tema Reminiscências “Educação dos sentidos”. Era isso que dizia a A mancha de infiltração na parede que um dia foi placa. Chamou-me a atenção a preposição, comentei branca me remetia ao O Cortiço. A porta era de madei­ com uma amiga. Não foi surpresa constatar que aquela ra com um vidro fosco no meio. A campainha estava menina com cabelo cor de abóbora desconhecia o teor quebrada e vali-me da velha batida de palmas. Não, não do que eu dizia. Gramática para ela tinha outro nome, e era João Romão o protagonista, mas sim uma Bertoleza composto: Maria José. A professora do colegial, que era da vida moderna. Negra, calça Lee, unhas policolores e lembrada pela cara carrancuda e aulas sem sentido. Para sandália plataforma. "Posso ajudar?" Pensei em explicar mim, o sujeito pleonástico, o objeto direto preposiciona­ toda a questão gramatical da minha visita, em vincular do ou as subordinadas concessivas eram tão fascinantes minha curiosidade a/em/por/contra/entre preposições, quanto os enredos de Saramago. Meu comentário ficou mas limitei-me a dizer: “Vim me inscrever para o curso. no vácuo, como dizíamos na nossa tribo, humildemente Sou professora e me interessei pela proposta”. intitulada de “Rainhas”. Mas o fato é que a propaganda Ela sorriu. Pareceu-me que minha profissão era ab­ não saía da minha cabeça. surdamente irrelevante naquele momento. “Sente-se”, “Educação dos sentidos”? disse. “Um abajur cor de carne e cortinas de estrelas...” Como seria educar os cinco A música do Ritchie cabia perfeitamente na descrição da sentidos? sala. Achei de mau gosto, kitsch, brega; metonimicamen­ "Os sentidos, para mim, eram paradoxais à educação. Como determinar o que os olhos veem? Como escutar só o que se deve? Como reger o tato? Como engolir sapo sem o gosto amargo do desaforo? Como sentir apenas cheiro e não ódio?" Todos eles (os sentidos), te falando, Odair José. A mesa livre de papéis impressio­ para mim, eram paradoxais à nou-me. Apenas um cinzeiro de prata peruana compu­ educação. Como determinar nha, junto com o abajur, aquele suposto local de trabalho. o que os olhos veem? Como “Nossos cursos são ministrados à noite ou aos finais escutar só o que se deve? de semana, sempre junto com seu parceiro...”, contou. Como reger o tato? Como Parceiro? Pensei alto. Ou parceira, claro. A capacidade engolir sapo sem o gosto amargo do desaforo? Como de brincar com o corpo deve ser aprendida, daí a neces­ sentir apenas cheiro e não ódio? Educação x sentido. sidade de ambos estarem presentes. Nossos órgãos do Educação com sentido. Educação consentindo. Educa­ sentido fazem amor com o mundo. Ela explicou parafra­ ção não faz sentido. Agora, “Educação DOS sentidos”? seando Roland Barthes (alguém de quem ela provavel­ Seria o mesmo que coordenar “inteligência” e “emo­ mente nunca ouvira falar). O quadro do Kama Sutra na ção”. Tudo bem, parece-me que existe um best-seller parede ao lado da porta, que só reparei quando já estava sobre isso, mas acho o oposto. É a razão que a emoção de saída, esclarecia o resto. Havia uma dita arte em que procura. Inteligência racional. eu precisava me especializar. Não foi dessa vez. Por hora A propaganda não saía da minha cabeça. No dia contentei-me em elucidar o que me afligia. “Educação seguinte, fui ao local sozinha. Mesmo se encontrando dos sentidos” agora fazia sentido. Afinal, preposição ou no centro da cidade, a casa passava despercebida pe­ preposiçães é questão de opiniães! Viver é realmente los transeuntes. “Educação dos sentidos”. Certamente muito perigoso! aquela preposição não era a preocupação de ninguém. Candice Almeida (PR).