OBESIDADE E MIDIA: O LADO SUTIL DA INFORMAÇÃO Autor(es) : Flávia Maria Lacerda Felippe Profa. Doutora em Serviço Social-PUCRS (autor proponente) email: [email protected] Rogério Friedman- Prof. Dr. Faculdade de Medicina- UFRGS [email protected] Nutricionista Mestranda Bianca da Silva Alves- UFRGS [email protected] Nutricionista Gabriela Herrmann Cibeira- UFRGS [email protected] Acad. Lívia Eichenberg Surita- UFRGS [email protected] Acad. Cinara Tesche- PUCRS [email protected] Resumo Este estudo integra uma pesquisa que avalia a discriminação social contra indivíduos obesos. Nesta etapa, foram examinados os dois jornais periódicos de maior circulação na cidade de Porto Alegre e duas revistas de maior circulação nacional, durante o período de setembro de 2001 a julho de 2002, para contextualizar o problema e verificar como a obesidade e a discriminação são tratadas pelos meios de comunicação. Realizou-se uma análise do material escrito e a construção de mapas representacionais, baseados na hermenêutica de profundidade, objetivando explorar os sentidos e significados de imagens e textos de um fato comunicacional: a obesidade Levantaram-se as seguintes categorias emergentes do tema obesidade: humilhação, desvalia, discriminação, padrão estético, auto-estima e informação/orientação Palavras-chave: mídia, obesidade, teoria da representação social, discriminação Abstract The aim of this study is to evaluate the social discrimination against obese individuals as reflected in the press. Between September 2001 and July 2002, two important newspapers of Porto Alegre, and 3 national weekly magazines were analyzed. Every issue in the study period was examined by the hermeneutic method. Representation maps were constructed from each group of expressions found. 819 issues were read. 32 categories of discrimination were identified. We conclude that there is a strong social representation of the obese individual as a weak person, without willpower, with feelings of low self-esteem, remaining outside the established esthetic patterns. The media imposes an unreachable beauty stereotype (thin), and discriminates the obese person in a non-subtle fashion, by means of aggressive messages, which are not stimulating, and increasethe low self-esteem of the obese sufferer. Key Words: media, obesity, theory of social representations, discrimination. INTRODUÇÃO O aumento da prevalência de obesidade alerta para um importante problema de saúde pública que demanda a verificação dos graus de discriminação e de proteção dos indivíduos obesos. O assunto ganha destaque nos meios de comunicação de massa que tratam o problema das mais diversas formas, estimulando tanto a venda de produtos alimentícios oferecidos pela indústria de consumo, como a definição de um padrão estético corporal. A comunicação é uma arma poderosa se considerarmos seu poder de manipulação de informações. Os meios de comunicação de massa são agentes formadores de opinião e criadores-reprodutores de cultura (Thompson, 1999). Champagne (1998) considera que a mídia, quando comprometida com a defesa de interesses, fabrica acontecimentos a fim de configurar a realidade que visa divulgar. A partir daí, as mensagens são elaboradas e lançadas ao grupo social. Essas mensagens formam e transformam os modos de pensar e de agir do grupo alvo, ou seja, interferem na cultura local. A mídia fabrica coletivamente a representação social que for conveniente e “mesmo quando está muito afastada da realidade, perdura apesar dos desmedidos ou das retificações posteriores” (Champagne, 1998:64), reforçando e mobilizando os pré-julgamentos. Jodelet (1999:36) define a Teoria das Representações sociais como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Compreender o fenômeno da obesidade a partir dessa teoria significa crer que existem pressões que levam as pessoas a fazerem o que fazem. A representação social constitui um dos conceitos fundamentais do modo de vida e do cotidiano, estando relacionada à ideologia. Por um lado expressa a fragmentação da consciência cotidiana, por outro, o poder simbólico. A dominação simbólica é exercida por meio da linguagem, dos símbolos e signos por onde veicula a comunicação. Se a RS da obesidade contém características ideológicas, ela está sendo construída através do estigma que envolve o obeso. Moscovici (1984) afirma que as pessoas não são receptores passivos, mas produzem e comunicam suas próprias representações, através das relações cotidianas. Se a mídia não se limita a ser imparcial, apenas informando, ela pode tomar partido e posicionar-se para aquilo que parecer ser mais interessante e lucrativo, e isso é ideológico. A venda da informação desconsidera a repercussão que esse tipo de pressão exerce na saúde pública, ao carregar o sentido de um modelo ou padrão de beleza inatingível e destratar a doença obesidade, colocando-a como apenas um problema de “gula, desleixo ou preguiça”. Esses são também os estereótipos criados pela figura do obeso que de doente passa a “relaxado”, deixando para emagrecer somente à véspera do verão. Dessa forma, discriminações e preconceitos vão tomando forma, já que categorizam e rotulam para excluir/incluir (Guareschi:1999). Jodelet (1999:59) escreve que o preconceito ‘é um julgamento positivo ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma pessoa ou de uma coisa.” A discriminação é uma forma de exercício de poder para excluir, rotular e etiquetar estereótipos socialmente fabricados. Entender esses efeitos sociais do uso e da compreensão das formas simbólicas e explicar como se reproduzem as relações de poder e dominação é o caminho que elegemos para situar socialmente essa doença e verificar quais são os mecanismos que garantem a reprodução das relações sociais existentes. Pretende-se analisar de que forma os meios de comunicação vêm tratando a questão da obesidade, ou seja, se as mensagens veiculadas na mídia caracterizam discriminação. MÉTODOS A coleta de informações consistiu na pesquisa dos dois jornais periódicos de maior circulação na cidade de Porto Alegre e de duas revistas de maior circulação nacional, durante o período de setembro de 2001 a julho de 2002, a fim de se contextualizar o problema, tentando descobrir como a obesidade e a discriminação são tratadas pelos meios de comunicação. A delimitação desse período refere-se ao início e término do verão na cidade de Porto Alegre, época em que as pessoas expõem seus corpos ao público em função do calor da estação. Selecionaram-se unidades de significados, frases ou palavras, que expressam um sentido e são representativas por sua freqüência e intensidade. Realizou-se uma análise de conteúdo do material escrito e construção de mapas representacionais, baseados na Hermenêutica de Profundidade (Thompson, 1999), objetivando explorar os sentidos e significados de imagens e textos de um fato comunicacional, a obesidade. Tratase de um referencial metodológico, de um processo interpretativo, complexo, composto por três estágios de análise: análise sócio-histórica — a que possibilita a compreensão e contextualização da obesidade; análise formal ou discursiva — que permite a análise temática e a identificação de formas simbólicas apresentadas nos discursos da mídia; a interpretação ou re-interpretação — que compreende a construção criativa do significado com a perspectiva de algo que é representado ou dito. Em todas as etapas, o interesse pela ideologia orienta a análise rumo à identificação das relações de dominação. As diferentes fases devem auxiliar o pesquisador a perceber onde e como está operando a ideologia, através das formas simbólicas. Thompson define ideologia como o uso de formas simbólicas que servem para estabelecer e sustentar relações de dominação e sugere alguns modos de operação da ideologia como estratégias de construção simbólica. RESULTADOS Através da coleta e análise dos 5 (cinco) veículos de comunicação, examinaram-se 819 edições, destacando-se, ao todo, 32 unidades de significado. Levantaram-se as seguintes categorias emergentes do tema obesidade: humilhação, desvalia, discriminação, padrão estético, auto-estima e informação/orientação, as quais serão apresentadas a seguir: Mapa de Categorias A categoria humilhação, por exemplo, apresenta termos mobilizadores de sentido, como a dificuldade do obeso em encontrar um manequim, sentar-se em poltronas de cinema, ou "entalar" nos ônibus. Não sendo rara a associação do sobrepeso com a má aparência. Na categoria desvalia são apresentados os termos e expressões que demonstram o sofrimento, o desespero, a dor , a desesperança e a desqualificação sentidas pelos obesos. Observou-se que os meios de comunicação de massa bombardeiam as pessoas com imagens que associam a felicidade à figura esbelta. Na propaganda dos serviços e produtos para emagrecer, levanta-se a preocupação com as conseqüências da obesidade, indicando aos indivíduos que eles são os responsáveis por tomar as providências cabíveis. DISCUSSÃO Através das categorias analisadas, observou-se que há uma forte representação social do indivíduo obeso como um desclassificado, sem força de vontade, o qual teria sentimentos de baixa auto-estima colocando-se fora dos padrões estéticos estabelecidos. Percebe-se que as mensagens da mídia impõem um estereótipo de beleza inalcançável e estimulam uma exigência para alcançá-lo. Sendo que essa atitude de segregação e rechaço, demonstrada mais por jornais por conterem sátiras do que por revistas que apresentam conteúdos de informações, reforça a desvalia percebida pelo mesmo. Acredita-se que a mídia estimula o padrão estético magro, discriminando o gordo de uma maneira não sutil, com mensagens agressivas, persuasivas e pouco estimuladoras, reforçando a baixa auto-estima percebida pelos indivíduos obesos em sua desvalia. Evidencia-se que aparecem em número mais significativo mensagens e textos de conotação negativa e discriminatória do que aspectos que tratem da obesidade como doença, definindo-a como um problema de saúde pública. BIBLIOGRAFIA CHAMPAGNE, Patrick. A visão mediática. In: BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. GUARESCHI, Pedrinho. Pressupostos Psicossociais da Exclusão: competitividade e culpabilização. In: SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão. Petrópolis: Vozes, 1999. _________. (Org) Os construtores de Informação: meios de comunicação, ideologia e ética. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. JODELET, Denise. Os processos psicossociais da exclusão. In: SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. MOSCOVICI, Serge. The phenomenon of social representations. In: FARR, R. MOSCOVICI, S. Social representations. Cambridge: Cambridge Unversity Press, 1994. SPINK, Mary Jane et al. O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995. THOMPSON, John B. Mídia e modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995. ______. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1999. Voltar para Grupo de Trabalho 7 – Mídia, Saúde e Alimentação Voltar para o menu principal