PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Autos n.º 0015348-06.2007.8.16.0030 Requerente: COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ - COHAPAR Requeridos: IVETE MARISTELA DOS SANTOS e OUTROS Matéria: REINTEGRAÇÃO DE POSSE Data da distribuição: 12/04/2007 Data da conclusão: 29/02/2016 Data da prolação: 18/04/2017 SENTENÇA Vistos e examinados I. RELATÓRIO COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO PARANÁ - COHAPAR ajuizou a presente ação de REINTEGRAÇÃO DE POSSE em face de IVETE MARISTELA DOS SANTOS E DEMAIS INVASORES DO CONJUNTO HABITACIONAL CIDADE NOVA. Para tanto, alegou que na fase de construção do conjunto habitacional Cidade Nova, houve esbulho possessório, com início no dia 23/12/2004, pois este foi invadido por pessoas alheias ao programa residencial criado para tornar acessível a moradia para os segmentos populacionais de renda familiar baixa. Requereu, liminarmente, a expedição de mandado de reintegração de posse, e requereu a condenação dos requeridos ao pagamento de perdas e danos pela indevida ocupação ao imóvel. Juntou documentos. Houve emenda a inicial nas fls. 268/270. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Sobreveio decisão (fl. 275) que recebeu a emenda, e indeferiu o pedido liminar, pois o esbulho havia ocorrido há mais de dois anos a data da propositura da presente demanda. A requerida SHIRLEY DE AZEVEDO CORREA apresentou contestação nas fls. 312/322, sustentando que é adquirente de boa-fé de um dos imóveis sobre o qual recai a pretensão da parte autora; que é pessoa de baixa renda; e que vinha pagando em dia as prestações do imóvel até o momento em que os carnês deixaram de ser enviados. Ressaltou que não há invasão, inadimplência ou desídia de sua parte; que reside no imóvel desde 2006; e que é cadastrada no programa social federal de moradia. Juntou documentos. Na sequência, a requerente apresentou impugnação à contestação da requerida (fls. 375/379), oportunidade em que rebateu veemente as alegações trazidas por ela. Após, a requerida IRMA ESTHER apresentou contestação nas fls. 400/401 alegando que comprou o imóvel por R$ 6.000,00 (seis mil reais), da Sra. Lucimar Batista da Silva, que o comprou da Sra. Adriane Sirlei dos Santos. Informou que adquiriu o referido imóvel de boa-fé; que não sabia se o negócio possuía algum vício ou não; e que atualmente é aposentada e recebe um salário mínimo por mês, não tendo condições de desocupar o imóvel pleiteado pela parte requerente. Juntou documentos. Os requeridos OLIMPIO KAFER DUNGERSLEBER, NILTON CARLOS DOS SANTOS, JANETE DE CARVALHO, ESTANISLAU PINHEIRO DA SILVA SOBRINHO, VERA LUCIA FUSGUIERI, MELQUISEDEQUE AGOTINHO DE LIMA, VALDOMIRO ORNELOS AMARAL, ODARIS JOSE DOS SANTOS, ADEMIR APAREIDO DA SILVA, NADIR IZABEL DOS SANTOS apresentaram contestação nas fls. 410/421 sustentando, liminarmente, a carência de ação por falta de interesse processual, pois os requeridos são possuidores de boa fé e não tinham ciência de esbulho possessório no momento da compra dos imóveis. Ressaltaram acerca das benfeitorias realizadas nos imóveis, e do litisconsórcio necessário. No mérito, alegaram Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ que compraram e pagaram os imóveis aos antigos possuidores e que, por isso, não podem ser caracterizados como invasores. Juntou documentos. A requerida GENI APARECIDA DOS SANTOS LIMA apresentou contestação nas fls. 487/495 sustentando, liminarmente, a carência da ação por falta de interesse processual. Alegou que é possuidora de boa-fé; que não tinha ciência da existência de esbulho possessório; que tem direito a retenção das benfeitorias feitas no imóvel; e que há litisconsórcio necessário. No mérito, informou não ser invasora por ter comprado o imóvel, e que procurou a requerente para a celebração do contrato e pagar as prestações do imóvel. Juntou documentos. A requerente apresentou impugnação às contestações nas fls. 508/215 (em face da contestação de fls. 410/421), e nas fls. 519/526 (em face da contestação de fls. 487/495). Após, sobreveio decisão (fl. 531) determinando que a parte requerente emendasse a inicial a fim de que fosse identificado com exatidão todos os invasores dos imóveis cogitados, e esta determinação foi devidamente cumprida conforme petição de fls. 562/564, que descreve o nome de todos os requeridos ocupantes, bem como seus respectivos endereços. A requerida SANDRA QUIMAS VALERIANO apresentou contestação nas fls. 586/590 informando que adquiriu de boa-fé o imóvel de terceiro em que reside atualmente, pois “na época não sabia que se tratava de mutuário e não do proprietário do imóvel de quem comprou a casa por contrato”. Alegou que possui todos os requisitos para ocupar uma unidade disponibilizada pela COHAPAR. Juntou documentos. Os requeridos RAMAO SANTOS DO NASCIMENTO e CLAUDEMIRA NUNES DO NASCIMENTO apresentaram contestação nas fls. 601/624 sustentando, liminarmente, a carência de ação por falta de interesse de agir, ante a inexistência de esbulho. No mérito, sustentaram que são pessoas carentes e necessitadas, e que vêm pagando o imóvel com muita dificuldade, e que embora não estejam cadastrados no programa, preenchem todos os requisitos, uma vez que não possuem outra moradia. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Requereram a indenização pelas benfeitorias, caso o pedido da requerente seja julgado procedente, e o benefício da justiça gratuita. A requerida IRMA ESTHER (fls. 653/655) se manifestou novamente nos autos reiterando as alegações anteriormente elencadas nas fls. 400/401. Juntou documentos. Intimadas sobre a produção de provas, os requeridos postularam pelo depoimento pessoal da requerente, e a requerente postulou pelo depoimento pessoal dos requeridos. Sobreveio despacho na fl. 706 determinando a intimação da requerente para esta dizer se seria possível realizar o cadastramento das pessoas que integram o polo passivo da demanda no programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social. A requerente se manifestou afirmando a complexidade do ingresso no programa habitacional e as regras para tanto, informando a necessidade de aguardo da resposta dos ofícios enviados ao Ministério Público que, por sua vez, deu seu parecer nas fls. 731/733. Na sequência, sobreveio decisão saneadora que afastou as preliminares arguidas, quais seja, a de carência de ação e a ilegitimidade passiva; fixou os pontos controvertidos; deferiu a produção de prova documental e oral; e deferiu o benefício da justiça gratuita aos requeridos. A audiência de instrução e julgamento foi realizada (fls. 866/889). A requerida MARCIA DOS NASCIMENTO DELGADO apresentou contestação nas fls. 894/901 alegando que foi citada para entregar o polo passivo da demanda após o despacho saneador, tendo comparecido a audiência de instrução, e que reside na casa em que a requerente alega ter sido esbulhada há mais de 08 anos, com posse mansa e pacífica. Informou que se enquadra dentre as pessoas que podem ser beneficiadas pelo programa de habitação da COHAPAR. Requereu a nulidade absoluta em relação a ela ou, caso o pedido seja julgado procedente, a declaração de reconhecimento de aquisição da propriedade pela ocorrência da Usucapião. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ O requerido OSVALDO DA SILVA e ISABEL DA SILVA se manifestaram nas fls. 914/919 alegando que adquiriram o imóvel do mutuário Sr. José Zamprogna, e que o mesmo se encontra quitado. Informaram que são pessoas carentes, e que preenchem os requisitos para obtenção de imóveis junto ao plano de habitação. A requerente apresentou suas alegações finais nas fls. 979/982 e os requeridos apresentaram suas alegações finais nas fls. 1.025/1.029, fls. 1.031/1.035, fls. 1.037/1.039, e fls. 1.044/1.046. Após, foi proferido despacho (mov. 1.86) que determinou a remessa dos autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO e à DEFENSORIA PÚBLICA para se manifestarem no presente feito. Assim, a DEFENSORIA PÚBLICA se manifestou no mov. 1.87 informando que conta com apenas dois defensores e que nenhum deles possui atribuição específica para atuar no feitos relativos às Varas Cíveis e da Fazenda Pública. Por sua vez, o MINISTÉRIO PÚBLICO requereu a degravação de alguns dos depoimentos, por estarem incompreensíveis. Além disso, requereu que a fosse oficiada a Assessoria de Assuntos Fundiários do Estado do Paraná (mov. 1.88). No mov. 1.89 foi proferida decisão que designou nova audiência de instrução para oitiva da preposta da requerente e tomada do depoimento pessoal da requerida IVETE MARISTELA DOS SANTOS, bem como determinou a expedição de ofício, conforme requerimento supramencionado. Assim, a nova audiência de instrução foi devidamente realizada, conforme termo acostado no mov. 83.1. No mov. 87.1, o requerente juntou aos autos os extratos financeiros atualizados, que haviam sido requeridos pela requerida SHIRLEY no ato da audiência. Assim, a requerida SHIRLEY se manifestou sobre os extratos acostados, alegando que os documentos não se tratam de extratos financeiros, mas sim de um demonstrativo de débito, “onde é possível verificar pagamento de parcelas, mas sem precisar quando ele ocorreu”. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Na sequência, foi acostado aos autos (mov. 109.1) a resposta do Ofício enviado a Assessoria de Assuntos Fundiários, que informou que entrou em contato com a FOZHABITA e que esta lhe informou sobre não ser possível realocar as famílias. Por fim, os autos foram remetidos ao MINISTÉRIO PÚBLICO, e ele se manifestou pela procedência dos pedidos deduzidos na inicial, para o fim de reintegrar a requerente na posse dos imóveis descritos na inicial (mov. 112.1). Posteriormente, vieram os autos conclusos. É o breve relato. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Pois bem, a questão essencial em direito possessório diz respeito à prova da posse por parte de quem alega ser titular desse direito. Para a tutela possessória exige-se somente a prova da posse justa, independente de boa ou má-fé, e bastando que não se esteja diante de mera detenção. Ainda que se possa dizer que a posse é um dos efeitos da propriedade (CCB, art. 1.228) não se pode deixar de considerar que posse é situação de fato (CCB, art. 1.196) que constitui direito autônomo1 em relação ao direito de propriedade (Enunciado 492 das Jornadas do CJF) por isso a simples comprovação da propriedade não comprova, ipso facto, a existência da posse. Como leciona Silvio de Salvo Venosa2: “A posse é, enfim, a visibilidade da propriedade. Quem de fora divisa o possuidor, não o destingue do proprietário. A exterioridade revela a posse, embora no íntimo o possuidor possa ser também o proprietário.” No mesmo sentido ensina Maria Helena Diniz3 leciona: 1 A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela. 2 Direito civil: direito reais. 4ªed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 58 3 Código civil anotado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 751 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ “Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a função econômica desta. O importante é o uso econômico ou destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa". Portanto é mais que possível que o possuidor registral seja titular do domínio sem que, somente por isso, seja titular da posse, devendo, para receber a tutela possessória comprovar que além de proprietário também exerce os atos externos de uso e gozo da coisa, tanto é verdade, que pode a tutela possessória ser exercida contra o proprietário pelo possuidor. Como alertava Tito Fulgêncio, citado por Humberto Theodoro Júnior4: “A posse existe com a intenção de dono, mas também pode existir sem ela, e até com o reconhecimento de outro dono, e bem assim com o poder físico de dispor da coisa, como sem ele; e se em geral sua defesa é exercida contra as agressões de terceiro não raro o é contra as do dono, reconhecido como tal pelo próprio possuidor”. No caso dos autos, não há dúvidas que a requerente COHAPAR, na qualidade de executora do Plano Estadual de Habitação se encontrava na posse das 92 (noventa e duas habitações) populares descritas nas matrículas referidas na página 04, segundo parágrafo, da petição inicial (mov. 1.1), habitações essas destinadas ao público de baixa renda e financiadas com recursos do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, instituído pela Medida Provisória 2.212/2001 (convertida na Lei 10.998/04). As matriculas de páginas 21 até 48 do mov. 1.1, comprovam a sua propriedade, ao passo que os contratos de páginas 51/160 do mov. 1.1 e 01 até 148 do mov. 1.2, comprovam que detinha a posse direta sobre os referidos bens, tanto que a cedeu aos contratantes. 4 Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol. II – 50ª ed. rev., atual. e ampl. – Humberto Theodoro Júnior – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 115 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Contratantes humildes, pessoas de baixa renda, como Ananias Bello (mov. 1.1, p. 51), Inês de Andrade (mov. 1.1, 71), Maria Silvério Mendes (mov. 1.2, p. 69), José da Silva (mov. 1.2, p. 94), Antônio Mendonça (mov. 1.1, p. 158), e todos os outros descritos nos contratos, todos com renda familiar de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), que em março de 2004 representava somente um salário mínimo. Todos esses cidadãos brasileiros, pessoas pobres, humildes, mas dotadas, como todos deveriam ser, da dignidade inerente à condição de cidadão brasileiro, conforme a Constituição da República, todos esperançosos de, finalmente, obter o sonho dos que tem muito pouco, que não é o luxo, não são viagens caras, não são roupas de grifes, mas sim o simples sonho de um dia, ao chegar em casa após um longo dia de trabalho, abraçar seus filhos, beijar seu cônjuge ou companheiro, e ao sentar para descansar, poder ter um lugar para chamar de “sua casa”. O sonho dessas pessoas termina e começa o seu martírio, a sua tribulação, no dia 23/12/2004, data em que 29 (vinte e nove) dos imóveis são invadidos, não há dúvida da existência do esbulho, os requeridos em seus depoimentos reconhecem que ocupam a área sem passar por qualquer dos procedimentos para a seleção, alguns afirma que tem consciência que o imóvel é fruto de invasão, outros, simplesmente assumem que adquiriam os imóveis diretamente de outras pessoas, alguns há vários anos da invasão original, mas, em comum, todos tem ciência da origem clandestina de sua posse. Trago seus depoimentos no que importa: REQUERIDA SHIRLEY A Sra. se recorda quando entrou naqueles imóveis ali da Cidade Nova? - Entre 2006 e 2007. E a Sra. comprou de alguém esse imóvel? - Comprei da Jucélia. E a Sra. pagou para ela o dinheiro? - Paguei parcelado. E quantos a Sra. pagou? - R$ 3.000,00 se eu não estiver equivocada. E ela falou que o imóvel era da COHAPAR, que você teria que verificar alguma coisa lá com eles? - Não, não falou nada disso. Só quando chegou o oficial que eu fiquei sabendo da invasão, até então eu não sabia. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ E a Sra. está lá no mesmo lugar até hoje? - Sim. A Sra. chegou a pagar alguma parcela a COHAPAR? - Sim. Mas a Sra. falou que sabia que o imóvel não era da COHAPAR, como a Sra. pagou? Depois que eu fiquei sabendo que foi invadido eu procurei a COHAPAR, aí me instruíram a procurar a Marinez dos Reis, aí eu fui atrás dela, tentei negociar e não consegui, e consegui as parcelas na COHAPAR e paguei umas 4 ou 5, mas depois não liberaram mais para eu pagar. REQUERIDO ERNI. O Sr. mora ali no Cidade Nova? - Sim. Desde quando? - 2007. E o Sr. adquiriu de alguém, adquiriu da COHAPAR? Como que foi? - Eu fiz um negócio de imóvel. Eu tinha um imóvel no Morenitas e fiz uma troca com um tal de Agacir, que morava na casa na época. Então o Sr. trocou imóvel com o Sr. Agacir? - Isso. Do Morenitas o Sr. foi para o Cidade Nova? - Isso. E o Sr. ia pagar algum valor para a COHAPAR em algum momento? Foi falado que era dela o imóvel, que o Sr. iria pagar algum valor? - Sim, na época foi falado que era da COHAPAR e que precisava pagar um valor, mas eu procurei várias vezes e aí apareceu outro dono da casa e eu não tinha como pagar, sempre foi falado da COHAPAR que tinha que procurar o atual dono da casa e como era difícil de encontrar, nunca encontrei ele, foi ficando...O Sr. falou que fez uma troca de imóveis, o Sr. era proprietário do outro imóvel que o Sr. trocou? - Sim, na época esse imóvel que eu tinha ali era da época da invasão ali no Morenitas também, quase igual as casas, só que não tinha documento. Então o outro imóvel também era invadido? - Sim, é da época da invasão da Morenitas. E o Sr. trocou sabendo que era de invasão? - Sim, eu troquei porque Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ era minha. Eu comprei sabendo que era invasão, daí depois troquei com esse tal de Agacir. Mesmo sabendo que o imóvel era invadido, o Sr. foi até a COHAPAR para tentar regularizar, mas não conseguiu, isso? - Isso. REQUERIDO MELQUIDESEQUE. O Sr. mora ali no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto tempo? - 8 anos. E quando o Sr. entrou lá? - Em 2006.E o Sr. comprou de alguém? - Comprei de uma pessoa. E o Sr. de quem foi? Nome? - Não lembro, faz tempo. E o Sr. pagou alguma coisa? - Sim. Quanto? - 3.000,00. E depois o Sr. entrou em contato com a COHAPAR, soube que os imóveis eram de lá deles? - Depois de um tempo, foi comunicado pela COHAPAR, pelo correio pela Maria, veio a carta de Curitiba, fui lá para conversar com ela e ela me disse que não podia fazer nada. Eu chegava lá e ela dizia: “não posso/resolver fazer nada”. Umas trinta vezes eu fui lá, conversar com ela, dizia que ali nós estamos não querendo ficar de graça, mas ela não queria escutar nós, até na penúltima vez agora pouco TESTEMUNHA MARCELO O Sr. tem algum vínculo com a COHAPAR? Amizade ou inimizade por algum dos requeridos aqui no processo? - Não. O Sr. reside ali no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto tempo que o Sr. mora lá? - 10, 11 Anos, mais ou menos. O Sr. é mutuário da COHAPAR? - Sim. E como que foi o procedimento ali quando houve aquela invasão, o Sr. sofreu algum problema com isso? No começo, sim. E como que o Sr. resolveu? - No começo minha casa estava invadida, daí eu entrei numa outra casa, daí com o Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ tempo a minha casa que estava invadida as pessoas venderam lá até que apareceu outro rapaz, que estaria morando na casa agora. Daí como eu estava pagando a casa daí nós trocamos a casa tudo certinho. Não se pode negar a evidência que é a ocorrência do esbulho, afinal é evidente que os requeridos ocupam indevidamente os imóveis, seja pelo exercício direto da posse, desde o ano de 2004, seja pela transferência da posse, que na forma do art. 1.206 do Código Civil Brasileiro se transmite com os mesmos vícios da posse originária. No caso, nascida viciada pela violência, precariedade ou clandestinidade (CCB, art. 1.200), a posse se transmite com os mesmos vícios que o possuidor injusto a detinha. Pois bem, até aqui se está diante daquilo na teoria dworkiniana se poderia chamar de caso fácil (easy case), afinal, provada a posse indireta pela autora e o esbulho, bastaria ao julgador fazer incidir a norma do art. 560 do Código de Processo Civil sendo proferida sentença de reintegração de posse. Mas a verdade é que em países de consolidação tardia dos direitos fundamentais como o Brasil, em que décadas de exclusão e sub-inclusão (Under inclusiveness) geraram legiões de pessoas que sequer tem conhecimento das promessas constitucionais pretendidas pela Constituição de 1988, não há casos fáceis. Aqui se está diante do sonho de vários cidadãos, marginalizados pela sua condição econômica, e que viram o seu sonho de realizar em concreto o direito fundamental à moradia, ser afastado, mas não por uma ação direta do Estado, pela sua omissão generalizada em materializar a promessa da Constituição de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida”. O fato, é que o sonho de dezenas de brasileiros de baixa renda, marginalizados nas políticas públicas de habitação popular e que, por um relance, viram esse sonho se realizar, foi interrompido por dezenas de brasileiros de baixa renda, Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ marginalizados nas políticas públicas de habitação popular e que, por um relance, viram esse sonho se realizar, não se trata de um erro de digitação, se trata da tautologia necessária para expressar a realidade dos presentes autos. Aqui não se está justificando a conduta dos requeridos, ao contrário, a sua conduta é altamente reprovável pois demonstra uma total falta de empatia e solidariedade justamente para aqueles que dividem com ele as mesmas agruras, os mesmos sofrimentos que todos que tem origem nas classes menos abastadas da sociedade, como é o caso desse julgador sabem bem. Nessa condição a eles cabia não atacar, mas defender os direitos de seus iguais, ver-se feliz pelos que conseguiram o sonho e seguir na luta diária para conseguir o seu, nada justifica que os que mais sofrem, sejam os algozes de seus iguais. Mas como disse o Ministro Barroso em recente palestra na Universidade de Harvard, esse individualismo, materializado no ditado popular “farinha pouca, meu pirão primeiro” é um dos aspetos do tão repudiado “jeitinho brasileiro”5: “Uma outra característica intrinsecamente ligada ao jeitinho é colocar o sentimento pessoal ou as relações pessoais acima do dever para com o próximo e a sociedade. É o individualismo que se manifesta, não na liberdade ou na inovação, mas na falta de cerimônia em passar o outro para trás.” O easy case desaparece quando se está diante de uma situação como a dos autos, onde a invasão ocorreu 23 de dezembro de 2004, ou seja, os requeridos ocupam, ainda que indevidamente, a área há mais de 10 (dez) anos. A realidade dos autos, contudo, demanda que os requeridos não sejam vistos somente como excluídos, mas também que sejam vistos como cidadãos responsáveis por seus atos e que a sua conduta não reste incólume às consequências jurídicas exclusivamente por conta de sua condição de marginalizados. Como bem referiu o Justice 5 ÉTICA E JEITINHO BRASILEIRO: POR QUE A GENTE É ASSIM?. Luís Roberto Barroso. Disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/4/art20170410-01.pdf , acesso em 18/04/2017 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ da Corte Constitucional Sul-africana Albie Sachs6 no julgamento do caso Município de Porto Elisabeth vs Varios Ocupantes7: “Assim sendo, os que pleiteiam despejo devem ser incentivados a não se filiar em conceitos de posseiros sem rosto e anônimos como empecilhos sociais repugnantes que devam ser automaticamente expulsos. Essa abordagem estereotipada não tem lugar na sociedade preconizada pela Constituição; justiça e equidade requerem que todos sejam tratados como pessoas possuidores de direitos que fazem jus ao respeito à sua dignidade. Ao mesmo tempo, os que se virem compelidos, pela pobreza e falta de moradia, a viver em barracos na terra dos outros, não devem ser incentivados a se considerar vítimas desamparadas, sem possibilidades de representação moral pessoal. A tenacidade e engenho que demonstram ao construir casas com materiais descartados, encontrar trabalho enviar seus filhos à escola são um tributo à sua capacidade de sobrevivência e adaptação. A justiça e a equidade os compelem a se valer dessa mesma desenvoltura na busca de solução para suas dificuldades e explorar todas as possibilidades razoáveis para conseguir acomodação alternativa satisfatória ou terra.” No caso dos autos, a opção que os requeridos, e os que lhe sucederam na posse viciada, tomaram foi a de espoliar a posse dos imóveis objeto da demanda, que não pertenciam sequer à autora, que detinha a sua posse direta, mas sim a outros cidadãos brasileiros, de baixa renda, que cumpriram a lei, fizeram seu cadastro, esperaram a demora da burocracia nacional e finalmente, foram sorteados para realizar o sonho da casa própria. 6 citado na obra “Vida e Direito: Uma estranha alquimia”Trad. Saul Tourinho Leal. Ed. Saraiva. 2016. p. 108 No original Port Elizabeth Municipality v Various Occupiers, disponível http://www.constitutionalcourt.org.za/Archimages/15106.PDF, acesso em 18/04/2017 7 em Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Contrato assinado, esperança renovada, mas que foi tolhida pela conduta dos requeridos e seus sucessores, que, também excluídos optaram pela violência como forma de luta por aqui que, de fato, o Estado não lhes garantiu, mas lutaram contra os que não lhe causaram mal algum, ao contrário, são tão vítimas quanto. Essas circunstâncias são mais que suficientes para que se possa concluir que a posse dos requeridos é mero reflexo da posse injusta dos ocupantes originários, ou seja, a posse era e continua sendo clandestina, os requeridos não negam a existência da invasão, se escoram em não terem sido eles a praticar o ato, mas desse ato, desse vício congênito exercem a sua posse, que, portanto, é tão viciada quanto a dos invasores originários. O adquirente da posse de modo derivado a exerce com os mesmos caracteres daquela exercida por quem lhe transmitiu, notadamente com os vícios que a contaminavam, já que a posse guarda o caráter de sua aquisição, ou seja, se uma posse começou violenta, clandestina ou precária presume-se ficar com o mesmos vícios que irão acompanhá-la nas mãos dos sucessores. Ora, se a posse foi adquirida pelos invasores originários de forma clandestina e violenta, tal vício também atinge a posse exercida pelos requeridos que por atos translativos, a receberam daqueles, afinal, ninguém transmite a outrem mais direitos do que possui, se não possuiam posse justa não podiam transferi-la. Na lição de Arnaldo Rizzardo8: Basicamente, consagra-se o princípio da continuidade da posse, que mantém, na transmissão, as mesmas qualidades de que se revestia antes. Se, em seu início, e no curso de seu exercício, é precária, ou clandestina, ou violenta ou de máfé, perduram tais vícios ao transmitir-se para outro possuidor. Os requeridos sequer podem arguir que sua posse é de boa-fé, já que a boafé da posse está ligada a ausência de vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa (CCB, art. 1.201). Na lição de Orlando Gomes9: 8 9 Direito das coisas . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 79 Direito reais. 14ª Ed. Forense, 1999, p. 41 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ “Assim como a posse pode ser viciada objetivamente, isto é, por fato ligado à própria relação possessória, há vício subjetivo cuja existência, ou inexistência, determina a sua divisão em posse de boa-fé e posse de má-fé. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído. Para que alguém seja possuidor de um bem, preciso é que esteja convencido de que, possuindo-o, a ninguém prejudica. O direito pátrio concebe a boa-fé de modo negativo, como ignorância, não como convicção. Se tem consciência de que há obstáculo, ou se sabe da existência do vício que impede a aquisição da coisa, e, não obstante, a adquire, torna-se possuidor de má-fé. É que a posse deve ser adquirida com fundamento numa relação positiva com o antigo possuidor, que traduz, intrinsecamente, ausência de lesão a direito de outrem. Numa palavra, a aquisição deve ter causa legítima, mesmo aparente, admitindo-se, porém, erro escusável. Na posse de boa-fé, inexiste o vício subjetivo; na de má-fé, ao contrário, o que caracteriza é exatamente o conhecimento do mesmo vício subjetivo.” De se destacar que é ponto comum dentre os requeridos as sucessivas negociações dos imóveis objeto da demanda, de forma que os depoimentos prestados em juízo deixam claro não só a invasão, mas também a exploração pelos requeridos de uma verdadeira economia paralela às custas do sonho dos proprietários originais. A respeito é ilustrativo o depoimento da requerida SHIRLEY: A Sra. se recorda quando entrou naqueles imóveis ali da Cidade Nova? - Entre 2006 e 2007. E a Sra. comprou de alguém esse imóvel? - Comprei da Jucélia. E a Sra. pagou para Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ ela o dinheiro? - Paguei parcelado. E quantos a Sra. pagou? - R$ 3.000,00 se eu não estiver equivocada. O mesmo disse o requerido MELQUIDESEQUE O Sr. mora ali no Cidade Nova? - Sim. E faz quanto tempo? - 8 anos. E quando o Sr. entrou lá? - Em 2006. E o Sr. comprou de alguém? - Comprei de uma pessoa. E o Sr. de quem foi? Nome? - Não lembro, faz tempo. E o Sr. pagou alguma coisa? - Sim. Quanto? - 3.000,00. Há um padrão de preço e de negócio, o preço padrão colocado sobre o sonho dos proprietários originários é de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que equivale a menos de 1/3 do preço de avaliação do imóvel à época da contratação, fixado em R$ 8.754,30 (oito mil setecentos e cinquenta e quatro reais com trinta centavos), conforme os contratos originários. O padrão do negócio é sempre o mesmo também, contratos verbais, com pessoas não identificadas, mesmo cientes os adquirentes de que se trata de imóveis financiados com dinheiro público e já designados a outros brasileiros. É evidente que a posse dos requeridos além de injusta, é de má-fé, pois é claro que tinham plena ciência de que ocupavam imóveis destinados à habitação popular, portanto, tinham consciência da impossibilidade de adquirirem o domínio sobre os imóveis que ocupam. Contudo, dizer que a posse é de má-fé, não implica em retirar dessas pessoas seus direitos de forma absoluta, posto que ainda que de injusta e de má-fé, tem direito a serem indenizadas pelas benfeitorias necessárias que realizaram nos imóveis, sendo retirado somente o direito de retenção, na forma do art. 1.220 do Código Civil Brasileiro: Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Na lição de Maria Helena Diniz10: "O possuidor de má-fé somente terá direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias que fizer em bem alheio, executadas para sua conservação, uma vez que o proprietário seria forçado a realizá-las , se estivesse na posse da coisa, devido ao princípio de ninguém deve enriquecer sem causa. Não terá direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis. Consequentemente não poderá retê-las, perdendo-as em favor do proprietário, que as receberá gratuitamente, como compensação do tempo em que ficou, injusta e ilegitimamente, privado de sua posse. Não lhe será dado, ainda, o direito de levantar as voluptuárias, nem de reter o bem para forçar o pagamento da indenização pelas benfeitorias necessárias. Se o proprietário recusar-se a pagar as necessárias, o possuidor deverá restituir a coisa e mover ação de indenização contra o proprietário, uma vez que não tem o jus retentionis pela importância correspondente a elas..." As eventuais benfeitorias devem ser apuradas em sede de liquidação de sentença por arbitramento, onde poderão ser identificadas e quantificadas eventuais benfeitorias realizadas pelos requeridos. Mas, estando comprovada a posse anterior bem como a existência do esbulho em relação aos imóveis, devida é a sua devolução à requerente, para que possa materializar o que já deveria ser realidade desde o ano de 2004 para os contemplados com o sonho da casa própria. O caminho foi longo, infelizmente entre o início do esbulho (23/12/2004) e a prolação da presente sentença se passaram praticamente 13 (treze) anos, só me resta como julgador torcer para que os verdadeiros destinatários dos imóveis tenham mantido a 10 , Código Civil Anotado", ed. Saraiva, p. 772 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ perseverança durante essa tribulação, pois a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. Que esta sentença seja para os verdadeiros beneficiários um raio de esperança na democracia, no direito e na missão Constitucional do Poder Judiciário de garantir Justiça àqueles que dela tem fome e sede. Observo que, diante do quadro construído nos presentes autos, que o pedido de tutela provisória de urgência indeferido no mov. 1.5 (p.01) deve ser reapreciado à luz dos elementos de convicção carreados aos autos, conforme faculta o art. 298 do Código de Processo Civil. Com efeito, está presente mais que a probabilidade, com a sentença se está diante da certeza judicial acerca dos fatos narrados, já o risco de dano irreparável está presente, na medida em que, ainda que date de mais de 13 (treze) anos a ocupação dos imóveis, se deve garantir que essa situação não se perpetue no tempo, o que, por certo, implicaria em perda do objeto da demanda in natura de reintegração de posse e a sua conversão em perdas e danos, com grave risco social não só aos envolvidos, como à própria credibilidade das instituições públicas. Assim, deve ser revista a decisão anterior, posto que lastreada somente no fato de se tratar a presente demanda de força velha, para reconhecer a presença dos requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil e determinar a reintegração de posse dos imóveis objeto da demanda. Na forma do art. 8º do Código de Processo Civil deve o juiz na aplicação da lei adotar como vetores não só a finalidade social do direito mas também os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma que na mesma linha da necessidade de preservar-se os interesses dos reais proprietários dos imóveis, não se pode negar que os requeridos já ocupam a área há um prazo longo, de modo que não se pode fixar prazo exíguo para a desocupação, devendo o juízo, até mesmo por critérios de humanidade, lhes fixar prazo razoável para que possam , com o mínimo de dignidade, reconstruírem a suas vidas. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ Afinal, os requeridos violaram a lei ao manter-se na posse de imóvel a que não faziam jus, mas essa situação não pode, nem deve, lhes retirar o caráter de dignidade inerente à sua condição de seres humanos. Novamente na lição do Justice Albie Sachs11: “As injustiças herdadas no macronível inevitavelmente dificultarão aos tribunais assegurarem no presente equidade imediata no micronível. O Judiciário não pode, ele próprio, corrigir toda a injustiça sistêmica da nossa sociedade. No entanto, pode pelo menos amenizar a minimizar o grau de injustiça necessariamente acarretado pelo despejo das partes mais fracas em condições de iniquidade.” Diante de tais considerações, levando em conta os vetores dos arts. 1º, III e 3º, I da Constituição da República e art. 8º do Código de Processo Civil tenho que deve ser fixado o prazo de 06(seis) meses para a desocupação dos imóveis, a partir da publicação da presente sentença, sob , sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo de outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias (CPC, art. 139, IV), inclusive a requisição de força policial (CPC, art. 139, VII e 536, §1º), garantindo aos requeridos o direito a serem indenizados pelas benfeitorias necessárias (CCB, art. 1.220), sem qualquer direito de retenção. III - DISPOSITIVO Ante todo o exposto, ratificando a liminar (CPC, art. 1.012, §1º, V), resolvo o mérito na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO determinar a REINTEGRAÇÃO, da posse dos imóveis descritos na inicial ao autor, no prazo de 06 (seis) meses, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo de outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias (CPC, art. 139, IV), inclusive a requisição de força policial (CPC, art. 11 Op. Cit. P. 107 Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU – PARANÁ Estado do Paraná _________________ 139, VII e 536, §1º), garantindo aos requeridos o direito a serem indenizados pelas benfeitorias necessárias (CCB, art. 1.220), sem qualquer direito de retenção. Condeno os requeridos ao pagamento de das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, com base no artigo 85, §2º do CPC, considerando especialmente o elevado grau de zelo profissional, sempre prejuízo de eventual majoração na hipótese te interposição de recursos, inclusive embargos de declaração (CPC, art. 85, §11), verba suspensa pela concessão do benefício da justiça gratuita. Interposto recurso da presente sentença, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões (CPC, art. 1.010, §1º), e após, independente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1010, §3º) remetam-se os autos ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Foz do Iguaçu, 18 de abril de 2017. -assinado digitalmenteROGERIO DE VIDAL CUNHA Juiz de Direito Substituto Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJT8Q R3EWG BUYBE H3MEK PROJUDI - Processo: 0015348-06.2007.8.16.0030 - Ref. mov. 130.1 - Assinado digitalmente por Rogerio de Vidal Cunha:16706 18/04/2017: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: sentença