A MODERNIDADE REFLETIDA ATRAVÉS DA RAZÃO THE

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Revista Filosofia Capital
ISSN 1982 6613
Vol. 9, Edição 16, Ano 2014.
A MODERNIDADE REFLETIDA ATRAVÉS DA
RAZÃO
THE MODERNITY REFLECTED THROUGH
REASON
HEINEN, Isabella Vivianny Santana1
RESUMO
Este artigo almeja explanar uma proposta de interpretação da modernidade, através da
perspectiva nietzscheana de uma crítica da razão. Considerando a análise de Nietzsche em
relação à crítica ao sujeito moderno, em que este se coloca como centro e referência
mediatizada pela razão, associada ao princípio de identidade constituído por parâmetros
metafísicos. Para tanto, sugestionamos que as construções da modernidade são requeridas por
um descomedimento de autonomia e criatividade, aspiradas inclusive por Nietzsche, no
entanto, elucida-se que a capacidade criadora indicada por ele não é fundamentada no uso
incondicional da razão como formato de valoração, que em certa medida é expressa na
configuração do homem do presente. Nesse âmbito, sugere-se que o caráter universalizante
age como um meio de dominação, que expõe para si a tentativa de forjar um indivíduo
estritamente racional.
Palavras-chave: Modernidade; razão; Nietzsche.
ABSTRACT
This article aims to explain a proposal for interpretation of modernity, through the perspective
of a Nietzschean critique of reason. Considering the analysis of Nietzsche regarding criticism
of the modern subject, in that they are intended as a reference and center mediated by reason,
associated with the principle of identity constituted by metaphysical parameters. To do so, we
suggest that the constructions of modernity are required by an extravagance of autonomy and
creativity, aspirated even by Nietzsche, however, it is elucidated that the creating capacity
indicated by him is not grounded in unconditional use of reason as a valuation way which in
some way is expressed in man's configuration of the present . In this context, it is suggested
that the universalizing nature acts as a way of domination, that exposes itself to the attempt to
forge a strictly rational individual.
Keywords: Modernity; reason; Nietzsche.
1
Graduada em Filosofia Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal do Pará, Mestranda da
PósGraduação em Filosofia da Universidade Federal do Pará. Email: [email protected].
Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/7935029403126809.
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Modernidade e Razão
Nietzsche, por meio de sua intenção
genealógica,
provoca
o
idealismo
constituído na história da filosofia que
preconizava a razão como mecanismo de
um avanço contínuo do homem,
configurado pela confiança em um sentido
teleológico, concepção preponderante na
idade média, ou seja, um pensamento
metafísico de cunho religioso.
A crítica articulada à modernidade
estabelece-se desde sua base racional,
enquanto propagadora das luzes para a
emancipação do sujeito consciente de si.
Nietzsche ao provocar os pressupostos
cartesianos,
afirma
as
distintas
possibilidades da existência humana, como
devir, enquanto força ativa, já que em
Descartes existiu uma convergência do eu,
por meio de um afastamento do mundo.
De acordo com Danilo Marcondes
(2004), duas considerações são importantes
para a compreensão da modernidade, a
saber, o termo progresso, que permite que o
poder de inovação seja tomado como
valoração, pois acaba por qualificar tudo
que antecede esse processo como inferior
ou pior; e, por conseguinte, a
supervalorização do homem e sua
subjetividade, esta, por sua vez, tomada
como fonte incontestável de verdades, e
projetora de regras e valores, efetivando
com isso, uma contrariedade à tradição
filosófica.
O aparecimento da modernidade
coloca o homem no topo, no centro,
patamar estabelecido devido a intrínseca
relação com o seu logos, preeminente
influenciado, pelas descobertas do período
renascentista, cuja busca por novos
territórios, trazem consigo a aproximação
de outras culturas, outros modos de vida, e
uma nova visão sobre as coisas a sua volta,
tanto no campo político, quanto religioso.
Em vista disso, o período moderno
caracteriza a perda do medo, da ascensão da
criatividade, da força, e enaltecimento do
poder do homem, tal qual na mitologia
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grega, em que o titã Prometeu, desafia o
poder de Zeus, a fim de fomentar a força
dos homens. Com a modernidade o mundo
precisou se reorganizar, se reestruturar, “o
que marca a modernidade é a
supervalorização da ideia de homem em
detrimento da ideia de Deus.” (MOSÉ,
2012, p. 125). Ou seja, o homem passou a
ocupar o centro, mas ainda precisava de
uma referência, de uma direção, e esta é
concedida pela primazia do uso da razão,
possibilitando maior esclarecimento, maior
controle e autonomia para restaurar a
unidade perdida com o abandono da
orientação divina.
A razão representa, então, a
universalidade, o componente pertencente a
todos os homens, adquirindo a categoria de
base, sem a qual o mundo não pode se
estabelecer, e, por isso mesmo, é ela a
possibilitadora de dar unidade a cada classe
pertencente ao mundo. A razão desabilita as
crenças antigas, exaltando a ideia de novo
mundo, através do conhecimento ela impõe
suas verdades.
O poder divino é deposto, tornando-se
obsoleto, sua lógica é desmontada, por não
mais conseguir trazer soluções às crises da
humanidade, por não apresentar nenhum
embasamento científico, a divindade perde
espaço e oferece lugar a ação humana, o
sujeito é o agente, não mais o subserviente,
é atribuído somente a ele à responsabilidade
de suas deliberações.
De acordo com Weber (2011), o
movimento intelectual Iluminista do século
XVIII, ou século das luzes, foi o autêntico
desencadeador
do
processo
da
modernidade, conferindo a razão um poder
ilimitado e incondicionado, com o intento
de dispersar as trevas, e trazer o
esclarecimento obtido através da razão.
O período moderno tentou erigir-se
livre do poder da tradição, alicerçando-se
na razão do sujeito, na confiança na ciência,
e nos benefícios que a mesma poderia criar.
Mas, a ciência também trouxe malefícios, e
por muitas vezes o caos se instalou, e com a
absolutização da racionalidade, o discurso
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de progresso não foi interrompido ou
esquecido, foi simplesmente revelando as
consequências do uso extremo da razão.
A filosofia tem um papel de destaque
no período moderno, no texto O que é o
iluminismo de Michel Foucault, a
modernidade é percebida como retrato da
filosofia, apresentando a função de
problematizar as questões da atualidade, e o
filósofo de propiciar um ambiente de
discussões, a filosofia seria, portanto, a
expressão da modernidade.
E essa expressão apresenta uma
exaltação na autonomia do sujeito, e na sua
procura pelo saber, o anseio pelo progresso,
pelo novo, influência Iluminista, trouxe
igualmente consigo a ideia de que o mundo
estava tornando-se melhor, a partir da
segurança garantida por um conhecimento
insubordinado.
Porém, anterior ao posicionamento
Iluminista Nietzsche já deflagrava as ruínas
na qual a razão se encontrava, interrogando
as verdades prontas, e o modo tradicional
de se pensar, desqualificando a estrutura
sistemática de se conhecer.
Nietzsche consegue adentrar na
tradição filosófica, e discutir em caráter de
urgência o homem como plural, como
potência, como vontade, como diversidade
de forças que se chocam e criam novas
forças. Mais tarde no século XX, Deleuze
corrobora dizendo:
existência, ocorrem pela distinção, pela
diferença, e por sua vez, pela afirmação,
contrariamente ao que pensava Descartes,
com as proposições de conservação e de
unidade. Em Nietzsche, o sujeito não é
considerado indiferente, não se apóia na
crença que a realidade é fruto de princípios
racionais, mas de contradições.
Nietzsche toma os grandes erros
estabelecidos, justamente pela aceitação do
sujeito numa perspectiva metafísica, esta
para ele, perde o caráter primordial, dando
lugar aos acontecimentos, a dinamicidade
dos cursos da história, a contraposição das
forças, que exprimem o grau de energia
distendido, e, por conseguinte, expandido.
Ao
questionar
procedimentos
baseados
em
métodos
estritamente
racionais, mobiliza uma nova maneira de
interpretação da existência, cujo olhar
volta-se para a objeção do sujeito em si,
para a não logicidade, para o
acontecimento, para a afirmação de forças,
para a multiplicidade de estados em
expansão. O sujeito, então, para Nietzsche é
proveniente de disposições que concernem
o todo, sem, contudo, tratar-se de uma parte
capaz de representar o todo, mas expressar
a diversidade encontrada em um mesmo
sujeito, imprimindo o que tem de singular,
de único. Pois, acerca da proposição tão
famosa de Descartes “Penso, logo existo”, o
filósofo contemporâneo alude:
A pergunta tão frequente em Nietzsche: o
que uma vontade quer? O que quer este?
Aquele? Não deve ser compreendida
como a procura de um objetivo, de um
motivo nem de um objeto para esta
vontade. O que uma vontade quer é
afirmar sua diferença. Em sua relação
essencial com a outra, uma vontade faz
de sua diferença um objeto de afirmação
(...) A diferença é o objeto de uma
afirmação prática inseparável da essência
constitutiva da existência. (DELEUZE,
1976, p. 7)
‘Pensa-se: logo, existe algo pensante’:
aqui
desemboca
a
argumentação
cartesiana. Isso significa, porém,
estabelecer previamente nossa crença no
conceito de substância como ‘verdadeiro
a priori’: - que tenha que existir ‘algo que
pense’, quando se pensa, é, porém,
simplesmente uma formulação de nosso
hábito gramatical, que estabelece um
agente para o fazer. Em resumo: aqui já
se institui um postulado lógico metafísico - e não apenas se constata . . .
Pelo caminho cartesiano não se chega a
algo absolutamente certo, e sim ao fato
de
uma
crença
muito
forte.
(NIETZSCHE, 1990, p. 145)
Desse modo, podemos compreender
que as forças são as construtoras da
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As categorias metafísicas, de certo
modo, acabaram por expressar o
agrupamento do mundo inserido em uma
espécie de método linguístico dirigido pela
razão, demonstrado na máxima descartiana,
“Penso, logo existo”, ou seja, um esforço de
proceder com a ideia de homem como
substância, pautado em uma lógica
mecanicista.
A sociedade moderna é marcada
pelos exageros, que criam novas
representações da liberdade, e como
resultado, impetra-se novas intempéries,
novas crises e aflições. Ocorrendo a quebra,
a desestruturação do mundo moderno. As
formas de viver e se relacionar do sujeito,
revelam a individualidade do progresso, a
competitividade própria de tal período, o
consumo exacerbado faz desse momento o
mais desgastado e vulnerável. O sujeito
habita dentro de si, o EU é ainda mais
valorizado, pois o que move essa sociedade
é o objetivo do porvir, da descoberta de
novas verdades comprovadas pela ciência.
Argumenta-se que a modernidade
propicia a expectativa de um movimento
inovador, que deixa geralmente de lado, a
máxima de se alcançar o bem-comum, o
desejo nessa sociedade é conquistar e
dominar. Dominar a si mesmo, os bens e o
progresso, são prioridades. Aquilo que
parece distante de beneficiá-lo, também se
torna impensável, pois os esforços devem
ser em benefício próprio, e não comum.
Instala-se
uma
crescente
desvalorização e descredibilidade nas
edificações da modernidade, os valores
foram corrompidos pela ambição, porém
isso é justamente o que move essa
sociedade,
a
aparente
liberdade
incondicionada. A indiferença e apatia
proclamam a chegada da modernidade, pois
ao passo que se tem o sujeito moderno no
centro, a razão como condutora das ações
deste, o progresso, a técnica, o poder, se
tem também, a volúpia, a fugacidade, os
prazeres são tão efêmeros, que acabam
passando despercebidos, e por isso trazem
consigo as angústias próprias dessa era
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moderna. E, por outro lado, traz também
recompensas, já que a experiência é fugaz,
criaram-se formas e técnicas de eternizá-las,
e tornar o sujeito moderno que se julga
insubordinado, refém de si mesmo.
A modernidade instaurou um padrão
de conduta, em que a liberdade guia o
sujeito às práticas hedônicas e narcíseas,
cujo indivíduo tem como referência a si
mesmo, suas necessidades, seus projetos. O
narcisismo torna essa sociedade incerta e
desequilibrada,
pretende
sempre
a
superação individual, percorre o caminho
delirante do novo apenas consigo mesmo,
não faz devoções ou pedidos, julga-se
inteiramente capaz de alcançar qualquer
que seja o objetivo por si só, pois é forte, é
habilidoso e extremamente racional.
Nietzsche (1992) destaca que, a
modernidade é o período da amalgamação
de regras e valores contrapostos, e sobre
isso reitera Barrenechea: “Nietzsche
“diagnostica” uma degenerescência coletiva
crescente, uma mistura social sem
hierarquias, uma perda de energias e
esforços em prol de uma unidade híbrida e
mestiça, sem caráter distintivo, vítima do
caos e da anarquia.”(BARRENECHEA,
2003, p. 38), isto é, destaca-se uma época
de
muitas
experimentações,
em
contrapartida o momento de agravo da
faculdade do absoluto que fundamenta os
valores desse período, os antigos métodos e
sistemas tornam-se suspeitos, que não tem
mais um princípio responsável por dirigir o
homem. Ele atribui a arte à melhor
perspectiva para a compreensão do homem
e suas relações sociais, por estar livre de
qualquer distinção entre bem e mal, por se
encontrar além das concepções de verdade
ou falsidade, e estar além dos juízos de
valor. Nietzsche escolhe a não adesão à um
princípio fundamental, capaz de orientar a
sua conduta de modo universal.
Em tal medida, a modernidade é
enfrentada como uma grande aglomeração,
que desorienta as classes, os sistemas, em
que as condutas carregam consigo valores,
hábitos, paixões provenientes de distintas
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ramificações, todos em devotado embate
uns com os outros, cujo homem desse
tempo agrega as mais variadas experiências
e descobertas, seus instintos são combalidos
por vontades outras. O convalescer da
vontade nesse ambiente de transformações,
produz dois tipos de homem, um tipo
perturbado, cansado, e com um desejo
ardente de encontrar a felicidade, o outro,
também se apresenta fadigado e padecido,
mas ao contrário do primeiro, usa o que lhe
acomete a seu favor, guerreia com os
sentimentos opostos, pois esse é seu grande
incentivo para a vida.
Nesse sentido Araldi discorre que:
O niilismo, na Europa “moderna”, é visto
por Nietzsche como um singular
processo de dissolução, que se
desencadeia sob o signo de uma
ambiguidade
inquietante.
A
autodestruição dos valores morais
ocasiona uma despotenciação do valor do
homem, tal como foi moralmente
estabelecido.
Não
ocorre
uma
consumação da modernidade no sentido
do acabamento (Vollendung) de um
processo que chega a seu fim, à sua
máxima perfeição. Os movimentos
modernos, da moral, da política, da
cultura, da sociedade, consumir-se-iam
em seus próprios antagonismos; são eles,
no entanto, as características próprias
desse tempo. (ARALDI, 2013, p. 39)
Constata-se que com o turbilhão da
modernidade, se alcança o auge niilista,
cujo abrandamento da vontade, e
consequente vontade de nada são suas
maiores características do niilismo na
modernidade, pois a perspectiva da
valorização da vida é desconsiderada em
função da moralidade engendrada pelos
juízos de valor, mas ao mesmo tempo esse
processo é silenciado para trazer à tona uma
nova perspectiva, uma nova interpretação.
Nesse sentido, a modernidade
caracteriza de um modo, o momento de
ruína dos valores, e de outro modo a
correção do espírito. O homem da
modernidade, não se caracteriza mais pela
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hierarquia, pois seus instintos não se
sobrepõem uns aos outros, encontram-se
amontoados. Os homens tendem a
desagregação nas configurações de poder,
tornando fracos a si mesmos, por uma
disputa desmedida nos julgamentos
valorativos.
Esse filósofo extemporâneo nos
desassossega ao assentar a vida sem o apoio
na racionalidade, nas suas regras, nos seus
valores, pretendendo estimular a revisão, a
reelaboração, à construção por outro viés,
se afastando dos holofotes científicos da
modernidade.
Devido
ao
afastamento
do
Iluminismo, as verdades concebidas
configuram apenas uma produção histórica,
grandes pensadores e filósofos, se
posicionaram contrariamente as verdades
estabelecidas no século XIX, Nietzsche,
compõe essa gama de opositores e críticos a
esses modelos prontos.
Ademais, conforme Mosé (2012)
podemos considerar que a apropriação do
sujeito pela metafísica, causou num âmbito
histórico, uma desvalorização da vida, pois
se optou por desqualificar algumas das
características concernentes ao sujeito, a
saber, as vontades, as paixões, os desejos,
os instintos. Todos esses sentimentos foram
compreendidos como sentimentos baixos,
mundanos, que precisavam ser dominados,
controlados, e até aniquilados, em prol da
soberania da razão, que por sua vez, foi
exaltada por demonstrar que quem a
tomasse como gestora de suas ações, seria
visto como sujeito pensante, sábio detentor
do conhecimento.
De modo que, a boa execução das
ações em sociedade dependia do
comedimento dos instintos e da moderação
dos desejos, para assim favorecer a vida
gregária, pois de acordo com Nietzsche, o
homem só agrega conhecimento em função
de sua utilidade, de modo que o ato de
conhecer é um dos constituintes da
comodidade do homem gregário. Este
precisa ser detentor do conhecimento para
se defender e preservar seu contato com os
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demais de sua espécie, isto é, agir, de
acordo com as determinações morais, e, por
conseguinte orientado pelos princípios
racionais, porém Nietzsche sugere uma
espécie de prevenção para que o homem,
não se contamine pela vida gregária.
Scarlett Marton, em seu artigo, destaca essa
discussão:
Além de profilática, a solidão é, pois,
restauradora; mais ainda, ela converte-se
na
marca
distintiva
de
Nietzsche/Zaratustra...Afinal é só na
solidão que se cria. Na cidade os sentidos
ofuscam-se mediante o alarido dos
homens, o ruído dos grandes, o zumbido
das moscas venenosas. No mercado, o
olhar turva-se perante o espetáculo dos
senhores da hora, dos que fazem
estardalhaço, dos que levam ao delírio.
No vale, o tato entorpece-se diante da
cobiça e da sofreguidão, da vaidade e da
arrogância, das ervas daninhas que
cessam de proliferar. Mas outro é o ritmo
da criação, lento é o tempo da solidão.
(MARTON, 2000, p. 87-88)
Nessa perspectiva, é somente ao
distanciar-se da vida coletiva ou gregária,
que o homem consegue deixar de lado as
prescrições estabelecidas a fim de coibir
seus impulsos, é só com a solidão que o
homem sente-se pertencente a natureza,
sendo também através dela que se torna ator
de sua própria existência, quando permite
ao corpo se manifestar, as forças se
contrapõem, descobrem, e criam.
Por isso mesmo, estabelecer certo tipo
de conduta e enquadrá-la como modelo
geral de comportamento traça o perfil do
homem gregário, regido por uma certeza e
fixidez engendradas na vida em sociedade,
desenvolvendo
uma
orientação
determinante que possibilita apenas um
olhar. Podemos reforçar essa questão, na
seguinte passagem de A genealogia da
moral:
Só há visão perspectiva, só há
conhecimento perspectivo; e quanto mais
deixamos os sentimentos entrarem em
consideração a respeito de alguma coisa,
Vol. 9, Edição 16, Ano 2014.
quanto mais sabemos incorporar novos
olhos, olhos diferentes para essa coisa,
mais nosso conceito desta coisa, nossa
objetividade será completa. Eliminar a
vontade, afastar todos os sentimentos
sem exceção, supondo que isso fosse
possível, não seria castrar o intelecto?
(NIETZSCHE, 1998, p. 109).
Admitir um modo unilateral, segundo
Nietzsche, não seria tolher o entendimento?
Negar a vida, seus mistérios e
multiplicidades? Os sentimentos não podem
ser
simplesmente
negados
ou
desconsiderados, mesmo de maneira
latente, encontram-se agindo, em um
processo constante de vir-a-ser.
Com
isso,
considera-se
que
distintamente do que concebia a metafísica,
pode-se inferir que Nietzsche coloca o
sujeito moderno como integrante do
mundo, e que agora solicita uma quebra das
relações constituídas, para que assim gere
intensidades outras, novos modos de
subjetividade, sem ter como baliza uma
verdade imutável e universal. É como se
Nietzsche anunciasse a decadência da
soberania do sujeito, em favor da não
limitação deste, pois a determinação de
limites encontrava-se amparada pela
objetividade e pelos mecanismos racionais
de compreensão da existência, sem
considerar o que ocorre por meio da
elasticidade e subversão.
Destarte, quando Nietzsche acena
para o que caracterizou como socratismo,
não se coloca como um contrário, um
opositor ao uso da razão, em favor dos
instintos. Sua denúncia encontra-se na
razão como instrumento do homem para
dominar suas paixões e instintos, sua crítica
é ao processo de racionalização engendrado
desde o nascimento da polis, e impregnado
na história da civilização, estabelecendo a
razão como detentora da verdade, das
certezas, que só empobrecem a vida e o
mundo.
Referências
Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 9, n. 16, p. 30-36, jan/dez2014.
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