O olhar do jornalismo sobre a Economia Verde

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O olhar do jornalismo sobre a
Economia Verde:
estudo a partir da cobertura da Rio+20
pelos portais G1, UOL e Terra1
Ilza Girardi
Doutora em Ciências da Comunicação pela USP
Professora do Programa de Pós-graduação da UFRGS
E-mail: [email protected]
Cláudia Herte de Moraes
Mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos
Professora do Departamento de Ciências da
Comunicação da UFSM
E-mail: [email protected]
Eloisa Beling Loose
Mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS
E-mail: [email protected]
Gisele Neuls
Resumo: Apresenta a forma como o termo economia verde foi
utilizado na cobertura da Rio+20 nos portais de notícias G1, UOL
e Terra. A analise foi realizada a partir do referencial teórico do
jornalismo ambiental e das correntes da economia que incorporam o meio ambiente. Aponta a confusão conceitual em relação
ao termo, bem como a necessidade do jornalismo romper com a
superficialidade e discutir melhor o conceito.
Palavras-chave: economia verde, Rio+20, jornalismo ambiental.
Mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS
E-mail: [email protected]
Carine Massierer
Periodismo y Economía Verde: la cobertura de portales de noticias
G1, UOL y Tierra acerca de Rio +20
Resumen: Muestra cómo se utiliza el término economía verde en
la cobertura de Rio +20 en los portales G1, UOL y Terra. El análisis se realizó a partir del marco teórico del periodismo del medio
ambiente y la economía que incorpora el medio ambiente. Señala
la confusión conceptual sobre el término y la necesidad de romper
con la superficialidad periodística y discutir mejor el concepto.
Palabras clave: economía verde, Rio +20, periodismo del medio
ambiente.
Journalism and the Green Economy: the Rio +20 through the news
websites G1, UOL and Terra
Abstract: Reflects on how journalism presents the green economy
in the coverage of Rio +20 in the news portal G1, UOL and Terra.
It is based on the theoretical references of environmental journalism and on the economic theories that incorporate the environment. Points out the conceptual confusion regarding the term, as
well as the need for journalism to break with the superficiality and
discuss further the concept.
Keywords: green economy, Rio +20, environmental journalism.
Mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS
E-mail: [email protected]
Ângela Camana
Graduada em Comunicação Social pela UFRGS
E-mail: [email protected]
Laura Gertz
Graduada em Comunicação Social pela UFRGS
E-mail: [email protected]
A primeira versão deste texto foi apresentada em uma mesa
sobre a Rio+20 no 10º Encontro Nacional de Pesquisadores em
Jornalismo, que ocorreu em novembro de 2012 na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, em Curitiba.
1
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Introdução
A economia verde esteve no centro dos
debates ocorridos durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que aconteceu em junho
de 2012, no Rio de Janeiro. Vista como uma
solução para os graves problemas socioambientais que assolam o planeta, a economia
verde (EV) não desperta a simpatia de todos.
A economia verde é
mais uma forma
pela qual a teoria
neoclássica se
reinventa diante
do quadro de crise
socioambiental
Seus críticos a consideram mais uma maquiagem do que uma medida efetiva para o
alcance da sustentabilidade, já que o modelo
capitalista alimenta-se da exploração do homem e da natureza. Um debate sério como
este, que pretendeu traçar rumos a serem
seguidos por todos os países, deveria contar
com a participação da sociedade, que, em
sua maior parte, recebe informações sobre o
tema através da imprensa.
Em razão do importante papel da imprensa em levar ao público informações que sejam
relevantes para a sua tomada de decisão este artigo analisa a cobertura online sobre a Rio+20
para verificar se a economia verde foi problematizada de modo a esclarecer seus públicos.
Foi examinado o material publicado de 10 de
abril até 22 de junho,2 em espaços específicos
criados pelos portais de notícias G1, UOL e
Terra, a fim de observar de que forma o leitor
2
O portal G1 foi o último dos três a criar uma editoria específica sobre Rio+20, lançada no dia 10 de abril. O período foi escolhido a partir desta data para que se acompanhasse a cobertura
dos três portais de forma equivalente. O evento ocorreu de 13
a 22 de junho.
foi informado sobre o que é economia verde.
Para tanto, fez-se uma análise integrada de
elementos quantitativos e qualitativos sempre
tendo em vista a compreensão e a discussão da
citada expressão construída pelos portais.
Os referidos sites foram escolhidos em
função de sua audiência. O ranking mensal
feito pelo Ibope Nielsen, referente ao mês de
março de 2012, mostra que o UOL é o portal
de notícias mais acessado pelos brasileiros,
contabilizando 34.324 milhões de visitantes
únicos em março, seguido pelo Globo.com
(que hospeda o G1), que fechou o período
com 29.619 milhões de visitantes, e o Terra,
que teve um total de 29.508 milhões de visitantes no período.
Economia verde ou ecológica?
A Rio+20 anunciou como objetivo a renovação do compromisso político com o
desenvolvimento sustentável, por meio da
avaliação do progresso e das lacunas na implementação de decisões adotadas pelas cúpulas anteriores e do tratamento de temas
emergentes. Seus dois temas oficiais foram a
reforma da governança do desenvolvimento
sustentável e a economia verde no contexto
do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza (Brasil, 2012). Embora
o termo “economia verde” frequente documentos oficiais, estudos e relatórios há algum
tempo, ele tornou-se popular na imprensa –
e, assim, no âmbito social –, a partir de sua
inserção como tema de discussão da Rio+20.
O conceito está inscrito em um campo de
disputa entre diferentes correntes de pensamento, especialmente a da ecologia profunda e do capitalismo. Essa disputa ficou visível
quando a Cúpula dos Povos posicionou-se
contra a economia verde, vista como uma
nova forma de neocolonialismo capitalista.
Na perspectiva capitalista dominante, desenvolvimento se confunde com crescimento
econômico, sendo equivalente à riqueza. Esta
abordagem responde aos limites ecológicos
classificando-os como problemas ambientais
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solúveis com o uso da tecnologia apropriada, e se atualiza na forma do desenvolvimento sustentável (Veiga, 2008). A ideia de
economia verde, alinhada a esta perspectiva,
surge no final da década de 1960, quando a
degradação ambiental entra na agenda pública. Nesta época, surge a corrente chamada de economia ambiental que compreende
a poluição como externalidade negativa no
processo econômico e foca na alocação ótima dos fatores de produção e na precificação
dos seus danos. A economia ambiental é uma
vertente da economia neoclássica,3 ainda hegemônica, que busca compensar os efeitos
negativos derivados dos rejeitos da produção
por meio do preço. A economia ambiental
internalizou as externalidades negativas, que
eram ignoradas pela teoria neoclássica.
Outra vertente direta da corrente neoclássica é a economia dos recursos naturais,
que analisa os recursos como fonte de matérias-primas que darão origem aos bens e
serviços econômicos. Foca-se nos aspectos
ligados à extração e exaustão de recursos naturais ao longo do tempo, visando o seu uso
ótimo. Preocupa-se como a eficiência da utilização dos recursos naturais, considerando
apenas a lógica de mercado. Segundo Daly
(1991), esta corrente tende a apoiar a visão
na qual os recursos naturais não são um fator de restrição ao crescimento econômico.
Esta afirmativa assegura que não existe uma
mudança, de fato, na maneira de se pensar a
relação meio ambiente-economia.
Em oposição a essa perspectiva, está o
pensamento anticapitalista, oriundo da
abordagem marxista, que classifica a ideia de
desenvolvimento como uma forma de dominação e aponta que, com os recursos naturais
existentes neste planeta, não é possível que
todos os países se tornem desenvolvidos com
3
A interpretação neoclássica desconsidera a existência da problemática ambiental ou tende a minimizar suas consequências.
Para esta perspectiva econômica, o meio ambiente se restringe
a uma fonte inesgotável de recursos naturais necessários para a
produção de mercadorias, assim como depósito de resíduos, e
as relações econômicas estão baseadas na satisfação gerada nos
indivíduos por determinadas coisas.
o mesmo padrão capitalista (Porto-Gonçalves, 2006). Para esta corrente, só haverá sustentabilidade fora do capitalismo.
A economia ecológica, espécie de terceira
via ou caminho do meio entre a concepção
neoclássica e a anticapitalista, aparece a partir do fim dos anos 1980, combinando conceitos provenientes das ciências naturais e
das ciências sociais. Passa também a considerar outras variáveis, como a valorização dos
saberes tradicionais, a defesa do valor intrínseco da natureza, a integração do capital social às dinâmicas demográficas e percebe que
o crescimento econômico pode não significar qualidade de desenvolvimento. Diferente
das vertentes ditas ambientais da economia
neoclássica, a ecológica enxerga as falhas da
economia hegemônica e reconhece a existência de restrições biofísicas para o crescimento econômico. Porém, sua sugestão para
superação do colapso socioambiental está
muito atrelada a aspectos técnico-científicos
e a mecanismos já utilizados pelas demais
vertentes derivadas da teoria neoclássica.
Conforme Andrade (2008) a principal
diferença entre a economia ambiental e a
ecológica está na hipótese ambiental adotada, pois para a neoclássica – a da economia
ambiental e verde – o meio ambiente é neutro e passivo, enquanto seu instrumental está
voltado para a mensuração dos impactos
negativos causados pelo sistema econômico.
Já a economia ecológica rejeita esta visão e
considera que ela leva a uma análise parcial e
reducionista das interfaces entre economia e
meio ambiente. Assim, a economia ecológica faz uma crítica ao crescimento ilimitado,
embora se perceba que, na prática, ela não
avance muito em relação às demais.
Esta revisão das correntes de pensamento econômico revela que a economia verde é
mais uma forma pela qual a teoria neoclássica se reinventa diante do quadro de crise
socioambiental. É uma outra tentativa, baseada em fundamentos da economia ambiental, para se manter o fluxo de bens e serviços
em crescimento, compensando financeira-
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mente os danos atrelados a essa lógica. Há
nesta corrente uma crença muito grande que
a tecnologia e a inovação poderão resolver os
problemas do futuro – algo, no entanto, que
se confronta com o princípio da precaução.
Como não busca diminuir o crescimento,
pois crê que a ciência resolverá o problema
das limitações físicas dos recursos naturais e
dos problemas gerados pela poluição, é mais
uma maneira de reforçar a ideia de crescimento econômico.
O olhar do jornalismo ambiental
Entende-se o jornalismo ambiental como
o trabalho de apuração de fatos e produção
de notícias que, sendo voltado ao tema ambiental, é convocado a direcionar um olhar
diferenciado sobre a realidade a ser relatada.
Busca a inclusão da perspectiva holística e
sua conexão inequívoca com o todo, produzindo notícias mais contextualizadas e menos fragmentadas. Desta forma, o jornalismo ambiental parte de uma nova concepção
teórica-prática centrada no agir e no pensar
o jornalismo, a partir da ótica da sustentabilidade do planeta, buscando a ampliação
do número de fontes da área a serem consultadas, o aprofundamento do conteúdo e a
abordagem qualificada das notícias de meio
ambiente. Desta forma, assume-se a perspectiva descrita por Girardi et al (2010), na qual
este jornalismo é concebido de forma mais
ampla, crítica e plural, incorporando a visão
sistêmica e o pensamento complexo.
Considerando-se que a sociedade contemporânea é baseada no pensamento cartesiano,
para repensar em termos de relações, padrões
e contextos faz-se necessário romper com as
barreiras impostas por este modelo, em que
a natureza é tomada como algo inesgotável e
não em interação com o homem. Por isto, Trigueiro (2003:77) afirma que é necessário que
os jornalistas promovam a discussão ambiental por meio do resgate do “sentido holístico e
do caráter multidisciplinar que permeia todas
as áreas do conhecimento”.
A partir da ideia deste jornalismo mais
integrador, observou-se na cobertura online
da Rio+20 qual foi a compreensão sobre o
que é economia verde utilizada nas notícias
e explicitadas ao público. Apesar da brevidade presente em todas as fases de constituição
de uma notícia, considerada como um fator
limitante para empregar às matérias de meio
ambiente maior complexidade, e da rapidez com que se move a circulação das notícias no jornalismo online, entende-se que
por ser uma conferência de meio ambiente
alguns princípios do jornalismo ambiental
deveriam se fazer presentes para que temas
complexos – como é o caso do conceito em
análise – pudessem ser esclarecidos.
A qualificação da informação não é – e
nem deveria ser – uma preocupação exclusiva das temáticas ambientais, mas justamente por estas serem bastante complexas
e envolverem campos de conhecimento
distintos, torna-se necessário dar ênfase à
conexão dos fatos e à pluralidade de perspectivas para que os cidadãos possam realmente apreender os significados engendrados nos discursos ambientais. De acordo
com Baccheta (2000:19), o jornalismo ambiental “procura desenvolver a capacidade
das pessoas para participar e decidir sobre
a sua forma de vida na Terra, para assumir
em definitivo sua cidadania planetária”,
logo necessita dar visibilidade às redes de
interesses que envolvem os fatos.
Neste trabalho descritivo-analítico, que
envolveu uma pesquisa quantitativa, seguida de uma observação qualitativa, rastreou-se como os três grandes portais de notícia
brasileiros construíram o entendimento sobre economia verde no período anterior e
durante a Rio+20. Parte-se da compreensão
de que tal cobertura jornalística, pela complexidade dos assuntos abordados, deveria
preocupar-se com a problematização das
questões – ainda que de forma não recorrente, já que não são veículos especializados.
Também certo aprofundamento com os temas centrais, no contexto da cobertura da
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Rio+20, deveriam estar presentes visto que
se criaram subeditorias especiais para tratar
do assunto.
A economia verde nos portais de internet
No período de observação – de 10 de
abril até 22 de junho – foram publicadas
1.886 matérias nas subeditorias dedicadas à
Rio+20, sendo 522 no UOL, 651 no G1 e 713
no Terra. Para a análise, foi utilizado como
critério de seleção todas as matérias que
apresentassem economia verde no título, o
que resultou em um total de 50 matérias: 14
do UOL, 18 do G1 e 18 do Terra.
De modo geral, as matérias analisadas não
promovem discussão sobre o tema, tampouco
problematizam o conceito. A economia verde, na maioria das vezes, é incluída nos textos como um conceito que está claro ao leitor.
O termo é utilizado nas matérias associado a
ações ou atividades (empregos verdes, financiamento, tecnologias limpas) e como a solução para a crise socioambiental. Também é
recorrente a sua sinonímia com termos como
crescimento verde, ecologização da economia
e desenvolvimento sustentável.
A análise também mostrou que a maioria das fontes acionadas pelos jornalistas é
oficial (especialmente aquelas vinculadas a
Governos), cuja atuação no evento foi marcada pela defesa dos interesses político-econômicos dos países, revelando uma prática
empobrecida do jornalismo. Os portais de
notícias também fizeram uso considerável de
material assinado por agências de notícias, o
que é bastante comum em sites de internet
que precisam manter atualizações constantes
de conteúdo. O G1 publicou quatro notícias
da France Press sobre o tema, o que equivale a 22% do total de conteúdo que levava a
expressão no título. O UOL publicou cinco
notícias da Agência Brasil e uma da Folha, o
que corresponde a 42% do corpus deste artigo. E o Terra utilizou quatro matérias da
Agência EFE, cinco da Agência Brasil, uma da
EcoDesenvolvimento e elaborou outra assina-
da “Terra com agências”, o que significa que
o conteúdo publicado continha informações
via agências de notícias, totalizando 11 matérias, que representa 61% das notícias aqui
analisadas.
O jornalismo ambiental
busca a inclusão
da perspectiva holística
e sua conexão
inequívoca com o todo,
produzindo notícias
mais contextualizadas
UOL
O UOL possui a editoria Rio+20 desde
1º de novembro de 2011. Neste portal foram
encontradas 522 notícias sobre a Conferência
no período de análise. Destas, 56 continham
o termo economia verde apenas no texto;
36 no texto e em quadro ou infográfico; 155
apenas em quadro ou infográfico e 14 notícias apresentavam o termo no título. Metade
das matérias foi produzida por jornalistas do
UOL e as demais de outras agências, especialmente a Agência Brasil, mostrando também o baixo esforço de reportagem dedicado
à Conferência.
O portal utilizou um quadro e­ xplicativo4
padrão sobre a Rio+20 contendo seis verbetes: O que é Rio+20, Sustentabilidade, Economia Verde, Fora PIB, Sem protocolos e ODS
(Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Cada verbete contém uma explicação resumida sobre o tema e sua importância na Conferência. O quadro, repetido na maioria das notícias, apresenta uma definição básica sobre o
que é economia verde: “é a que se opõe à eco4
Sua repetição em quase todas as notícias de alguma forma
relacionada à Conferência explica a existência de 155 notícias
que não citam “economia verde” em nenhum momento no
restante do texto. Muitas delas não têm relação alguma com a
discussão econômica.
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nomia marrom (a atual), ou seja, seria uma
economia mais preocupada com a preservação do ambiente e sem o intenso uso de combustíveis fósseis como carvão e petróleo que
são altamente poluentes”. Além disso, informa
ao leitor que economia verde é um dos temas
centrais da Rio+20; que há pouco consenso
entre os países sobre sua definição; e que as
principais críticas são feitas por ONGs, acadêmicos e cientistas, relacionando economia
verde à produção e ao consumo capitalista.
A crítica anticapitalista
à economia verde
aparece em quatro
matérias do G1,
citando-se
apenas fontes
contrárias ao conceito
Fora deste quadro, a explicitação de uma
definição sobre o que é EV aparece majoritariamente na voz das fontes. Em metade das
notícias (sete) apenas uma fonte foi citada,
e, em todos esses casos, a fonte era governamental (diplomata, embaixador, chefe de estado, representante do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma – ou
da Organização das Nações Unidas – ONU).
Em apenas uma notícia aparece uma definição dada pelo veículo/jornalista, situando a
EV em oposição à economia tradicional ou
marrom: “Grosso modo, a primeira [marrom] é o sistema produtivo atual, poluente
e baseado em combustíveis fósseis; a outra [verde] preconiza uma baixa emissão de
carbono e um uso mais eficiente dos recursos naturais” (Transição da economia “marrom” para “verde” está longe de ser consenso,
07/06/12).
Das 14 notícias analisadas, apenas três
mostram claramente a crítica ao conceito de
economia verde conectado com o capitalismo. A primeira Transição da economia “mar-
rom” para “verde” está longe de ser consenso
(07/06/12) mobiliza três fontes para mostrar
as divergências de entendimento sobre o conceito: o chefe do Departamento de Economia
e Comércio do Pnuma, Steven Stone, o embaixador brasileiro Luiz Alberto Figueiredo,
defendendo o entendimento oficial sobre o
termo, e um dos líderes da Cúpula dos Povos,
Pedro Ivo, embora a crítica não esteja posta
em uma declaração desta fonte, mas resumida
da seguinte forma: “As ONGs alegam que o
conceito proposto nada mais é que uma tentativa de ‘pintar de verde’ o neoliberalismo”.
No dia 16 de junho, o veículo publicou Não
há economia verde que resista ao estímulo ao
consumo de hoje em dia, diz Fábio Feldmann.
Nesta, os problemas da EV são apresentados
através da fala do ecologista e ex-secretário do
Ambiente do Estado de São Paulo, que critica
o estímulo ao consumo para superar a crise
econômica. “‘No Brasil, a medida contra a crise foi o corte nos impostos dos automóveis,
estimulando as compras. Até 2030, segundo
pesquisas, teremos três bilhões de pessoas na
nova classe média. Assim, não há economia
verde que resista’, ressalta”. A matéria ainda
traz outras duas fontes civis de outros países,
que dão voz às críticas de dimensão ética.
A terceira, publicada no dia 21 de julho,
já durante a Conferência, repercute o pronunciamento do presidente boliviano Evo
Morales: Evo critica capitalismo na Rio+20:
Economia verde privatiza a riqueza e socializa
a pobreza. Morales reitera que o sistema capitalista é o principal causador da crise ambiental que o planeta enfrenta, ataca o conceito de
economia verde que, segundo ele, “privatiza a
riqueza e socializa a pobreza” e é “o novo colonialismo a submeter os povos”. Para ele, os
países do Sul “carregam sobre seus ombros a
responsabilidade de proteger os recursos naturais que a economia do norte destruiu”. Ele
também menciona a economia verde como
“uma nova cor para subjugarmos nossos povos sob o sistema do capitalismo”. O discurso
de Morales repercutiu igualmente nos dois
outros portais observados.
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G1
Neste portal foram encontradas 651 notícias sobre a Rio+20, sendo 91 delas com a
ocorrência do termo economia verde. Destas
91, 71 tinham o termo apenas no corpo do
texto e 18 traziam o termo no título, duas
das quais traziam o termo apenas título e nenhuma vez no restante do texto. Sete matérias do corpus selecionado para análise citam
apenas uma fonte e, mesmo quando há mais
fontes, não há contraponto ou discussão, todas as declarações convergem para o mesmo
ponto de vista.
A definição sobre o que é economia verde feita pelo próprio veículo aparece apenas no glossário com os principais termos
que seriam usados durante as negociações,
publicado no dia 16/05/12 e incorporado
em outras notícias. Nele, economia verde é
apontada como “conceito cuja definição está
em debate na Rio+20” e que “gira em torno
de oportunidades de negócios que levem em
conta os conceitos do desenvolvimento sustentável”, destacando a relação do lucro com
a apropriação da natureza.
A crítica anticapitalista ao conceito de
economia verde aparece em quatro matérias,
todas elas citando apenas fontes contrárias ao
conceito. Na primeira, Rio+20 definirá economia verde para “ajudar capitalismo”, dizem
ONGs (09/05/12), a discussão sobre o que é
economia verde é posta como algo que ocorre “em benefício das grandes corporações
e tem o objetivo de ‘salvar o capitalismo’”,
evidenciando o ponto de vista das ONGs.
Segundo a matéria, ainda não há uma definição certa do que seja economia verde, mas
o coordenador da Cúpula dos Povos afirma
que “o termo se ideologizou, virou rótulo de
que é para salvar o capitalismo. Temos que
discutir [...] e deixar de atender os interesses
das grandes corporações”.
A segunda, Representantes da Cúpula
dos Povos criticam “economia verde” no Rio
(13/05/12), fala sobre os protestos programados durante a Cúpula, explica que os debates da sociedade irão “girar em torno da
rejeição à mercantilização da natureza e ao
que chamam de ‘economia verde’” e expressa a crítica na voz da ativista mexicana Silvia
Ribeiro: “O que eles chamam de ‘economia
verde’, na verdade, continua calcado na exploração da natureza, é um novo nome para
o capitalismo”.
Durante a Conferência, no dia do pronunciamento do presidente boliviano Evo
Morales, a crítica anticapitalista apareceu em
duas matérias no dia 21 de junho: A “economia verde” é o novo colonialismo dos países
ricos, denuncia Morales, com as declarações
do presidente boliviano e Denúncias contra
“economia verde” dominam 2º dia da Rio+20,
que, além de Morales, cita que os discursos
de Rafael Correa (Equador) e Juan Manuel
Santos (Colômbia) criticaram a economia
verde, além mobilizar fontes do Greenpeace
e WWF discutindo o tema. O curioso desta
matéria é que a crítica é verbalizada na voz
de uma fonte coletiva, “centenas de indígenas de todo o mundo”, dizendo que “A economia verde é nada menos que o capitalismo
da natureza (...) uma economia baseada na
destruição do meio ambiente” e “a continuação do colonialismo ao qual os povos indígenas e nossa Mãe Terra resistiram durante
520 anos”.
Nas demais matérias permanece a ideia
ligada ao crescimento, como “a economia
verde é um instrumento para se chegar ao desenvolvimento” (“Economia verde” divide negociações na Rio+20, diz embaixador); solução
para os problemas sociais ao “incluir milhões
de pessoas, ajudando-as a superar a pobreza e
proporcionando melhores condições de vida
para esta e futuras gerações” (“Economia verde” pode gerar até 60 milhões de novos empregos, diz OIT, 31/05/12) – o mesmo argumento
usado para alavancar a ideia de desenvolvimento sustentável há 20 anos.
É válido mencionar que o G1 utilizou aspas na expressão economia em grande parte
das notícias – diferentemente do Terra que
utilizou somente três vezes e do UOL que não
fez uso do recurso. No G1, das 64 vezes que o
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termo aparece, seja nos títulos ou nos textos,
23 vezes EV está entre aspas, sendo que a expressão é posta assim na metade dos títulos
analisados (nove). Para além de uma quebra
da padronização das notícias, é importante
observar que este recurso, mais que colocar
em evidência o citado termo, é bastante utilizado para grifar expressões irônicas ou que
tenham sentido figurado. Desta maneira, o
G1, de maneira sutil, transmitiu em muitas
matérias a existência de um não consenso, de
dúvida ou de desconforto com este conceito.
Terra
O portal Terra publicou, no período observado, 713 matérias, sendo que destas 468
citaram, ao menos uma vez, a expressão economia verde. Deste número, selecionaram-se
para uma análise aquelas em que o termo era
destacado no título, reduzindo o universo a
18 matérias. Em primeiro lugar, sublinha-se
que as negociações em torno do documento resultante da Conferência tiveram considerável espaço na cobertura do Terra, com
destaque à dificuldade em encontrar consenso quanto às metas de desenvolvimento sustentável e à criação de um organismo
multilateral. Em geral, as matérias mostram
a economia verde como um novo ramo a ser
explorado pelo mercado e uma oportunidade de crescimento econômico, com benefícios políticos e simbólicos.
Com relação às fontes por matéria, o corpus deste portal foi o menos variado: 12 das
18 matérias analisadas foram produzidas
com uma única fonte e, destas, nove eram
fontes ligadas a governos ou à ONU. Quatro
notícias de agências foram igualmente publicadas pelo portal UOL, apenas com leves
edições de título.
Diferentemente dos outros portais, o Terra não fez um exercício de definição sobre o
que é economia verde para os leitores e todas
as referências aparecem nas vozes das fontes.
Dentro das 18 matérias selecionadas para
análise, a partir do dia 14 de junho aparece
um conteúdo fixo no final de todas as matérias, uma retranca com o título Rio+20 e
contendo três parágrafos que explicam ao
leitor o que é o evento, seus objetivos e procedimentos. Nesta retranca, a única referência à economia verde limita-se a dizer que
esta é o foco principal da Conferência.
As críticas à economia verde apareceram
através do pronunciamento de alguns líderes, como o ministro de Finanças da África
do Sul, Pravin Gordhan, e de Evo Morales.
Nas matérias Economia verde traz riscos para
países pobres, diz África do Sul (21/06/12) e
Economia verde é mais uma forma de colonialismo (21/06/12) argumenta-se que o modelo econômico é arriscado para os países
menos desenvolvidos, uma vez que não modifica o sistema de desigualdade capitalista,
e o presidente boliviano apontou o modelo
como privatização da natureza e criticou que
as “nações pobres” tenham que suportar a
proteção à natureza. Existe, portanto, a crítica, mas sempre na posição de contraponto à
ordem dominante.
Em Rio+20: grupo lança campanha Não à
Economia verde (09/05/12), aparece a principal crítica dos movimentos socioambientais,
de que o objetivo é “pintar de verde a mesma
economia que nós conhecemos e que gerou
o impacto ambiental”. Em Cúpula dos Povos
rejeita conceito de economia verde da Rio+20
(13/05/12), a ativista mexicana Silvia Ribeiro
já citada acima, na descrição do conteúdo do
G1, aparece dizendo que a economia verde é
um “disfarce para mais negócios e mais exploração dos ecossistemas” e uma “solução
falsa dizer que vai se resolver tudo com tecnologia, em vez de se ir às causas para baixar
as emissões do efeito estufa, os padrões de
produção e o consumo”. A matéria, assinada
por repórter do veículo, é bastante similar a
Representantes da Cúpula dos Povos criticam
“economia verde” no Rio, já destacada na análise do G1 e igualmente assinada por repórter daquele veículo.5
5
Provavelmente ambos os repórteres estavam cobrindo o
­mesmo evento.
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Também aparecem as declarações de que
a economia verde é “mercantilização da natureza” (Rio: mulheres fazem passeata contra a economia verde no centro, 18/06/12);
“‘mentira’ ou uma ‘máscara’ para criar uma
nova bolha financeira” (ONGs apontam seus
dardos para a economia verde da Rio+20,
20/06/12). Não há, nestas matérias, debate quanto à motivação do posicionamento
das ONGs, somente citam-se as críticas. Este
movimento de listar posições políticas limita
a profundidade da cobertura e não promove
a compreensão dos atritos e debates.
O destaque é para os benefícios da economia verde, sem mencionar impactos sociais
ou problematizar a mercantilização do verde, como na matéria Empresas que apostam
na economia verde têm mais ganhos, diz ONU
(16/06/12): “As empresas que adotam medidas ambientalmente sustentáveis podem
ter significativos ganhos de escala, e, consequentemente, econômicos, com impactos
positivos nos resultados financeiros”. Assim,
a macroeconomia e a visão capitalista estão
presentes na maior parte do corpus selecionado para análise.
Considerações finais
No geral observa-se que o evento político teve maior destaque na cobertura dos
três portais, não permitindo ao leitor uma
compreensão mais aprofundada quanto ao
conteúdo e às ações ligadas à economia verde. O termo aparece nas declarações oficiais
e nas críticas do terceiro setor, mas restringe-se à controvérsia relacionada à posição de
ambientalistas frente ao conceito hegemônico. Ainda que a Rio+20 tenha tido íntima
relação com diversos aspectos ambientais, o
enfoque das matérias analisadas não foi este.
As possíveis interpretações e os usos da EV
não são claramente definidos, bem como os
motivos para a contestação dos ambientalistas. Assim, nota-se que o conceito aparece nos
textos, mas seu conteúdo (o que ele significa)
não é construído nas matérias pelos jornalis-
tas, o que é uma característica que pode ser
notada no jornalismo online, com seu ritmo
de cobertura, no qual as declarações são mais
evidentes que a contextualização dos fatos.
Esta velocidade também pode estar relacionada ao fato de que boa parte dos textos apresenta uma única fonte, geralmente as chamadas
oficias ou representantes de grandes organizações da sociedade civil, em geral dotadas de
Em geral,
as matérias do Terra
mostram a economia
verde como
uma oportunidade
de crescimento
econômico
um bom serviço de assessoria de imprensa.
Há uma grande confusão conceitual tanto na construção das matérias quanto nas
declarações de várias fontes, sendo o termo
economia verde simplesmente substituído
por crescimento verde, ecologização da economia e desenvolvimento sustentável – que
não podem ser usados como sinônimos. A
economia verde aparece majoritariamente
como novo setor econômico, apoiado em
novas tecnologias, com geração de novos negócios, empregos, investimentos. Ela é inserida nos textos sem qualquer reflexão sobre
as discussões que atravessam seu conceito,
mas apenas como oportunidade de negócios.
O tom crítico das ONGs e movimentos sociais – trazendo questionamentos em relação
à qualidade de vida e à autonomia das nações
mais pobres que, normalmente, são pouco
ouvidas em decisões internacionais e podem
ser ainda mais castigadas com a “transição
para a economia verde”, – é pouco expressivo
numericamente.
As matérias veiculadas durante a Rio+20,
apesar de contribuírem para a ampliação da
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divulgação da temática ambiental, não despertam a consciência ambiental do cidadão,
pois as informações são fragmentadas e não
qualificadas. Os veículos ainda não acordaram
para a necessidade da inclusão da complexidade, nem alteraram o seu olhar fragmentado.
Nenhum dos três portais observados demonstrou preocupação em realizar uma cobertura
mais profunda ou que se diferenciasse de outras não centradas na temática ambiental.
Urge abrir espaço para um jornalismo que
combine conceitos provenientes das ciências
naturais e das sociais e ofereça um instrumental analítico mais condizente com critérios de sustentabilidade e com a preservação
da vida. Acredita-se que, se alguns elementos
do jornalismo ambiental fossem absorvidos
na cobertura analisada, a ideia de economia verde poderia ser informada com mais
qualidade e haveria mais argumentos para
discuti-la. A corrida contra o tempo e/ou a
desinformação dos jornalistas não permitiu
o contraponto e as fontes falaram sozinhas.
Logo, os jornalistas tornaram-se porta-vozes
do discurso hegemônico que prioriza a economia calcada na mensuração dos impactos
negativos causados pelo sistema econômico
em detrimento de uma economia que pense
nos limites físicos do planeta, prejudicando o
interesse público.
(artigo recebido jan.2013/ aprovado mai.2013)
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aspectos teóricos e metodológicos nas visões neoclássica e da
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17-21.
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rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20. Acesso em 9/06/2012.
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sustentável. Rio de janeiro: AS-PTA, 1991.
GIRARDI, Ilza; LOOSE, Eloisa; MASSIERER, Carine; SCHWAAB, Reges. “Jornalismo ambiental: caminhos e descaminhos”.
Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. São Luís: UFMA, 2010.
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TRIGUEIRO, André. “Meio ambiente na idade mídia”. In: TRIGUEIRO, André (Org.). Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão nas suas áreas de conhecimento.
Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio
do século XXI. 3ª edição. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
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