas dos direitos dos presos, destaca a Lei de
Execução Penal, que não é mais do que especificação dos direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados.
Destarte, convém por oportuno salientar que qualquer violação dos direitos
assegurados aos presos esculpidos na Lei de Execução Penal constitui uma flagrante violação
da Constituição Federal.
1.1 Status das normas constitucionais de direitos fundamentais
Os direitos individuais assegurados na Constituição de 1988 estão elencados
basicamente no artigo 5º, o que pressupõe afirmar que fazem parte dos denominados direitos
12
fundamentais. Por conseguinte, mister se faz, antes de debruçarmos efetivamente sobre esses
direitos constitucionalmente assegurados, realçar a importância e o status das normas
constitucionais de direitos fundamentais.
Antes de adentrarmos no exame do status das normas constitucionais de direitos
fundamentais, primeiramente teremos que abordar sucintamente, o próprio conceito de
direitos fundamentais. Como ensina José Afonso da Silva, não é tarefa fácil conceituar
direitos fundamentais e essa tarefa torna-se ainda mais difícil devido às várias expressões
utilizadas para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem,
direitos
individuais,
direitos
subjetivos, liberdades
fundamentais, públicas, direitos
1
fundamentais do homem, entre outras denominações .
Aliás, Ingo Sarlet, que partilha do mesmo entendimento, realça a sua preocupação
relativamente à heterogeneidade, ambigüidade e discordância conceitual e terminológica, e,
inclusive, ressalta a importância e necessidade de obter um critério comum2. Cumpre
sublinhar que a própria Constituição de 1988, no dizer de Ingo Sarlet, não obstante as
significativas evoluções, ainda se caracteriza por uma variedade semântica na seara
terminológica dos direitos fundamentais, empregando as mais distintas expressões, quais
sejam, direitos humanos, direitos e garantias fundamentais, direitos e liberdades
constitucionais e direitos e garantias individuais3.
Prossegue ainda o autor, afirmando que a amplitude do catálogo, a falta de rigor
cientifico, aliada a uma técnica legislativa deficiente, constituem como principais vícios da
Constituição de 1988, o que enseja contradições e problemas de natureza hermenêutica.4
Cumpre sublinhar, que essa dificuldade em encontrar um denominador comum e essa
falta de sintonia inerente a nomenclatura dos “direitos fundamentais”, em momento algum
enfraquece a força normativa e a aplicabilidade destes, pois a sua eficácia e efetividade
independem do termo usado para os definirem. Porém, uma determinada denominação, numa
determinada situação poderá atribuir aos direitos fundamentais maior abrangência e
amplitude.
Com efeito, a problemática de conceituar “direitos fundamentais” e a falta de consenso
no seu uso, têm rendido efetivamente discussões calorosas. Contudo, por não ser proposta
primordial do presente trabalho fazer um estudo exaustivo acerca das expressões usadas ao se
1
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
182.
2
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 33.
3
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 33/34.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado 2005, p.
79.
13
referir a direitos fundamentais, descarta-se a possibilidade de trazer à tona os posicionamentos
dos doutrinadores e controvérsias que aquecem essas discussões.
Porém, considerando a natureza e o tema do presente trabalho, a expressão que mais se
coaduna é também aquela que segundo José Afonso da Silva considera a mais adequada: que
são direitos fundamentais do homem, pois:
[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e
informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reserva para
designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que
ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas
as pessoas.5
No qualificativo fundamentais, prossegue o citado autor:
[...] acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a
pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo
sobrevive. Fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual
devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concretamente e
materialmente efetivados.6
No que tange a natureza das normas de direitos fundamentais, no entendimento de
José Afonso da Silva, desde que no plano interno assumiram o caráter concreto de normas
positivas constitucionais, sem margem para discussão, a sua natureza passa-se a ser
constitucional.7
Ao fazer parte do corpo constitucional, as normas de direitos fundamentais passam a
gozar de um novo status, que lhes asseguram maior respeito e credibilidade, bem como
aplicabilidade.
Assim, por serem normas de natureza constitucional, no dizer de Raúl Machado Horta,
são hierarquicamente superiores às leis ordinárias e gozam de uma rigidez que as robustecem,
pois, afirma o retro citado autor que “a distinção formal confere maior permanência ao todo
constitucional, que só pode vir a ser modificado dentro de processo pré-estabelecido” 8
Nesse sentido, José Afonso da Silva, afirma que da rigidez constitucional emana,
como principal conseqüência, o princípio da supremacia da constituição, o que significa que:
5
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
182.
6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
182.
7
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
183.
8
HORTA, Raúl Machado. Direito Constitucional, 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 126.
14
[...] a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que
confere validade, e a todos os poderes estatais são legítimos na medida em
que os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema
do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e
organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de
Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação as demais normas
jurídicas.9
Por conseguinte, Raúl Machado Horta defende que:
[...] não basta o simples reconhecimento teórico da supremacia
constitucional. É preciso reconhecer (...), as conseqüências que defluem da
regidez constitucional: permanência jurídica da constituição e superioridade
jurídica das leis constitucionais sobre as leis ordinárias, acarretando repulsa a
toda lei contrária à Constituição.10
Nesse passo, mister se faz reconhecer a nível prático, a hegemonia das normas
constitucionais, de modo que todas as disposições normativas infraconstitucionais e/ou
quaisquer atos administrativos que contrariam as disposições da Carta Maior, devem ser
declarados inconstitucionais, cujos valores jurídicos, se reduzem a zero.
Relativamente a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, André Ramos
Tavares11, apresenta didaticamente algumas classificações, quais sejam, eficácia plena e
limitada, direta e indireta, exeqüíveis e não exeqüíveis.
No que tange a aplicabilidade, a Constituição é expressa, quando estatui que as normas
definidores dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Assim, em caso da
existência das normas definidores dos direitos fundamentais, é imperativo aos aplicadores da
Constituição terem como princípio a eficácia plena e a aplicabilidade imediata dessas mesmas
normas.
Se as normas de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, sob a égide
suprema da Constituição, pressupõe afirmar no entendimento de André Ramos Tavares, que
são igualmente de eficácia plena, “portanto, independem de legislação posterior para sua
plena execução. Desde a entrada em vigor da Constituição, produzem seus efeitos essenciais,
ou apresentam a possibilidade de produzi-los.” 12
Raul Machado Horta, no que tange a natureza da norma constitucional, é peremptório
ao afirmar que:
9
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
47.
10
HORTA, Raúl Machado. Direito Constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 126.
11
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 90/91.
12
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 92/93.
15
[...] é a norma primária do ordenamento jurídico, ocupando o lugar mais
elevado na pirâmide do sistema jurídico. A norma constitucional é a norma
fundamental que ocupa o vértice do ordenamento jurídico. A posição
hierárquica suprema da nossa constituição desencadeia a sanção da
inconstitucionalidade, quando se verifica o conflito entre a norma
fundamental e primária e as normas ordinárias e secundárias.13
Nesses casos, a eficácia das normas constitucionais, no dizer de José Sampaio, atua no
sentido de:
[...] ensejar 'humanização' da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas
normas sejam, no momento de aplicação, reexaminadas pelo operador do
direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da
igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido
constitucional.14
Porém, na separação entre as normas constitucionais auto-aplicáveis e não aplicáveis,
no que tange a sua eficácia, é que apareceu a concepção moderna das normas constitucionais
programáticas.
Luiz Roberto Barroso define normas programáticas como:
[...] aquelas em que o legislador constituinte ou não, em vez de editar regra
jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se
hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria
justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à sua
função.15
Contudo, outros doutrinadores (Luis Roberto Barroso e Jorge Miranda), entendem que
todas as normas são dotadas de eficácia vinculativa imediata dentro de uma análise sistêmica
da Constituição, afastando-se a identificação das normas programáticas como mera intenção
futura ou simples programas. Sustentam ainda os autores que as normas programáticas têm
eficácia vinculante e imediata, pois toda a norma constitucional é sempre obrigatória, pois
derivam do Poder Constituinte sendo dotadas de supralegalidade e todas apontam no topo do
ordenamento jurídico a que as demais normas devem respeito.
Na lição de Raúl Machado Horta a norma programática confere maior elasticidade ao
ordenamento constitucional, o que permite uma “atualização sucessiva da Constituição, de
modo a acomodá-la às tendências da vontade popular, projetada periodicamente na
13
HORTA, Raúl Machado. Direito Constitucional, 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 279.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte:
Delrey, 2003, p. 273.
15
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. São Paulo: Renovar, 2006, p. 114.
14
16
composição do Poder Legislativo, responsável pela concretização da norma programática”. 16
Ainda, na valiosa contribuição doutrinária do Raul Horta:
[...] a norma programática vincula-se a normas constitucionais que
estabelecem fundamentos, fixam objetivos, declaram princípios e enunciam
diretrizes. Nesses casos, o comando da norma programática é exeqüível por
si mesmo, sem necessidade de complementação legislativa ulterior.17
Por derradeiro, no que tange a aplicabilidade dos direitos fundamentais, o §1º do artigo
5º da Carta Maior é taxativo, ao estabelecer ipsis litters que:
Art. 5º - As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata.18
Ingo Sarlet, ao comentar o §1º do artigo 5º, afirma que a função primordial deste
preceito normativo é precisamente “oportunizar a aplicação imediata, sem qualquer
intermediação concretizadora, assegurando a plena justiciabilidade destes direitos, no sentido
de sua exigibilidade em juízo”. 19
Prossegue ainda o autor alegando que:
[...] a aplicabilidade imediata e a plena eficácia destes direitos fundamentais
encontram explicação na circunstância de que as normas que os consagram
receberam do Constituinte, em regra, a suficiente normatividade e
independem de concretização legislativa, consoante, aliás, já sustentava a
clássica concepção das normas auto-executáveis.20
Na mesma linha de pensamento o entendimento de Luis Roberto Barroso:
[...] as normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas,
conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade.
De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma
prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua
inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de um
cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo
estabelecimento das conseqüências da insubmissão ao seu comando.21
16
HORTA, Raúl Machado, Direito Constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Delrey, 2003, p. 195.
HORTA, Raúl Machado, Direito Constitucional, 4. ed, Belo Horizonte: Delrey,2003, p. 198.
18
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1998,
p. 5.
19
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 276.
20
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 276.
21
BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. São Paulo: Renovar, 2006, p. 76.
17
17
Com efeito, a imperatividade das normas constitucionais fundamentais nem sempre se
manifestou com a mesma intensidade que se vê atualmente, ou seja, havia uma carência de
normatividade, tornando-se juridicamente irrelevante.
Por derradeiro, na lição de José Afonso da Silva, algumas características são atribuídas
aos
direitos
fundamentais,
tais
como
a
inalienabilidade,
imprescritibilidade
e
irrenunciabilidade. Assim, no dizer do autor, os direitos fundamentais não podem ser
transferidos e nem tampouco negociados por não terem conteúdo de cunho econômicopatrimonial (inalienabilidade), da mesma forma que não podem ser renunciados,
independentemente se estão sendo ou não exercidos (irrenunciabilidade). Com efeito, o não
exercício dos direitos fundamentais, não implica a sua prescrição, pois estes poderão ser
exigidos a qualquer tempo (imprescritibilidade) sem prejuízo de qualquer ordem.22
Assim, após esse breve apanhado acerca do status das normas constitucionais de
direitos fundamentais, ficou patente a importância e a hegemonia da Constituição em relação
às demais normas. Convém não olvidar que as normas definidoras de direitos fundamentais,
além de serem normas que conservam a imperatividade, são normas de aplicabilidade
imediata e de plena eficácia. Ademais, importa enfatizar que qualquer violação das normas de
direitos fundamentais, implica numa flagrante violação da Constituição, que tem mecanismos
eficaz e próprio de coação, de modo a garantir-lhe a imperatividade.
Em seguida, sem mais delongas, passemos a analisar a proteção dos direitos humanos
na esfera internacional.
1.2 A proteção dos direitos humanos pelo Pacto de San José de Costa Rica (Convenção
Americana sobre Direitos Humanos): o apoio internacional na defesa dos direitos
fundamentais
Após abordar a natureza das normas constitucionais de direitos fundamentais,
cuidaremos nesta parte de mostrar a sua dimensão territorial e de que forma é feita a sua
proteção no âmbito internacional.
Para fins de esclarecimento, direitos humanos e direitos fundamentais, são expressões
similares, sinônimas até, que refletem exatamente a mesma realidade. Pois, assim como
direitos fundamentais, os direitos humanos apresentam-se como um conjunto de direitos
22
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo, Malheiros, 2000, p.
185.
18
necessários para assegurar a vida do homem com base na liberdade e na dignidade.23
Porém, nesta parte usaremos a nomenclatura direitos humanos em vez de direitos
fundamentais, haja vista que aquela é mais usual e a preferida àquela nos documentos
internacionais, proporcionando maior amplitude ao termo na seara da comunidade
internacional.
Assim, cumpre salientar que a proteção dos direitos humanos deixou de ser uma
obrigação ou responsabilidade de um único Estado individualmente considerado. A sua
proteção foi ganhando contornos e proporções cada vez mais gigantescas, ultrapassando o
âmbito territorial de um Estado isolado e transformou-se numa luta conjunta e engajada de
vários Estados. Noutro dizer, os direitos humanos ganharam uma proporção e proteção
internacional na qual cada Estado tem por obrigação zelar, respeitar e fazer respeitar os
mesmos, criando mecanismos eficazes de responsabilização internacional de um Estado pelas
suas violações – é a responsabilidade internacional do Estado decorrente de um
descumprimento de uma obrigação internacional.
Por conseguinte, a violação de uma norma de direitos humanos por parte de um
determinado Estado consiste em um descumprimento de uma obrigação internacional,
tornando-o responsável pela reparação dos danos eventualmente causados, sendo que essa
reparação se dá a luz das normas de Direito Internacional. Ou seja, a responsabilidade
internacional não é mais do que o dever de reparar qualquer violação cometida por um Estado
em detrimento de outro.
Salienta-se, ainda, que a vinculação de um Estado à responsabilidade internacional se
constitui de uma forma 'obrigatória'. No mesmo diapasão, comenta André de Carvalho Ramos
que:
No caso de não aceitação do princípio da responsabilidade internacional,
então, os Estados não seriam obrigados a cumprir as normas jurídicas
internacionais. Seria o fim da ordem internacional. Além disso, a existência
de regras de responsabilização ao Estado infrator tem o efeito de evitar novas
violações de normas internacionais e, com isso, assegurar o desenvolvimento
das relações entre Estados com base na paz e na segurança coletiva.24
Ademais, o estudo da proteção dos direitos humanos está intrinsecamente vinculado a
questão da responsabilidade internacional. Assim, ainda na preciosa lição do referido autor, a
questão de “respon sabilização do Estado por violação de direitos humanos é essencial para
23
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
11.
24
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
09.
19
reafirmar a juridicidade deste conjunto de normas voltado para a proteção dos indivíduos e
para a afirmação da dignidade humana”. 25
Contudo, para que as obrigações internacionais tenham os efeitos desejados, mister se
faz criar mecanismos eficazes que sirvam de instrumento para efetiva proteção os direitos
humanos, sendo que tal mecanismo “deve ser mais amplo possível para que se evite
justamente o caráter meramente programático das normas internacionais sobre direitos
humanos”. 26
Com efeito, a internacionalização de direitos humanos, é fruto da convivência e
engajamento dos Estados, que teve como marco inicial a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Assim, é preciso ter a plena consciência que toda a violação de direitos
humanos/direito internacional, implica a obrigação de reparação do dano provocado.
Assim, a esse respeito, observa André de Carvalho Ramos que:
A proteção de direitos humanos torna-se fator-chave para a convivência dos
povos na comunidade internacional. Essa convivência é passível de ser
alcançada graça à afirmação dos direitos humanos como agenda comum
mundial, levando os Estados a estabelecerem projetos comuns, superando as
animosidades geradas pelas crises políticas e econômicas.27
Ademais, a aderência dos Estados a instrumentos jurídicos internacionais de proteção
de direitos humanos está sendo movida pela busca de governabilidade e legitimidade.28
Por outro lado, no dizer do mestre Alexandre de Moraes:
A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos
possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina
autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional
dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da
plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas
gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança,
liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e
jurídicos de sua implementação.29
Conseqüentemente, com a aderência dos Estados e com as outras convenções
internacionais realizadas, verificou-se a internacionalização dos direitos humanos, com
25
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
09.
26
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
09.
27
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
19.
28
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
19.
29
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 460.
20
intento de proteger a pessoa humana sem a menção à nacionalidade ou o país de origem.
Nesse sentido, afirma Maurício Andreiuolo Rodrigues que:
A partir de então, e mais especificamente, a contar da Declaração Universal
de Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos desenvolveram nova e
mais profunda extensão. Seu panorama passou a ser universal, não cabendo
mais limites de fronteira, passou-se a uma nova era, a era dos direitos
humanos internacionais. De acordo em essa nova disciplina, os direitos
humanos teriam sido promovidos à posição de idéia-vetor para toda
comunidade jurídica mundial. Seu epicentro.30
Desse modo, de acordo com a nova concepção dos direitos humanos, a soberania dos
Estados passa para plano secundário. Portanto, não há que se falar em soberania de um Estado
quando se está em causa a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Assim, comenta o mesmo autor que:
[...] o Direito Internacional dos Direitos Humanos, considerado uma nova
disciplina autônoma, guarda seu postulado-guia na proteção do ser humano.
O ordenamento jurídico deve adotar tal alinhamento como o norte do seu
rumo. Não há barreira que obstaculize essa idéia-mestra. Nem mesmo o
conceito de soberania poderá frená-la, pois o conceito tradicional de
soberania estatal cede espaço ao socorro do ser humano naquilo que lhe é
mais caro: a dignidade como pessoa humana. Na contraposição entre
soberania e Direitos Humanos Internacionais, prevalecem os direitos
humanos.31
Com efeito, a evolução histórica de proteção dos direitos humanos em documentos
internacionais é relativamente recente, teve seu início com importantes declarações sem
caráter vinculativo e, posteriormente, assumiu a forma de tratados internacionais, no intuito
de obrigarem os Estados signatários ao cumprimento de suas normas e determinações. A
Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada em 10 de Dezembro de 1948, assinada
em Paris, é sem dúvida a marca principal da conquista dos direitos humanos a nível
internacional.32
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, disciplina autônoma de direito
internacional, na lição do ilustre doutrinador André Ramos “é entendido como o conjunto de
direitos e faculdades que garante a dignidade da pessoa humana e beneficia-se de garantias
30
RODRIGUES, Maurício Andreiuolo (et al); Org.: Ricardo Lobo Torres: Teoria dos Direitos Fundamentais.
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 170.
31
RODRIGUES, Maurício Andreiuolo (et al); Org.: Ricardo Lobo Torres: Teoria dos Direitos Fundamentais.
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 171.
32
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 460.
21
internacionais institucionalizadas”. 33
Destarte, afirma ainda André Ramos, citando Bruno Simma, que esse novo ramo de
direito internacional, “consiste em um conjunto de normas jurídicas internacionais que cria e
processa obrigações do Estado em respeitar e garantir certos direitos a todos os seres humanos
sob sua jurisdição, sejam eles nacionais ou não”. 34
Implica, desta maneira, afirmar que no tocante a abrangência geográfica de proteção
de direitos humanos é de vocação universal, protegendo qualquer ser humano, em qualquer
região do mundo, sem limitação territorial ou de conteúdo.
Assim, destacam-se alguns instrumentos de proteção de direitos humanos de caráter
universal como a Carta da ONU e posteriormente a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que foi aprovada sob a forma de resolução da Assembléia Geral da ONU.
Por conseguinte, agregou-se a esses textos internacionais, alguns outros tratados de
alcance regional, com realce para a Convenção de Americana de Direitos Humanos – Pacto
São José da Costa Rica, 1969 – que será futuramente abordada Nesse texto, o rol de direitos
protegidos é mais amplo, mas o espaço territorial abrangente é menor quando comparado com
documentos de abrangência mundial.
Cada novo texto criado no sentido de proteger internacionalmente os direitos
humanos, aumenta a garantia do indivíduo. Assim, sustenta André de Carvalho Ramos que:
Esses tratados de direitos humanos são diferentes dos tratados que
normatizam vantagens mútuas aos Estados contratantes. Com efeito, o
objetivo dos tratados de direitos humanos é a proteção de direitos de seres
humanos diante do Estado de origem ou diante de outro Estado contratante,
sem levar em consideração a nacionalidade do indivíduo-vítima.35
Prossegue, ainda, afirmando que:
[...] um Estado, frente a um tratado multilateral de direitos humanos, assume
várias obrigações para com os indivíduos sob sua jurisdição,
independentemente da nacionalidade, e não para com outro Estado
contratante, criando o chamado regime objetivo das normas de direitos
humanos. Esse regime é o conjunto de normas protetoras de um interesse
coletivo dos Estados, em contraposição aos regimes de reciprocidade, nos
quais impera o caráter quid pro quo nas relações entre os Estados. Logo os
tratados de direitos humanos, estabelecem obrigações objetivas, entendendo
estas como obrigações cujo objeto e fim são a proteção de direitos
33
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
25.
34
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
25.
35
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
29.
22
fundamentais da pessoa humana.36
Conclui o autor que os tratados de direitos humanos não são tratados multilaterais
tradicionais, baseados na troca recíproca de benefícios entre os Estados contratante, pois o seu
escopo é tão somente a proteção dos direitos humanos, independentemente da nacionalidade,
“gerando para isso uma ordem legal internacional que visa beneficiar, acima de tudo, o
indivíduo”. 37
Salienta-se também que relativamente aos tratados institutivos de garantias e proteção
dos direitos humanos, não se aplica a noção contratualista, comum em outros tratados, pois a
obrigação não depende de uma contraprestação de outra parte, é tão somente, uma obrigação
para a sociedade internacional. Ou seja, o Estado obriga-se a respeitar os direitos humanos
sem que haja qualquer contraprestação a ele devida e as normas dos seus tratados devem ser
interpretados em prol dos indivíduos.
Deste modo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que:
[...] os tratados modernos sobre direitos humanos, em geral e, em particular,
a Convenção Americana, não são tratados multilaterais do tipo tradicional,
concluídos em função de intercâmbio recíproco de direitos, para o benefício
mútuo dos Estados contratantes. Seu objeto e fim são a proteção dos direitos
fundamentais dos seres humanos, independentemente de sua nacionalidade,
tanto em face de seu próprio Estado como em face de outros Estados
contratantes. Ao aprovar esses tratados sobre direitos humanos, os Estados
submetem-se a uma ordem legal dentro da qual eles, para o bem comum,
assumem várias obrigações não em relação com outros Estados, senão com
os indivíduos sob sua jurisdição.38
A bem da verdade, a Convenção Americana foi criada para proteger os direitos
fundamentais da pessoa humana, contra qualquer Estado e essa proteção independe da
nacionalidade do indivíduo. A Convenção Americana é um instrumento multilateral entre os
Estados que consiste no compromisso de, acima de tudo, respeitar os direitos humanos dos
indivíduos.
Convém frisar que esse compromisso-obrigação internacional, já mencionado
inúmeras vezes, não tem como sustentáculo a reciprocidade ou o engajamento similar de
outro Estado. Nessa ótica, disserta André de Carvalho Ramos que:
36
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
29.
37
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
29.
38
Corte Americana de Direitos Humanos, Parecer Consultivo OC-02/82 de 24 de setembro de 1982, série A, n.
02, parágrafo 29
23
[...] a objetividade da proteção dos direitos humanos consiste na
impossibilidade da utilização do princípio geral de Direito Internacional da
reciprocidade. A violação de um tratado multilateral de proteção aos direitos
humanos em nada afeta a obrigação de outro Estado-parte, que continuará
obrigado pelas normas do mesmo tratado.39
Conclui ainda o autor que:
Esse caráter objetivo das obrigações de respeito a direitos humanos
assumidos pelo Estado põe em evidência que a responsabilização
internacional do Estado por violação de direitos humanos tutela o interesse
do indivíduo e não um interesse material do Estado. Por isso que não se
admite a relação de reciprocidade em tais tratados.40
Essas transformações decorrentes do movimento de internacionalização dos direitos
humanos contribuíram, e muito, para a democratização do próprio cenário internacional, haja
vista que, além dos Estados e Organizações Internacionais, podem participar no palco
internacional os indivíduos e organizações não-governamentais. Os indivíduos se
transformaram em sujeitos de direitos internacionais, lugar onde antes só poderiam afigurar
Estados.
Desta maneira, o interesse individual referente aos direitos humanos, poderá ser
resolvido, na seara do Direito Internacional, com aceitação da legitimidade ativa do
indivíduo, através da possibilidade lhe que é concedida de acionar o Estado perante órgãos
internacionais competentes, sem necessidade de intermediários – Estados-terceiros e
organismos internacionais – para encaminhamento das suas reclamações.41
Nessa ótica, afirma Flávia Piovesan que:
[...] na medida em que guardam relação direta com os instrumentos
internacionais de direitos humanos – que lhes atribuem direitos fundamentais
imediatamente aplicáveis – os indivíduos passam a ser concebidos como
sujeitos de direito internacional. Na condição de sujeitos de direito
internacional, cabe aos indivíduos o acionamento direto de mecanismos
internacionais, como é o caso da petição ou comunicação individual,
mediante a qual um indivíduo, grupos de indivíduos ou, por vezes, entidades
não-governamentais, podem submeter aos órgãos internacionais competentes
denúncia de violação de direito enunciado em tratados internacionais.42
39
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
33.
40
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
34/35.
41
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Renovar, 2002, p.
35.
42
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 27/28.
24
No entanto, ainda é necessário democratizar e facilitar o acesso às instituições
internacionais, de modo a permitir um maior espaço de atuação e participação eficaz dos
indivíduos e das identidades não-governamentais.
Em arremate, restou-se claro que a proteção dos direitos humanos não compete tão
somente a um Estado considerado isoladamente, mas sim, consiste numa luta engajada e
conjunta dos Estados à nível internacional. Em outro dizer, além da proteção interna vige uma
proteção internacional dos direitos humanos, o que pressupõe informar que violação de
direitos humanos implicará obrigatoriamente a responsabilização internacional do Estadomembro infrator. Salienta-se ainda que a abrangência geográfica de proteção de direitos
humanos é de vocação universal, protegendo qualquer ser humano, em qualquer região do
mundo, sem limitação territorial ou de conteúdo.
Feitas essas considerações a respeito das normas de proteção internacional,
passaremos a analisar, nas linhas que se seguem, a natureza da LEP – Lei de Execução Penal.
1.3 A Lei de Execuções Penais como especificação dos direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados aos presos
A Lei n.º 7.210 de 11 de Julho de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal –
doravante LEP –, é um instrumento normativo regulador da estrutura e disciplina do sistema
prisional brasileiro que traça principalmente a “ressocialização do condenado como objetivo
anunciado da pena, reincorporando a noção de periculosidade do agente e primando pela idéia
43
de 'tratamento do delinqüente'.”
Assim, a LEP foi criada como instrumento normativo capaz de proporcionar
humanidade e racionalidade ao processo de aplicação da pena privativa de liberdade, em
conformidade com o esculpido no seu art. 1º, in verbis:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado.
O presente diploma legal é claro nos seus dois objetivos. O primeiro se refere à correta
efetivação da sentença ou decisão criminal, destinado a reprimir e prevenir crimes, ao passo
43
ROIG, Rodrigo Duque. Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil. Rio Janeiro: Revan, 2005,
p.138.
25
que o segundo objetivo é criar condições propensas para a harmônica integração social do
condenado e do internado. Salienta-se ainda que a LEP instituiu uma série de direitos sem os
quais o segundo objetivo ficará irremediavelmente prejudicado.
No que tange ainda aos objetivos da LEP, disserta Andrei Zenkner Schmidt que:
Resta evidente, portanto, a opção do nosso legislador, no sentido de que a
sanção penal fixada na sentença condenatória será cumprida com uma
finalidade específica, qual seja, a de proporcionar a harmônica integração
social do condenado e do internado [...]. Nesse sentido, é notório o
fundamento pedagógico adotado pelo legislador penal no que se refere à
pretensão executória, característica esta notada em inúmeras outras
incidentes da execução da pena, tais como remição (art. 126), as
recompensas (arts 55 e 56), etc.44
Com efeito, até o momento, a concretização dos objetivos traçados na LEP não foram
alcançados, principalmente por falta de estrutura adequada destinada a cumprimento da
sentença penal condenatória.
Nesse sentido, observa Rodrigo Roig que:
Em momento de crise, a sociedade brasileira atribui a responsabilidade pela
falência do sistema penitenciário a uma série de fatores exógenos à estrutura
normativa da execução penal em nosso país, olvidando-se, no entanto, que
esta é responsável por nortear as ações e sancionar as inúmeras violações à
ordem constitucional. Em lugar de corrigir as iniqüidades em sede executiva,
o que se vê é a legitimação de uma série de práticas arcaicas e atentatórias
aos direitos mais elementares dos detentos.45
Com efeito, os objetivos previamente estabelecidos pela LEP não foram alcançados
por conta das insistentes e inúmeras violações/descumprimentos dos preceitos normativos
assegurados não só no citado diploma legal, como também nos documentos internacionais e
principalmente na Constituição Federal/88.
Noutro dizer, as disposições normativas esculpidas na LEP, não são mais que
especificações dos direitos internacional e constitucionalmente assegurados aos presos. O
legislador constituinte encontrou na LEP uma solução jurídico-penal de esmiuçar os direitos e
garantias assegurados a todos na Constituição Federal, de forma a nortear e regular toda a fase
de execução penal.
Assim, sustenta Andrei Schmidt que:
44
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 209.
45
ROIG, Rodrigo Duque. Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil. Rio Janeiro: Revan, 2005,
p. 139.
26
A jurisdição e, conseqüentemente, a constitucionalização da pretensão
executória do Estado dá origem, primeiramente, a deveres dos representantes
do Estado em não ofenderem os direitos fundamentais do preso. Juízes,
representantes do ministério Público, administradores de casas prisionais e,
até mesmo, advogados, têm obrigação de respeito às garantias fundamentais
do sujeito da execução.46
Cumpre, por oportuno, sublinhar que do anteriormente exposto, uma violação de um
preceito normativo assegurado na LEP implica – por via reflexa – violação de uma norma de
direito internacional e constitucional, pois a LEP é extensão normativa destes.
Assim, todas as disposições normativas previstas na LEP que asseguram direitos aos
presos encontram respaldado na Constituição Federal, motivo pelo qual deverá ser
“religiosamente” respeitada, sob pena de violação de um preceito de natureza constitucional.
Nesse sentido, destaca-se o argumento ventilado pelo Mirabete, declarando que:
A Lei de Execução Penal, impedindo o excesso ou o desvio da execução que
possa comprometer a dignidade e a humanidade da execução, torna expressa
a extensão de direitos constitucionais aos presos e internos. Por outro lado,
assegura também condições para que os mesmos, em decorrência de sua
situação particular, possam desenvolver-se no sentido da reinserção social
com o afastamento de inúmeros problemas surgidos com o
encarceramento.47
Prossegue ainda Mirabete enumerando alguns direitos reconhecidos e assegurados
tanto na LEP como também na Constituição Federal. Destaca-se direito à vida (art. 5º, caput,
CF); o direito a integridade física e moral (art. 5º, III, V, X e XLIII, da CF); o direito à
propriedade, de natureza material e imaterial, ainda que o preso não possa temporariamente
exercer alguns dos direitos do proprietário (art. 5º, XXII, XXVII, XXVIII, XXIX e XXX da
CF); o direito à liberdade de consciência e de convicção religiosa (art. 5º, VI, VII, VIII, da
CF); o direito à instrução (art. 208, I, e § 1º, da CF); o direito e o sigilo de correspondência e
das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (art. 5º, XII, da CF); o direito de
representação e de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou contra abusos de
autoridade (art. 5º, XXXIV, a, da CF), o direito à expedição de certidões requeridas às
repartições administrativas, para defesa dos direitos e esclarecimentos de situações de
interesse pessoal (art. 5º, XXXIV, b, LXXII, a e b, da CF); direito à assistência judiciária (art.
5º, LXXIV, da CF); o direito às atividades relativas às ciências, às letras, às artes e à
tecnologia (art. 5º, IX e XXIX, da CF) e o direito à indenização por erro judiciário ou por
46
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 223.
47
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 42.
27
prisão além do tempo fixado na sentença (art. 5º, LXXV).48
Alexandre Moraes compartilha do mesmo entendimento, pois segundo o autor:
O preso, porém, continua a sustentar os demais direitos e garantias
fundamentais, por exemplo, a integridade física e moral (CF, art. 5º, III, V,
X e LXIV), à liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), ao direito de propriedade
(CF, art. 5º, XXII), entre inúmeros outros, e, em especial, aos direitos à
vida e à dignidade humana [...].49
Por conseguinte, o art. 5º, XLVIII, da CF, no entender de Alexandre Moraes, está
regulado também na LEP, de modo a colaborar com a tentativa de recuperação do condenado,
fazendo com que a execução penal seja, na medida do possível, individualizada, de forma a
socializá-lo. Destaca, ainda, o mestre, que a previsão constitucional de direitos dos presos,
bem como a preservação da dignidade da pessoa humana durante a execução penal, encontrase respaldo nos em vários ordenamentos jurídicos constitucionais.50
Argumenta ainda o citado autor exemplificando que:
A previsão ordinária (lei n.º 7.210/84 – Lei das Execuções Penais)
compatibiliza-se plenamente com o mandamento constitucional,
determinando a classificação dos condenados, segundo os antecedentes e sua
personalidade, para orientar a individualização da execução penal (art. 5º).51
Por fim, Alexandre de Moraes destaca igualmente que:
O pacto de São José da Costa Rica, igualmente, prevê regras protetivas aos
direitos dos reclusos e, em seu art. 5º, determina que os processados devem
ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e
devem ser submetidos a tratamento adequado a sua condição de pessoas não
condenadas.52
Na verdade o processo de execução penal, em momento algum pode arranhar a
dignidade da pessoa humana, garantida contra qualquer ofensa física ou moral, sendo
incontestável que qualquer ato – judicial ou administrativo - que contrariar essa disposição, é
indubitavelmente inconstitucional.
Destarte, do exposto, resta-se cristalina que a LEP consiste em especificação dos
48
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 42.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional.
Paulo: Atlas, 2005, p. 338.
50
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional.
Paulo: Atlas, 2005, p. 338/339.
51
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional.
Paulo: Atlas, 2005, p. 338.
52
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional.
Paulo: Atlas, 2005, p. 341.
49
5. ed. São
5. ed. São
5. ed. São
5. ed. São
28
direitos assegurados e garantidos na Constituição Federal e nos documentos internacionais de
proteção de direitos humanos, destinados a proteção dos presos.
Oportunamente, serão abordados, no presente trabalho, com mais afinco, alguns dos
direitos assegurados aos presos tanto na LEP, na Constituição Federal, bem como também nos
documentos internacionais.
29
2 O CATÁLOGO DE DIREITOS RECONHECIDOS AOS PRESOS PELO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Após abordar, nos tópicos anteriores, o status das normas protetivas dos presos
assegurados na Constituição Federal, Pacto São José de Costa Rica e Lei de Execução Penal,
passar-se-á, em seguida, a enumerar e analisar os direitos reconhecidos aos presos pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, cuida-se nesta parte de identificar nos diplomas legais alguns direitos
reconhecidos aos presos, e que freqüentemente lhes são negados. Não se almeja, contudo,
elencar e nem tampouco abordar todos os direitos reconhecidos aos presos, mas sim fazer um
catálogo dos principais direitos salvaguardados e que são mais comumente atingidos pela
prática dos Estados.
Assim, destaca-se os direitos reservados aos presos esculpidos na Constituição
Federal/88, com particular enfoque para o seu art. 5º, que sem dúvida é o ponto de referência
do nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, conforme se verá posteriormente, é basicamente no art. 5º constitucional
que se encontra todos os direitos e garantias individuais reservados à todos, inclusive, aos
presos.
Nessa linha, também serão analisados os direitos assegurados aos presos constantes na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual Brasil é signatário, como já tivemos
oportunidade de frisar.
Por fim, traz-se à lume, os direitos assegurados aos presos estabelecidos na Lei de
Execução Penal - LEP. Na verdade, a LEP além de nortear todo o cumprimento da pena, é o
documento onde se encontram esmiuçados todos os direitos constitucionais reservados aos
presos.
2.1 Os direitos assegurados na Constituição Federal
A Constituição, como já foi oportunamente frisado, é a lei fundamental e suprema do
Estado que traça as diretrizes, fundamentos e as competências governamentais. As demais
normas que fazem parte do ordenamento jurídico devem obediência às normas constitucionais
e só serão válidas se estiverem em conformidade com as mesmas.
30
Portanto, é na Constituição que estão consubstanciadas as normas fundamentais que
são a própria estrutura do Estado, que traçam as diretrizes e a organização dos seus órgãos. É
também na Constituição Federal que estão salvaguardadas os direitos e garantias individuais,
igualmente reconhecidos a todos e sem qualquer distinção. Noutro dizer, implica afirmar que
os ditames constitucionais atingem toda coletividade e os direitos salvaguardados na Carta
Maior e igualmente reconhecidos a todos abraçam também os presos, salvo os direitos
atingidos pela sentença penal condenatória.
Assim, cuida-se nesta parte de identificar na Constituição Federal alguns direitos
reconhecidos aos presos, e que freqüentemente lhes são acintosamente negados. Não se
pretende, contudo, elencar e nem tampouco abordar exaustivamente todos os direitos
reconhecidos na Constituição Federal aplicáveis aos presos, mas sim fazer um apanhado dos
principais direitos salvaguardados na Constituição e que são mais comumente atingidos pela
prática estatal.
Conforme o artigo 1º da Constituição Federal, o Brasil é um Estado de Direito
Democrático e tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana, sem margem para dúvida, é um dos
princípios mais abrangentes e ao mesmo tempo mais importante do ordenamento jurídico. O
seu conteúdo, abrangência e significado, dificultam trazer aqui uma conceitualização clara e
precisa do que efetivamente seja esta dignidade. Tal dificuldade é decorrente de expressões
vagas e imprecisas que caracterizam esse princípio, tornando-o de natureza polissêmica. No
entendimento de Ingo Sarlet, a dificuldade reside no fato de que:
[...] no caso de dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as
demais normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos
específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida,
propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e
qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade [...] passou a ser
habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o
ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir
muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de
proteção da dignidade, na sua condição jurídico-normativa.53
Contudo, em que pesem as dificuldades em formular uma proposta de
conceitualização jurídica da dignidade da pessoa humana, é possível trazer no presente
trabalho entendimentos conceituais de alguns doutrinadores, dentre eles, Alexandre Moraes,
que afirma que a dignidade da pessoa humana, não é mais do que:
53
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 40.
31
[...] um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida
e que trás consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico
deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos.54
Nesse sentido, o não menos ousado Ingo W. Sarlet, na esteira da sua lição entende que
dignidade da pessoa humana é:
[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o
faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direito e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos.55
Com efeito, o princípio da dignidade humana encontra-se ligado à própria condição
humana de cada indivíduo e é um valor supremo que atrai e unifica o conteúdo de todos os
outros direitos fundamentais. Portanto, é patente e inequívoca que a dignidade da pessoa
humana é norma fundamental na ordem jurídico-constitucional brasileira e por ser princípio
definidor das normas e garantias fundamentais, algumas características lhe são atribuídas, tais
como a imprescritibilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade e a inalienabilidade.
Assim, convém por oportuno, trazer o entendimento do mestre Ingo W. Sarlet, ao
afirmar que:
[...] a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental traduz a certeza de que o artigo 1º, inciso III, da nossa Lei
Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma
declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídicopositiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material
e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia.56
Por derradeiro, no que tange à dignidade da pessoa humana, como um valor
indissociável do ser humano e norma fundamental da República Federativo do Brasil, é de
salientar que este é um princípio que contempla toda a coletividade e ninguém pode ser
54
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5.ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 128.
55
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 59/60.
56
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 70.
32
privado desse direito e qualquer violação desse princípio é uma clara afronta a Constituição,
que é peremptória ao estabeleceu que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais, conforme seu art.5º, inciso XLI.
De igual modo, a Constituição no seu artigo 3º, traça como um dos objetivos
fundamentais (inciso IV) da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Por conseguinte, é no artigo 5º do texto constitucional que estão assegurados e
salvaguardados os direitos e as garantias individuais mais importantes de todo o ordenamento
jurídico. Como já foi anteriormente realçado é no artigo 5º da Constituição que estão
estabelecidos basicamente todos os direitos e garantias individuais, e indubitavelmente é esse
dispositivo a espinha dorsal e o ponto de referência do ordenamento jurídico, quando se trata
dos direitos considerados fundamentais. Com efeito, é impossível dissociar o artigo 5º do
conceito de normas de direitos fundamentais: as duas coisas se confundem e se
complementam, tornando-se algo uno e inseparável.
Importante frisar que segundo o art. 5º, caput, da Constituição Federal: Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
Primeiramente, é de salientar que os direitos assegurados no art. 5º se destinam a todos
os brasileiros e igualmente, aos estrangeiros residentes no Brasil.
Assim, o art. 5º constitucional é bastante claro no que tange aos destinatários dos
direitos e garantias individuais, assegurando à todos, sem discriminação de qualquer natureza,
a titularidade dos direitos fundamentais.
Nesse passo, torna-se imperativo concluir que os direitos fundamentais ressalvados na
cabeça do art. 5º constitucional, se destinam também aos presos. Ora, se o referido artigo
estabelece que são assegurados à todos os direitos fundamentais, independentemente de
qualquer condição, logo, os presos também estão contemplados. É óbvio, que pelo fato de
estar preso, uma pessoa inegavelmente não perde a sua característica maior, a de pessoa
humana.
A Constituição, no art. 5º, III, proíbe textualmente a prática de tortura e qualquer outro
tratamento desumano ou degradante. A condenação do crime de tortura é tão incisiva, que aos
olhos da Constituição, no seu art. 5º, XLIII, afigura-se como inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia.
Por conseguinte, como veremos mais adiante, em que pese a Constituição ter proibido
33
incisivamente a prática de tortura e qualquer outro tratamento desumano ou degradante,
contra qualquer seja e independente da condição que essa pessoa se encontre, verifica-se que
efetivamente, não é isso que acontece hodiernamente nos estabelecimentos prisionais
brasileiro. Muito pelo contrário, o que se vislumbra atualmente é que a prática de tratamento
desumano e degradante é corriqueira nos presídios brasileiros. O mais grave é que o judiciário
se mostra ausente, para não dizer conivente, com a tal situação.
No entanto, não se pode falar da proibição da tortura e de outros tratamentos
desumanos e cruéis, sem falar abordar a questão do respeito à integridade física e moral dos
presos, pois, este se encontra atrelado àquele. Os dois direitos igualmente assegurados na
Constituição Federal de 1988 estão entrelaçados.
Cumpre, por oportuno, sublinhar que é no art. 5º, XLIX da Constituição que está
assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e moral.
Como bem ressalta José Afonso da Silva, agredir a integridade física do preso (corpo)
é mesma coisa que agredir a vida, pois a vida se realiza no corpo humano. Por isso, conclui o
mestre que a integridade física, então, é um direito fundamental do ser humano, o que justifica
igualmente, a sua punição pela lei penal.57
Por outro lado, é igualmente punida pela legislação penal qualquer lesão à integridade
moral do ser humano, pois, a vida não é tão somente um conjunto de elementos
materiais/patrimoniais, ela também possui elementos incorpóreos, como os morais.
Nesse passo, disserta José Afonso da Silva que:
A Constituição empresta muita importância à moral como valor ético-social
da pessoa e da família, que se impõe ao respeito dos meios de comunicação
social. Ela, mais do que as outras, realçou o valor da moral individual,
tornando-o mesmo um bem indenizável (art. 5º, V e X). A moral individual
sintetiza a honra da pessoa, o bom nome e a boa fama, a reputação que
integram a vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componentes
são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de
pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do
indivíduo assume feição de direito fundamental.58
Assim, a própria Constituição, diz José Afonso da Silva, empresta uma supra
importância à moral como valor ético-social, cabendo, inclusive, direito de resposta, além de
indenização por dano moral sofrido (art.5º, V e X CRFB/88).59
A Constituição garante igualmente aos presos que a pena será cumprida em
57
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2000, p.
202.
58
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
204.
59
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
204.
34
estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado –
art. 5º, XLVIII – que a lei regulará a individualização da pena – art. 5º, XLVI – e que às
presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante
o período de amamentação – art.5º, L.
Nesse sentido, afirma Alexandre Moraes que garantir o direito às presidiárias de
amamentarem seus filhos é uma inovação no tocante aos direitos humanos fundamentais e
que essa previsão tem um duplo sentido, pois além de garantir a mãe o contato com o seu
filho e o direito de amamentação permite também a esse o direito à alimentação natural.
(2005, p.341).
Em arremate, é também garantido na Constituição, no seu art. 5º, XXXV, que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Noutro dizer, é o
princípio da inafastabilidade do Judiciário e o princípio da legalidade, que são princípios
basilares da existência do Estado de Direito.
Assim, entende Alexandre de Moraes, que o Judiciário é obrigado a aplicar o direito
ao caso concreto sempre haja plausividade na sua ameaça, ou seja, é um direito assegurado a
todos, no qual, não se pode declinar a prestação judicial requerida de forma regular.60
2.2 Direitos assegurados aos presos na Convenção Americana sobre Direito Humanos
Cuida-se nesta parte abordar os aspectos alusivos a proteção dos direitos humanos no
plano internacional – Interamericano – e conseqüentemente, abordar quais direitos são
assegurados e garantidos aos presos na Convenção Americana de Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto São José da Costa Rica.
O movimento de internacionalização dos direitos humanos constitui, não obstante a
sua importância na dimensão axiológica e territorial, um movimento extremamente recente na
história, como já tivemos oportunidade de frisar, surgindo na época pós-guerra, tendo como
seu marco maior na reconstrução dos direitos humanos a Declaração Universal de Direitos
Humanos.
Este documento internacional criou uma nova concepção de direitos humanos, tendo
como traços característicos a universalidade e a indivisibilidade. Universalidade porque clama
pela extensão universal dos direitos humanos e indivisibilidade porque a garantia dos direitos
60
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5.ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 293.
35
humanos, apesar de abranger várias áreas (direitos civis, políticos, sociais, econômicos e
culturais) é considerado algo uno e quando um deles é violado, os demais também o são.
Assim, os direitos humanos formam uma realidade una, indivisível, interdependente e interrelacionada.61
Por conseguinte, a nova concepção contemporânea dos Direitos Humanos levou ao
desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, integrado por instrumentos
de alcance global – sistema global de proteção dos direitos humanos.
A par desse sistema global de proteção de direitos humanos, surgiu o sistema de
proteção regional, que busca internacionalizar os direitos humanos no plano regional,
especialmente na Europa62, África63 e América, cada qual com aparato jurídico próprio,
porém, todos com o mesmo objetivo, qual seja, a proteção de Direitos Humanos dos
indivíduos.
Tanto o sistema global, como os sistemas regionais foram criados com o mesmo
intuito que é de ampliar e fortalecer a proteção dos direitos humanos e em caso de
incompatibilidades, aplica-se o sistema normativo que no caso concreto melhor protege a
vítima, pois o que importa é o grau de eficácia da proteção dos direitos humanos.
Nessa ótica, afirma Flávia Piovesan que:
Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se
complementam, interagindo com o sistema de proteção nacional, a fim de
proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos
fundamentais. [...] Consagra, assim, o principio da prevalência da norma
mais benéfica, ou seja, a Convenção só se aplica se ampliar, fortalecer e
aprimorar o grau de proteção de direitos, ficando vedada sua aplicação se
resultar na restrição e limitação do exercício de direitos previstos pela
ordem jurídica de um Estado-parte ou por tratados internacionais por ele
retificados.64
61
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 18.
62
A Convenção Européia de Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais entrou em vigor em
1953 e foi elaborada sob a responsabilidade do Conselho Europeu e aberta à adesão a todos os membros. No
início de 1993 essa Convenção havia sido ratificada por todos os 21 membros do Conselho e as suas previsões
normativas são comparáveis com as disposições constantes do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
- (PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 22).
63
Sobre o sistema Africano de Direitos Humanos, escreve Flávia Piovesan que este está numa fase incipiente,
cujo principal instrumento é a Carta Africana de Direitos Humanos e 1981, que entrou em vigor em 1987, com a
ratificação de 26 Estados-membros da Organização da União Européia. O mecanismo de supervisão é a
Comissão de Africana de Direitos Humanos. - (PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e
PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 23).
64
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
36
Assim, conclui que:
Logo, os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas ao revés, são
complementares. Inspirados nos valores e princípios da Declaração
Universal, compõem um universo instrumental de proteção dos direitos
humanos, no plano internacional. Em face desse complexo universo de
instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo que sofreu a violação de
direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que,
eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais
instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou
especial. Nessa ótica diversos sistemas de proteção de direitos humanos
interagem em benefício dos indivíduos protegidos.65
Do que foi anteriormente exposto, fica patente a coexistência de distintos sistemas de
proteção, desde que, todos eles estejam a serviço da ampliação e efetivação da proteção dos
direitos humanos.
Para fins do presente tópico, ater-se-á tão somente ao sistema de proteção regional
americano. Esse sistema tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos
Humanos. Esta Convenção foi assinada no ano de 1969, em São José, Costa Rica, mas só em
Julho de 1978 o documento entrou em vigor.
Somente os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) têm o
direito de aderir à Convenção Americana. Segundo os dados apresentados, dos 35 (trinta e
cinco) Estados membros da OEA, somente 25 (vinte e cinco)66 Estados fazem parte da
Convenção Americana, sendo que o Brasil foi um dos Estados que mais tardiamente aderiu à
Convenção – 25 de setembro de 1992.67
Como era de se prever, a Convenção Americana de Direitos Humanos, teve como base
normativa a Declaração Universal de Direitos e Deveres do Homem de 1948. Aliás, até nos
dias de hoje a este documento continua sendo a principal base normativa da Convenção
Americana, no sentido de consagração dos direitos inerentes à pessoa humana, utilizado em
várias ocasiões pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nos seus pareceres.68
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 25/26.
65
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 24/25.
66
Eis os Estados-membros que faziam parte da Convenção Americana de Proteção dos Direitos Humanos:
Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada,
Guatemala, Haiti, Onduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana,
Suriname, Trindad e Tobago, Uruguai e Venezuela. (Flávia Piovesan, p. 30).
67
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção
Americana de Direitos Humanos.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 29.
68
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos no limiar do Novo
Século: recomendações para o fortalecimento de seu mecanismo.in: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia.
37
A Convenção Americana para fazer frente ao instituto da responsabilidade
internacional criou, conforme o seu art. 33, dois órgãos competentes para conhecer dos
assuntos relacionados com os compromissos assumidos pelos: a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e a Corte Interamericano de Direitos Humanos. Salienta-se que toda a
composição, competência, procedimento e outras disposições inerentes a esses órgãos estão
esculpidas nos art. 34 a 73 da presente Convenção.
Por conseguinte, esses órgãos foram criados como mecanismo para efetivação e
proteção dos direitos humanos assegurados a todos na Convenção, pois, como bem alega
Alexandre de Moraes, o Pacto de São José da Costa Rica, não trouxe tão somente normas de
caráter material, mas sim veio reafirmar o propósito dos Estados Americanos em consolidar
no continente, um regime de liberdade pessoal e igualdade social fundado no respeito dos
direitos fundamentais.69
Dentre esses direitos fundamentais ressalvados na Convenção, destacam-se os direitos
assegurados aos presos, dos quais nos ocuparemos a seguir.
Assim, o art. 5º da referida Convenção, estabelece o direito à integridade pessoal,
afirmando que toda a pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral e que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos
ou degradantes.
Estabelece ainda o art. 5º, que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o
respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Aliás, essa disposição normativa está em
consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil.
Noutro dizer, a prática que qualquer ato atentatório a integridade física e moral,
estipulado no art. 5º, XLIX, da Constituição, é também repudiado veementemente no
contexto internacional de proteção de direitos humanos.
Ainda o art. 5º da Convenção, assim com o art. 5º, XLV, CF, estabelece que a pena
não pode passar da pessoa do condenado.
A Convenção, assim como as normas internas do direito brasileiro, prima pela
separação do processado em relação ao condenado. É o que se depreende do art. 5º, item 4,
que estabelece que os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição
de pessoas não condenadas. Aliás, como se verá mais adiante, a LEP – Lei de Execução
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 110.
69
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 462.
38
Penal, no seu art. 84, prima exatamente pela separação do preso provisório do condenado por
sentença transitada em julgado.
Encontra-se garantida na Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 11,
a proteção da honra e da dignidade, alegando que toda pessoa tem direito ao respeito da sua
honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
Uma vez mais, a Convenção insiste – e com razão – em trazer à tona a dignidade da
pessoa humana, também assegurada no art. 1º, III, CF/88. A insistência dos diplomas legais
em assegurar reiteradamente o direito à dignidade da pessoa humana, se deve a sua
reconhecida, porém não respeitada, importância, tanto no contexto global como também no
regional. Aliás, como já frisado anteriormente, a dignidade é inerente à condição humana e
sem ela a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de
participar da vida com plenitude.
De igual modo, é contemplado também na Convenção, o princípio da inafastabilidade
do judiciário (art.5º, XXXV, CF) que está garantido no art. 25 da convenção, no qual toda
pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante
os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos
fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela própria Convenção, mesmo
quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas
funções oficiais.
Em derradeiro, eis alguns direitos assegurados na Convenção, aos quais estão
vinculados os Estados-membros, sendo que em caso de violação estarão sujeitos a
responsabilidade internacional, pois, como já frisado, o Estado é responsável por reparar as
violações ocorridas, proporcionando recursos de modo a custear a investigação, condenação
dos responsáveis pelas violações e o pagamento de indenizações tanto a vítima como também
aos familiares.
2.3 Os direitos assegurados na Lei de Execução Penal
A Lei de Execução Penal – LEP –, como já tivemos a oportunidade de frisar, foi
instituída pela lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, e traça como objetivo precípuo, logo no
seu art. 1º, efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Do esculpido no art.1º, é possível vislumbrar dois objetivos da Lei de Execução Penal.
39
A primeira é efetivar os mandamentos da sentença penal condenatória ou qualquer outra
decisão criminal e o segundo objetivo é proporcionar condições para a reinserção social do
apenado. Contudo, a execução penal é uma atividade complexa e a sua aplicação desde o
início, deixou muito a desejar, pois, no dizer de Mirabete:
Desde o início da vigência da lei, havia uma convicção quase unânime entre
os que militam no exercício da aplicação do direito de que a Lei de
Execução Penal era inexeqüível em muitos dos seus dispositivos e que, por
falta de estrutura adequada, pouca coisa seria alterada na prática quanto ao
cumprimento das penas privativas de liberdade e na aplicação da lei com
relação às medidas alternativas previstas na nova legislação. Embora se
reconheça que os mandamentos da Lei de Execução Penal sejam louváveis e
acompanham o desenvolvimento dos estudos a respeito da matéria, estão
eles distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o
que a tem transformado, em muitos aspectos, em letra morta pelo
descumprimento e total desconsideração dos governantes quando não pela
ausência dos recursos materiais e humanos necessários a sua efetiva
implantação.70
Contudo, vislumbra-se que a afirmação supra não é de todo verdade, pelo simples
motivo de que as normas assegurados na LEP, como já tivemos oportunidade de frisar, são
especificações dos direitos ressalvados na Constituição Federal/88. Por outras palavras,
subentende-se que as disposições normativas da LEP, pelo fato de serem especificações dos
direitos assegurados na Constituição Federal, são sim normas exeqüíveis.
Por outro norte, não é a LEP que está distanciado da realidade, mas sim é a realidade
prisional brasileira que não se coaduna com as disposições normativas da citado diploma
legal, o que constitui, sem dúvida, uma flagrante violação da Constituição Federal. Porém, a
autoridade não se pode mostrar conivente com os freqüentes descumprimento das normas
esculpidas na LEP. Urge criar condições materiais e humanas que possibilitem o
cumprimento da pena nos moldes do mandamento da sentença, sob pena de ilegalidade.
A LEP estabelece também em seu art. 3º que serão assegurados, ao condenado e ao
internado, todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Como alega Mirabete, é
comum no ordenamento brasileiro, quando se cumpre pena privativa de liberdade, se verificar
privação ou limitação de direitos jurídicos do preso não alcançados pela sentença penal
condenatória, o que viola a medida de proporcionalidade e se transforma em poderoso fator de
reincidência.71
Ainda na lição de Mirabete, a privação dos direitos e interesses jurídicos diversos dos
aplicados na sentença penal condenatória, aliada aos inúmeros problemas pessoais do preso,
70
71
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 29.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 40.
40
quais sejam, a reprovação exagerada ou falta de apoio por parte dos familiares, afastamento
do cônjuge e dos filhos, o ambiente prisional, solidão, superlotação dos presídios, entre
outros. Esses fatores elencados, prossegue o mestre, não contribuem para a recuperação do
condenado como também podem estimular a prática de novos crimes, o desejo de evasão e
determinam maior desajustamento social.72
Ademais, afirma Mirabete que:
A relação jurídica de sujeição especial criada com a sentença transitada em
julgado não retira ao sentenciado sua condição de sujeito de direito,
assumindo a Administração uma série de responsabilidade que diz respeito à
pessoa humana do preso e a seus direitos e interesses jurídicos não afetados
pela condenação. Essa relação penal-penitenciária entre o Estado e o
sentenciado surge no momento em que passa em julgado a sentença
condenatória ou a sentença absolutória em que foi imposta a medida de
segurança e extingue com o cumprimento de sanção (pena ou medida de
segurança) ou com a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade
ou mesmo, no caso de liberado definitivo, após um ano a contar da saída do
estabelecimento.73
Cumpre frisar que a prisão não pode ser vista como um território onde a norma
constitucional não tenha validade, pois transgredir uma norma de Execução Penal pressupõe
transgredir uma norma de direito constitucional, haja vista que a norma prescrita na LEP
prevista não é mais do especificação do constitucionalmente estabelecido.
A LEP também prevê no seu art. 5º, a classificação dos condenados, consoante os seus
antecedentes e personalidade, para orientar e individualizar a execução penal. O princípio da
individualização da pena é também assegurado na Constituição, art. 5º, XLVI, e segundo
Alexandre de Moraes, “exige uma estreita correspondência entre a responsabilização da
conduta e a sanção a ser aplicada, de maneira que a pena atinja as suas finalidades de
prevenção e repressão”. 74
Nesse caso concreto, a individualização da pena depende da censurabilidade da
conduta praticado pelo apenado. Assim, entende Mirabete que a execução penal não pode ser
igual para todos os presos e terão de ser submetidos à programa de execução distintos e que
durante a fase executória da pena terá que ter um ajustamento desse programa conforme a
reação do apenado.75
Essa individualização da pena terá como sustentáculo um laudo técnico-científico
(exame criminal, de personalidade e criminológico) e nunca se dará de uma forma
72
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 40.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 41.
74
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 330.
75
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 48.
73
41
improvisada, iniciando-se com a imprescindível classificação dos condenados de modo a
serem destinados aos programas de execução que mais se coadunam com a censurabilidade da
sua conduta e em consonância com as suas condições pessoais. Conforme o art. 6º do mesmo
diploma legal, a classificação será feita por uma Comissão Técnica de Classificação, que irá
elaborar o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado
ou preso provisório, de acordo com a redação dada pela Lei n.º 10.792/2003.
Ademais, ao preso lhe é também assegurada pelo Estado, de acordo com o art. 10 da
LEP, a assistência com intuito de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência social.
Essa assistência, conforme parágrafo único do artigo supra, estende-se ao egresso. Tal medida
é devida ao preso com intento de conscientizá-lo e capacitá-lo, fazendo-o respeitar a lei penal,
a sua família, ao próximo e à sociedade em geral. Pois, no dizer do Mirabete, já foi superada
essa fase de que a lei penal serve tão somente para retribuir ou prevenir a ação criminal. A lei
penal, diz Mirabete, que a sua finalidade primordial, na fase executória, é de “reeducar” o
criminoso, mostrando-o a sua inadaptabilidade social com a prática delitiva.76
Conclui Mirabete que:
Se a reabilitação social constitui finalidade precípua do sistema de execução
penal, é evidente que os presos devem ter direito aos serviços que a
possibilitem, serviços de assistência que, para isso, devem ser-lhes
obrigatoriamente oferecidos, como dever do Estado. É manifesta a
importância de se promover e facilitar a reinserção social do condenado,
respeitadas suas particularidades de personalidade, não só com a remoção
dos obstáculos criados pela privação da liberdade, como também com a
utilização, tanto quanto seja possível, de todos os meios que possam auxiliar
nessa tarefa.77
O programa de reeducação, na fase penal executória é uma das mais importantes bases
no processo destinado à reinserção social e essa assistência se dará nas mais diversas
vertentes, quais sejam, material, moral e intelectual.
No entanto, segundo Mirabete, o dever do Estado em prestar assistência não se esgota
após o cumprimento da pena imposta pela sentença condenatória, muito pelo contrário, essa
assistência se estende a fase pós-carcerária, com intuito de promover seu reajustamento
consigo mesmo e com os outros, numa adaptação racional a seu meio social e cultural.
Prossegue ainda o mestre, alegando que essa assistência pós-carcerária nos primeiros tempos
se deve principalmente graças às ações de associações privadas, por meio dos chamados
patronatos, que se preocuparam, impulsionados por um sentimento religioso e humanitário,
76
77
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 62.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 64.
42
em ajudar os presos e os liberados.78
Por conseguinte, de acordo com o art. 26 da LEP, considera-se egresso o liberado
definitivamente, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento e o liberado
condicional, durante o período de prova.79
A assistência será prestada pelo Estado, de modo a obter reinserção social do
condenado, nos regimes carcerários, conforme a necessidade do tratamento individual dos
apenados e de acordo com art. 11 essa assistência se dá em vários planos: material, jurídica,
educacional, social, religiosa e na área de saúde também.
Da mesma forma, o art. 83 da LEP, estabelece que o presídio deverá contar em suas
dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação
e prática esportiva.
Assim, nesse sentido, estabelece o art. 12, que a assistência material ao apenado
consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. A alimentação
deve ser servida nas horas usuais e de boa qualidade, bem preparada e suficiente para
manutenção de sua saúde e de suas forças. Por conseguinte, além de alimentação comum, há
necessidade de oferecer aos presos refeições especiais para os doentes, conforme a requisição
médica e para os idosos e mulheres que estão amamentando, para além de água potável
sempre que se fizer necessário.
No que tange ao vestuário, todo preso que não tiver autorização para vestir roupas
pessoais, deverá receber pela administração do estabelecimento prisional roupas adequadas e
apropriadas ao clima, limpas, que não afetam a sua dignidade e respeito próprio.
A higiene pessoal e o asseio da cela ou alojamento compete ao preso, de acordo com
art. 39, IX, da LEP, devendo igualmente conservar os seus objetos pessoais (art. 39, X da
LEP). No entanto, Mirabete afirma que, a administração do estabelecimento prisional, deve
oferecer “condições para que os presos e internados, no cumprimento dos seus deveres,
disponham de elementos indispensável para a limpeza e higiene das celas e das demais
dependências do estabelecimento”. 80
A LEP ainda estabelece no art. 13 que o estabelecimento disporá de instalações e
serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à
venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
A assistência à saúde ao preso e internado, compreenderá o atendimento na área
médica, farmacêutico e odontológico – art. 14, da LEP. Pois, como bem esclarece Mirabete,
qualquer pessoa, é suscetível de contrair doença ou alguma perturbação da saúde física ou
78
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 64.
Art. 26 da Lei n.º 7.210 de 11 de Julho de 1984
80
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 67.
79
43
mental, que podem se agravar com a péssima atmosfera e más condições de higiene,
alimentação e vestuário do estabelecimento prisional.81
A assistência jurídica se afigura também igualmente importante para a população
carcerária, pois a maioria deles são hipossuficientes e não têm condições de constituir um
advogado, que poderá, no entendimento de Mirabete, interferir diretamente no andamento
processual e fiscalizar para uma adequada execução da sentença penal condenatória em caso
da pena privativa de liberdade, além de reparar erros judiciários, evitar algumas prisões
arbitrárias, entre outras atividades consideradas vitais à administração da justiça.82
Por sua vez, a assistência educacional, considerada uma das prestações básicas mais
importantes não só para o homem livre, mas também àquele que está preso, compreenderá a
instrução escolar e a formação profissional – art. 17 da LEP. Assim, o ensino de primeiro grau
será obrigatório (art. 18, LEP) e o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou
de aperfeiçoamento técnico (art. 19, LEP) e a mulher condenada terá ensino profissional
adequado à sua condição (art. 19, parágrafo único da LEP).
A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los
para o retorno à liberdade – art. 22, da LEP. Assim, a assistente social desempenha, no dizer
de Mirabete, um papel crucial no processo de reinserção social do apenado, já que ele faz o
elo de ligação e comunicação entre o apenado e a sociedade da qual se encontra
temporariamente afastado.83
Por fim, no que tange à assistência religiosa, é assegurada aos apenados a liberdade de
culto, no local apropriado dentro do estabelecimento, destinados aos presos e aos internados,
consiste na participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a
posse de livros de instrução religiosa – art. 24, da LEP.
Assim como na Constituição Federal, art. 5º, XLIX, o respeito à integridade física e
moral dos condenados e dos presos provisórios, está igualmente esculpido na LEP,
particularmente no seu art. 40, devendo ser escrupulosamente seguido por todas as
autoridades.
Cumpre ressaltar que a integridade física e moral faz parte do rol dos direitos
fundamentais, assegurado a todos pela simples condição de serem seres humanos e está
intimamente relacionado com outros direitos fundamentais, em especial à vida, saúde e
dignidade humana. Contudo, é sabido que os presos sempre foram e ainda são vítimas de
excessos, violência e discriminações quando submetidos aos cuidados de carcerários de
presídios.
81
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 69.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 73.
83
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 80.
82
44
Porém, assim como qualquer direito fundamental, o respeito à integridade física e
moral é inviolável, imprescritível e irrenunciável, no qual, o Estado tem por obrigação velar e
criar mecanismo eficaz de modo a proteger não só a integridade física e moral, como também
outros direitos dos presos não atingidos pela sentença penal condenatória.
No que tange a integridade moral, Andrei Zenkner Schmidt é claro ao afirmar que
deve ser observado a garantia constitucional prevista no inciso X do art. 5º, que se refere a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e condena
por sua vez o uso de instalação de câmera de televisão no interior do estabelecimento
prisional ou monitoramento eletrônico de presos. Assim, esclarece Andrei que:
Parece que tais medidas não podem subsistir, não só por regras éticas como,
ademais, por razões jurídicos. A primeira delas é que o direito à intimidade é
um direito individual, considerado cláusula pétrea pela Constituição e ínsito
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88), cujo eleito é a
invalidação de qualquer projeto de lei que tendesse a aboli-la. Tal direito não
comporta 'interesse social' (...), até mesmo porque esta é uma ficção criada
retoricamente para fundamentar princípios morais cuja titularidade é só do
seu autor.84
Aliás, já foi ressaltado por inúmeras vezes e insiste-se em reiterar que, a situação
especial em que encontra o apenado – privado do seu direito de liberdade –, não leva este a
perder sua condição de pessoa humana.
Nesse sentido, argumenta Mirabete que:
[...] a execução da pena deve estar em consonância com os fins a ela
atribuídos pelo ordenamento jurídico e, por essa razão, cumpre determinar,
em função dela, a condição jurídica do preso a fim de que a execução, tanto
quanto possível, possa assemelhar-se às relações da vida normal.85
Pois com a condenação, cria-se uma situação jurídica delicada entre o apenado e o
Estado, que se traduz em deveres que devem ser respeitados pelos presos e direitos a serem
respeitados pelo Estado.
Assim, eis alguns direitos ressalvados aos presos no art. 41 da LEP, que estabelece in
verbis:
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - previdência social;
84
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 227/228.
85
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 118.
45
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e
a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e
desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização
da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da
leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os
bons costumes.
Salienta-se que esse rol dos direitos dos presos supra, assegurados na LEP, não é
obviamente, exaustivo, haja vista que o mesmo diploma legal prevê outros direitos reservados
aos presos, sendo que, aliás, alguns já foram abordados no presente trabalho.
Nessa ótica, adverte Andrei Zenkner Schmidt que:
Primeiramente, no que tange aos direitos do preso, não faz ele jus, apenas, às
situações arroladas nos incisos do art. 41, senão também a todos os demais
direitos individuais e sociais previsto na Constituição Federal, desde que
compatíveis com a sua situação de apenado.86
Os direitos assegurados aos presos no art. 41, estão elencados de uma forma clara e
precisa, dispensando assim, uma análise minuciosa acerca dos mesmos. Porém, alguns desses
direitos merecem uma breve abordagem.
Destarte, constitui como um dos direitos do preso a atribuição de trabalho e sua
remuneração (art. 41, II). Em que pese o trabalho fazer parte dos direitos sociais, previsto no
art. 6º da Constituição Federal, o preso, tendo em conta a sua condição de condenado, não
pode exercer livremente a sua atividade laborativa. Contudo, deve o Estado criar condições
para que o condenado exerça a sua atividade laborativa dentro do próprio estabelecimento
prisional, mediante uma remuneração justa, conforme preconizam as Regras Mínimas da
ONU, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo (art. 29, LEP).
Após estarem satisfeitas as obrigações maiores, quais sejam, indenização pelo dano
causado, assistência à família, despesas pessoais e ressarcimento ao Estado (art. 29, §1º, a, b,
c e d), o remanescente da remuneração do apenado será destinado à constituição de pecúlio
86
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 224.
46
(art. 41, IV).
Além do direito ao descanso e recreação após cada jornada de trabalho (art. 41, V), é
reservado igualmente ao preso o direito ao exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas, em compatibilidade com a execução da pena (art. 41, VI).
No que tange à visita dos familiares e amigos (art. 41, X), salienta-se que é de suma
importância, pois, o preso mesmo encarcerado, não deve romper seus contatos e laço com a
sociedade e que terão de ser preservadas as relações que unem o preso aos seus familiares e
amigos.
Nesse sentido, explica Mirabete que:
Não há dúvida de que os laços mantidos principalmente com a família são
essencialmente benéficos para o preso, por o levam a sentir que, mantendo
contatos, embora com limitações, com as pessoas que se encontram fora do
presídio, não foi excluído da comunidade. Dessa forma, no momento em que
for posto em liberdade, o processo de reinserção social produzir-se-á de
forma natural e mais facilmente, sem problemas de readaptação a seu meio
familiar e comunitário.87
Por conseguinte, salienta-se que contato do preso com os familiares e amigos é uma
das mais importantes formas de contato com o mundo exterior (art. 41, XV). A
correspondência escrita, a leitura e outros meios de informação, conforme estabelece a LEP,
constituem outros. Aliás, a comunicação do preso com o mundo exterior facilita e muito a
reinserção social do condenado, pois este tem direito à liberdade de informação e expressão,
através de correspondência, imprensa escrita, rádio, cinema, televisão, etc.
No que se refere as correspondências, defende Andrei Zenkner Schmidt, que estas são
absolutamente invioláveis. Assim, afirma que:
Portanto, também as correspondências enviadas e recebidas pelos presos são
absolutamente invioláveis, ressaltando-se nesse sentido, que nem por ordem
judicial seria possível a quebra dessa modalidade de sigilo, até mesmo
porque isso só se dá em relação às interceptações telefônicas.88
Por conseguinte, prossegue o autor sustentando que “na pior das hipóteses, poderá o
preso ser compelido a abrir a correspondência na frente da autoridade competente, mas, em
nenhum momento, a esta será dado o direito de conhecer o conteúdo da mensagem.” 89
No que tange ao aspecto físico do estabelecimento prisional, vê-se literalmente uma
87
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 124.
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 224.
89
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 224.
88
47
colossal incongruência com relação ao disposto na LEP. Senão vejamos: o art. 88 estabelece
claramente que o apenado será alojado em cela individual com área mínima de seis metros
quadrados (art. 88, b) e tal local deverá conter obrigatoriamente dormitório, aparelho sanitário
e lavatório. De igual modo, a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de
aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana são requisitos
básicos e imprescindíveis da unidade celular (art. 88, alínea a).
Nessa ótica afirma Douglas Camarano de Castro que:
O preso, enquanto condenado, é possuidor de deveres e direitos. Segundo a
Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), dentre outros, constituem-se como
direitos dos presos: ter alimentação suficiente e vestuário; assistência à
saúde, material, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra
qualquer forma de sensacionalismo; igualdade de tratamento, salvo quanto
às exigências da individualização da pena; representação e petição a
qualquer autoridade, em defesa de direito e etc. Dentre os direitos
assegurados aos presos, podemos considerar como um dos mais importantes
o disposto no Art. 88, da LEP.” 90
.
Nesse sentido, afirma Mirabete que a reforma penitenciária deverá começar
primeiramente com uma reforma na arquitetura das prisões, pois ainda nos dias de hoje,
vislumbra-se que:
[...] nas prisões respira-se um ar de constrangimento, repressão e verdadeiro
terror, agravado pela arquitetura dos velhos presídios em que há
confinamento de vários presos em celas pequenas, úmidas, de tetos elevadas
e escassas luminosidade e ventilação [...]91
Com efeito, a superlotação indubitavelmente constitui um dos mais graves problemas
penitenciários no Brasil, que a cada dia aflige não só os presos e os seus familiares, como também as
autoridades e a própria sociedade. A superlotação prisional é igualmente responsável pela maioria dos
distúrbios que se tem noticiado, assunto que será desenvolvido oportunamente.
Por conseguinte, ressalva o art. 85, caput da LEP que o estabelecimento penal deverá ter
lotação compatível com a sua estrutura e finalidade, cabendo ao Conselho de Política Criminal e
Penitenciária a concessão para determinar os limites máximos de capacidade de cada estabelecimento,
conforme a sua natureza e peculiaridades (art. 84, parágrafo único da LEP).
O estabelecimento prisional ainda terá que oferecer estrutura que permita a separação entre o
preso provisório e o condenado por sentença transitada em julgado (art. 84, caput da LEP).
Assim, ensina Mirabete que “as prisões deve m propiciar a separação dos presos em
90
CASTRO, Douglas Camarano de. Soltura de presos condenados x conveniência estatal: legalidade ou
ilegalidade no cumprimento da Lei de Execuções Penais?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 882, 2 dez. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7652>. Acesso em: 24 out. 2006.
91
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 270.
48
grupos homogêneos, não só por diversidade do título da prisão, como também para facilitar o
tratamento penitenciário e as medidas de vigilância do estabelecimento penal”. 92
Nesse sentido, prossegue ainda o autor aduzindo que:
[...] a pessoa submetida à prisão temporária não pode ficar recolhida
juntamente com condenados ou mesmo com aqueles submetidos às demais
espécies de prisão provisória. [...] Os presos provisórios (prisão preventiva
ou decorrente de flagrante, pronúncia ou condenação recorrível e, agora, da
prisão temporária), embora sujeitos à disciplina penitenciária, não estão
submetidos às mesmas limitações e obrigações dos condenados [...], uma vez
que se encontram recolhidos à prisão apenas em decorrência de uma medida
cautelar, gozando ainda da presunção de inocência, e não em cumprimento
de uma pena imposta em sentença irrecorrível.93
Da mesma forma deve-se igualmente respeitar a separação entre o preso primário e o
preso reincidente (art. 84, § 1º), de modo a evitar influências nocivas deste em relação àquele.
Em derradeiro, é assegurada também a separação entre o preso que, ao tempo do fato, era
funcionário da Administração da Justiça Criminal dos demais, com intento lógico de evitar a
concretização de sentimentos de vingança ou práticas de atos de represália contra o (ex)
funcionário (art. 84, §2º).
Salienta-se ainda, em suma, que a LEP é patente nos seus desideratos, quais sejam,
efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
reintegração social do apenado. Assim, para cumprir à contento, os seus escopos, a LEP
instituiu uma série de normas, de observância imperiosa. Essas normas instituídas pela LEP
consistem num conjunto de orientações normativas criadas exclusivamente para nortear o
cumprimento da sentença penal condenatória. Noutro dizer, a LEP estabelece, dentro dos
parâmetros constitucionais, qual o tratamento deve o preso ser submetido, quais são os
direitos e garantias que lhe é assegurado e quais são as suas obrigações.
Em derradeiro, insiste-se em afirmar, por acharmos necessário e extremamente
importante, que por um lado, aos presos são assegurados todos os direitos não atingidos e
incompatíveis com a sentença penal condenatória e, por outro, que a LEP consiste na
especificação das normas asseguradas constitucionalmente. Daí, a sua observância imperiosa,
sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
92
93
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 254.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 254.
49
3 AVINCULAÇÃO DO JUIZ À LEI E A ATITUDE A SER TOMADA DIANTE DE
FLAGRANTE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS ASSEGURADOS AOS PRESOS
Cumpre nesta parte traçar primeiramente um quadro do atual sistema prisional
brasileiro e mostrar através das reportagens veiculadas nos meios de comunicação social, a
violação
dos
direitos
assegurados
na
Constituição,
documentos
internacionais
e
conseqüentemente, na Lei de Execução Penal.
Portanto, através dessas reportagens, pretende-se mostrar ilustrativamente, a
ineficiência do sistema prisional brasileiro e inobservância das normas constitucionais,
internacionais e da Lei de Execução Penal, que comprometem sem dúvida, o cumprimento da
sentença penal condenatória.
Nesse sentido, será analisada e aferida a luz das normas constitucionais e
infraconstitucionais, a decisão proferida pelo Juiz Livingsthon José Machado, que expediu
alvará de soltura aos presos que estavam cumprindo a pena em condições degradantes e
desumanas.
Por conseguinte, pretende-se abordar o aspecto da vinculação do juiz a lei e até que
ponto, o juiz deve obediência à lei. Ante a decisão prolatada, pergunta-se: poderia o Juiz
Livingsthon José Machado ter agido de forma diversa? Um aplicador da lei, num caso
concreto, deve se omitir ou aplicar a lei vigente? Salienta-se que o 'caso do Juiz Livingsthon
José Machado' constitui sem dúvida, o ponto fulcral deste capítulo.
Em suma, conforme tudo aquilo que já foi explanado, pretende-se analisar a nível
prático as situações de violações dos direitos dos presos. É lícito manter um condenado
encarcerado em situação diversa do mandamento penal condenatório? O juiz é obrigado a
aplicar a lei? Quando o preso não cumpre as suas obrigações durante a execução da pena ele
sanções e o que acontece quando o Estado viola os seus direitos? São reflexões que serão
objetos de análise nesse tópico.
3.1 O quadro do sistema prisional brasileiro: a violação da lei pelo Estado
Cumpre nesta parte traçar um quadro do atual sistema prisional brasileiro e mostrar a
violação dos direitos assegurados aos presos pelo próprio Estado. Importa não olvidar que a
violação dos direitos dos presos, implica igualmente uma imediata violação de preceitos
50
constitucionais. Outro lembrete importante é que aos presos são assegurados todos direitos
não atingidos pela sentença penal condenatória.
Com efeito, o sistema prisional brasileiro não atende aos objetivos para o qual foi
criado, haja vista que não permite a efetivação dos mandamentos da sentença penal
condenatória e nem tampouco cria condições para a reinserção social do apenado, conforme o
art. 1º da Lei de Execução Penal.
Por conseguinte, as insistentes violações dos preceitos normativos destinados a
assegurar os direitos dos presos e a não observância – omissão – da Lei de Execução Penal
que norteia o cumprimento da sentença penal condenatória, atrelados a outros fatores,
contribuem e muito para a falência do sistema penitenciário brasileiro.
O meio pelo qual pretendemos mostrar a inoperância e ineficiência do sistema
prisional brasileiro e, conseqüentemente, a violação dos direitos assegurados aos presos, é
através das informações veiculadas nos órgãos de comunicação social.
A bem da verdade, não muito raro, depara-se com notícias e informações veiculadas
em todos os tipos de meios de comunicação social, revelando descumprimento das
disposições normativas constitucionalmente assegurados aos presos.
Assim, em consonância com os objetivos do presente trabalho, selecionamos algumas
notícias divulgadas na mídia, do qual ocuparemos a seguir, de flagrante violação dos direitos
humanos
dos
presos
assegurados
na
Constituição,
documentos
internacionais
e
conseqüentemente, na Lei de Execução Penal.
Cumpre por oportuno sublinhar que, para apresentar o quadro do sistema penal
brasileiro, não se utilizará de critérios estatísticos, posto que as noticias são meramente
ilustrativas por um lado e por outro, o quadro penitenciário no Brasil é público e notório.
Conforme uma reportagem divulgada na internet94, em abril de 2005, sobre o sistema
carcerário brasileiro, foi possível constatar a situação de precariedade e insalubridade das
carceragens. Essa reportagem foi realizada com base nos relatórios dos Deputados Estaduais
do Paraná, particularmente, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do
Paraná.
Informa a reportagem que a incidência de epidemias entre presos transformou as
cadeias paranaenses em focos de doenças contagiosas e as carceragens enfrentavam o risco de
surtos epidêmicos provocados pelas péssimas condições de higiene e pela superlotação das
celas.
Em decorrência de falta de higiene e da superlotação, de acordo com a reportagem,
94
CEGALLA,
Alexandre
et
al.
Sistema
Prisional.
Disponível:
<http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/sistcarcer/conteudo.phtml?tl=1&id=701575&tit>. Acesso em: 15 nov.
2006.
51
foram registrados casos de tuberculose, aids, hepatites A e C, sífilis e pneumonia. À época da
reportagem, 170 presos ocupavam a carceragem, cuja capacidade normal era para tão somente
20 detentos. Em uma ala, 60 detentos dividiam um único banheiro e muitos deles dormiam no
chão. O sistema de ventilação era inexistente nas celas, permitindo o aumento de temperatura
em até 10ºC em relação ao ambiente externo.
Ainda segundo a reportagem, no ano 2003 foram notificados, na população carcerária
do Paraná, 2.958 detentos com tuberculose e em 2004 foram notificados 2.720 casos.
Explica o então Coordenador do Programa de Controle de Tuberculose de Paraná –
Fidelis Berneck – que a concentração de pessoas, a circulação insuficiente do ar e as más
condições de higiene são os fatores que colocam as cadeias públicas na condição de locais
mais propícios para a disseminação da tuberculose. A contaminação pelo bacilo da Koch,
bactéria causadora da doença, ocorre ao respirar o ar contaminado por uma pessoa infectada.
Pelos dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 30% da população tem o bacilo
no corpo, mas só um pequeno percentual irá desenvolver a doença. Nas delegacias, com má
alimentação e baixa imunidade, os detentos ficam mais suscetíveis.
A falta de circulação de ar e outras condições de insalubridades tornam as doenças
facilmente disseminadas no interior das cadeias. Na cadeia de Umuarama, conforme a
reportagem, foram registrados surtos e a doença atingiu 30 dos 160 presos e também
contaminou 3 policiais. O presídio foi interditado por três meses pela vigilância sanitária e
para o delegado-chefe da 7ª Subdivisão da Polícia Civil, Antônio Ângelo Colombo, a
superlotação uma vez mais foi crucial na proliferação da doença entre os detentos.
De acordo com a reportagem, eis a situação de superlotação levantadas, nas 4
cadeias/presídios no Estado de Paraná:
Cadeias/Presídio
Delegacia de Cadeia Pública
Paranaguá/PR L. Neves - Foz
do Iguaçu
9ª Subdivisão de
Polícia Civil em
Maringá/PR
Mini-presídio
em
Cascavel/PR
Capacidade
normal/permitida
20
350
156
140
População dos
detentos
170
748
368
385
150 a mais
398 a mais
212 a mais
245 a mais
Excesso na
população
carcerária
Esses números expressivos falam por si. Ao longo da reportagem, ficou evidenciado
52
que a superlotação e as péssimas condições higiênicas das celas foram os dois principais
fatores que mais contribuíram para a precariedade do sistema prisional.
O Estado de Santa Catarina também não foge à regra. Uma reportagem do Diário
Catarinense95 em dezembro de 2006 denuncia também a situação lastimável do sistema
carcerário no estado. A reportagem nos informa que o sistema prisional de Santa Catarina tem
11.200 presos espremidos em 7.100 vagas e que no verão, segundo o DEAP (Departamento
de Administração Prisional da Secretaria de Segurança Pública) os números de detentos
aumentam mais 30%, ou seja, o sistema carcerário precisará abrigar 14.500 detentos, o dobro
da capacidade.
Na mencionada reportagem, os números também são alarmantes: na Central de
Triagem de Florianópolis, 115 presos ocupam 30 vagas e na Delegacia de Palhoça, 20
detentos ficam alojados em local projetado para tão somente 4 pessoas.
Na Delegacia de Palhoça, informa a reportagem que os presos mais privilegiados
dividem cama com outro preso, outros 3 presos ficam no banheiro e os restantes, que
geralmente são mais de 10, passam o dia todo sentado no chão um de frente para o outro com
as pernas dobradas, em um espaço de 3 metros de largura.
De acordo com o relatório da Anistia Internacional divulgado na internet96, a prática
de tortura e as péssimas condições dos presídios do Estado de Espírito Santos resultam em
tratamento desumano e degradante dos detidos.
Ainda, de acordo com a reportagem, outros grupos de direitos humanos locais
denunciaram a formação de gangues e corrupção no sistema carcerário que contribuem para
os níveis extremos de violência, para o surgimento de rebeliões e para o uso de força
excessiva durante as tentativas de readquirir o controle sobre o sistema.
Ressalta a Anistia Internacional que a Casa de Custódia de Viana é um exemplo
negativo de cadeia. O relatório encaminhado à Comissão Nacional de Direitos Humanos por
grupos de direitos humanos locais em junho de 2006 mostrou que a prisão estava superlotada
com quase três vezes mais presos do que a capacidade projetada, de que não havia separação
por categorias de presos, de que os detidos condenados e os que aguardam julgamento
permaneciam juntos e de que detidos que tiveram a vida ameaçada não foram colocados em
celas protegidas.
Ressalta a reportagem que a Anistia Internacional denunciou também o uso de
policiais militares com auxílio de membros da Força Nacional de Segurança Pública em
95
PEREIRA, Felipe. Sistema prisional fora de controle. Diário catarinense, Florianópolis, 3 dez. 2006,
reportagem especial, p. 4 e 5.
96
KUNSCH, Daniela. Anistia Internacional denuncia Governo do Estado por violação de Direitos Humanos e
prática de tortura em presídios. Disponível em: <http://www.mndh.org.br/anistiadenuncia.htm>. Acesso em:
09/04/2007.
53
atividades exclusivas de agentes carcerários para o qual não são autorizados, nem treinados e
nem efetivamente monitorados. Segundo a anistia, o Governo do Estado falhou ao não tomar
providências para superar a crise enfrentada pelo sistema prisional capixaba.
Frisa ainda o documento da Anistia Internacional, que esta falha persistente na
investigação das denúncias de tortura e da contínua violação dos direitos humanos pelos
policiais militares, ilegalmente usados como guardas dentro do sistema, com certeza
reforçaram o padrão de violações de direitos humanos.
Segundo o relatório da Anistia Internacional, que serviu de base para a mencionada
reportagem, os detidos também fizeram uma relação específica de violações de direitos
humanos, quais sejam, tortura regular com eletro-choque conduzida por membros da Força
Nacional de Segurança Pública, utilização de jatos de gás quando entram e saem das celas,
prática de exercícios físicos no pátio nus, uso de balas de borracha e cilindros de gás
lacrimogêneo e presos forçados a dormir no chão.
Em Tangará da Serra (251 km de Cuiabá-MT), conforme a reportagem veiculada no
dia 27/03/2007 na internet97, o juiz está a liberar os presos por falta de estrutura e condições
no estabelecimento prisional. Conforme a reportagem, a semelhança de outras unidades
prisionais no país, em Tangará da Serra, a superlotação é um dos empecilhos que
comprometem o cumprimento eficaz da sentença penal condenatória. Com capacidade para
abrigar 47 detentos, a cadeia do Tangará abrigava à época da reportagem 120 pessoas.
Em agosto de 2006, quando a superlotação já estava em um nível crítico, atrelados às
péssimas condições higiênicas e de segurança, foi pedido a interdição da cadeia em Tangará
da Serra.
Outro problema que igualmente assola o sistema carcerário brasileiro é a falta de
assistência jurídica destinada aos presos que não têm condições financeiras de constituir um
advogado. A título ilustrativo uma notícia que fora disponível na internet98 no dia 26/03/2007,
na qual um acusado de crime de homicídio que estava preso havia 1 ano e meio, foi absolvido
no 1º Tribunal do Júri e, mesmo com expedição de alvará de soltura o mesmo continuou preso
no Presídio de Franco da Rocha I, na Grande São Paulo. Para o Defensor Público que cuidou
do caso em análise, houve uma clara violação a direitos fundamentais.
Foi instalada no dia 22/08/07 na Câmara dos Deputados a CPI do Sistema
Carcerário,99 na qual se pretende fazer um diagnóstico das prisões brasileiras para, em
97
MAGALHÃES, João Carlos. Juiz manda liberar presos por falta de vagas em cadeia. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u133512.shtml> . Acesso em: 09 abril 2007.
98
DOGI.
Absolvido
pela
justiça
continua
preso
em
SP.
Disponível
em:
<http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL14515-5605,00.html >. Acesso em: 27 março 2007.
99
OLIVEIRA, José Carlos. Câmara instala CPI do Sistema Carcerário. Disponível em:
54
seguida, oferecer sugestões de projetos de lei para o Legislativo e de ações para o Executivo
deixarem o sistema mais humano.
Conforme o noticiário, o autor do requerimento de criação da CPI do Sistema
Carcerário, deputado Domingos Dutra (PT-MA), afirmou que o primeiro passo será investigar
as principais deficiências do sistema carcerário, destacando a superlotação dos presídios, a
situação dos detentos que já cumpriram pena mas continuam presos porque não têm
advogados, corrupção e desorganização do sistema e saúde no sistema penitenciário.
O Diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Maurício Kuehne, afirmou
no dia 18/09/2007100 que os presídios brasileiros têm déficit de 200 mil vagas e que os
recursos são insuficientes para garantir o número ideal de vagas. Sublinhou, ainda, de acordo
com a fonte, que os presídios não recuperam os presos e que, por isso, é preciso investir em
educação e no trabalho prisional.
Na reportagem, informou o Diretor que o número de presos no País saltou de 148,7
mil em 1995 para 419,5 mil em junho deste ano e que 550 mil condenados ainda não foram
presos. Como solução para minimizar o déficit de vagas, o diretor defende aplicação de penas
alternativas.
Outro caso de suma importância que marcou de uma forma indelével o mundo jurídico
e não só, foi a decisão levada a cabo pelo juiz Livingsthon José Machado, da Vara de
Execuções Penais de Contagem em Minas Gerais, em novembro de 2005, que face a flagrante
violação dos direitos constitucionais assegurados aos presos, determinou a soltura de dezenas
de condenados.
Salienta-se que oportunamente será analisado de forma mais minuciosa “o caso
Livingsthon José Machado”. De antemão, frisa -se que a decisão não só foi acertada, como
também foi muito corajosa, além de ter observado e atendido os princípios e garantias
fundamentais na Constituição Federal de 1988.
Em derradeiro, do exposto vislumbra-se flagrantemente que o atual quadro do sistema
carcerário é no mínimo assustador e ultrajante para os presos, e evidencia igualmente a
violação diária dos direitos humanos fundamentais assegurados aos presos, face a inoperância
do Executivo e, em certas ocasiões, do Judiciário. Com efeito, essas notícias ventiladas
anteriormente apresentam-se como a ponta de um iceberg. Assim, urge tomar medidas
adequadas e eficazes de modo a devolver o mínimo de dignidade e respeito dos direitos
humanos fundamentais àqueles que têm sua liberdade restringida pelo Estado.
<http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=108518 >. Acesso em: 23 set. 2007.
100
TRIBOLI, Pierre. Presídios brasileiros têm déficit de 200 mil vagas. Disponível
<http://www2.camara.gov.br/homeagencia/materias.html?pk=110228 >. Acesso em: 23 set. 2007.
em:
55
3.2 O caso do juiz LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO
Em meados do mês de novembro do ano 2005 foi noticiada, com certa ênfase na
imprensa nacional101 a decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito,
Livingsthon José Machado, que como titular da Vara de Execuções Criminais da Comarca de
Contagem-MG, determinou a expedição de alvarás de soltura para presos condenados, que se
encontravam cumprindo pena em condições sub-humanas nas celas das delegacias de polícia
do citado município, zelando-se assim, pelo correto cumprimento da pena.
Assim, no cumprimento da sua função e munido dos poderes conferidos pela própria
Constituição, o Juiz – fundamentadamente – tomou a decisão de expedir alvará de soltura dos
presos, por entender que não seria justo, seguro e legal mantê-los encarcerados na situação em
que se encontravam.
Destarte, sem mais delongas, traremos a seguir, no presente trabalho, alguns dos
argumentos jurídicos que fundamentaram a decisão do Juiz Livingsthon José Machado.102
Um dos argumentos ventilados na decisão em análise é a inobservância do art. 104 da
LEP, que disciplina a cadeia pública e estabelece que as exigências mínimas do art. 88 e seu
parágrafo único devem ser observadas também para o preso provisório. Convém relembrar
que o parágrafo único, b, do art. 88 exige área mínima de 06 m² (seis metros quadrados) para
cada cela individual.
Por outro lado esclarece o Juiz na sua decisão que:
A Constituição Federal traz como fundamento do próprio Estado Brasileiro,
a dignidade da pessoa humana, estabelecendo alguns direitos e garantias
fundamentais como eixo de orientação de todo o ordenamento jurídico,
inclusive e principalmente o relacionado ao cerceamento da liberdade da
pessoa humana, dentre eles a proibição de se submeter alguém à tortura ou a
tratamento desumano ou degradante.103
Deste modo, sustenta o Juiz que a lei punirá qualquer discriminação atentatórias dos
direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) e que a prisão ilegal será imediatamente
relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV).
Esclareceu ainda na sua decisão, que a carceragem do 1º Distrito Policial de Contagem,
101
LOPES,
Roberta.
Direitos
dos
condenados:
disponível
em:
<http://www.mundolegal.com.br/?FuseActino=Artigo_Detalhart&did=17909 >. Acesso em 25 agosto 2006.
102
CONTAGEM. Vara de execuções Criminais de Contagem. Procedimento Administrativo. Correcional n.º
729/05. Livingsthon José Machado, Juiz de Direito. 08 nov. 2005.
103
CONTAGEM. Vara de execuções Criminais de Contagem. Procedimento Administrativo. Correcional n.º
729/05. Livingsthon José Machado, Juiz de Direito. 08 nov. 2005.
56
muito pouco tem contribuído para as finalidades da execução penal, quais sejam efetivar as
disposições da sentença criminal condenatória e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado ou do internado (artigo 1º da Lei 7.210/84).
O flagelo de superlotação, como era de se esperar, também foi trazido à tona na
fundamentação da sua decisão, haja vista que existem 6 unidades policiais com carceragem na
comarca de Contagem, um dos quais o 1º Distrito Policial com capacidade para abrigar,
segundo o laudo pericial, apenas 07 presos, mas que, a despeito disso, possuía 63 presos.
Assim, para equacionar o problema de superlotação naquela carceragem, várias
medidas administrativas anteriores foram adotadas pelo juiz titular da Vara de Execuções.
Contudo, sem surtir o efeito desejado, pois, argumentou o Juiz que nenhuma providência ou
sinalização de que medidas estavam sendo adotadas para a solução dos problemas foram
apresentadas.
De igual modo, aduz o juiz que foram inúmeras vezes requisitadas vagas em
estabelecimentos penais adequados ao cumprimento de pena dos sentenciados que ali estavam
recolhidos, sendo que a resposta da administração pública estadual foi sempre no mesmo
sentido, qual seja, a falta de vagas para matrícula dos condenados. Da mesma forma foi
determinada a transferência dos presos detidos nas carceragens do 1º DP de Contagem e, no
entanto, a medida não foi efetivamente cumprida.
Fundamentou ainda que “o local onde os presos estão recolhidos afronta os direitos
individuais e fundamentais da pessoa humana, aniquilando visivelmente sua condição de
dignidade, tornando o cumprimento da pena aplicada cruel e manifestadamente ilegal,
abusiva.” 104
Também, o juiz escreveu na sua decisão que:
A manutenção dos presos condenados nas carceragens de distritos policiais
ou cadeias públicas caracteriza flagrante ilegalidade, afrontando não só os
dispositivos da Lei de Execução, como os princípios orientadores de todo o
direito penal e várias garantias e direitos constitucionais, como aqueles
identificados linhas acima.105
Em razão disso, entendeu o Juiz, face a situação irregular da carceragem do 1º Distrito
Policial de Contagem, bem como o risco real para a saúde dos presos ali recolhidos e a inércia
da administração pública para a solução dos problemas apontados, que a medida mais
acertada era a interdição da carceragem daquela unidade policial.
104
CONTAGEM. Vara de execuções Criminais de Contagem. Procedimento Administrativo. Correcional n.º
729/05. Livingsthon José Machado, Juiz de Direito. 08 nov. 2005.
105
CONTAGEM. Vara de execuções Criminais de Contagem. Procedimento Administrativo. Correcional n.º
729/05. Livingsthon José Machado, Juiz de Direito. 08 nov. 2005.
57
No mesmo ato, o Juiz, com fundamento no art. 5º, LXV, da Constituição Federal/88,
por considerar ilegal e abusiva a prisão de todas as pessoas detidas na citada unidade
carcerária, determinou a expedição de alvará de soltura de todos que estavam ali cumprindo
pena. Assim, determinou a suspensão da pena de todos os condenado recolhidos no 1º Distrito
de Policial de Contagem, até que sejam disponibilizadas vagas em estabelecimento prisional
adequado ao cumprimento das respectivas condenações.
Por conseguinte, a soltura dos presos condenados que foi noticiada na imprensa deu-se
porque os mesmos encontravam-se cumprindo a pena que lhes foi aplicada de forma
totalmente contrária ao determinado pela lei, vez que estavam custodiados em celas
superlotadas, imundas, insalubres, convivendo presos saudáveis com presos acometidos de
tuberculose, hepatite, sarna e outras moléstias, o que se não averiguado com a atenção
necessária, além de um problema prisional, poderia causar, em breve interregno, um sério
problema de saúde pública.
Assim, com base nos argumentos ventilados pelo Excelentíssimo Juiz Livingsthon
José Machado, não resta dúvida de que os presos estavam encarcerados em situação
degradante e desumana, bem como que a sanção a eles aplicada pelo Estado era totalmente
ilegal e contrária aos princípios constitucionais da individualização da pena e da dignidade da
pessoa humana.
Ora, se o Estado não oferece aos presos condições adequadas ao cumprimento dos
comandos legais, não é justo mantê-los detidos em situação diversa e muito mais gravosa
daquela descrita na sentença penal condenatória.
Salienta-se ainda, que a decisão do Juiz Livingsthon José Machado, teve apoio
unânime dos seus colegas, que partilham exatamente da mesma opinião. Assim, numa carta
aberta dos Juízes da mesma comarca106, estes manifestaram apoio à decisão proferida, e
simultaneamente repudiaram com veemência a atitude de autoridades públicas, que de uma
forma inadequada, tomaram medidas equivocadas, ao ponto de instalar uma comissão
tendente à averiguação de uma possível conduta ilícita por parte do Juiz da Vara de
Execuções Criminais e conseqüentemente o afastamento do mesmo.
Na citada carta aberta dos magistrados foi reforçada a decisão proferida, aduzindo que
foi um gesto extremo, mas pautado em argumentos legais e jurídicos, em atenção ao comando
constitucional que determina sejam todos, inclusive os encarcerados, respeitados em sua
dignidade, determinou a soltura dos presos que se encontravam recolhidos em
estabelecimentos prisionais que, repita-se, não apresentavam as mínimas condições de
106
LÚCIO,
Mário.
A
marcha
da
arbitrariedade.
http://www.jornalorebate.com/12/Livingsthon.htm >. Acesso em: 11 nov. 2006.
Disponível
em:
<
58
salubridade e segurança, sendo de se registrar que há incidência de casos de lepra,
tuberculose, hepatite e doenças sexualmente transmissíveis entre a massa carcerária.
Complementa ainda os magistrados, que Livingsthon José Machado agiu no exercício
de seu poder jurisdicional, sendo certo, por isso, que a sua decisão, pautada na lei e nos
princípios gerais do Direito, ainda que dela discorde alguns, há de ser combatida nos
tribunais, e só nestes.
Salienta-se que após a decisão, o Juiz Livingsthon José Machado foi imediatamente
afastado, e o Governo do Estado local impetrou um mandado de segurança107, de modo a
suspender definitivamente a eficácia da referida e analisada decisão.
Na decisão que deferiu unanimemente o mandado de segurança, afirma o
Desembargador Relator Paulo Cézar Dias, que se trata de uma questão que se versa sobre
direito individual versus o direito coletivo, e entende que, este prevalece sobre àquele. Alega
ainda o Relator que a ordem de expedição de alvará de soltura dos presos, “por critério de
oportunidade e conveniência, sem que tivesse um processo instaurado para esse fim, consiste
usurpação de atividade própria da Administração, ofendendo, assim, os princípios da
legalidade e o da separação dos Poderes do Estado”. 108
A decisão proferida pelo Juiz, segundo o entendimento do Relator, se evidencia como
uma clara ilegalidade, haja vista que o art. 109 da LEP, elenca situações que determinam a
expedição de alvará de soltura do condenado, nas quais, a superlotação e as condições
insalubres e desumanas não estão contempladas nesse rol, motivo pelo qual a soltura dos
presos fora das hipóteses do citado artigo, é uma clara afronta à exigência legal.
A ordem de soltura e a suspensão da execução das penas, no entendimento do relator,
não se apresentam como solução, porquanto só faz agravar o senso de impunidade, incentivo
a prática de novos delitos e por fim, o descrédito da população nos poderes constituídos.
Assim, defende o relator que a decisão não pode subsistir, por absoluta falta de amparo
legal e apresenta solução “menos gravosa” à justiça e conseqüentemente à sociedade, qual
seja, construção de novos estabelecimentos prisionais. Porém, reconhece o próprio relator que
a construção de novas carceragens envolve trâmites legais, como processos licitatórios, e o
aparelhamento físico e de pessoal administrativo, o que sem dúvida, levaria uma eternidade
até a conclusão das obras.
Com efeito, a construção de estabelecimentos carcerários modernos, que permitam o
107
Minas Gerais. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mandado de Segurança, n.º 1.0000.05.429879-9/000(1),3ª
Câmara Criminal. Estados de Minas Gerais e Juiz de Direito da Vara Criminal de Contagem/MG. Paulo Cézar
Dias. 07/03/2006, publicado em 09/08/2006.
108
Minas Gerais. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mandado de Segurança, n.º 1.0000.05.429879-9/000(1),3ª
Câmara Criminal. Estados de Minas Gerais e Juiz de Direito da Vara Criminal de Contagem/MG. Paulo Cézar
Dias. 07/03/2006, publicado em 09/08/2006.
59
cumprimento adequado da pena, poderá sim resolver, a longo prazo, uma grande parte dos
problemas prisionais verificadas atualmente. Porém, convém não olvidar que emerge tomar
medidas enérgicas, imediatas e que permitam resolver ou, ao menos, minimizar a atual
situação precária das carceragens no Brasil.
Os Desembargadores que julgaram o mandado de segurança, ora analisado, como é de
praxe, acompanharam o voto relator, entendendo o Des. Reynaldo Ximenos Carneiro que
expedir alvará de soltura é realmente a situação mais cômoda ante o problema de
superlotação, porém, não é a decisão correta. Argumenta ainda que não existiu legitimidade
na decisão do Juiz Livingsthon, tendo em conta que este não poderia proceder à soltura pura e
simples de presos, se eles estavam condenados. Nesse passo, afirma a Des.ª Jane Silva, que o
Juiz tinha outras alternativas à sua disposição que não passaria pela decisão de soltar os
presos.
Em suma, os Doutos Desembargadores reprovaram de forma unânime a decisão
proferida pelo Juiz José Livingsthon Machado, sob alegação de falta de legitimidade,
supremacia de interesse social em detrimento de interesse individual e falta de fundamento
legal. A seguir, propõe-se analisar a decisão proferida pelo juiz e se a mesma corresponde a
compêndio constitucional.
3.3 A vinculação do juiz à lei: poderia o juiz LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO ter
decidido de forma diversa?
Cuida-se nesta parte de analisar a decisão prolatada pelo Juiz Livingsthon José
Machado e verificar a sua validade jurídico-constitucional. Poderia este magistrado ter
decidido de forma diversa? Qual a natureza da vinculação do Juiz à lei? Este tem obrigação de
aplicar a lei? Pretende-se responder a essas indagações nas linhas que se seguem.
No entanto, é de salientar primeiramente que o juiz desempenha uma das funções mais
importantes, senão a mais importante, na administração da justiça, pois é o juiz que dá vida as
letras frias das leis, é o aplicador das leis no caso concreto submetido a apreciação do
judiciário.
O juiz deverá demonstrar, segundo Dalmo Dallari, plenas condições para “avaliar com
independência, equilíbrio, objetividade e atenção aos aspectos humanos e sociais, as
circunstâncias de um processo judicial, tratando com igual respeito a todos os interessados e
60
procurando, com firmeza e serenidade, a realização da justiça”. 109
O reconhecimento constitucional da independência do juiz contribui, e muito, para
aplicação mais justa da norma. Nesse passo, afirma Dallari que:
[...] para que o Poder Judiciário garanta os direitos e realize a justiça é
necessário que ele seja materialmente bem aparelhado, mas isso apenas não é
suficiente, sendo exatamente relevante que os juízes tenham preparo
adequado e sejam conscientes de suas responsabilidades. Mas além disso
tudo e como requisito prévio e essencial é indispensável que a magistratura
seja independente.110
Prossegue ainda o autor, afirmando que:
Longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da magistratura é
necessária para o povo, que precisa de juízes imparciais para harmonização
pacífica e justa dos conflitos de direitos. A rigor, pode-se afirmar que os
juízes têm obrigação de defender sua independência, pois esta a atividade
jurisdicional pode, facilmente, ser reduzida a uma farsa, uma fachada nobre
para ocultar do povo a realidade das discriminações e das injustiças.111
Porém, o magistrado, no desempenho da sua função deve obediência à lei, ou melhor,
todas as decisões devem ser juridicamente fundamentadas. A vinculação do juiz a lei é
obrigatória. É o que se depreende do art. 93, IX, CF/88, in verbis:
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito a intimidade do
interessado no sigilo não prejudique público à informação.112
Nesse sentido assevera Alexandre de Moraes que:
A fundamentação constitui pressuposto de legitimidade das decisões
judiciais. A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como
pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do
Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da
Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza
constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de
maneira irremissível, a conseqüente nulidade do pronunciamento
judicial.” 113
109
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 26.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 44.
111
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 45.
112
Art. 93, IX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
113
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5ª ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p.1352.
110
61
A vinculação do juiz a lei é imprescindível para a prevalência da segurança jurídica.
Ora, a segurança jurídica estaria comprometida se cada juiz na sua decisão procurasse
imprimir a sua vontade pessoal, afastando da aplicação das normas vigentes. Assim, se cada
juiz estivesse autorizado a fazer valer a sua própria vontade, estar-se-ia perante uma ditadura
– ditadura dos juízes. O juiz, que não é legislador, ante a um caso concreto, não pode deixar
de aplicar uma lei já existente, para equacioná-lo de maneira que lhe aprouver, sob pena de
insegurança jurídica e descrença da população.114
A função do juiz, sustenta Almeida Paiva115, é, no entanto, aplicar, interpretar a lei e
determinar-lhe sentido e alcance. Contudo, isso não implica dizer que o juiz é um mero
aplicador da lei, haja vista que, antes de aplicá-la, este deve interpretá-la e muitas vezes,
complementando-a e até mesmo melhorando-a, numa interpretação que mais atendam aos
anseios, valores e finalidades nelas contidas. Ou seja, o juiz pode interpretar, complementar e
até melhorar, mas não pode negar a vigência e aplicabilidade de uma norma, não pode negar a
própria lei ou decidir contra aquilo que a mesma estabelece. Por conseguinte, em caso de
hiatos na lei, é permitido ao magistrado recorrer à analogia, costumes, doutrina,
jurisprudência e princípios gerais do direito.
Com efeito, convém reiterar que não se está aqui defendendo que o magistrado é tão
somente um simples aplicador da lei, muito pelo contrário, o magistrado deve sim aplicar a lei
sem olvidar que não se trata de apenas letra fria, mas sim que é um corpo vivo que precisa ser
compreendido, que há uma vida atrás de um processo.
Nessa ótica, defende Dallari, que esses juízes demasiados formalistas oferecem um
grande perigo, uma vez que esses magistrados fanatizados pela lógica aparente do positivismo
jurídico, favorecem a impunidade e que:
[...] muitas vezes, não chegam a perceber que o excessivo apego a exigências
formais impede ou dificulta ao extremo a consideração dos direitos
envolvidos no processo. Condicionados por uma visão exclusivamente
formalista do direito, esses juízes concebem o respeito das formalidades
processuais como o objetivo mais importante da função social. Não se
sensibilizam pelas mais graves violações de direitos humanos, desde que
sejam respeitadas as formalidades. Por isso se pode dizer que os juízes
formalistas são cúmplices inconscientes dos violadores de direitos humanos
114
PAIVA, J.
Vitória, 5 set.
2007.
115
PAIVA, J.
Vitória, 5 set.
2007.
A. Almeida. A função do juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!... Jus Vigilantibus,
2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/17098>. Acesso em: 18 de jul.
A. Almeida. A função do juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!... Jus Vigilantibus,
2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/17098>. Acesso em: 18 de jul.
62
e concorrem de maneira significativa para garantir sua impunidade.” 116
Prossegue ainda o autor na sua lição, criticando aqueles magistrados acomodados, os
que se afirmam apolíticos e entendem que não fazem parte da sua tarefa fazerem indagações
sobre a justiça, a legitimidade e os efeitos sociais das leis. É esse comportamento, entende o
autor, que freqüentemente compromete o prestígio do Poder Judiciário, contribuindo “para
que ele seja visto como uma 'forma legal de promover injustiças'. Também esses juízes são
cúmplices, não tão inconscientes, da impunidade dos violadores de direitos humanos”. 117
Conclui o autor que, no entanto, não há que confundir o valor da segurança jurídica
com a ideologia da segurança, que tem por objetivo o imobilismo social. O juiz deve assumir
sua politicidade e seu poder político atuando como cidadão, sendo um arquiteto social agindo
ativamente.118
Assim, anota Luigi Ferrajoli que:
A sujeição do juiz à lei já não é de fato, como um velho paradigma
juspositivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas
sim sujeição à lei somente enquanto válida, ou seja, coerente com a
Constituição. E a validade já não é no modelo constitucionalista-garantista,
um dogma ligado à existência formal da lei, mas uma sua qualidade
contingente ligada à coerência – mais ou menos opinável e sempre
submetida à valoração do juiz – dos seus significados com a Constituição.
Daí deriva que a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo
sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz tem o dever a
responsabilidade de escolher somente os significados válidos, ou seja,
compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos
fundamentais por elas estabelecidos.119
Nesse sentido, esclarece Alexandre de Moraes da Rosa que:
[...] foi a partir dessa nova concepção do papel do juiz e na mesma linha dos
demais atores jurídicos no Estado Democrático de Direito e, assim, do
reconhecimento de suas funções de garantidores dos Direitos Fundamentais
inseridos ou decorrentes da Constituição Federal da República, que o
ordenamento infraconstitucional deve ser aferido.120
O juiz não é um mero reprodutor das leis, sua vinculação à lei deve ser feita dentro da
perspectiva de uma sociedade em permanente processo de mudança e evolução e não como
116
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 38.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 38.
118
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 85.
119
FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de garantias. In: OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades (org.).
O novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 90/91.
120
ROSA, Alexandre de Moraes da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 91.
117
63
algo estático e inerte, em consonância com os ditames constitucionais.
Assim, argumenta Paulo Ricardo Schier que a criação de um novo discurso jurídico,
desligado do mundo, muito pouco poderia contribuir dentro da construção dessa nova
concepção jurídica. Assim, prossegue o autor que esta nova concepção exige:
[...] não apenas um novo fundamento epistemológico mas, sim, uma releitura
do próprio arsenal dogmático do Direito. Afinal, uma nova epistemologia
mostrar-se-á inócua se os operadores jurídicos continuarem com o velho
modo de utilização do Direito. De nada vale qualquer concepção
epistemológica emancipatória se continuarem os juízes a aplicar as leis do
século passado com a cabeça do século passado. Ou pior, se continuarem a
ler os novos instrumentos e valores trazidos pela nova ordem (a instaurada
no Brasil com advento da Constituição de 1988) sob o influxo da ordem
anterior ou, ainda, insistirem em adaptar a Constituição ao espírito da
legislação infraconstitucional.121
Defende ainda citado autor que, ante as mudanças verificadas, é preciso recrear um
novo discurso do direito e seu instrumental e, posteriormente, reaprender a usá-lo em prol da
justiça e dignidade humana, especificamente, no âmbito constitucional, que possibilitará a
extração de conseqüências que deverão irradiar-se por toda a ordem jurídica.122
Noutro dizer, a ordem jurídica constitucional prevalece sobre as demais. Assim,
Alexandre de Moraes Rosa, citando Mauro Cappelletti, é peremptório ao afirmar que:
A função de todos os juízes é a de interpretar as leis, a fim de aplicá-las aos
casos concretos de vez em vez submetidos a seu julgamento; uma das regras
mais óbvias da interpretação das leis é aquela segundo a qual, quando duas
disposições legislativas estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar a
prevalente [...] quando o contraste seja entre disposições de diversa força
normativa: a norma constitucional, quando a constituição seja 'rígida' e não
'flexível', prevalece sempre sobre a norma ordinária contrastante. Logo,
conclui-se que qualquer juiz, encontrando-se no dever de decidir um caso em
que seja 'relevante' uma norma legislativa ordinária ntrastante
co
com a
norma constitucional, deve não aplicar a primeira e aplicar, ao invés, a
123
segunda.
Destarte, do exposto, torna-se fácil concluir que foi exatamente isso que o Juiz
Livingsthon José Machado fez, ou seja, ele não poderia agir de modo diverso, uma vez que
vinculação do juiz a lei é obrigatória. Portanto, o juiz Livingsthon José Machado não fez mais
do que cumprir a sua função. Aliás, função essa que a própria Constituição lhe assegura e
impõe. Ademais, a decisão levada a cabo está de acordo com os ditames constitucionais, haja
121
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 62.
122
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 63.
123
ROSA, Alexandre de Moraes da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 105.
64
vista que, como os presos estavam cumprindo pena de modo diverso do qual deveriam estar, e
por um tempo já demasiado longo – era uma prisão considerada aos olhos da Constituição
Federal de 1988, ILEGAL e ABUSIVA.
Eis uma parte da decisão devidamente fundamentada pelo MM Juiz Livingsthon José
Machado:
Assim, devidamente comprovada a situação irregular da carceragem do 1°
Distrito Policial de Contagem, bem como o risco real para a saúde dos
presos ali recolhidos e a inércia da administração pública para a solução dos
problemas apontados, julgo PROCEDENTE a representação ofertada pelo
Ministério Público e com fundamento no disposto nos artigos 66, VI, VII e
VII da lei de Execução penal e artigo 61, VIII da Lei Complementar 59/01,
INTERDITO toda a carceragem daquela unidade policial.
Para que a medida seja eficaz e em razão da urgência necessária, com
fundamento no disposto no art. 5° LXV da Constituição Federal, por
considerar ILEGAL e ABUSIVA a prisão das pessoas que ali se encontram
recolhidas, determino que se expeça alvará de soltura a todos os presos
condenados que ali estão cumprindo pena, que deverão ser cumpridos
independente de qualquer consulta ao SETARIN.124
Do exposto, o juiz entendeu não ser justo, seguro e legal mantê-los encarcerados na
situação em que se encontravam e se não tomasse a decisão que tomou estaria sem dúvida
agindo contra legem, contra as leis constitucionais.
Assim, a despeito da decisão unânime dos desembargadores que deferiu o citado
Mandado de Segurança, entende-se que a decisão do Juiz foi acertada, senão vejamos, nas
razões enumeradas a seguir:
Primeiro, os doutos desembargadores alegaram falta de legitimidade. Ora, o Juiz José
Livingsthon Machado era, à época da decisão, Juiz titular da Vara de Execuções Criminais e
Corregedoria de presídios de Contagem, desempenhando a sua função que lhe foi conferida
pela própria Constituição Federal, razão pela qual, não há que se falar em falta de
legitimidade. Nessa ótica, afirma Dalmo de Abreu Dallari que “desde que a Constituição
preveja esse modo de escolha e uma vez que os juízes, regularmente selecionados, atuem nos
limites de sua competência legal, não há como pôr em dúvida sua legitimidade.” 125
Segundo, os desembargadores alegaram a supremacia do interesse coletivo em
detrimento do interesso individual. No caso, os desembargadores estão se baseando numa
ameaça ou lesão de interesse coletivo em potência, que poderá eventualmente ocorrer, ou seja,
não é nada que tenha base concreta. Assim, não se justifica sacrificar direitos individuais
fundamentais passíveis de violação iminente e atual, a favor de um direito social abstrato e em
124
CONTAGEM. Vara de execuções Criminais de Contagem. Procedimento Administrativo. Correcional n.º
729/05. Livibgston José Machado, Juiz de Direito. 08 nov. 2005.
125
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 24/25.
65
potência. Nesse sentido, sustenta Andrei Zenkner Schmidt que somente um direito social
concreto, “cuja lesão é atual ou iminente é que poderia, em nome do princípio da
proporcionalidade, autorizar a sucumbência do direito individual à intimidade [...] frente a um
interesse social”. 126
Terceiro, no atinente à falta de fundamentação legal, vislumbra-se literalmente que a
decisão do juiz Livingsthon José Machado encontra-se devidamente fundamentada na
Constituição Federal, a lei suprema do Estado.
Nesse passo, destaca-se a valiosa contribuição do Ministro Celso de Mello, ao afirmar
que:
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como
dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel
subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por
completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão
estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder.127
No mesmo sentido, Paulo Ricardo Schier realça a superioridade das normas
constitucionais e a obrigatoriedade de vinculação a todos. Observa também que:
Afinal, o exercício de direitos, faculdades, deveres, obrigações e sujeições
decorre, direta ou indiretamente, do texto constitucional. Vincula também a
Administração Pública na prática de ações e abstenções. Basta verificar os
writs, sempre voltados à atribuição de efetividade aos valores constitucionais
quando não realizados pela administração. Vincula também o Poder
Judiciário, que deve pautar todas as suas decisões em consonância com a
Constituição sob pena de reforma mediante os recursos adequados.128
Do exposto, vislumbra-se claramente que a decisão foi provida de fundamento
jurídico, que não justifica a decisão equivocada de afastar o Juiz Livingsthon José Machado.
Retomando o que foi abordado anteriormente no presente trabalho, cumpre relembrar
que são assegurados aos presos todos os direitos não atingidos pela sentença penal
condenatória. Assim, enquanto condenado, o preso é possuidor de deveres e direitos
assegurados na Constituição Federal de 1988, na Lei de Execução Penal e nos documentos
internacionais de proteção dos direitos humanos.
126
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres e Disciplina na Execução Penal. in: CARVALHO, Salo de.
Crítica a Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 228.
127
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. PET-1458/CE. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 01
abril. 2006.
128
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 83/84.
66
A República Federativa do Brasil, como já frisado, tem como um dos fundamentos a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e traçou como um dos seus objetivos promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, IV), bem como a proibição de prática de tortura e tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III) e o respeito à integridade física e moral de todos (art. 5º, XLIX).
Nos documentos internacionais, particularmente a Convenção Americana de Direitos
Humanos, a qual Brasil é signatário, também são assegurados direitos aos presos, como já
tivemos a oportunidade de abordar.
A Lei de Execução Penal, por sua vez, assegura igualmente aos presos alguns direitos,
tais como a alimentação suficiente e vestuário, assistência à saúde, material, jurídica,
educacional, social e religiosa. Por conseguinte, um dos mais importantes direitos assegurados
aos presos, como já foi também anteriormente abordado, está esculpido no art. 88, que dispõe
que o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e
lavatório. E mais, em seu parágrafo único, estabelece que são requisitos da unidade celular a
salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana e área mínima de 6,00m2 (seis
metros quadrados).
Cabe realçar que no que tange aos direitos dos presos, estes não podem ser meramente
figurativos, uma vez que, aqueles, enquanto detentos, têm deveres e direitos, e não se pode tão
somente exigir que se cumpram seus deveres ao mesmo tempo em que vêm os seus direitos
vilipendiados, sob pena de nos afastarmos da condição de Estado Democrático de Direito.
Assim, assevera Alexandre de Moraes que:
A Constituição Federal, ao proclamar o respeito à integridade física e moral
dos presos, em que pese à natureza das relações jurídicas estabelecidas entre
a Administração Penitenciária e os sentenciados a penas privativas de
liberdades, consagra a conservação por parte dos presos de todos os direitos
fundamentais reconhecidos à pessoa livre, com exceção, obviamente, dos
incompatíveis com a condição peculiar de preso [...].129
Por outro lado, a falta de apoio da instituição judicial é desestimulante quando se tem e
se quer ter atitudes heróicos e corajosos, no sentido de frear as freqüentes violações dos
direitos humanos.
Nessa ótica, explica Dallari que:
129
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 338.
67
Há situações em que são tais as restrições que nem mesmo o juiz mais
consciente e mais corajoso pode castigar um violador de direitos humanos.
Não são raros os exemplos de juízes verdadeiramente heróicos, que em suas
sentenças denunciam as dificuldades para conhecer a verdade, as
investigações policiais deliberadamente malfeitas, os obstáculos interpostos
para impedir a identificação ou levar a julgamento os verdadeiros
responsáveis por violações graves de direitos.130
Prossegue ainda o autor na sua explanação, a semelhança do que aconteceu no caso
Livingsthon José Machado, alegando que:
É comum que esses juízes sejam vozes isoladas que não recebem apoio da
instituição judicial. Por isso é importante falar sempre, com insistência, da
necessidade de sua independência, mas sem esquecer que, com freqüência, a
cumplicidade e a indiferença dos juízes e cúpulas judiciais são elementos
com os quais contam os governos injustos para assegurar a impunidade dos
violadores de direitos humanos. Quanto aos juízes e à proteção judicial, é
necessário reconhecer que sem juízes bem informados, conscientes de sua
responsabilidade social e verdadeiramente comprometidos com a justiça,
será quase impossível obter uma proteção real dos direitos humanos.131
Desta forma, vislumbra-se que a falta de apoio da própria instituição judicial, aliada a
falta de independência dos juízes constituem sérios obstáculos a proteção real dos direitos
humanos.
Como já tivemos oportunidade de comentar várias vezes, uma vez assegurados na
Constituição todos os direitos não atingidos pela sentença penal condenatória, estes terão de
ser cumpridos. O cumprimento da pena, em momento algum pode arranhar os direitos não
atingidos pela sentença, sob pena de uma indiscutível inconstitucionalidade.
Nesse passo, em que pesem todas as manifestações contrárias, entende-se que a razão
assiste à decisão proferida pelo Juiz Livingsthon José Machado, pelo simples e singelo fato
deste ter agido em consonância com os preceitos constitucionais.
Noutro dizer, de tudo que foi aqui abordado, conclui-se que o juiz está vinculado à lei
de uma forma compulsória. Assim, em decorrência da compulsoriedade do juiz à lei, a
decisão de expedir alvará de soltura foi acertada e assente em argumentos constitucionalmente
válidos.
130
131
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 38/39.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 39.
68
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo o que foi exposto até o presente momento, é inegável a existência de garantias
e direitos dos presos, assim como é igualmente inegável as suas freqüentes violações por parte
do Estado. A dubiedade reside exatamente no que acarreta em termos práticos essas violações,
já que os presos têm deveres a cumprir e direitos a serem respeitados e cumpridos. Se o não
cumprimento de um dever por parte do preso, acarreta sanção, que incumbe ao próprio Estado
aplicar, este também não poderia 'ficar impune' por não cumprir os seus deveres para com o
preso. E muito menos pode o preso sofrer dupla sanção por uma única conduta ilegal.
Por outro norte, muito se fala sobre quem deve ir para prisão, por quais motivos e
pouco se fala ou se discute sobre o que acontece efetivamente dentro das prisões.
Freqüentemente são noticiadas nos órgãos de comunicação social as condições prisionais
degradantes e desumanas às quais os presos estão submetidos, perante a inércia das
autoridades judiciais. É de salientar que a grande maioria das revoltas que se verificam nas
prisões se deve à falta de cumprimento dos deveres por parte do Estado em relação aos
presos, o que, sem dúvida, compromete os propósitos da condenação.
Ficou igualmente patente que aos presos são assegurados todos os direitos não
atingidos pela sentença. Assim, estes direitos não podem ser meramente figurativos, uma vez
que, se os presos, enquanto condenados, têm deveres e direitos, não se pode, portanto, exigir
somente que cumpram suas obrigações, mas há de se fazer valer também os seus direitos, sob
pena de afastar-se da premissa de Estado Democrático de Direito.
Nesse passo, como bem afirma Mirabete, ao condenar um preso deve-se levar em
conta o principio de que a pena privativa de liberdade é punição mais do que suficiente,
motivo pelo qual o mesmo não deve cumprir qualitativa e quantitativamente pena diversa
daquela que foi aplicada na sentença, pois, isso implica a imposição de uma pena suplementar
e não prevista em lei.132
Desta forma, é precisamente ante a inobservância e violação das normas asseguradas
aos presos no ordenamento jurídico, que se exige a atuação do Poder Judiciário,
particularmente a do juiz, através do real e imediato cumprimento da lei.
Nessa ótica, como foi abordado anteriormente, a vinculação do juiz à lei é
compulsória. Assim, importa relembrar a brilhante lição de J. A. Almeida Paiva,133que é
132
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 47.
PAIVA, J. A. Almeida. A função do juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!... Jus Vigilantibus,
Vitória, 5 set. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/17098>. Acesso em: 18 de jul.
2007.
133
69
peremptório ao afirmar que a vinculação do juiz a lei é imprescindível para a prevalência da
segurança jurídica. Alega ainda que a segurança jurídica estaria comprometida se cada juiz na
sua decisão procurasse imprimir a sua vontade pessoal, afastando-se da aplicação das normas
vigentes. Prossegue ainda afirmando que o juiz não é legislador, e que ante a um caso
concreto, não pode deixar de aplicar uma lei já existente, para equacioná-lo de maneira que
lhe aprouver, sob pena de insegurança jurídica e descrença da população.
Em última análise, ressalta-se que os objetivos do presente trabalho foram alcançados
e que mais do que um ato heróico e corajoso, a decisão do MM Juiz Livingsthon José
Machado, foi pautada em leis e argumentos constitucionalmente válidos. Assim, conclui-se,
considerando a vinculação compulsória do juiz à lei, que a decisão tomada foi acertada e
assente nas leis em pleno vigor. Que sirva de exemplo que não se pode acomodar-se, muito
pelo contrário, deve-se repudiar veementemente todas e quaisquer atrocidades cometidas que
violem os direitos humanos constitucionalmente assegurados aos presos.
70
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72
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Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
73
ANEXO - DECISÃO DO JUIZ LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO
Vara de Execuções Criminais e Corregedoria de presídios de Contagem/MG
Procedimento administrativo
Correcional n° 726/05
Visto, etc...
O Ministério Público de Minas Gerais, através de seu órgão de execução com atuação
perante este juízo ajuizou representação pugnando pela interdição da carceragem do 1°
Distrito Policial da Comarca de Contagem, apontando várias irregularidades no cumprimento
de penas e prisões de caráter provisório como se vê às fls. 04/07 dos autos.
Através da Portaria n° 02/2005, foi instaurado então o procedimento administrativo
para apuração completa dos fatos e adoção das medidas cabíveis, sendo determinadas a
inspeção sanitária da unidade prisional apontada para verificação das condições de
salubridade, ale, de se proibir também o recolhimento de qualquer outro preso naquela
unidade até que seja decida a questão posta em juízo.
Às fls. 08/09 veio a relação dos presos custodiados nas “celas” do 1° distrito policial
da comarca, num total de 63 internos, das quais 34 já estavam condenados.
Às fls. 10/16 vieram cópias do laudo pericial de vistoria e foram apresentados os
quesitos a serem respondidos pela inspeção sanitária pelo Ministério Público e Defensoria
Pública do Estado de Minas Gerais (fls. 21/22 e 23 respectivamente).
Às fls. 28/312 veio o relatório de inspeção sanitária realizado seguido de
manifestações finais do Ministério Público e Defensoria Pública.
É o breve relato que faço do procedimento.
Decido.
Dispõe a Lei 7.210/82, Lei de Execuções penais em seu artigo 66 que compete ao Juiz
da Execução, dentre outras atribuições, zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida
de segurança; tomar providências para o adequado funcionamento dos estabelecimentos
penais e interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em
74
condições inadequadas o com infringência aos dispositivos desta lei.
A mesma Lei de Execução Penal 7.210/84, ao classificar e caracterizar os
estabelecimentos penais, afirma que se destinam ao condenado, ao submetido à medida de
segurança e ao preso provisório (art. 82 da LEP) mas deverá ter lotação compatível com a sua
estrutura e finalidade.
A carceragem de distritos policiais é equiparada à cadeia pública, cuja finalidade está
inserida no disposto no art. 102 do mesmo diploma legal, a saber: A cadeia pública destina-se
ao recolhimento de presos provisórios. Já a Lei de Execução Penal do Estado de Minas Gerais
( Lei 11.404/94) permite a colocação de presos condenados no mesmo estabelecimento penal
(cadeia pública) contrariando frontalmente o que está previsto na Lei Federal.
Art. 71 – Os estabelecimentos penitenciários destinam-se ao cumprimento do disposto nos
incisos XLVI “a”, XLVIII, XLIX e L do art. 5° da constituiç ão Federal e compreendem:
I – presídio e cadeia pública, destinados à custódia dos presos à disposição do Juiz
processante.
Art. 80 – O presídio e a cadeia pública, estabelecimentos do regime fechado, destinam-se à
custódia do preso provisório e à execução da pena privativa de liberdade para o preso
residente e domiciliado na comarca.
Observa-se entre a Lei de Execução penal (Lei 7210/84) e a legislação estadual (Lei
11.104/994) um conflito de normas que só pode ser solucionado com a análise da
competência legislativa inserida na Constituição Federal no artigo 24, pois quando tratar de
competência legislativa concorrente, a legislação local tem o caráter suplementar, não
podendo assim contrariar o texto da norma federal que tem competência para legislar sobre
normas gerais.
Em razão disto, tenho como inaplicável o disposto no art. 80 da Lei de Execução Penal
Estadual, por clara inconstitucionalidade, como demonstrado.
Por sua vez, a LEP, ainda em seu artigo 104, disciplinando a cadeia pública, estabelece
que as exigências mínimas do art. 88 e seu parágrafo único devem ser observadas também
para o preso provisório, já o citado artigo 88, parágrafo único, b exige área mínima de 06 m²
para cada cela individual.
Já a constituição Federal, traz como fundamento do próprio Estado Brasileiro, a
dignidade da pessoa humana, estabelecendo alguns direitos e garantias fundamentais como
eixo de orientação de todo o ordenamento jurídico, inclusive e principalmente o relacionado
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ao cerceamento da liberdade da pessoa humana, dentre eles a proibição de se submeter
alguém à tortura ou a tratamento desumano ou degradante.
Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito
á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e apropriedade, nos termos seguintes:
I - ...
II - ...
III – ninguém será submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatórias dos direitos e liberdades fundamentais
LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.
A situação dos presídios do Estado de Minas Gerais, apesar das intensas propagandas que
vêm sendo veiculadas pelos meios de comunicação (jornais, rádios, televisão) é muito mais
dramática que a de alguns anos passados.
Fortunas são despendida com estas propagandas ou com a construção inadequada de
presídios que em muito pouco contribuem para as finalidade da execução penal, quais sejam
efetivar as disposições da sentença criminal condenatória e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado ou do internado (artigo 1° da Lei 7.210/84).
Ao assumir as funções de Juiz titular da Vara de Execuções Criminais E corregedoria
de presídios de Contagem, nos termos do disposto na lei complementar 59/2001, obtive a
informação que o único presídio regional aqui instalado é a Penitenciária Nelson Hungria,
com 12 pavilhões e capacidade de se abrigar 90 sentenciados em cada pavilhão, mas que
apesar disto o pavilhão 01 está destinado ao recolhimento de presos provisórios 9sem
sentença condenatória transitada em julgado), abrigando 02 presos por cela.
Também é fato público e notório, portanto que independe de prova, que existem
também 06 unidades policiais com carceragem na comarca, um dos quais o 1° Distrito
Policial com capacidade para abrigar, segundo o laudo pericial juntado às fls. 10/13, apenas
07 presos, mas que , a despeito disso, possui 63 presos conforme se verifica da grade juntadas
às fls. 08/09.
Várias medidas administrativas anteriores foram adotadas, como por exemplo, ofícios
remetidos ao Presidente do Tribunal de Justiça solicitando sua intervenção junto ao Secretário
de Estado de Defesa Social e ao Governador do Estado; ofício ao Corregedor Geral de justiça
informando da situação e solicitando também que S. Exa. Intercedesse junto aos órgãos
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competentes para a adoção das medidas cabíveis; ofícios aos Srs. Delegados de polícia e ao
Comando da Polícia Militar; ofícios ao Sr. Secretário de Defesa Social e Sub Secretário de
Movimentação Penitenciária; contudo, nenhuma providência ou sinalização de que medidas
estão sendo adotadas para a solução dos problemas foram apresentadas.
De igual modo já foram requisitadas vagas em estabelecimentos penais adequados ao
cumprimento de pena dos sentenciados que ali estão recolhidos, sendo que a resposta da
administração pública estadual vem sempre no mesmo sentido, qual seja a falta de vagas para
matrícula dos condenados
Também já foi determinada anteriormente por este juízo a transferência dos presos
depositados nas carceragens do 1° DP de Contagem, sem que a medida tenha sido
efetivamente cumprida.
Basta uma análise superficial da relação de presos juntada às fls. 08, para se constatar
que muitos dos sentenciados ali estão recolhidos há mais de 04 anos e nenhum deles ali se
encontra por tempo inferior a 90 dias após a sentença condenatória, situação que demonstra o
descaso dos órgãos encarregados da administração penitenciária.
Apesar disto, a imprensa tem divulgado diuturnamente propagandas do governo
estadual, no meu modo de entender, enganosas, dando conta que novos estabelecimentos
prisionais estão sendo construídos e que o problema da segurança pública está sob controle,
que não corresponde à realidade, pois segundo informações que nos tem chegado, Contagem
é, nos dias de hoje, a cidade mais violenta do Estado de Minas Gerais em relação ao número
de habitantes. No entanto, não tem recebido a atenção necessária do Governo Estadual, talvez
em razão da divergência política com a atual administração local.
Ao contrário de se adotar medidas para equacionar as questões a Secretaria de Defesa
Social só tem colocado dificuldade e empecilhos às soluções apresentadas. Exemplo disto é o
fato de que já foi disponibilizado pelo Poder Público Municipal imóvel onde deverá funcionar
a nova unidade policial e até a data de hoje não cuidou a autoridade policial responsável de
proceder a mudança daquela unidade.
O local onde os presos estão recolhidos afronta os direitos individuais e fundamentais
da pessoa humana, aniquilando visivelmente sua condição de dignidade, tornando o
cumprimento da pena aplicada cruel e manifestadamente ilegal, abusiva.
Não se concebe, por outro lado, que dos 63 presos recolhidos na carceragem do 1° Distrito
Policial de Contagem 34 sejam já condenados e ali permaneçam enquanto cerca de 253 outros
presos provisórios ocupam o pavilhão 01 da penitenciária Nelson Hungria.
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A manutenção dos presos condenados nas carceragens de distritos policiais ou cadeias
públicas caracteriza flagrante ilegalidade, afrontando não só os dispositivos da Lei de
Execução, como os princípios orientadores de todo o direito penal e várias garantias e direitos
constitucionais, como aqueles identificados linhas acima.
Assim, devidamente comprovada a situação irregular da carceragem do 1° Distrito
Policial de Contagem, bem como o risco real para a saúde dos presos ali recolhidos e a inércia
da administração pública para a solução dos problemas apontados, julgo PROCEDENTE a
representação ofertada pelo Ministério Público e com fundamento no disposto nos artigos 66,
VI, VII e VII da lei de Execução penal e artigo 61, VIII da Lei Complementar 59/01,
INTERDITO toda a carceragem daquela unidade policial.
Para que a medida seja eficaz e em razão da urgência necessária, com fundamento no
disposto no art. 5° LXV da Constituição Federal, por considerar ILEGAL e ABUSIVA a
prisão das pessoas que ali se encontram recolhidas, determino que se expeça alvará de soltura
a todos os presos condenados que ali estão cumprindo pena, que deverão ser cumpridos
independente de qualquer consulta ao SETARIN.
Determino também que se oficie aos juízes criminais da comarca, informando da
interdição daquela unidade carcerária para que possam adotar as medidas necessárias ao fiel
cumprimento da presente decisão.
Determino, de igual modo, que se oficie à Prefeitura Municipal de Contagem, para que
não permita que em qualquer outro novo imóvel destinado à instalação do 1° distrito Policial,
sejam construídas celas pra recolhimentos de presos.
Em razão da presente decisão, suspendo a execução das penas dos condenados
recolhidos no 1° Distrito Policial de Contagem, até que sejam disponibilizadas vagas em
estabelecimento penal adequado ao cumprimento das respectivas condenações, certificando a
sra. Escrivã sobre o ocorrido em cada processo de execução em curso relacionado com a
presente.
Remetam-se cópias da presente decisão ao Governador do Estado de Minas Gerais, ao
seu Secretário de Defesa Social, à Corregedoria Geral de Justiça e à Presidência do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de
Minas Gerais, à Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Publique-se;
Registre-se;
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Cumpra-se.
Contagem, 08 de novembro de 2005.
Livingsthon José Machado
Juiz de Direito
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