001534806.2007.8.16

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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ
Estado do Paraná
_________________
Autos n.º 0015348-06.2007.8.16.0030
Requerente: COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ - COHAPAR
Requeridos: IVETE MARISTELA DOS SANTOS e OUTROS
Matéria: REINTEGRAÇÃO DE POSSE
Data da distribuição: 12/04/2007
Data da conclusão: 29/02/2016
Data da prolação: 18/04/2017
SENTENÇA
Vistos e examinados
I.
RELATÓRIO
COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ - COHAPAR
ajuizou a presente ação de REINTEGRAÇÃO DE POSSE em face de IVETE
MARISTELA DOS SANTOS E DEMAIS INVASORES DO CONJUNTO
HABITACIONAL CIDADE NOVA. Para tanto, alegou que na fase de construção do
conjunto habitacional Cidade Nova, houve esbulho possessório, com início no dia
23/12/2004, pois este foi invadido por pessoas alheias ao programa residencial criado para
tornar acessível a moradia para os segmentos populacionais de renda familiar baixa.
Requereu, liminarmente, a expedição de mandado de reintegração de posse, e requereu a
condenação dos requeridos ao pagamento de perdas e danos pela indevida ocupação ao
imóvel. Juntou documentos.
Houve emenda a inicial nas fls. 268/270.
Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE
Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK
PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706
18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença
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Sobreveio decisão (fl. 275) que recebeu a emenda, e indeferiu o pedido
liminar, pois o esbulho havia ocorrido há mais de dois anos a data da propositura da
presente demanda.
A requerida SHIRLEY DE AZEVEDO CORREA apresentou
contestação nas fls. 312/322, sustentando que é adquirente de boa-fé de um dos imóveis
sobre o qual recai a pretensão da parte autora; que é pessoa de baixa renda; e que vinha
pagando em dia as prestações do imóvel até o momento em que os carnês deixaram de ser
enviados. Ressaltou que não há invasão, inadimplência ou desídia de sua parte; que reside
no imóvel desde 2006; e que é cadastrada no programa social federal de moradia. Juntou
documentos.
Na sequência, a requerente apresentou impugnação à contestação da
requerida (fls. 375/379), oportunidade em que rebateu veemente as alegações trazidas por
ela.
Após, a requerida IRMA ESTHER apresentou contestação nas fls.
400/401 alegando que comprou o imóvel por R$ 6.000,00 (seis mil reais), da Sra. Lucimar
Batista da Silva, que o comprou da Sra. Adriane Sirlei dos Santos. Informou que adquiriu
o referido imóvel de boa-fé; que não sabia se o negócio possuía algum vício ou não; e que
atualmente é aposentada e recebe um salário mínimo por mês, não tendo condições de
desocupar o imóvel pleiteado pela parte requerente. Juntou documentos.
Os requeridos OLIMPIO KAFER DUNGERSLEBER, NILTON
CARLOS DOS SANTOS, JANETE DE CARVALHO, ESTANISLAU PINHEIRO
DA SILVA SOBRINHO, VERA LUCIA FUSGUIERI, MELQUISEDEQUE
AGOTINHO DE LIMA, VALDOMIRO ORNELOS AMARAL, ODARIS JOSE DOS
SANTOS, ADEMIR APAREIDO DA SILVA, NADIR IZABEL DOS SANTOS
apresentaram contestação nas fls. 410/421 sustentando, liminarmente, a carência de ação
por falta de interesse processual, pois os requeridos são possuidores de boa fé e não tinham
ciência de esbulho possessório no momento da compra dos imóveis. Ressaltaram acerca
das benfeitorias realizadas nos imóveis, e do litisconsórcio necessário. No mérito, alegaram
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que compraram e pagaram os imóveis aos antigos possuidores e que, por isso, não podem
ser caracterizados como invasores. Juntou documentos.
A requerida GENI APARECIDA DOS SANTOS LIMA apresentou
contestação nas fls. 487/495 sustentando, liminarmente, a carência da ação por falta de
interesse processual. Alegou que é possuidora de boa-fé; que não tinha ciência da existência
de esbulho possessório; que tem direito a retenção das benfeitorias feitas no imóvel; e que
há litisconsórcio necessário. No mérito, informou não ser invasora por ter comprado o
imóvel, e que procurou a requerente para a celebração do contrato e pagar as prestações do
imóvel. Juntou documentos.
A requerente apresentou impugnação às contestações nas fls. 508/215
(em face da contestação de fls. 410/421), e nas fls. 519/526 (em face da contestação de fls.
487/495).
Após, sobreveio decisão (fl. 531) determinando que a parte requerente
emendasse a inicial a fim de que fosse identificado com exatidão todos os invasores dos
imóveis cogitados, e esta determinação foi devidamente cumprida conforme petição de fls.
562/564, que descreve o nome de todos os requeridos ocupantes, bem como seus
respectivos endereços.
A
requerida
SANDRA
QUIMAS
VALERIANO
apresentou
contestação nas fls. 586/590 informando que adquiriu de boa-fé o imóvel de terceiro em
que reside atualmente, pois “na época não sabia que se tratava de mutuário e não do
proprietário do imóvel de quem comprou a casa por contrato”. Alegou que possui todos os
requisitos para ocupar uma unidade disponibilizada pela COHAPAR. Juntou documentos.
Os
requeridos
RAMAO
SANTOS
DO
NASCIMENTO
e
CLAUDEMIRA NUNES DO NASCIMENTO apresentaram contestação nas fls.
601/624 sustentando, liminarmente, a carência de ação por falta de interesse de agir, ante
a inexistência de esbulho. No mérito, sustentaram que são pessoas carentes e necessitadas,
e que vêm pagando o imóvel com muita dificuldade, e que embora não estejam cadastrados
no programa, preenchem todos os requisitos, uma vez que não possuem outra moradia.
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Requereram a indenização pelas benfeitorias, caso o pedido da requerente seja julgado
procedente, e o benefício da justiça gratuita.
A requerida IRMA ESTHER (fls. 653/655) se manifestou novamente
nos autos reiterando as alegações anteriormente elencadas nas fls. 400/401. Juntou
documentos.
Intimadas sobre a produção de provas, os requeridos postularam pelo
depoimento pessoal da requerente, e a requerente postulou pelo depoimento pessoal dos
requeridos.
Sobreveio despacho na fl. 706 determinando a intimação da requerente
para esta dizer se seria possível realizar o cadastramento das pessoas que integram o polo
passivo da demanda no programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social.
A requerente se manifestou afirmando a complexidade do ingresso no
programa habitacional e as regras para tanto, informando a necessidade de aguardo da
resposta dos ofícios enviados ao Ministério Público que, por sua vez, deu seu parecer nas
fls. 731/733.
Na sequência, sobreveio decisão saneadora que afastou as preliminares
arguidas, quais seja, a de carência de ação e a ilegitimidade passiva; fixou os pontos
controvertidos; deferiu a produção de prova documental e oral; e deferiu o benefício da
justiça gratuita aos requeridos.
A audiência de instrução e julgamento foi realizada (fls. 866/889).
A requerida MARCIA DOS NASCIMENTO DELGADO apresentou
contestação nas fls. 894/901 alegando que foi citada para entregar o polo passivo da
demanda após o despacho saneador, tendo comparecido a audiência de instrução, e que
reside na casa em que a requerente alega ter sido esbulhada há mais de 08 anos, com posse
mansa e pacífica. Informou que se enquadra dentre as pessoas que podem ser beneficiadas
pelo programa de habitação da COHAPAR. Requereu a nulidade absoluta em relação a ela
ou, caso o pedido seja julgado procedente, a declaração de reconhecimento de aquisição da
propriedade pela ocorrência da Usucapião.
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O requerido OSVALDO DA SILVA e ISABEL DA SILVA se
manifestaram nas fls. 914/919 alegando que adquiriram o imóvel do mutuário Sr. José
Zamprogna, e que o mesmo se encontra quitado. Informaram que são pessoas carentes, e
que preenchem os requisitos para obtenção de imóveis junto ao plano de habitação.
A requerente apresentou suas alegações finais nas fls. 979/982 e os
requeridos apresentaram suas alegações finais nas fls. 1.025/1.029, fls. 1.031/1.035, fls.
1.037/1.039, e fls. 1.044/1.046.
Após, foi proferido despacho (mov. 1.86) que determinou a remessa dos
autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO e à DEFENSORIA PÚBLICA para se manifestarem no
presente feito.
Assim, a DEFENSORIA PÚBLICA se manifestou no mov. 1.87
informando que conta com apenas dois defensores e que nenhum deles possui atribuição
específica para atuar no feitos relativos às Varas Cíveis e da Fazenda Pública. Por sua vez,
o MINISTÉRIO PÚBLICO requereu a degravação de alguns dos depoimentos, por estarem
incompreensíveis. Além disso, requereu que a fosse oficiada a Assessoria de Assuntos
Fundiários do Estado do Paraná (mov. 1.88).
No mov. 1.89 foi proferida decisão que designou nova audiência de
instrução para oitiva da preposta da requerente e tomada do depoimento pessoal da
requerida IVETE MARISTELA DOS SANTOS, bem como determinou a expedição de
ofício, conforme requerimento supramencionado.
Assim, a nova audiência de instrução foi devidamente realizada,
conforme termo acostado no mov. 83.1.
No mov. 87.1, o requerente juntou aos autos os extratos financeiros
atualizados, que haviam sido requeridos pela requerida SHIRLEY no ato da audiência.
Assim, a requerida SHIRLEY se manifestou sobre os extratos acostados, alegando que os
documentos não se tratam de extratos financeiros, mas sim de um demonstrativo de débito,
“onde é possível verificar pagamento de parcelas, mas sem precisar quando ele ocorreu”.
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Na sequência, foi acostado aos autos (mov. 109.1) a resposta do Ofício
enviado a Assessoria de Assuntos Fundiários, que informou que entrou em contato com a
FOZHABITA e que esta lhe informou sobre não ser possível realocar as famílias.
Por fim, os autos foram remetidos ao MINISTÉRIO PÚBLICO, e ele se
manifestou pela procedência dos pedidos deduzidos na inicial, para o fim de reintegrar a
requerente na posse dos imóveis descritos na inicial (mov. 112.1).
Posteriormente, vieram os autos conclusos.
É o breve relato.
Decido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Pois bem, a questão essencial em direito possessório diz respeito à
prova da posse por parte de quem alega ser titular desse direito. Para a tutela possessória
exige-se somente a prova da posse justa, independente de boa ou má-fé, e bastando que
não se esteja diante de mera detenção.
Ainda que se possa dizer que a posse é um dos efeitos da propriedade
(CCB, art. 1.228) não se pode deixar de considerar que posse é situação de fato (CCB,
art. 1.196) que constitui direito autônomo1 em relação ao direito de propriedade
(Enunciado 492 das Jornadas do CJF) por isso a simples comprovação da propriedade
não comprova, ipso facto, a existência da posse. Como leciona Silvio de Salvo Venosa2:
“A
posse
é,
enfim,
a
visibilidade
da
propriedade. Quem de fora divisa o possuidor, não o destingue
do proprietário. A exterioridade revela a posse, embora no
íntimo o possuidor possa ser também o proprietário.”
No mesmo sentido ensina Maria Helena Diniz3 leciona:
1
A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses
existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela.
2
Direito civil: direito reais. 4ªed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 58
3
Código civil anotado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 751
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“Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou
visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional
existente normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista
a função econômica desta. O importante é o uso econômico ou
destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de
reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação
exterior com a pessoa".
Portanto é mais que possível que o possuidor registral seja titular do
domínio sem que, somente por isso, seja titular da posse, devendo, para receber a tutela
possessória comprovar que além de proprietário também exerce os atos externos de uso
e gozo da coisa, tanto é verdade, que pode a tutela possessória ser exercida contra o
proprietário pelo possuidor. Como alertava Tito Fulgêncio, citado por Humberto
Theodoro Júnior4:
“A posse existe com a intenção de dono, mas
também pode existir sem ela, e até com o reconhecimento de
outro dono, e bem assim com o poder físico de dispor da coisa,
como sem ele; e se em geral sua defesa é exercida contra as
agressões de terceiro não raro o é contra as do dono,
reconhecido como tal pelo próprio possuidor”.
No caso dos autos, não há dúvidas que a requerente COHAPAR, na
qualidade de executora do Plano Estadual de Habitação se encontrava na posse das 92
(noventa e duas habitações) populares descritas nas matrículas referidas na página 04,
segundo parágrafo, da petição inicial (mov. 1.1), habitações essas destinadas ao público de
baixa renda e financiadas com recursos do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse
Social, instituído pela Medida Provisória 2.212/2001 (convertida na Lei 10.998/04). As
matriculas de páginas 21 até 48 do mov. 1.1, comprovam a sua propriedade, ao passo que
os contratos de páginas 51/160 do mov. 1.1 e 01 até 148 do mov. 1.2, comprovam que
detinha a posse direta sobre os referidos bens, tanto que a cedeu aos contratantes.
4
Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol. II – 50ª ed. rev., atual. e ampl. – Humberto Theodoro Júnior –
Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 115
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Contratantes humildes, pessoas de baixa renda, como Ananias Bello
(mov. 1.1, p. 51), Inês de Andrade (mov. 1.1, 71), Maria Silvério Mendes (mov. 1.2, p.
69), José da Silva (mov. 1.2, p. 94), Antônio Mendonça (mov. 1.1, p. 158), e todos os
outros descritos nos contratos, todos com renda familiar de R$ 240,00 (duzentos e
quarenta reais), que em março de 2004 representava somente um salário mínimo.
Todos esses cidadãos brasileiros, pessoas pobres, humildes, mas dotadas,
como todos deveriam ser, da dignidade inerente à condição de cidadão brasileiro, conforme
a Constituição da República, todos esperançosos de, finalmente, obter o sonho dos que tem
muito pouco, que não é o luxo, não são viagens caras, não são roupas de grifes, mas sim o
simples sonho de um dia, ao chegar em casa após um longo dia de trabalho, abraçar seus
filhos, beijar seu cônjuge ou companheiro, e ao sentar para descansar, poder ter um lugar
para chamar de “sua casa”.
O sonho dessas pessoas termina e começa o seu martírio, a sua tribulação,
no dia 23/12/2004, data em que 29 (vinte e nove) dos imóveis são invadidos, não há dúvida
da existência do esbulho, os requeridos em seus depoimentos reconhecem que ocupam a
área sem passar por qualquer dos procedimentos para a seleção, alguns afirma que tem
consciência que o imóvel é fruto de invasão, outros, simplesmente assumem que adquiriam
os imóveis diretamente de outras pessoas, alguns há vários anos da invasão original, mas,
em comum, todos tem ciência da origem clandestina de sua posse.
Trago seus depoimentos no que importa:
REQUERIDA SHIRLEY
A Sra. se recorda quando entrou naqueles imóveis ali
da Cidade Nova? - Entre 2006 e 2007. E a Sra. comprou de
alguém esse imóvel? - Comprei da Jucélia. E a Sra. pagou para
ela o dinheiro? - Paguei parcelado. E quantos a Sra. pagou? - R$
3.000,00 se eu não estiver equivocada. E ela falou que o imóvel
era da COHAPAR, que você teria que verificar alguma coisa lá
com eles? - Não, não falou nada disso. Só quando chegou o
oficial que eu fiquei sabendo da invasão, até então eu não sabia.
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E a Sra. está lá no mesmo lugar até hoje? - Sim. A Sra. chegou a
pagar alguma parcela a COHAPAR? - Sim. Mas a Sra. falou que
sabia que o imóvel não era da COHAPAR, como a Sra. pagou? Depois que eu fiquei sabendo que foi invadido eu procurei a
COHAPAR, aí me instruíram a procurar a Marinez dos Reis, aí
eu fui atrás dela, tentei negociar e não consegui, e consegui as
parcelas na COHAPAR e paguei umas 4 ou 5, mas depois não
liberaram mais para eu pagar.
REQUERIDO ERNI. O Sr. mora ali no Cidade
Nova? - Sim. Desde quando? - 2007. E o Sr. adquiriu de alguém,
adquiriu da COHAPAR? Como que foi? - Eu fiz um negócio de
imóvel. Eu tinha um imóvel no Morenitas e fiz uma troca com um
tal de Agacir, que morava na casa na época. Então o Sr. trocou
imóvel com o Sr. Agacir? - Isso. Do Morenitas o Sr. foi para o
Cidade Nova? - Isso. E o Sr. ia pagar algum valor para a
COHAPAR em algum momento? Foi falado que era dela o
imóvel, que o Sr. iria pagar algum valor? - Sim, na época foi
falado que era da COHAPAR e que precisava pagar um valor,
mas eu procurei várias vezes e aí apareceu outro dono da casa
e eu não tinha como pagar, sempre foi falado da COHAPAR
que tinha que procurar o atual dono da casa e como era difícil de
encontrar, nunca encontrei ele, foi ficando...O Sr. falou que fez
uma troca de imóveis, o Sr. era proprietário do outro imóvel que
o Sr. trocou? - Sim, na época esse imóvel que eu tinha ali era da
época da invasão ali no Morenitas também, quase igual as casas,
só que não tinha documento. Então o outro imóvel também era
invadido? - Sim, é da época da invasão da Morenitas. E o Sr.
trocou sabendo que era de invasão? - Sim, eu troquei porque
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era minha. Eu comprei sabendo que era invasão, daí depois
troquei com esse tal de Agacir. Mesmo sabendo que o imóvel
era invadido, o Sr. foi até a COHAPAR para tentar
regularizar, mas não conseguiu, isso? - Isso.
REQUERIDO MELQUIDESEQUE. O Sr. mora ali
no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto tempo? - 8 anos. E quando
o Sr. entrou lá? - Em 2006.E o Sr. comprou de alguém? - Comprei
de uma pessoa. E o Sr. de quem foi? Nome? - Não lembro, faz
tempo. E o Sr. pagou alguma coisa? - Sim. Quanto? - 3.000,00. E
depois o Sr. entrou em contato com a COHAPAR, soube que os
imóveis eram de lá deles? - Depois de um tempo, foi comunicado
pela COHAPAR, pelo correio pela Maria, veio a carta de
Curitiba, fui lá para conversar com ela e ela me disse que não
podia fazer nada. Eu chegava lá e ela dizia: “não posso/resolver
fazer nada”. Umas trinta vezes eu fui lá, conversar com ela,
dizia que ali nós estamos não querendo ficar de graça, mas ela
não queria escutar nós, até na penúltima vez agora pouco
TESTEMUNHA MARCELO
O Sr. tem algum vínculo com a COHAPAR? Amizade
ou inimizade por algum dos requeridos aqui no processo? - Não.
O Sr. reside ali no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto tempo que
o Sr. mora lá? - 10, 11 Anos, mais ou menos. O Sr. é mutuário da
COHAPAR? - Sim. E como que foi o procedimento ali quando
houve aquela invasão, o Sr. sofreu algum problema com isso? No começo, sim. E como que o Sr. resolveu? - No começo minha
casa estava invadida, daí eu entrei numa outra casa, daí com o
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tempo a minha casa que estava invadida as pessoas venderam
lá até que apareceu outro rapaz, que estaria morando na casa
agora. Daí como eu estava pagando a casa daí nós trocamos a
casa tudo certinho.
Não se pode negar a evidência que é a ocorrência do esbulho, afinal é
evidente que os requeridos ocupam indevidamente os imóveis, seja pelo exercício direto
da posse, desde o ano de 2004, seja pela transferência da posse, que na forma do art. 1.206
do Código Civil Brasileiro se transmite com os mesmos vícios da posse originária.
No caso, nascida viciada pela violência, precariedade ou clandestinidade
(CCB, art. 1.200), a posse se transmite com os mesmos vícios que o possuidor injusto a
detinha.
Pois bem, até aqui se está diante daquilo na teoria dworkiniana se poderia
chamar de caso fácil (easy case), afinal, provada a posse indireta pela autora e o esbulho,
bastaria ao julgador fazer incidir a norma do art. 560 do Código de Processo Civil sendo
proferida sentença de reintegração de posse.
Mas a verdade é que em países de consolidação tardia dos direitos
fundamentais como o Brasil, em que décadas de exclusão e sub-inclusão (Under
inclusiveness) geraram legiões de pessoas que sequer tem conhecimento das promessas
constitucionais pretendidas pela Constituição de 1988, não há casos fáceis.
Aqui se está diante do sonho de vários cidadãos, marginalizados pela sua
condição econômica, e que viram o seu sonho de realizar em concreto o direito fundamental
à moradia, ser afastado, mas não por uma ação direta do Estado, pela sua omissão
generalizada em materializar a promessa da Constituição de “assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida”.
O fato, é que o sonho de dezenas de brasileiros de baixa renda,
marginalizados nas políticas públicas de habitação popular e que, por um relance, viram
esse sonho se realizar, foi interrompido por dezenas de brasileiros de baixa renda,
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marginalizados nas políticas públicas de habitação popular e que, por um relance, viram
esse sonho se realizar, não se trata de um erro de digitação, se trata da tautologia necessária
para expressar a realidade dos presentes autos.
Aqui não se está justificando a conduta dos requeridos, ao contrário, a sua
conduta é altamente reprovável pois demonstra uma total falta de empatia e solidariedade
justamente para aqueles que dividem com ele as mesmas agruras, os mesmos sofrimentos
que todos que tem origem nas classes menos abastadas da sociedade, como é o caso desse
julgador sabem bem.
Nessa condição a eles cabia não atacar, mas defender os direitos de seus
iguais, ver-se feliz pelos que conseguiram o sonho e seguir na luta diária para conseguir o
seu, nada justifica que os que mais sofrem, sejam os algozes de seus iguais. Mas como
disse o Ministro Barroso em recente palestra na Universidade de Harvard, esse
individualismo, materializado no ditado popular “farinha pouca, meu pirão primeiro” é
um dos aspetos do tão repudiado “jeitinho brasileiro”5:
“Uma
outra
característica
intrinsecamente
ligada ao jeitinho é colocar o sentimento pessoal ou as relações
pessoais acima do dever para com o próximo e a sociedade. É o
individualismo que se manifesta, não na liberdade ou na
inovação, mas na falta de cerimônia em passar o outro para
trás.”
O easy case desaparece quando se está diante de uma situação como a dos
autos, onde a invasão ocorreu 23 de dezembro de 2004, ou seja, os requeridos ocupam,
ainda que indevidamente, a área há mais de 10 (dez) anos.
A realidade dos autos, contudo, demanda que os requeridos não sejam
vistos somente como excluídos, mas também que sejam vistos como cidadãos responsáveis
por seus atos e que a sua conduta não reste incólume às consequências jurídicas
exclusivamente por conta de sua condição de marginalizados. Como bem referiu o Justice
5
ÉTICA E JEITINHO BRASILEIRO: POR QUE A GENTE É ASSIM?. Luís Roberto Barroso. Disponível em
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/4/art20170410-01.pdf , acesso em 18/04/2017
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da Corte Constitucional Sul-africana Albie Sachs6 no julgamento do caso Município de
Porto Elisabeth vs Varios Ocupantes7:
“Assim sendo, os que pleiteiam despejo devem
ser incentivados a não se filiar em conceitos de posseiros sem
rosto e anônimos como empecilhos sociais repugnantes que
devam ser
automaticamente
expulsos.
Essa
abordagem
estereotipada não tem lugar na sociedade preconizada pela
Constituição; justiça e equidade requerem que todos sejam
tratados como pessoas possuidores de direitos que fazem jus ao
respeito à sua dignidade. Ao mesmo tempo, os que se virem
compelidos, pela pobreza e falta de moradia, a viver em barracos
na terra dos outros, não devem ser incentivados a se considerar
vítimas desamparadas, sem possibilidades de representação
moral pessoal.
A tenacidade e engenho que demonstram ao
construir casas com materiais descartados, encontrar trabalho
enviar seus filhos à escola são um tributo à sua capacidade de
sobrevivência e adaptação. A justiça e a equidade os compelem
a se valer dessa mesma desenvoltura na busca de solução para
suas dificuldades e explorar todas as possibilidades razoáveis
para conseguir acomodação alternativa satisfatória ou terra.”
No caso dos autos, a opção que os requeridos, e os que lhe sucederam na
posse viciada, tomaram foi a de espoliar a posse dos imóveis objeto da demanda, que não
pertenciam sequer à autora, que detinha a sua posse direta, mas sim a outros cidadãos
brasileiros, de baixa renda, que cumpriram a lei, fizeram seu cadastro, esperaram a demora
da burocracia nacional e finalmente, foram sorteados para realizar o sonho da casa própria.
6
citado na obra “Vida e Direito: Uma estranha alquimia”Trad. Saul Tourinho Leal. Ed. Saraiva. 2016. p. 108
No
original
Port
Elizabeth
Municipality
v
Various
Occupiers,
disponível
http://www.constitutionalcourt.org.za/Archimages/15106.PDF, acesso em 18/04/2017
7
em
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Contrato assinado, esperança renovada, mas que foi tolhida pela conduta
dos requeridos e seus sucessores, que, também excluídos optaram pela violência como
forma de luta por aqui que, de fato, o Estado não lhes garantiu, mas lutaram contra os que
não lhe causaram mal algum, ao contrário, são tão vítimas quanto.
Essas circunstâncias são mais que suficientes para que se possa concluir
que a posse dos requeridos é mero reflexo da posse injusta dos ocupantes originários, ou
seja, a posse era e continua sendo clandestina, os requeridos não negam a existência da
invasão, se escoram em não terem sido eles a praticar o ato, mas desse ato, desse vício
congênito exercem a sua posse, que, portanto, é tão viciada quanto a dos invasores
originários.
O adquirente da posse de modo derivado a exerce com os mesmos
caracteres daquela exercida por quem lhe transmitiu, notadamente com os vícios que a
contaminavam, já que a posse guarda o caráter de sua aquisição, ou seja, se uma posse
começou violenta, clandestina ou precária presume-se ficar com o mesmos vícios que irão
acompanhá-la nas mãos dos sucessores.
Ora, se a posse foi adquirida pelos invasores originários de forma
clandestina e violenta, tal vício também atinge a posse exercida pelos requeridos que por
atos translativos, a receberam daqueles, afinal, ninguém transmite a outrem mais direitos
do que possui, se não possuiam posse justa não podiam transferi-la.
Na lição de Arnaldo Rizzardo8:
Basicamente,
consagra-se
o
princípio
da
continuidade da posse, que mantém, na transmissão, as mesmas
qualidades de que se revestia antes. Se, em seu início, e no curso
de seu exercício, é precária, ou clandestina, ou violenta ou de máfé, perduram tais vícios ao transmitir-se para outro possuidor.
Os requeridos sequer podem arguir que sua posse é de boa-fé, já que a boafé da posse está ligada a ausência de vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa
(CCB, art. 1.201). Na lição de Orlando Gomes9:
8
9
Direito das coisas . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 79
Direito reais. 14ª Ed. Forense, 1999, p. 41
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“Assim
como
a
posse
pode
ser
viciada
objetivamente, isto é, por fato ligado à própria relação
possessória, há vício subjetivo cuja existência, ou inexistência,
determina a sua divisão em posse de boa-fé e posse de má-fé.
É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício,
ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito
possuído. Para que alguém seja possuidor de um bem, preciso é
que esteja convencido de que, possuindo-o, a ninguém prejudica.
O direito pátrio concebe a boa-fé de modo negativo, como
ignorância, não como convicção.
Se tem consciência de que há obstáculo, ou se
sabe da existência do vício que impede a aquisição da coisa, e,
não obstante, a adquire, torna-se possuidor de má-fé. É que a
posse deve ser adquirida com fundamento numa relação positiva
com o antigo possuidor, que traduz, intrinsecamente, ausência
de lesão a direito de outrem. Numa palavra, a aquisição deve ter
causa legítima, mesmo aparente, admitindo-se, porém, erro
escusável.
Na posse de boa-fé, inexiste o vício subjetivo; na
de má-fé, ao contrário, o que caracteriza é exatamente o
conhecimento do mesmo vício subjetivo.”
De se destacar que é ponto comum dentre os requeridos as sucessivas
negociações dos imóveis objeto da demanda, de forma que os depoimentos prestados em
juízo deixam claro não só a invasão, mas também a exploração pelos requeridos de uma
verdadeira economia paralela às custas do sonho dos proprietários originais.
A respeito é ilustrativo o depoimento da requerida SHIRLEY:
A Sra. se recorda quando entrou naqueles imóveis ali
da Cidade Nova? - Entre 2006 e 2007. E a Sra. comprou de
alguém esse imóvel? - Comprei da Jucélia. E a Sra. pagou para
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ela o dinheiro? - Paguei parcelado. E quantos a Sra. pagou? - R$
3.000,00 se eu não estiver equivocada.
O mesmo disse o requerido MELQUIDESEQUE
O Sr. mora ali no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto
tempo? - 8 anos. E quando o Sr. entrou lá? - Em 2006. E o Sr.
comprou de alguém? - Comprei de uma pessoa. E o Sr. de quem
foi? Nome? - Não lembro, faz tempo. E o Sr. pagou alguma coisa?
- Sim. Quanto? - 3.000,00.
Há um padrão de preço e de negócio, o preço padrão colocado sobre o
sonho dos proprietários originários é de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que equivale a
menos de 1/3 do preço de avaliação do imóvel à época da contratação, fixado em R$
8.754,30 (oito mil setecentos e cinquenta e quatro reais com trinta centavos), conforme os
contratos originários. O padrão do negócio é sempre o mesmo também, contratos verbais,
com pessoas não identificadas, mesmo cientes os adquirentes de que se trata de imóveis
financiados com dinheiro público e já designados a outros brasileiros.
É evidente que a posse dos requeridos além de injusta, é de má-fé, pois é
claro que tinham plena ciência de que ocupavam imóveis destinados à habitação popular,
portanto, tinham consciência da impossibilidade de adquirirem o domínio sobre os imóveis
que ocupam.
Contudo, dizer que a posse é de má-fé, não implica em retirar dessas
pessoas seus direitos de forma absoluta, posto que ainda que de injusta e de má-fé, tem
direito a serem indenizadas pelas benfeitorias necessárias que realizaram nos imóveis,
sendo retirado somente o direito de retenção, na forma do art. 1.220 do Código Civil
Brasileiro:
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão
ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o
direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar
as voluptuárias.
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Na lição de Maria Helena Diniz10:
"O possuidor de má-fé somente terá direito de
ser indenizado pelas benfeitorias necessárias que fizer em bem
alheio, executadas para sua conservação, uma vez que o
proprietário seria forçado a realizá-las , se estivesse na posse da
coisa, devido ao princípio de ninguém deve enriquecer sem
causa. Não terá direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis.
Consequentemente não poderá retê-las, perdendo-as em favor
do proprietário, que as receberá gratuitamente, como
compensação do tempo em que ficou, injusta e ilegitimamente,
privado de sua posse. Não lhe será dado, ainda, o direito de
levantar as voluptuárias, nem de reter o bem para forçar o
pagamento da indenização pelas benfeitorias necessárias. Se o
proprietário recusar-se a pagar as necessárias, o possuidor
deverá restituir a coisa e mover ação de indenização contra o
proprietário, uma vez que não tem o jus retentionis pela
importância correspondente a elas..."
As eventuais benfeitorias devem ser apuradas em sede de liquidação de
sentença por arbitramento, onde poderão ser identificadas e quantificadas eventuais
benfeitorias realizadas pelos requeridos.
Mas, estando comprovada a posse anterior bem como a existência do
esbulho em relação aos imóveis, devida é a sua devolução à requerente, para que possa
materializar o que já deveria ser realidade desde o ano de 2004 para os contemplados com
o sonho da casa própria.
O caminho foi longo, infelizmente entre o início do esbulho (23/12/2004)
e a prolação da presente sentença se passaram praticamente 13 (treze) anos, só me resta
como julgador torcer para que os verdadeiros destinatários dos imóveis tenham mantido a
10
, Código Civil Anotado", ed. Saraiva, p. 772
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perseverança durante essa tribulação, pois a tribulação produz perseverança; a
perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança.
Que esta sentença seja para os verdadeiros beneficiários um raio de
esperança na democracia, no direito e na missão Constitucional do Poder Judiciário de
garantir Justiça àqueles que dela tem fome e sede.
Observo que, diante do quadro construído nos presentes autos, que o
pedido de tutela provisória de urgência indeferido no mov. 1.5 (p.01) deve ser
reapreciado à luz dos elementos de convicção carreados aos autos, conforme faculta o art.
298 do Código de Processo Civil.
Com efeito, está presente mais que a probabilidade, com a sentença se está
diante da certeza judicial acerca dos fatos narrados, já o risco de dano irreparável está
presente, na medida em que, ainda que date de mais de 13 (treze) anos a ocupação dos
imóveis, se deve garantir que essa situação não se perpetue no tempo, o que, por certo,
implicaria em perda do objeto da demanda in natura de reintegração de posse e a sua
conversão em perdas e danos, com grave risco social não só aos envolvidos, como à própria
credibilidade das instituições públicas.
Assim, deve ser revista a decisão anterior, posto que lastreada somente no
fato de se tratar a presente demanda de força velha, para reconhecer a presença dos
requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil e determinar a reintegração de posse
dos imóveis objeto da demanda.
Na forma do art. 8º do Código de Processo Civil deve o juiz na aplicação
da lei adotar como vetores não só a finalidade social do direito mas também os princípios
da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que na mesma linha da necessidade de
preservar-se os interesses dos reais proprietários dos imóveis, não se pode negar que os
requeridos já ocupam a área há um prazo longo, de modo que não se pode fixar prazo
exíguo para a desocupação, devendo o juízo, até mesmo por critérios de humanidade, lhes
fixar prazo razoável para que possam , com o mínimo de dignidade, reconstruírem a suas
vidas.
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Afinal, os requeridos violaram a lei ao manter-se na posse de imóvel a que
não faziam jus, mas essa situação não pode, nem deve, lhes retirar o caráter de dignidade
inerente à sua condição de seres humanos.
Novamente na lição do Justice Albie Sachs11:
“As
injustiças
herdadas
no
macronível
inevitavelmente dificultarão aos tribunais assegurarem no
presente equidade imediata no micronível. O Judiciário não
pode, ele próprio, corrigir toda a injustiça sistêmica da nossa
sociedade. No entanto, pode pelo menos amenizar a minimizar o
grau de injustiça necessariamente acarretado pelo despejo das
partes mais fracas em condições de iniquidade.”
Diante de tais considerações, levando em conta os vetores dos arts. 1º, III
e 3º, I da Constituição da República e art. 8º do Código de Processo Civil tenho que deve
ser fixado o prazo de 06(seis) meses para a desocupação dos imóveis, a partir da
publicação da presente sentença, sob , sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais),
sem prejuízo de outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
(CPC, art. 139, IV), inclusive a requisição de força policial (CPC, art. 139, VII e 536,
§1º), garantindo aos requeridos o direito a serem indenizados pelas benfeitorias necessárias
(CCB, art. 1.220), sem qualquer direito de retenção.
III - DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, ratificando a liminar (CPC, art. 1.012, §1º, V),
resolvo o mérito na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil e JULGO
PROCEDENTE O PEDIDO determinar a REINTEGRAÇÃO, da posse dos imóveis
descritos na inicial ao autor, no prazo de 06 (seis) meses, sob pena de multa diária de R$
1.000,00 (mil reais), sem prejuízo de outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais
ou sub-rogatórias (CPC, art. 139, IV), inclusive a requisição de força policial (CPC, art.
11
Op. Cit. P. 107
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139, VII e 536, §1º), garantindo aos requeridos o direito a serem indenizados pelas
benfeitorias necessárias (CCB, art. 1.220), sem qualquer direito de retenção.
Condeno os requeridos ao pagamento de das custas processuais e
honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa,
com base no artigo 85, §2º do CPC, considerando especialmente o elevado grau de zelo
profissional, sempre prejuízo de eventual majoração na hipótese te interposição de
recursos, inclusive embargos de declaração (CPC, art. 85, §11), verba suspensa pela
concessão do benefício da justiça gratuita.
Interposto recurso da presente sentença, intime-se a parte
recorrida para apresentar contrarrazões (CPC, art. 1.010, §1º), e após,
independente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1010, §3º) remetam-se os autos
ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
Foz do Iguaçu, 18 de abril de 2017.
-assinado digitalmenteROGERIO DE VIDAL CUNHA
Juiz de Direito Substituto
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