perfil de famílias, contexto de moradia e escolha por - PUC-Rio

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Departamento de Educação
PERFIL DE FAMÍLIAS, CONTEXTO DE MORADIA E ESCOLHA POR
ESTABELECIMENTOS ESCOLARES: QUAIS AS RELAÇÕES?
Aluno: André Luiz Regis de Oliveira
Orientador: Fátima Alves
Introdução
Na configuração mundial do pós segunda guerra, a sociologia da educação dá ênfase em
um processo de investigação das questões tangentes às desigualdades educacionais e à
democratização do ensino, enquanto que temas recorrentes à família e a sociologia da família
tratam-na apenas sob um aspecto de orientação funcionalista. Uma abordagem mais específica
acerca da família só começa a ser estudada mais especificamente a partir da segunda metade
da década de setenta,
“... quando as correntes marxistas começam a se preocupar com a inexistência de uma
teoria da população, [e] o interesse pelo tema da família surge nos estudos sobre as
estratégias de sobrevivência das camadas populares e a reprodução do trabalhador.”
(BRUSCHINI, 1989, p.6). [1]
Como processo de investigação das questões relacionadas à sociologia da educação,
foram realizadas três grandes pesquisas com o objetivo de um melhor entendimento das
relações que se estabelecem entre escola e a sociedade.
A primeira geração de estudos, de base na mobilidade social, obteve conclusões
pessimistas quanto à capacidade da escola de reverter às desigualdades socioeconômicas dos
alunos, oriundas de suas famílias. Contrapondo-se a esta, uma segunda geração buscou o
efeito das oportunidades escolares, através do desempenho escolar, para demonstrar que a
“escola faz diferença”, podendo alcançar maior eficácia e equidade de resultados. Conjugando
a sociologia urbana e a sociologia da educação, surge uma terceira geração para ampliar além
da família e da escola, a organização social do território e seus possíveis efeitos sobre as
oportunidades educacionais [2].
Questionando alguns dos pensamentos vigentes até então, principalmente na sociedade
francesa, Bourdieu mostra outra face da escola, evidenciando sua configuração como
instituição não meramente produtora de saberes e conhecimentos, mas como reprodutora de
desigualdades sociais, pois nela encontram-se mecanismos de perpetuação e legitimação dos
saberes tidos como úteis pela classe dominante (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002) [3].
A diferença existente no desempenho escolar dos alunos, mais do que uma decorrência
de dons e aptidões do indivíduo, seria o resultado de condições sociais e culturais que o aluno
traz consigo ao entrar no ambiente escolar. Dessa maneira, tem-se como preocupação
estabelecer e analisar quais os elementos que fazem com que crianças provenientes de classes
populares entrem na escola em condições desiguais em relação aos alunos das demais classes
e proporcionar soluções para equalizar estas diferenças.
Frente à grande expansão dos estabelecimentos de ensino e de políticas que favorecem o
acesso escolar1, se faz necessária uma análise no que se refere às relações entre as condições
socioeconômicas dos alunos ao ingressarem no sistema escolar e as características
1
Vale destacar que no Brasil, com a Constituição de 1988, o ensino tornou-se obrigatório para crianças de seis a
catorze anos e, mais recentemente, em 2009, essa faixa etária foi ampliada para a faixa etária compreendida entre
quatro e dezessete anos.
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individuais, que combinadas entre si, nos dão evidências para um melhor entendimento do
processo dessas relações.
Nos diferentes níveis da estrutura social, diversas oportunidades educacionais são
oferecidas, mas os indivíduos possuem diferentes potencialidades para aproveitá-las em
decorrência de seus recursos individuais, os quais são apresentados por Bourdieu (VALLE E
SILVA, 2003) [4] como os diferentes tipos de capitais (econômico, cultural e social).
Através de programas que permitem realizar regressões logísticas e georeferenciamento,
foi possível desenvolver uma análise sobre os fatores que podem influenciar na escolha
diferenciada2 por estabelecimentos escolares, bem como entender a geografia de
oportunidades, tendo como referência também o efeito vizinhança, visto que uma quantidade
significativa das escolas analisadas está inserida em um contexto de segregação urbana.
Metodologia
A partir de dados da pesquisa GERES [5] na cidade do Rio de Janeiro, utilizando-se
informações de endereço e características sócio-demográficas das famílias e dos alunos de
escolas municipais, federais e privadas, pudemos realizar um trabalho de regressão logística
para observar quais as características familiares e de contexto que diminuem ou aumentam as
chances de escolhas familiares por estabelecimentos escolares de qualidade.
As variáveis consideradas para a regressão logística foram:
a) Perfil das famílias: ocupação e escolaridade familiar, posse de bens econômicos e se
a mãe é dona de casa.
b) Características do aluno: sexo, cor e o fato do aluno ter cursado educação infantil.
c) Características do contexto de moradia: relação entre oferta e demanda por
estabelecimentos escolares, índice de desenvolvimento social e presença de favelas
num raio de 100m.
Para auxiliar na realização deste estudo, foi utilizado o programa SPSS, que permitiu
um entendimento de como cada uma das variáveis favorecia, ou não, na escolha de
estabelecimentos diferenciados.
O questionamento que norteou tal análise de dados foi: “Quais são as variáveis
familiares e de contexto de moradia que estão associadas à chance de famílias de classes
populares realizarem uma escolha diferenciada?”.
Em cada item foi feita análise do grau de significância do elemento na escolha
diferenciada por estabelecimentos de ensino, de maneira que, por exemplo, o fato do
indivíduo ser branco ou do sexo masculino não altera a chance de realizar uma escolha
diferenciada, enquanto o fato do indivíduo ter cursado educação infantil, em comparação aos
alunos que entraram na escola na primeira série do Ensino Fundamental (ou seja, não
cursaram a educação infantil) aumenta em 87% a chance em se fazer uma escolha
diferenciada.
Resultados Obtidos
Este estudo teve por finalidade estudar as características familiares e do contexto de
moradia na chance de famílias de classes populares realizarem uma escolha diferenciada por
um estabelecimento escolar. Argumentamos que essa variável é uma proxy de mobilização
familiar das classes populares em busca de um diferencial de qualidade para os seus filhos. Na
essência, os resultados indicam que entre as características familiares consideradas no
modelo, a educação familiar está associada com o aumento da chance das famílias realizarem
tais escolhas, especialmente famílias com ensino médio e ensino superior. Resultados
2
Para o presente estudo são consideradas escolhas diferenciadas: estudar em escolas federais ou privadas ou
municipais com índice de Prova Brasil alto ou ainda escolas municipais com Prova Brasil alto e distância entre a
residência e a escola superior a 1.500m.
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semelhantes foram encontrados para freqüência a educação infantil e posse de bens
econômicos. Este trabalho incorporou a dimensão da diferenciação sócio-espacial da cidade
do Rio de Janeiro, a partir da inclusão de variáveis que capturassem o contexto de moradia
dos alunos. Os resultados mostram os efeitos diferenciados e de grande magnitude na chance
de realização da escolhas familiares aqui consideradas. Em especial, famílias com contexto de
moradia com alto desenvolvimento social têm maiores chances de realizarem a escolha
diferenciada por uma escola. O mesmo ocorre com contextos de moradia com diferentes
oportunidades educacionais relacionadas à oferta e à demanda do Ensino Fundamental.
No entanto, alguns aspectos precisam de melhor aprofundamento, seja teórico, seja
metodológico. O primeiro deles está relacionado ao fato de que as ações diferenciadas das
famílias podem também agravar o problema da estratificação para quem não faz esse tipo de
escolha, já que as escolas de seus filhos perdem os alunos cujas famílias fazem determinadas
escolhas em busca da qualidade, diminuindo a “positividade” do efeito de pares. O segundo
aspecto diz respeito ao efeito da medida de ocupação dos pais que propicia acesso ao capital
informacional. Um aspecto positivo nos resultados encontrados neste trabalho foi o efeito
catalisador que a educação familiar tem no capital informacional, sendo também um ponto
que precisa ser aprofundado em pesquisas.
Conhecimentos Adquiridos
Para a realização dos trabalhos houve a necessidade de se obter conhecimento em
aplicativos que possibilitassem o tratamento dos dados disponíveis. Em encontros periódicos
foram ministrados ensinamentos sobre o SPSS e o ARCGIS. Além do aprendizado destes
aplicativos os conhecimentos teóricos foram ampliados através de encontros com outros
grupos de estudo, participação como ouvinte em aulas de pós-graduação e leitura de
bibliografias em busca de fundamentação para as hipóteses levantadas.
A. SPSS
O SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) é um software comumente
utilizado nas Ciências Sociais que permite a análise estatística e manuseamento e
interpretação de dados para investigações elaboradas e obtidas através de diferentes
ferramentas. Permite, também, realizar cálculos estatísticos complexos e visualização dos
resultados, possibilitando uma apresentação sucinta dos resultados obtidos.
Este aplicativo, no caso específico do estudo desenvolvido sobre escolhas eficazes,
possibilitou a regressão logística das variáveis consideradas (citadas anteriormente) para a
análise e formulação dos resultados obtidos. Ao longo do processo de aprendizagem de como
o programa funciona, conceitos de estatística se fizeram presentes e necessários: tipos de
variáveis utilizadas; melhor medida de tendência central a ser aplicada nas situações em
questão; medidas de dispersão; dentre outros. O aprendizado das funções e ferramentas
oferecidas pelo SPSS permitiu um melhor entendimento da aplicabilidade de regressão
logística, bem como um aprofundamento de questões que permeavam a utilização do
programa.
B. ArcGis
As ferramentas computacionais denominadas Sistemas de Informação Geográfica (SIG
ou GIS) integram dados de diversas fontes em bancos de dados georeferenciados. Ao serem
criados, estes bancos de dados permitem e facilitam a análise, gestão ou representação do
espaço e dos fenômenos que nele ocorrem. ArcGis é o nome de um grupo de programas
informáticos e que constitui um Sistema de Informação Geográfica.
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Qualquer setor que trabalhe com informações que possam ser relacionadas a pontos
específicos do território pode valer-se de ferramentas de geoprocessamento. O SIG integra
dados cartográficos, cadastrais, de sensores remotos, redes e modelos numéricos de terreno,
bem como consulta, recupera, visualiza e manipula conteúdo de um banco de dados
georeferenciado. Suas aplicações são muito diversas, mas destaca-se neste estudo, o
cruzamento de dados socioeconômicos, desempenho escolar e identificação de oportunidades
escolares.
De posse dos dados georeferenciados dos alunos e de suas escolas utilizou-se o ArcGis,
que dentre muitas de suas funções, permitiu uma noção espacial da concentração de escolas,
alunos e as distâncias que os alunos percorrem para chegar até o estabelecimento de ensino
onde estudam. Com base nesta informação de distância percorrida foi possível agregar
relevância aos dados para se ter uma escolha diferencial.
Ainda com este programa foi possível estimar a localização das escolas próximas a
áreas de favela e concentração de escolas, estabelecendo-se a relação entre oferta e demanda.
Isto pode ser constatado através da Figura 1que nos demonstra a estratificação por IDH. Já a
Figura 2 mostra a distância que os alunos percorrem de sua residência até a escola, o que nos
proporcionar observar duas questões: (i) quando uma quantidade significativa de alunos que
percorrem grandes distâncias para chegar até a escola, provavelmente é porque ela possui
algum diferencial de qualidade; (ii) o fato do aluno percorrer grandes distâncias para se
chegar até a escola estaria relacionado ao fato da família realizar certo investimento e
preocupação no que tange a formação escolar, pois busca uma escola que tenha algum
diferencial. No entanto, vale ser destacado que também pode ocorrer, como citado
anteriormente o fato do aluno percorrer distâncias grandes em decorrência de estudar próximo
ao local onde o responsável trabalha.
Figura 1 - Mapa da cidade do Rio de Janeiro com a estratificação por IDH e referências de cada bairro
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Figura 2 – Localização da escola e a distância percorrida pelos alunos para chegarem até ela.
C. Encontros com outros grupos de pesquisa
Periodicamente ocorreram encontros com outros grupos de pesquisa que utilizam como
base empírica os dados obtidos no “Estudo Longitudinal sobre a Geração Escolar – GERES”,
onde em cada encontro foi realizada uma apresentação sobre o trabalho que estava sendo
desenvolvido em outras pesquisas. Foram momentos de troca, onde conhecia-se e aprendia-se
mais sobre o que cada grupo estava realizando, criando assim um ambiente de cooperação e
transversalidade. Desta forma, os conhecimentos relativos aos dados disponíveis foram
aperfeiçoados.
D. Ouvinte nas aulas de pós-graduação
A disciplina cursada como ouvinte foi “Família, Escola e Cidade: estudos sobre
desigualdades sociais” ministrada pela Prof. Fátima Alves do PPG em Educação durante o
segundo semestre de 2009. O objetivo da disciplina foi familiarizar os alunos com a literatura
nacional e internacional que aborda o tema das desigualdades sociais, considerando as
dimensões da escola, da família e da cidade. A disciplina apresentou os conceitos e
abordagens metodológicas diferenciadas no sentido de fomentar uma discussão de possíveis
caminhos de pesquisas que possam integrar a educação na agenda da pesquisa sobre a relação
entre segmentos sócio-territoriais e desigualdades de oportunidades.
E. Leitura de bibliografias em busca de fundamentação para as hipóteses
levantadas
Com o objetivo de uma maior fundamentação para se entender as hipóteses levantadas
inicialmente foi realizada uma busca por bibliografias no campo da sociologia urbana,
sociologia da educação e sociologia da família que oferecessem suporte à relação entre os
diferentes tipos de capital (social, econômico, cultural e informacional) e a escolha
diferenciada. Foram pesquisadas, também, bibliografias que apresentavam exemplos
concretos de famílias que se utilizaram dos diferentes tipos de capitais que possuíam para
realizar uma escolha diferenciada por estabelecimento de ensino.
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Considerações finais
Participar de um estudo acerca de um tema tão recorrente à atualidade, como a questão
educacional e a relação com as escolhas diferenciadas, permite não apenas uma compreensão
dos fatores que favorecem ou não tais escolhas, mas um entendimento de todo o processo no
qual está envolvido, bem como as ferramentas utilizadas para se chegar aos resultados e que
também podem ser utilizadas em outros estudos.
Conhecer diferentes trabalhos que utilizam os dados do mesmo projeto (GERES)
favorece uma ampliação de horizontes e uma troca de conhecimentos que favorece o processo
de aprendizagem e construção coletiva.
Levantar questionamentos, buscando uma compreensão sociológica dos fatores que
estão engajados no processo de escolha por estabelecimentos de ensino, buscar exemplos de
casos que auxiliem na verificação da hipótese levantada inicialmente e dialogar com
diferentes teóricos através da bibliografia lida possibilitou acréscimo no conhecimento das
diferentes teorias acerca da sociologia da educação e sociologia da família.
Referências
1 - BRUSCHINI, Cristina. Uma abordagem sociológica de família. Revista Brasileira de
Estudos de População, São Paulo, v.6 n.1 p.1-23, jan/jun, 1998.
2 - RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; KOSLINSKI, Mariane C. Efeito metrópole e acesso às
oportunidades educacionais. Revista Eure, Vol. XXXV, Nº 106, pp. 101-129, Sección
ARTÏCULOS, Dezembro 2009.
3 - NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu:
limites e contribuições. Educação e Sociedade, ano XXIII, n.78, Abril, 2002.
4 - VALLE SILVA, N. Expansão escolar e estratificação educacional no Brasil. In:
Origens e Destinos: Desigualdades sociais ao longo da vida., HASENBALG, C. e SILVA, N.
(orgs). Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.
5 - FRANCO, C. ; BROOKE, N. ; ALVES, F. . Estudo Longitudinal sobre Qualidade e
Equidade no Ensino Fundamental Brasileiro (GERES 2005). Ensaio (Fundação
Cesgranrio. Impresso), v. 16, p. 625-637, 2008.
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