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FUNDAMENTOS ÉTICOS
PARA UMA POLÍTICA POPULACIONAL ATIVA
Jacques Ribemboim1
1 INTRODUÇÃO
A questão do crescimento tem se constituído em um problema sério para os países hoje em desenvolvimento. Num mundo
finito em seus recursos naturais, o crescimento populacional e o
crescimento do consumo tornam-se os grandes desafios para os planejadores sociais que almejam o desenvolvimento sustentável e o bemestar das futuras gerações. Como veremos a seguir, um crescimento
populacional rápido, sobretudo nos países menos desenvolvidos e em
desenvolvimento (onde vivem cerca de 80% da população mundial)
pode se tornar no principal obstáculo ao desenvolvimento.
Desde a sua origem, a espécie humana levou entre 3 e 4
milhões de anos para atingir uma população global de 1 bilhão de
habitantes. Isto ocorreu na primeira metade do século passado. Daí
então, em pouco menos de 100 anos a população humana atingiu seu
segundo bilhão. Hoje a população cresce em torno de 1 bilhão por década!
De uma forma geral, observando-se o passado e o presente,
pode-se dizer que o crescimento populacional acelerado além de gerar
sérios problemas de congestionamentos e de poluição, induz processos
migratórios e contribui enormemente para o inchamento das grandes
cidades. Observe-se por exemplo o fato de que a maior parte das
cidades superpopulosas e congestionadas encontra-se em países do
Terceiro Mundo. Atualmente, 10 dentre as 12 maiores cidades encontram-se em países não desenvolvidos. A Cidade do México com quase
26 milhões de habitantes concorre com a Grande Tóquio para o título
da maior região metropolitana do mundo. No caso brasileiro, as
regiões metropolitanas de São Paulo, com cerca de 16 milhões de
habitantes, e do Rio de Janeiro, com 10 milhões, são exemplos deste
1
Curso de Doutorado em Economia da UFPE.
XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
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processo de urbanização rápida e desorganizada que caracterizou o
crescimento brasileiro dos últimos trinta anos.
Embora não haja dúvidas de que o processo de urbanização
induza aquilo que Marshall2 chamaria de “economias externas de
escala”, com conseqüentes ganhos de produtividade, quando se dá de
forma rápida e desorganizada, a urbanização faz surgir algumas sérias
“externalidades negativas” que denigrem o bem-estar social, e acentuam as desigualdades e desagregações tão conhecidas por nós brasileiros.
Com efeito, as sociedades já perceberam que crescimento
e desenvolvimento são conceitos distintos e que o crescimento de
produção e consumo não devem ser vistos como um fim em si mesmos,
mas antes como um instrumento para a obtenção de uma sociedade
harmonizada com a Natureza e, sobretudo, com ela mesma. Muitas
das externalidades negativas do crescimento forçam os indivíduos a
gastarem boa parte da sua renda monetária na aquisição de bens e
serviços necessários exatamente para se defenderem contra estas
externalidades. São as chamadas “defensive expenditures”, e pode-se
citar como exemplos, a contratação de seguranças e vigias noturnos,
a despoluição de cursos d’água, o tratamento de doenças respiratórias
decorrentes da poluição atmosférica etc.
Portanto, sofismas à parte, e deixando de lado a discussão
sobre os verdadeiros vilões da depredação ambiental e da desagregação
social, consumo ou população em excesso, o “modelo dos crescimentos” parece estar completamente superado pelo modelo de desenvolvimento sustentável que incorpora proteção ambiental e justiça social.
Crescer menos para desenvolver mais.
2 A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA
E O PARADIGMA NEOCLÁSSICO
A questão do crescimento populacional vem preocupando
economistas e planejadores sociais a muito tempo. Dentre eles, o
economista e religioso Thomas Malthus permanece sendo como o mais
2
Alfred Marshall, 1842-1924, economista britânico e Prêmio-Nobel de economia.
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emblemático. Em 1798, ele propôs a sua famosa teoria segundo a qual
a produção de alimentos não aumentaria em escala semelhante à da
população humana, e isto resultaria em inexoráveis processos de
autocontrole, tais como mortandades por fome, pestes e guerras. A
única forma para se evitar tais conseqüências indesejáveis seria mudar
os padrões reprodutivos por meio do comprometimento moral e da
abstinência sexual, adiando-se os casamentos, por exemplo, de forma
a reduzir o tamanho da prole.
Apesar da enorme crítica que recebeu, principalmente por
menosprezar o papel do progresso tecnológico, o pensamento malthusiano recebeu alguns tratamentos que lhe conferiram maior robustez.
Ao contrário da ingênua teoria original, o modelo neo-malthusiano
passou a incorporar os elementos dinâmicos de análise, indispensáveis
para a análise de longo prazo. De qualquer forma, poder-se-ia dizer
que Malthus foi o primeiro a identificar, de forma inequívoca, a
diferença entre crescimento e desenvolvimento, tão facilmente reconhecível nos dias de hoje.
A questão que parece ser consensual é a seguinte: dado um
estoque inicial de recursos naturais grande mas finito, mais cedo ou
mais tarde o crescimento populacional persistentemente alto irá exaurir este estoque. No caso dos recursos naturais não-renováveis, tais
como os depósitos minerais, este seria o resultado óbvio, ainda que
houvesse crescimento populacional zero (ZPG). Para este caso, economistas como El Serafy, Sollow, Hartwick, dentre outros, propõem
reinvestir a renda gerada pela extração mineral em outras formas de
capital, tais como em capital humano e em infra-estrutura, como meio
de se conseguir um consumo sustentável e garantir o bem-estar das
futuras gerações.
Por outro lado, no caso dos recursos naturais renováveis,
tais como em florestas, peixes, biodiversidade, água limpa etc., exaustão e extinção ocorrerá sempre que a população e o consumo, coeteris
paribus, excederem a capacidade regenerativa do meio ambiente (carrying capacity).
Postas estas questões, cabe argüir sobre a “desejabilidade”
ou não das altas taxas de crescimento populacional encontradas nos
países menos desenvolvidos.
A explicação para as altas taxas de crescimento podem ser
encontradas na teoria neoclássica de planejamento familiar que dá
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suporte ao fenômeno da transição demográfica conforme sumariado a
seguir.
O processo de transição demográfica baseia-se na observação empírica de que praticamente todo país desenvolvido passou por
um estágio inicial de baixas taxas de crescimento populacional, seguindo-se uma fase de altas taxas que são concomitantes com os primórdios
do desenvolvimento do país, e finalmente estabiliza, no último estágio,
estas taxas em percentuais relativamente baixos, próximos a zero e
algumas vezes até mesmo negativos.
Portanto, observam-se baixas taxas de crescimento populacional antes de se iniciar a transição assim como depois de concluída
a mesma. Só que as baixas taxas iniciais são devidas a uma combinação
de taxas de natalidade altas com taxas de mortalidade também altas.
Por outro lado, após concluída a transição demográfica as baixas taxas
de crescimento populacional são o resultado da combinação de baixas
taxas de natalidade com baixas taxas de mortalidade.
Durante a transição ocorrem as altíssimas taxas de crescimento populacional (que alguns demógrafos costumam chamar de
explosão populacional) porque, nesta fase, as condições alimentares e
de saúde pública, sobretudo de cuidados materno-infantis, reduzem
substancialmente o índice de mortalidade infantil. Nesta fase, há
ainda a persistência de altas taxas de natalidade que só com o decorrer
do tempo passam também a declinar.
Em suma, se antes de iniciar o processo de desenvolvimento o país combinava altas taxas de natalidade com altas taxas de
mortalidade – resultando em um baixo crescimento populacional -,
uma vez concluído este processo, o país ainda apresentará taxas de
crescimento populacional baixas, só que desta vez com um perfil etário
bem melhor distribuído e envelhecido, resultado das taxas baixas
tanto de natalidade quanto de mortalidade (lembrando que, “grosso
modo”, o crescimento vegetativo seria o resultado da diferença entre
estas duas taxas).
A teoria microeconômica do planejamento familiar, um
desdobramento da teoria neoclássica da decisão racional à moda
Beckeriana3, vem a dar o suporte teórico à constatação empírica.
3
Garry Becker, Prêmio Nobel de Economia em 1992.
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Segundo a teoria, os indivíduos avaliam os custos e os benefícios de
terem cada filho, e a partir daí tomam uma decisão racional.
É de se esperar, portanto, que numa sociedade rica, onde
as mulheres conseguem boas oportunidades de trabalho e percebem
rendas elevadas, o custo de oportunidade de ter mais uma criança é
relativamente alto, pois a mulher teria que se afastar da alternativa
de gerar renda para dar à luz e criar os filhos.
Por outro lado, numa sociedade pobre, o custo de ter e de
criar uma nova criança é relativamente baixo para os pais, haja visto
que a mulher (sobretudo) quase não possui alternativas de geração de
renda. Nos países menos desenvolvidos a criança é enxergada muitas
vezes como uma defesa contra as adversidades do porvir e servem aos
pais como fonte de renda direta e indireta e como seguro contra
velhice, uma vez que o estado não provê seguro social adequado para
os pobres.
A relação entre o tamanho da população e a qualidade de
vida e bem-estar da mesma a nível regional foi investigada por diversos
pesquisadores. Coale e Hoover propuseram a teoria da população
ótima segundo a qual haveria um nível populacional onde a renda per
capita real seria a maior possível. Neste caso poderia ser justificada a
existência de uma política populacional ativa.
Uma população relativamente pequena utilizaria ineficientemente seus recursos por não ter um número suficiente de
trabalhadores. Por sua vez uma população muito grande assim o faz
porque tem trabalhadores em excesso e pode estar passando por
problemas de congestão. No Gráfico 1 estão desenhadas duas curvas
representando a variação da renda per capita com a população, para
dois momentos da história de um país. A linha tracejada corresponde
a um momento posterior onde acumulação de capital, novas descobertas de recursos naturais ou o progresso tecnológico permitiram uma
expansão da curva. É de se esperar que tanto a população quanto a
renda possam aumentar. Uma política ótima seria aquela que induzisse o caminho A → B.
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Gráfico 1
renda per capita
B
y2*
y1*
AA
P1 P2
população
Baseados na teoria da população ótima, Coale e Hoover
realizaram um trabalho empírico para a Índia em 1958, e concluíram
que uma taxa de crescimento populacional reduzida teria de imediato
dois efeitos positivos e superpostos para a economia do país. Primeiro
porque reduziria a razão de dependência4 e, conseqüentemente, aumentaria a razão poupança/consumo (assumindo que a propensão
marginal a consumir era decrescente com a renda para a grande
maioria dos habitantes daquele país) e, segundo, porque seria possível
para o setor público proporcionar um aumento de investimento por
habitante, aumentando a qualidade de seus investimentos, com resultantes benefícios gerais para a população5.
Como apontado pelos autores acima, a razão de dependência é uma variável da mais alta importância na análise populacional,
4
A razão de dependência é convencionada como sendo o número de habitantes com
idade menor que 15 anos e maior que 65 anos dividido pelo número de habitantes
com idade entre 15 e 65 anos (em idade de trabalhar). Quanto maior a razão de
dependência maior é a sobrecarga sobre os trabalhadores para sustentar a população fora da idade de trabalhar.
5
Segundo o Conselho Norte-americano de Pesquisa (National Research Council)
reunido em 1986 para avaliar o crescimento populacional nos países em desenvolvimento, não se poderia afirmar uma relação estatística comprovada entre a
poupança pública ou privada e a taxa de crescimento populacional (em que pese
estudos mais recentes terem reincidido nesta hipótese).
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XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
evitando uma sobrecarga excessiva em determinados coortes em idade
economicamente ativa (na maioria dos países, considerada entre 15 e
64 anos), e para manutenção e equilíbrio nas contas da previdência e
seguridade social. Uma interessante reflexão sobre as mudanças do
perfil etário e da razão de dependência intergeracional é feito por
Fishkin (1992) que conclui pela constância destas variáveis como
forma de se conseguir justiça entre as gerações presentes e as futuras.
3 RÁPIDA URBANIZAÇÃO NOS PAÍSES
EM DESENVOLVIMENTO: “EXPULSIONISMO”
AMBIENTAL OU “ATRATIVISMO” ECONÔMICO?
Como apresentado no modelo de Lewis6, o êxodo do campo
para as cidades dar-se-á até o momento em que os salários urbanos
(ou, utilizando-se um conceito mais moderno, remuneração-sombra)
não mais exceder o produto médio do campo acrescido dos custos da
transferência campo para a cidade.
Este modelo, apesar de ter sido construído em 1955, é
ainda hoje apresentado no curso básico de economia devido a sua
simplicidade e capacidade de síntese. Contudo, assume aprioristicamente a hipótese do “atrativismo urbano”, relevando a questão do
“expulsionismo rural”, tão freqüente nas zonas rurais do Nordeste
brasileiro, sujeitas a ciclos de estiagem prolongada.
Este menosprezo ao expulsionismo não invalida, contudo,
o modelo, pois sua hipótese fundadora permanece qualquer que seja
a situação. Na verdade, uma investigação maior sobre as causas dos
fenômenos migratórios regionais do Brasil ocorridos nas décadas de
sessenta, setenta e oitenta se reveste da maior importância, desta feita
incorporando o conceito de sustentabilidade ambiental. Talvez, assim,
possamos averiguar até onde os vetores migratórios foram causados
pelo expulsionismo do semi-árido ou até que ponto estes vetores foram
acarretados pelo atrativismo da cidade grande, consoante o modelo
lewisiano, ou ainda como um destes efeitos se superpôs ao outro.
6
Sir Arthur Lewis, economista britânico nascido nas Índias Ocidentais. Prêmio
Nobel de Economia de 1979.
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O autor deste trabalho é levado a crer que uma ampla
maioria da transumância regional destas décadas, assim como a migração campo-cidade, foi muito mais o resultado das forças atrativas
da dinâmica industrial e comercial urbana do que de forças expulsionistas sejam elas climáticas ou de reorganização da estrutura produtiva rural (ainda que estas também tenham contribuído, sem dúvidas,
para o abandono do campo).
O termo “êxodo rural” seria portanto inadequado para
retratar uma realidade abrangente, devendo ser intercambiado pelo
termo “chegada urbana”.
De qualquer forma, qualquer que tenha sido a causa do
deslocamento, uma vez instalados na cidade grande o migrante enfrenta algumas vezes uma realidade bastante diversa daquela que era
esperada. É mantido numa armadilha. Sem meios para retornar à sua
cidadezinha ou rincão, vê-se obrigado a viver em condições piores do
que antes.
Isto pode ser devido ao fato de que o migrante, ao deixar o
campo, conhece apenas o salário monetário da cidade (e se deslumbra
com ele). Não conhece o salário real, descontadas as externalidades e
custos indiretos que irá incorrer.
Os brasileiros somos profundos conhecedores das tristes
condições de vida nas grandes favelas de periferia e morros. Assim
como nos demais países do Terceiro Mundo, o fenômeno da urbanização rápida não foi seguido por um aumento proporcional do emprego
e das oportunidades de negócios.
Migração campo-cidade e crescimento populacional rápido, eis a chave para a desagregação social por que estivemos passando.
Seria troppo tardi para uma política populacional e migratória ativa?
4 FUNDAMENTOS ÉTICOS
PARA O INTERVENCIONISMO ESTATAL
Embora fonte de muitos dos problemas da cidade grande,
a migração não pode explicar sozinha, como foi visto, o crescimento
vertiginoso do número de habitantes das metrópoles dos países em
desenvolvimento. Com efeito, ela responde por apenas 36% do crescimento populacional urbano no Brasil.
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XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
Os problemas de inchamento das periferias das cidades
vem antes das altas taxas de crescimento populacional existentes,
principalmente entre os pobres, explicadas, como já foi visto, pela
transição demográfica sob o paradigma neoclássico de planejamento
familiar.
Classes sociais diferentes possuem quase sempre taxas de
crescimento diversas7, acentuando o problema da distribuição de
renda numa sociedade já tão desigual. Os ricos têm menos crianças e
acumulam capital ao longo do seu ciclo de vida, pois têm menor
propensão marginal a consumir, e, “de quebra”, transferem ativos
para seus herdeiros, fazendo com que cada geração seja, mutatis
mutandis, tão rica ou mais do que a anterior.
Os pobres, ao contrário, têm muitos filhos e não deixam
herança positiva, crescendo cada vez mais a parcela de pobres entre a
população em geral e a urbana em particular, haja visto que a maioria
dos migrantes são igualmente pobres.
De uma forma geral, pode-se dizer que existem sim fundamentos éticos para o controle populacional, sejam eles de caráter intra
ou intergeracional, pois além das considerações já feitas, observa-se
que, na ausência de imposições sociais e legais, os indivíduos tendem
a agir como “free-riders”, i.e., maximizando seus benefícios privados
sem prestar qualquer atenção aos efeitos externos que suas ações
podem causar em terceiros.
Mas não somente os indivíduos de uma mesma geração
podem agir como free-riders. Também as próprias gerações podem
assim fazê-lo entre elas. E isto é válido também, e quem sabe sobretudo, para aspectos de planejamento familiar: agindo livremente, as
famílias poderão conduzir a sociedade a um estado de subótimo e as
gerações presentes poderão legar um mundo depredado para as gerações futuras.
Como já foi mencionado, o crescimento populacional desequilibrado pode ter conseqüências negativas em termos de distribuição de renda, algo indesejável para o caso da já perversa concentração
brasileira. Mas não é só isto. Com o crescimento populacional intenso
7
Em que se pese ter sido encontrada por alguns demógrafos brasileiros uma
tendência à homogeneização das taxas de fecundidade entre classes e mesmo entre
o campo e as cidades.
XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
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é necessário correr atrás dos números em termos de postos de trabalho, vagas nas escolas, leitos dos hospitais, energia etc. Como foi
detectado pelo estudo de Coale e Hoover para a Índia, é importante
investir em quantidade e não somente em qualidade (capital deepening x capital widening).
À parte destas considerações, o mais importante talvez
seja o debate em torno da insustentabilidade ambiental, econômica e
social que podem advir de um crescimento populacional desequilibrado. Uma vez que o estoque de recursos naturais é finito e próximo à
exaustão em diversos lugares do planeta, cada novo bebê poderá
produzir uma externalidade negativa para todos os outros seres humanos: uma redução do estoque de recursos naturais per capita. A
idéia que está aí implícita é a de que o produto marginal é menor do
que o produto médio, uma hipótese bastante plausível para uma região
superexplorada em seus recursos (parte decrescente das curvas do
gráfico apresentado).
Por outro lado, levando-se ao extremo oposto, alguém
poderia querer afirmar que cada morte iria produzir um efeito externo
positivo. Seria esta uma hipótese plausível em nosso sistema de
valores, onde a vida é uma espécie de “bem sem-preço” ou com preço
“infinito”?8. Na verdade, vida é o mais importante, belo e precioso bem
que pode existir e a perda da utilidade9 gerada por uma morte será
sempre maior do que o efeito externo positivo que poderia ocasionar
dentro de um mundo congestionado10. Desta forma, “morte” não tem
nenhuma similaridade econômica com “não ter nascido”. Se um casal
decide ter três filhos ao invés de quatro, isto não equivale de forma
alguma a, uma vez tido quatro filhos, matar um deles!
De qualquer forma a idéia de coordenação da produção
dentro num mundo congestionado e com um estoque finito de recursos
naturais não é nova. Ao contrário, é bastante popular na indústria
8
Existe uma enorme controvérsia entre os estudiosos sobre o valor da vida. Alguns
afirmam que a vida é um bem com preço positivo infinito enquanto outros afirmam
que trata-se de um bem sem-preço. Na prática são inúmeros os casos de preçagem
estatísticas da vida e citamos como exemplo os valores dos seguros de vida, dos
diferenciais de salários para atividades de risco etc.
9
Utilidade é uma medida da satisfação humana muito utilizada entre economistas.
É, em geral tratada como uma grandeza ordinal.
10 Um mundo de Saramago em “Ensaio sobre a Cegueira”?
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XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
florestal e de pesca onde a externalidade negativa ocasionada por um
novo entrante é muito maior do que o seu produto marginal, inviabilizando a entrada (Hartwick, 1986)11. Mais ainda, se o nascimento for
analisado e circunscrito à família é provável e quase certo que o
recém-nascido proporcione uma alegria que mais do que compense a
diminuição dos recursos naturais per capita12. O número justo de filhos
seria portanto o mesmo para todas as famílias, algo que não ocasionasse a exaustão ambiental, nem que fizesse com que famílias numerosas impusessem perdas nas famílias menores. Neste caso talvez a
cooperação resultasse num número de filhos necessários para posicionar a sociedade do ponto de solução ótima de Coale e Hoover.
Além do exposto até agora, que focalizou a solicitude
intergeracional, e que tomou um horizonte temporal relativamente
curto, existem ainda considerações intergeracionais a serem levantadas.
Para tanto, iremos nos valer da proposta de Rawls13 em
seu “Teoria da Justiça”. Não estaria correto que as gerações presentes
exaurissem o meio ambiente e depletassem os atuais recursos naturais
pelo simples fato de existirem antes das futuras. Para Rawls, justiça
pode ser definida como igualdade de oportunidades e defesa dos mais
fracos (no caso, as gerações futuras).
De qualquer forma, como bem aponta Gillis et al. (1992),
a participação da sociedade e a transparência na construção de políticas populacionais são imprescindíveis na tomada de decisão:
“The argument for some form of population limitation is
strong, but agreement is not universal, and there are important social, political, and moral issues to be weighted.
The decision of how many children to have is an intimately
personal one. Arguments for conscious policy intervention
to limit population growth must depen either on the ratio11 Considerando um pool de recursos naturais, um novo entrante não captura o
produto marginal mas sim o produto médio gerado que, no open access, é maior
do que o produto marginal. Assim, um novo entrante impõe um custo externo para
cada uma das demais firmas pré-existentes: a diminuição do produto médio.
12 Esta é, na verdade, a idéia que subscreve a hipótese de que as famílias irão agir
como “free-riders” se forem completamente livres para escolher.
13 John Rawls, filósofo norte-americano, escreveu The Theory of Justice em 1972.
XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
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nale that couples do not know how to achieve their desired
family size or to find it too expensive to do so, and thus must
be helped to achieve it, or else on the belief that individual
reproductive choices impose excessive social costs at the
national or international levels” (Gillis et al., p. 157).
5 CONCLUSÕES
O debate sobre a necessidade ou não do intervencionismo
estatal em questões populacionais tais como de crescimento e migração encontra-se em uma nova fase onde temas como proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passam fazer parte das
preocupações centrais das sociedades, particularmente nos países
menos desenvolvidos onde os problemas decorrentes do crescimento
e da urbanização rápida e desequilibrada são mais freqüentes.
Além de implicações negativas que estes fenômenos podem
ter sobre a sociedade em termos de acentuação das desigualdades
sociais, de carência de infra-estrutura adequada e de sobrecargas em
certas gerações, existem ainda outros argumentos éticos a favor da
intervenção, pois se forem deixadas agir livremente, as famílias tendem a maximizar sua satisfação (utilidade) sem dar muita atenção aos
efeitos externos que suas ações podem acarretar em terceiros, agindo
como “free-riders”.
Em regiões congestionadas e onde o meio ambiente encontra-se sob ameaça constante, sobretudo em áreas metropolitanas e
próximas aos cursos de água potável, um número alto de filhos pode
comprometer o bem-estar de todos e ser particularmente pernicioso
para aqueles que tiverem poucos filhos.
Num cenário de sub ou superpopulação, ameaças ao meio
ambiente e à estabilidade social, os governos devem intervir no sentido
de induzir padrões sustentáveis de comportamento familiar, incluindo
alguma forma de controle populacional e migratório.
Claro, não se está sugerindo aqui nenhum uso coercitivo
do poder do Estado, mas sim do uso salutar, democrático e ético de
instrumentos legais econômicos, educacionais, informativos e políticos que incentivem ou desincentivem a procriação e o planejamento
familiar no sentido correto do bem comum.
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XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP
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FISHKIN (Eds.). Justice between age groups and generations. Yale
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Harper & Row, Publisher, Inc. 1986.
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